Resumos
O presente artigo discute as relações entre empreendedorismo étnico e religião em comunidades imigrantes. Enquanto o impacto das redes sociais no empreendedorismo étnico tem recebido atenção da literatura, os efeitos da afiliação a organizações religiosas são ainda um tópico pouco pesquisado. O presente estudo mostra que diferenças na estrutura institucional de comunidades religiosas, nas formas de financiamento de suas atividades, nas tarefas dos sacerdotes e pastores e no conteúdo de seus discursos são fatores importantes a serem considerados no estudo do impacto da religião no empreendedorismo étnico. A análise é feita a partir de dados qualitativos obtidos em comunidades brasileiras nos EUA e sugere que as igrejas protestantes criam um ambiente mais favorável para o empreendedorismo étnico. Nosso principal objetivo é chamar a atenção de pesquisadores brasileiros sobre a importância da questão étnica e das redes religiosas nas iniciativas empreendedoras.
empreendedorismo étnico; imigração; religião
This work discusses the relationships between ethnic entrepreneurship and membership in churchaffiliated social networks in immigrant communities. While the impact of social networks on ethnic entrepreneurial processes has been receiving attention in the literature, the effects of membership in religious organizations are still a relatively under-researched topic. The present study shows that the differences in the structure and funding of the churches, in the roles of their clergy, and in the content of their discourses are important factors to be considered while studying the impact of religion on ethnic entrepreneurship. The analysis is illustrated with qualitative data obtained in Brazilian communities in the U.S and suggests that Protestant churches create a more favorable environment for ethnic entrepreneurship. Our goal is to call the attention of Brazilian researchers to the importance of ethnicity and religious networks in entrepreneurial initiatives.
ethnic entrepreneurship; immigration; religion
ARTIGOS
Afiliação religiosa e empreendedorismo étnico: o caso dos brasileiros nos Estados Unidos
Ana Cristina Braga Martes; Carlos L. Rodriguez
RESUMO
O presente artigo discute as relações entre empreendedorismo étnico e religião em comunidades imigrantes. Enquanto o impacto das redes sociais no empreendedorismo étnico tem recebido atenção da literatura, os efeitos da afiliação a organizações religiosas são ainda um tópico pouco pesquisado. O presente estudo mostra que diferenças na estrutura institucional de comunidades religiosas, nas formas de financiamento de suas atividades, nas tarefas dos sacerdotes e pastores e no conteúdo de seus discursos são fatores importantes a serem considerados no estudo do impacto da religião no empreendedorismo étnico. A análise é feita a partir de dados qualitativos obtidos em comunidades brasileiras nos EUA e sugere que as igrejas protestantes criam um ambiente mais favorável para o empreendedorismo étnico. Nosso principal objetivo é chamar a atenção de pesquisadores brasileiros sobre a importância da questão étnica e das redes religiosas nas iniciativas empreendedoras.
Palavras-chave: empreendedorismo étnico; imigração; religião.
ABSTRACT
This work discusses the relationships between ethnic entrepreneurship and membership in churchaffiliated social networks in immigrant communities. While the impact of social networks on ethnic entrepreneurial processes has been receiving attention in the literature, the effects of membership in religious organizations are still a relatively under-researched topic. The present study shows that the differences in the structure and funding of the churches, in the roles of their clergy, and in the content of their discourses are important factors to be considered while studying the impact of religion on ethnic entrepreneurship. The analysis is illustrated with qualitative data obtained in Brazilian communities in the U.S and suggests that Protestant churches create a more favorable environment for ethnic entrepreneurship. Our goal is to call the attention of Brazilian researchers to the importance of ethnicity and religious networks in entrepreneurial initiatives.
Key words: ethnic entrepreneurship; immigration; religion.
INTRODUÇÃO
O interesse crescente que o empreendedorismo étnico vem despertando entre os cientistas sociais está fazendo com que este campo de estudo evolua rapidamente. Entre outros fatores, a pesquisa sobre empreendedorismo étnico tem o potencial de auxiliar no esclarecimento de alguns temas essenciais nos campos de estratégia e sociologia econômica. Isto se deve em parte ao fato de que os empreendedores étnicos - definidos aqui simplesmente como aqueles indivíduos que iniciam atividades empresariais no país para o qual imigraram, servindo principalmente à comunidade étnica a que pertencem - enfrentam em princípio problemas ainda maiores do que aqueles normalmente encontrados por outros empreendedores, a começar pelo meio-ambiente relativamente desconhecido do novo país, eventualmente percebido como menos estruturado e mais hostil. Nesses casos, os (escassos) recursos de que os empreendedores étnicos dispõem têm geralmente origem na própria comunidade étnica de que fazem parte, assim como em suas redes de relacionamento e apoio (Portes e Sensenbrenner, 1993). Os mercados dessas comunidades são também, de modo geral, fragmentados e intensamente competitivos, fazendo com que poucas empresas consigam sobreviver no elevado grau de rivalidade de tais ambientes (Aldrich e Waldinger, 1990). Em função dessas e outras características de tal fenômeno, tem crescido consideravelmente o interesse por pesquisas sobre os processos de criação e crescimento de negócios étnicos, pela potencial contribuição que podem trazer à análise geral sobre desenvolvimento de negócios, em particular de pequenas empresas (Greene, 1997). O interesse pelo estudo dos processos de criação de negócios étnicos se deve também ao fato de que índices mais elevados de empreendedorismo foram associados a taxas mais aceleradas de mobilidade social e melhoria das condições de vida de comunidades imigrantes (Halter, 1995; Light e Gold, 2000; Wilson e Portes, 1980). Deste modo, a pesquisa sobre empreendedorismo étnico é capaz de contribuir para o aprofundamento de temas essenciais do campo do empreendedorismo: criação, descoberta e meios de exploração de oportunidades de negócio (Shane e Venkataraman, 2000).
Neste sentido, um dos temas de pesquisa que apresentam grande potencial é aquele que examina o papel das redes assistenciais e de apoio aos negócios normalmente encontradas nas comunidades étnicas. Inúmeros autores vêm sugerindo que um dos recursos mais importantes que estas comunidades possuem é o seu capital social, constantemente associado a taxas mais elevadas de sucesso dos negócios étnicos (Light, 1972; Light e Bonacich, 1988; Portes, 1987; Putnam et al., 1993). Embora vários dos componentes do conceito de capital social já tenham sido objeto de estudo, há um número surpreendentemente pequeno de trabalhos que examinam a afiliação religiosa como uma das fontes potenciais de capital social (Candland, 2000), seja conceitualmente (Fukuyama, 2001) ou empiricamente (Greely, 1997).
Deste modo, o presente trabalho procura contribuir para a investigação dos efeitos potenciais da afiliação religiosa no desenvolvimento do capital social em comunidades imigrantes, assim como seu impacto na criação e sucesso de empresas étnicas. Para esta análise qualitativa utilizamos dados obtidos em comunidades brasileiras no nordeste dos Estados Unidos, mais especificamente na região metropolitana de Boston, Estado de Massachusetts, onde existe grande concentração de brasileiros e número significativo de empresas étnicas brasileiras. De modo geral, os resultados indicam que as diferenças na estrutura institucional das igrejas Católicas e Protestantes estabelecidas naquela região têm maior impacto no desenvolvimento da solidariedade étnica do que os elementos tradicionalmente considerados, quais sejam, língua e herança cultural compartilhada. Neste trabalho, analisamos ainda os papéis desempenhados pelas redes assistenciais e de suporte associadas a estas igrejas na criação de comunidades que apóiam o sucesso econômico, a mobilidade social e o desenvolvimento de um mercado cativo que favorece o empreendedorismo.
CAPITAL SOCIAL, EMPREENDEDORISMO E EMPREENDEDORISMO ÉTNICO
O conceito de capital social vem sendo discutido desde o final dos anos 70 na área de sociologia (Portes, 1998), onde tem sido usado em analogia a outros tipos de recursos ou de capital que os indivíduos necessitam para seu desenvolvimento pessoal e que as empresas utilizam para sobrevivência ecrescimento. É, ainda, considerado um dos conceitos mais influentes surgidos nas últimas décadas na área das ciências sociais, tendo contribuído para diversas análises nos campos de teoria social e desenvolvimento econômico (Wollcock, 1998). Tratamentos recentes do tema têm vindo, em perspectiva macroeconômica, de estudos comparativos de instituições nacionais e seus efeitos no desenvolvimento econômico. Análises microeconômicas, por outro lado, vêm sendo feitas nas áreas de estratégia, empreendedorismo e empreendedorismo étnico. No campo da macroeconomia, atribui-se o interesse pelo tema às limitações da teoria econômica neoclássica em explicar, de modo satisfatório, as diferenças entre países quanto a taxas de desenvolvimento econômico e de redução da desigualdade social (Portes e Landolt, 2000). Numa perspectiva micro, a imersão das empresas em redes, assim como os possíveis impactos do suporte oferecido pelas redes à criação e ao desempenho das empresas, são tópicos de interesse crescente (Greene, 1997; Shane e Cable, 2000).
Os três modelos teóricos que analisam as redes por meio de seu potencial de gerar ou desenvolver capital social são (Bolino et al., 2002; Seibert et al., 2001): (i) weak tie theory (teoria dos laços fracos, Granovetter, 1973); (ii) structural hole theory (teoria das falhas estruturais, Burt, 1992); e (iii) social resource theory (teoria dos recursos sociais, Lin, 1990). Enquanto as duas primeiras linhas de análise enfocam a natureza (forte ou fraca) e os padrões (redundantes ou não-redundantes) dos laços existentes dentro dos grupos e entre diferentes grupos - ou, em outras palavras, a estrutura da rede - a teoria dos recursos sociais examina as características dos seus membros e os tipos de recursos que eles controlam, enfatizando assim o aspecto de conteúdo da rede. Embora analisem diferentes aspectos do fenômeno, os três modelos têm uma posição comum quanto às conseqüências positivas normalmente associadas à existência de capital social dentro de um grupo, assim como a sua posse por alguns de seus membros. Entre os benefícios associados ao capital social, são mencionados os seguintes aspectos: facilidade de coordenação e ação; acesso preferencial a oportunidades, informação e recursos; maior visibilidade e legitimidade, assim como melhoria na eficiência (Adler e Kwon, 2003; Davidson e Honig, 2003; Nahapiet e Ghoshal, 1998; Portes e Landolt, 2000).
Tanto as análises teóricas quanto os estudos empíricos sobre capital social da literatura nas áreas de administração, sociologia e empreendedorismo apresentam evidências de uma relação positiva entre capital social e sucesso em iniciativas empreendedoras (Fukuyama, 2001). Foi constatado que empreendedores que possuem elevados níveis de capital social têm acesso privilegiado a informações sobre oportunidades de negócio, possibilidade antecipada de aquisição de recursos e facilidade na montagem de esforços cooperativos para o desenvolvimento de oportunidades comerciais. Estes indivíduos, assim como as empresas que criaram, ficam também mais bem posicionados para beneficiar-se das vantagens advindas da existência de alto grau de confiança entre os membros de suas redes, como, por exemplo, na redução dos níveis de oportunismo e dos custos de transação necessários à realização de negócios (Fukuyama, 1995; Nahapiet e Ghoshal, 1998). Há igualmente evidência empírica de que empreendedores que possuem capital social têm melhores chances de acesso a relações pessoais importantes para o sucesso do negócio (Baron e Markman, 2003) e a fontes de capital de risco para suas iniciativas (Shane e Cable, 2000; Shane e Stuart, 2002).
Segundo Light (1998), a conexão fundamental entre capital social e empreendedorismo étnico se dá em função do uso eficaz de recursos étnicos, que são capazes de fomentar a criação e apoiar a sobrevivência de iniciativas de negócios na comunidade imigrante. Recursos étnicos têm origem nas características específicas de cada grupo, e incluem elementos tais como valores, conhecimentos, habilidades, informação, solidariedade e ética profissional. Eles permitem que o grupo étnico em geral, e os empreendedores étnicos em particular, possam aproveitar oportunidades existentes no mercado, ao mesmo tempo que minimizam os riscos inerentes a cada iniciativa. Recursos étnicos formam também a base sobre a qual comunidades étnicas constroem mecanismos de cooperação, tais como as associações de crédito rotativo. Estas sociedades, baseadas essencialmente no princípio de confiança cobrável (enforceable trust) (Portes e Sensenbrenner, 1993), têm facilitado a criação de negócios em várias comunidades de imigrantes nos Estados Unidos. Níveis elevados de capital social e solidariedade na comunidade imigrante trazem outros benefícios para a criação e consolidação das pequenas empresas étnicas. O principal deles é, sem dúvida, a própria existência de um mercado consumidor para os produtos e serviços específicos daquela cultura, contanto, é claro, que haja massa crítica de consumidores que justifique o negócio. Empresas étnicas beneficiam-se também normalmente da disponibilidade de grande número de trabalhadores com baixo grau de qualificação, que possuem poucas alternativas de trabalho fora da comunidade, por motivos que podem incluir até aspectos como seu status legal ou não no país. As associações de crédito rotativo cumprem também papel importante, fornecendo capital de giro que os empreendedores étnicos teriam dificuldade de obter em outras fontes, dada a provável insuficiência de histórico de crédito. Recursos étnicos criam mecanismos de controle social que reduzem significativamente os custos de transação para a realização de negócios, que podem por sua vez realimentar o processo de aumento dos níveis de confiança e solidariedade entre os membros da comunidade. Em resumo, recursos étnicos derivados da existência de capital social na comunidade imigrante são capazes de ajudar empreendedores étnicos a achar consumidores leais para seus produtos e serviços, fornecedores confiáveis para os insumos que precisam adquirir, fontes relativamente baratas de capital para investimento, trabalhadores dispostos a longas jornadas de trabalho por pagamento relativamente baixo, assim como parceiros de negócio passíveis de entender suas expectativas e objetivos. Iniciativas empreendedoras em comunidades étnicas mostram que existem alternativas para os imigrantes, em lugar de uma trajetória linear e contínua de pura e simples assimilação à sociedade americana tradicional. Algumas análises econômicas e sociológicas efetuadas em anos passados (por exemplo, Light 1972, Piore e Berger, 1980) indicam que iniciativas empresariais de membros de comunidades étnicas podem sugerir a existência de vantagens em níveis menos elevados de assimilação cultural e econômica.
AFILIAÇÃO RELIGIOSA E CAPITAL SOCIAL
Bonacich e Modell, na clássica discussão sobre as bases da solidariedade étnica (1980), afirmam que um aspecto fundamental da relação entre afiliação religiosa e capital social é que "religião não é apenas um conjunto de crenças e práticas culturais: é também um conjunto de relações sociais" (p. 236). Sob esta perspectiva, tanto laços religiosos como étnicos podem estar subordinados a interesses econômicos, e podem ser considerados como recursos disponíveis, a serviço destes interesses. Como resultado, capital social e confiança que se desenvolvem no âmbito de um grupo ou comunidade religiosa têm o potencial de se tornarem fontes de vantagem competitiva nos negócios.
A linha weberiana tradicional afirma que determinados aspectos da ética e dos valores religiosos das denominações protestantes são, em geral, favoráveis ao empreendedorismo e ao desenvolvimento econômico em sistemas capitalistas (Weber, 1958). Dentre outros aspectos dos quais decorrem tal afirmação, Weber considera que em suas origens, as crenças religiosas protestantes foram obstáculo para que os membros de suas comunidades conseguissem trabalho nos mercados tradicionais. Deste modo, os praticantes destas crenças foram, em muitos casos, forçados ao auto-emprego e ao empreendedorismo. Esta situação é sob certo aspecto similar àquela por que passam muitos imigrantes, principalmente aqueles que possuem habilidades ou educação limitadas, que os impedem de obter empregos mais bem remunerados (Light e Gold, 2000). Em conseqüência, a mensagem protestante tradicional de melhoria individual das condições financeiras e materiais tem o potencial de ser bem recebida pelos imigrantes, em particular nos casos em que a imigração foi provocada pela falta de oportunidades no país de origem.
Entretanto, seria realmente possível afirmar que a conexão ou afiliação com determinada denominação religiosa e seu conjunto de valores, normas e controles sociais proporcionaria condições favoráveis a certos padrões de empreendedorismo étnico? Se aceitarmos a hipótese de que uma crença religiosa provê aqueles que nela acreditam com uma série de sistemas sociais coletivos que influenciam e até mesmo definem vários aspectos de suas vidas seculares, incluindo práticas comerciais e padrões de criação de negócios, a resposta é provavelmente afirmativa. Light e Gold (2000) e Martes (2000), entretanto, propõem a perspectiva inversa, isto é, a de que adeptos de crenças religiosas afiliam-se às suas igrejas principalmente para poderem associar-se às redes sociais que elas oferecem. Deste modo, a afiliação religiosa seria ela própria a variável dependente, subordinada à decisão de associar-se a uma rede social com o objetivo de usufruir de seus possíveis benefícios. Embora não seja objetivo deste trabalho apresentar solução para esta questão, qualquer que seja a perspectiva adotada, é necessário reconhecer que há uma insuficiência de estudos sobre a possível influência da afiliação e das práticas religiosas sobre o empreendedorismo étnico. Com o objetivo de suprir parte desta ausência, e após a apresentação dos dados do estudo, discutiremos a tese principal deste trabalho, ou seja, de que as diferenças entre as práticas e os valores associados às igrejas católicas e protestantes que servem às comunidades de imigrantes brasileiros em Massachusetts, Estados Unidos, fazem com que a mensagem das igrejas protestantes e os sistemas a ela associados proporcionem condições mais favoráveis às iniciativas do empreendedorismo étnico.
AS COMUNIDADES BRASILEIRAS EM MASSACHUSETTS
O presente estudo baseia-se nas pesquisas desenvolvidas por Martes (2000, 2002) junto às comunidades brasileiras na área metropolitana da cidade de Boston, Massachusetts. Este Estado é uma das áreas de maior concentração da imigração brasileira nos Estados Unidos, junto com os estados de New York, Flórida, New Jersey e Califórnia. A região de Boston, onde a maioria dos imigrantes brasileiros no Estado de Massachusetts se estabeleceu, tem longa tradição de imigração e de vitalidade do empreendedorismo étnico, e apresenta até hoje crescimento das populações migrantes (Halter, 1995).
A imigração brasileira para os Estados Unidos cresceu significativamente durante a década de 80, principalmente a partir de 1982, e continuou crescendo durante boa parte dos anos 90. Este movimento pode ser atribuído ao prolongado período de redução das taxas de crescimento econômico na América Latina em geral e no Brasil em particular. Em adição a estes determinantes de expulsão (push reasons), houve também vários fatores de atração de brasileiros para os Estados Unidos. Um dos determinantes normalmente mencionados são as diferenças salariais nos empregos disponíveis para os grupos de imigrantes. Não se pode minimizar, entretanto, a importância do magnetismo exercido pela cultura e pelo estilo de vida norte-americanos. Por razões históricas, cuja discussão foge ao escopo deste trabalho, muitos desses imigrantes se estabeleceram na área metropolitana de Boston, principalmente nas cidades de Cambridge, Somerville, Marlborough, Framingham, Allston, Brighton e East Boston (Martes, 2000). Os dados utilizados neste estudo foram coletados nas cidades de Somerville e Allston, que apresentam altas taxas de concentração de imigrantes brasileiros e de empresas étnicas brasileiras. Somerville é considerada como a principal sede de empresas brasileiras no Estado de Massachusetts, que Martes (2002) calcula serem em torno de 600 no total. Para os efeitos deste estudo foram incluídas apenas as empresas com áreas abertas para o público.
Embora concentrados principalmente nas cidades mencionadas, a população brasileira não representa parcela significativa da população local, não se podendo dizer, portanto, que existam enclaves brasileiros nesta área. Do mesmo modo, brasileiros também não controlam setores inteiros da economia da região, nem determinadas profissões ou tipos de negócio. Como se verá na próxima seção deste trabalho, os dados indicam que os brasileiros, de modo geral, não se sentem rejeitados pela sociedade receptora, outro fator freqüentemente associado à formação de enclaves. Na realidade, os resultados obtidos na pesquisa, coletados tanto junto à população de empreendedores, incluída no presente estudo, quanto à população imigrante brasileira em geral (Martes, 2000), apontam para certo grau de admiração e respeito por várias características da sociedade civil americana, principalmente quanto à proteção aos direitos individuais. Neste sentido, os imigrantes brasileiros em Massachusetts apresentam avaliações positivas sobre aquele país, de modo similar ao encontrado junto a outros grupos de imigrantes de primeira geração (Suarez-Orozco e Suarez-Orozco, 2001).
METODOLOGIA E COLETA DE DADOS
Os dados foram coletados em duas fases, nos anos de 2001 e 2002. Na primeira fase, foi elaborada uma lista completa de todos os proprietários de firmas de propriedade de brasileiros nas duas cidades mencionadas, baseada em todos os tipos de informação disponíveis (jornais, Internet e entidades diversas) e coletadas junto aos proprietários de firmas brasileiras, por meio do método conhecido como bola de neve. Como resultado, foram encontradas 67 firmas no total (48 em Somerville e 19 em Allston). Dentre estas foram selecionadas para a pesquisa 50 firmas (35 em Somerville e 15 em Allston), ou seja, foi obtida uma taxa de retorno de 74.6%.
O questionário usado nesta fase de investigação incluiu questões abertas e fechadas quanto à caracterização das firmas e ao perfil sociodemográfico de seus proprietários. Na segunda fase do estudo, foram realizadas 19 entrevistas em profundidade, semi-estruturadas, tanto com os proprietários quanto com pessoas envolvidas em redes de apoio aos empreendimentos. As perguntas tentaram cobrir as seguintes questões: problemas encontrados na abertura / crescimento dos negócios; fontes de informação para a formação e oportunidades de negócios; influência de experiências profissionais prévias, afiliação religiosa, atividades comunitárias de acesso a recursos, relações com empregados e sócios, clientela, bens e produtos oferecidos.
As Firmas e seus Proprietários: Apresentação dos Achados e Resultados
Quase a totalidade das firmas abarcadas tinha uma área relativamente pequena (cerca de 50 metros quadrados), menos de 5 empregados e foram montadas com capital inicial inferior a $50,000. Tal como encontrado em outros bairros étnicos, todas as firmas são de varejo e serviço, especialmente: restaurantes (10), agências de viagem e transferência de dinheiro (9), salões de beleza (7), e lojas que vendem grande variedade de itens (5). Os restaurantes servem comida brasileira, os cabelereiros cortam e arrumam cabelos segundo padrões brasileiros de beleza, assim como todos os demais serviços estão voltados para o Brasil e os produtos oferecidos são importados deste país. Deste ponto de vista, os padrões de consumo da população brasileira nestas duas cidades não são diferentes daqueles das populações imigrantes em geral. Tem sido bastante enfatizado pela literatura que os grupos imigrantes carregam com eles preferências que representam pertença à sua cultura de origem (Halter, 1995). Em alguns casos, os padrões podem mesmo indicar um tipo de comportamento não eficiente do ponto de vista estritamente econômico, quando, por exemplo, preferem comprar produtos mais caros (importados do Brasil) e de eventual pior qualidade do que aqueles disponíveis em outras lojas.
Todas as firmas foram fundadas depois de 1984, sendo, portanto, relativamente novas; 78% delas começaram nos anos 90, sendo que 44 das 50 firmas (88%) foram formadas com o capital que seus proprietários acumularam, trabalhando como imigrantes naquele país (jardineiro, faxineiro, entregador de pizzas etc). Dentre as motivações justificadas para a abertura dos negócios, o fator mais citado (30%) foi a existência de demanda dentro da comunidade brasileira. A importância da clientela brasileira é também significativa para o crescimento dos negócios. Quando perguntados sobre planos de expansão do empreendimento, 58% responderam que, de fato, tinham tais planos, de modo a acompanhar a própria expansão da comunidade brasileira na região. Entretanto, 42% declararam não ter planos de crescimento. Este tipo de resposta guarda aparente contraste com objetivos de negócios, de modo geral voltados não apenas para o aumento do lucro, mas também para o crescimento, e pode simplesmente indicar falta de conhecimento, experiência e habilidades gerenciais, de modo semelhante àquele descrito para outros latinos (Halter, 1995).
A maioria das firmas é composta por empresas familiares, sendo que parentes do proprietário, geralmente a esposa, compõem o corpo de funcionários. A família do imigrante tem, portanto, importante papel: 56% das empresas tinha pelo menos um de seus membros como empregado. Sobressai ainda que 13 das 20 firmas têm o cônjuge como sócio. Apenas um dos entrevistados não tinha como sócio um membro da família ou um co-nacional, mas um português. Trata-se da churrascaria brasileira mais popular entre os brasileiros e um dos casos raros em que se pode observar um contato mais intenso entre brasileiros e portugueses em Massachussetts, Estado que possui grande população açoriana.
Entre as firmas que têm empregados, apenas 5 delas não empregam conacionais. Parte da explicação repousa no fato de que elas oferecem um tipo de serviço que requer domínio da língua inglesa e/ou não definem os brasileiros como clientela exclusiva / preferencial. Neste sentido, estes dados contrastam com a bibliografia (Light, 1972; Portes, 1987), que tende a enfatizar a solidariedade supostamente existente dentro das comunidades imigrantes como o aspecto chave sobre o qual se baseiam critérios de contratação e relações de emprego. De fato, não foram observados níveis de solidariedade tão intensos entre os brasileiros durante a pesquisa de campo, com exceção das comunidades religiosas e, mesmo neste caso, com diferenças significativas entre católicos e protestantes. De modo geral, os brasileiros em Boston competem entre eles mesmos vigorosamente, especialmente por empregos.
Enquanto a maior parte dos trabalhos sociológicos enfatiza a importância de uma participação ativa na comunidade para a aquisição e desenvolvimento de capital social, particularmente entre as populações imigrantes, os empresários brasileiros em Boston não demonstram ter tão forte envolvimento comunitário. Quando perguntados sobre participação em clubes ou associações de crédito e negócios, apenas 12% declarou participar em pelo menos uma associação, o que pode indicar uma relativa ausência de solidariedade, se comparado a outros grupos imigrantes. Em termos da afiliação religiosa, entre os 33 respondentes que concordaram em responder à questão e declararam ser religiosos, 19 (38% do total) eram católicos e 14 (28%) protestantes. Entre os últimos, metade pertencia à Igreja Assembléia de Deus (AD), a maior igreja evangélica da comunidade brasileira em Boston, enquanto os demais eram Batistas (3), Presbiterianos (3), e Maranata (1).
Apenas 6% dos entrevistados proprietários de firmas mencionaram possuir clientela exclusivamente brasileira. Todos os demais, apesar de servirem primeiramente os brasileiros, também declararam possuir fregueses de outras nacionalidades, além dos nativos. Quando indagados sobre fatores de atração da clientela, os proprietários responderam: proximidade do lugar de residência (40%), mesma região de origem no Brasil (40%), e pertença à mesma igreja (19%). O primeiro fator pode ser facilmente compreendido. O segundo e teceiro fatores, entretanto, merecem maior atenção. Em relação à origem comum, Martes (2000) constatou que 47% da população brasileira na Grande Boston veio do mesmo Estado, qual seja, Minas Gerais, especialmente Vale do Aço e Vale do Rio Doce. Entre os proprietários aqui entrevistados, esta porcentagem cresceu para 66%. Isto pode ser explicado pelo fato de que os mineiros foram os primeiros a chegar na região de Boston e, portanto, tiveram maiores possibilidades de desenvolver redes sociais. Significa, igualmente, que tiveram mais tempo para desenvolver conexões no interior das comunidades brasileiras, conexões estas requeridas para se criar uma firma e poder poupar, durante anos, o dinheiro ganho em atividades mal remuneradas para os padrões americanos.
Em relação ao terceiro fator de atração da clientela, relacionado à participação na mesma Igreja, os dados são reveladores. Os proprietários católicos (19), embora mais numerosos do que aqueles que declararam ter outra religião (16, incluindo 14 Protestantes), declararam não se beneficiar da afiliação religiosa comum, como um recurso para atrair clientela, como é o caso dos proprietários protestantes entrevistados. Ou seja, apenas 3 dos 19 respondentes que mencionaram este fator são católicos e os demais protestantes. Este dado provê importante argumento para a tese de que os aspectos institucionais da organização comunitária das Igrejas protestantes, a serem discutidos em maiores detalhes na seção seguinte do trabalho, têm maior potencial para criar as condições favoráveis ao desenvolvimento dos principais elementos: confiança e reciprocidade, ligados à criação de capital social e ao estímulo ao empreendedorismo étnico.
Em resumo, os negócios étnicos brasileiros nas comunidades estudadas apresentam características comuns àquelas encontradas tradicionalmente em pequenas empresas criadas nas comunidades de imigrantes ou, de modo geral, em quaisquer grupos onde o capital social é relativamente escasso, ou ainda em formação, e onde o status jurídico de muitos dos seus membros ainda é indefinido (Halter, 1995; Levitt, 1995). A maioria destes negócios podem ser caracterizados como microempresas nos setores de serviço e de varejo, que atendem essencialmente ao mercado étnico do grupo imigrante e que requerem níveis relativamente limitados de treinamento, de experiência ou de conhecimentos específicos. Pode-se ainda dizer que as pequenas empresas étnicas brasileiras cumprem também as funções tradicionalmente desempenhadas pelos negócios existentes em várias outras comunidades de imigrantes estabelecidas nos Estados Unidos (Levitt, 1995; Portes, 1987). Nas duas fases da pesquisa realizada, constatou-se que elas representam "espaços abertos" de socialização, em que brasileiros de diferentes origens e status social no Brasil, ainda que trabalhem em diferentes atividades em Boston, encontram-se para conversar sobre os mais diversos assuntos, recordar aspectos da pátria-mãe e, claro, queixar-se da vida no novo ambiente.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Tão logo os brasileiros começaram a emigrar em maior número para os Estados Unidos, na segunda metade dos anos 80, eles foram imediatamente acompanhados pelas Igrejas brasileiras, tanto as católicas como as protestantes, mas especialmente por estas últimas. Entretanto, como procuraremos argumentar nesta seção do trabalho, as igrejas protestantes foram provavelmente mais eficientes nesta tarefa. Isto teve como resultado não somente o aumento relativo de sua presença na comunidade imigrante brasileira de Boston, mas também na criação de ambiente mais favorável para atividades de empreendedorismo étnico entre seus membros. Para apresentarmos nossos argumentos, vamos examinar algumas características dos padrões de afiliação religiosa entre os membros da comunidade. Conforme citado anteriormente, a percentagem de empreendedores afiliados à Igreja católica na amostragem (38%) é menor que a percentagem declarada de católicos na população brasileira (75%, segundo Pierucci e Prandi, 1995). Isto implica necessariamente uma percentagem maior de protestantes em nossa amostragem (28%) do que a encontrada entre a população brasileira geral (13%). Martes (2002) havia encontrado distribuição semelhante numa amostragem mais extensa - 300 membros - das comunidades de imigrantesbrasileiros em Massachusetts. É possível que tal disparidade seja específica desta amostragem, levando-se em consideração, por exemplo, a possibilidade de que mais brasileiros protestantes do que católicos tenham imigrado para os Estados Unidos. Entretanto, tal fato poderia também ser o resultado do apoio mais efetivo oferecido pelas Igrejas protestantes ao imigrante brasileiro nos Estados Unidos. Outra interpretação possível, esta de natureza mais oportunista, poderia atribuir a maior percentagem de afiliação às Igrejas protestantes ao interesse dos empreendedores brasileiros em participar de uma rede social que acreditam possa oferecer maiores vantagens ou benefícios para a criação do negócio e o crescimento de suas empresas. Motivação semelhante já foi mencionada anteriormente. Boswell (1986) encontrou casos de empreendedores étnicos que forneciam apoio e recursos à suas comunidades motivados não apenas pela natural lealdade de grupo, mas tendo também em vista seus interesses comerciais.
Tanto as Igrejas católicas como as protestantes oferecem à comunidade brasileira em Boston uma mistura de serviços religiosos e de assistência social. Pastores, padres e freiras estão geralmente envolvidos, tanto na oferta de serviços religiosos, como na prestação de consultoria jurídica, assim como em trabalho junto a escolas e hospitais. Ajudam também freqüentemente a disseminar informações sobre oportunidades de emprego e moradia, e participam de campanhas - muitas vezes na posição de liderança - de coleta de alimentos e roupas para famílias necessitadas. Têm sido afirmado que a Igreja Católica no Brasil, em particular depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, vem concentrando seu foco nos problemas coletivos da comunidade a ela afiliada. Em Massachusetts, entretanto, as Igrejas católicas participam também ativamente da solução de problemas pessoais ou individuais de seus fiéis. Neste aspecto o modus operandi das Igrejas católicas não apresenta nenhuma diferença essencial em relação à maneira pela qual as Igrejas protestantes tratam as atividades de cunho social. Entretanto, como procuraremos analisar nas seções que seguem, as Igrejas protestantes, por uma série de motivos, tornaram-se mais eficientes na provisão de atividades que favorecem o desenvolvimento de nível mais elevado de confiança entre aqueles que a elas se associam. Como resultado, elas podem ter se tornado ambientes mais favoráveis à criação de capital social, e deste modo das condições necessárias às iniciativas de empreendedorismo étnico.
Um exame comparativo da estrutura organizacional das Igrejas protestantes, especialmente das denominações evangélicas não-tradicionais, em relação à estrutura das Igrejas católicas, pode oferecer subsídio aos argumentos apresentados neste trabalho. O ato de fundação ou criação de uma Igreja ou congregação protestante, em particular no caso das Igrejas evangélicas, já é de certo modo algo mais simples, rápido e de natureza em si própria mais empreendedora, do que de uma Igreja católica. No caso das Igrejas protestantes, toda comunidade pode ter a sua própria casa de oração, todo pastor pode estabelecer a sua nova congregação, e qualquer desentendimento entre os membros de determinada comunidade pode levar à fundação de uma nova Igreja. Em se tratando de uma Igreja católica, é necessária a autorização do bispo local ou, eventualmente, da ordem religiosa à qual o padre pertencer. Mesmo não se entrando no mérito de aspectos do conteúdo da mensagem religiosa e de fé de cada grupo, esta questão essencialmente organizacional ou burocrática já é capaz de fornecer parte da explicação para o crescimento exponencial na América Latina, em décadas recentes, das denominações protestantes não-tradicionais (Fukuyama, 2001).
O caso da Igreja Assembléia de Deus (AD de aqui em diante) em Somerville parece ser boa ilustração desta relativa independência e poder de autodeterminação de certas denominações protestantes. Esta congregação, fundada em Boston no início dos anos 80 com menos de 20 membros, em 1992 já havia adquirido prédio próprio e possuía mais de 4 mil associados (Martes, 2000). Nesta época, a Igreja se tornou um estabelecimento de referência, para outras partes do mundo, das operações internacionais da AD, até mesmo com poderes sobre as demais igrejas AD brasileiras nos Estados Unidos. AAD de Somerville é afiliada à Convenção das Assembléias de Deus de Língua Portuguesa dos Estados Unidos, mas embora esteja ligada às demais ADs, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, tem total autonomia para coordenar todas as igrejas AD existentes neste último país. Esta autonomia inclui autorização para abrir outras unidades. Outro aspecto importante é que as igrejas AD nos Estados Unidos são obrigadas a buscar suas fontes de financiamento junto à própria comunidade onde estão estabelecidas, já que praticamente não podem contar com a coordenação central no Brasil para isto. Quando comparado ao conhecido alto grau de centralização da Igreja Católica, até mesmo em matéria de recursos financeiros, percebe-se nas Igrejas protestantes nítida vantagem, em termos de flexibilidade e rapidez de resposta às demandas de suas comunidades. Outra evidência não menos importante é a da possível natureza em si própria mais empreendedora do papel dos pastores protestantes, que exige deles habilidades comparáveis àqueles que iniciam seus próprios negócios.
Nas comunidades protestantes locais, os pastores têm elevado nível de controle sobre os membros de suas congregações, num tipo de influência que permeia inúmeros aspectos das vidas dos fiéis, incluindo os de natureza pessoal e profissional. Estas e outras características institucionais e organizacionais das comunidades protestantes fazem com que haja um aumento no sentimento de responsabilidade comunitária e de participação entre os seus membros, com possíveis impactos positivos nos níveis de envolvimento com as atividades comunitárias. Martes (2000, p. 129) afirma que, "diferentemente dos católicos, a categoria de evangélico 'não-praticante' é inexistente: todos participam regularmente das atividades da igreja".
As Igrejas protestantes brasileiras em Massachusetts criam de modo geral mais oportunidades de contato social entre seus membros que as igrejas católicas, e ao fazer isto tornam-se o principal locus de socialização e sociabilidade para seus fiéis. Enquanto a maioria dos membros das Igrejas protestantes se reúne toda semana numa refeição comunal, que é realizada após os cultos, as igrejas católicas promovem apenas alguns poucos eventos durante o ano: Dia dos Namorados, Proclamação da Independência, Nossa Senhora de Aparecida etc. Uma análise das diferentes funções dos prédios e demais instalações das igrejas apresenta evidência adicional das diferenças entre o tipo de apoio que as igrejas católicas e protestantes oferecem à formação das redes sociais que têm o potencial de facilitar as iniciativas dos empreendedores. Nas igrejas católicas, as instalações pertencem à hierarquia da instituição, e os espaços que não são lugares de oração são geralmente utilizados para moradia de padres e freiras. Por outro lado, pelo menos na coleta de dados para o presente estudo, todas as igrejas protestantes estavam realizando obras e acréscimos às suas instalações que tinham por objetivo a criação de espaços adicionais para a socialização da comunidade: salas de refeição, berçários, salões para conferências etc. Sob esta perspectiva, é provável que os mecanismos de controle social destas Igrejas tenham o potencial de criar ambiente mais eficiente para o desenvolvimento de solidariedade e confiança entre os membros de suas congregações. Assim sendo, a organização das Igrejas protestantes estaria mais bem adaptada aos mecanismos existentes no ambiente da sociedade receptora norte-americana e seria, em conseqüência, capaz de propiciar condições mais favoráveis do que as igrejas católicas às iniciativas dos empreendedores étnicos nas comunidades brasileiras da região.
Esta poderia ser, assim, parte da explicação para a evidência, mencionada anteriormente no trabalho, de que os empreendedores associados às Igrejas protestantes teriam mais fregueses entre os membros de suas congregações do que aqueles ligados às igrejas católicas da comunidade brasileira. Por um lado, isto poderia sugerir que os empreendedores brasileiros católicos já estariam desenvolvendo seus negócios em escala maior do que simplesmente aquela das suas congregações, incrementando assim possivelmente suas relações com o mercado geral da sociedade receptora. De fato, negócios étnicos sofrem sérias restrições ao crescimento - e consequentemente aos benefícios de escala - em virtude das dimensões geralmente reduzidas da comunidade à qual servem mais diretamente. Argumento semelhante pode ser utilizado, por analogia, aos negócios voltados preferencialmente aos membros de determinada comunidade religiosa, que estariam necessariamente limitados ao número de membros daquela congregação. Este tipo de comércio poderia, por outro lado, ser visto também como parte de um modelo dinâmico de evolução de empresas étnicas (Iyer e Shapiro, 1999). Segundo este modelo, algumas destas firmas evoluem do estágio de transacionar exclusivamente com seus co-étnicos para uma fase em que vendem para mercados maiores, não-étnicos, chegando a um ponto no qual passam a ocupar segmentos importantes de mercado no comércio entre o país de origem e o país receptor. Negócios étnicos ligados às igrejas católicas, que apresentaram percentual inferior de vendas aos membros de suas congregações, poderiam estar assim caminhando para tais estágios mais avançados de uma suposta evolução. Embora esta hipótese não possa ser descartada pelo presente estudo, a observação realizada durante as coletas de dados também não a ratifica. O que mais provavelmente estaria acontecendo é que os empreendedores étnicos ligados às Igrejas protestantes estariam fazendo proporcionalmente mais negócios com os membros de suas congregações em função da existência, nestas comunidades, de níveis mais elevados de capital social, desenvolvido com base no maior envolvimento comunitário que acontece em suas redes sociais. Visto que praticamente todos os negócios étnicos que encontramos podem ser classificados como microempresas, que enfrentam os tradicionais problemas de falta de capital, instabilidade e escala reduzida, sua vulnerabilidade aos obstáculos normalmente encontrados pelos pequenos negócios poderia ser amplificada pela percepção de incerteza no ambiente da sociedade do país receptor. Neste caso, a posse de uma base mais estável de consumidores, como parece ser o caso dos pequenos negócios ligados às comunidades das Igrejas protestantes, pode tornarse o fator mais importante para sua sobrevivência.
A mensagem protestante tradicional de encorajamento ao sucesso econômico pessoal e melhoria das condições materiais, que pode ser considerada fator importante das iniciativas dos empreendedores nas comunidades étnicas, também é uma constante entre os membros das Igrejas protestantes brasileiras em Massachusetts. Embora existam diferenças de conteúdo entre as mensagens difundidas por cada Igreja em particular, há também inúmeros aspectos comuns, principalmente no que se refere à exaltação ao trabalho e ao progresso socioeconômico e individual. Nas Igrejas evangélicas, principalmente, nota-se grande ênfase no aumento dos níveis de poupança e renda pessoais. Nota-se que tais Igrejas apresentam casos de sucesso financeiro pessoal de seus membros como exemplos de recompensa divina pelos seus méritos e esforços. O sucesso financeiro dos membros de determinada congregação pode representar não somente evidência real dos benefícios da afiliação àquela igreja, mas também um montante maior de doações para manutenção e crescimento da comunidade. Casos de sucesso são usados intensamente por tais Igrejas como material de promoção. Dado que o financiamento das Igrejas protestantes depende das contribuições de seus fiéis, há uma relação positiva direta entre a afluência financeira de seus membros e a estabilidade econômica e o crescimento da congregação. Esta relação fica ainda mais evidente nos casos em que as contribuições são feitas com base em percentual fixo, normalmente 10% da renda dos membros de determinada Igreja. Machado e Mariz (1977) sugerem que algumas denominações protestantes brasileiras praticam uma teologia da prosperidade, com ênfase no crescimento da renda e da poupança e no estímulo à entrada das mulheres no mercado de trabalho.
Práticas como a chamada teologia da prosperidade podem ser contrapostas à conhecida teologia da liberação, que vem influenciando a Igreja Católica na América Latina desde os anos 60 (Gutierrez, 1973). Esta ideologia enfatiza a criação de uma consciência política contra a pobreza e a opressão, e a favor de uma ação coletiva por mudanças nas instituições que, segundo seus ideólogos, mantêm a pobreza e a opressão das classes menos favorecidas. A teologia da liberação considera, em princípio, que só se pode falar em melhoria das condições materiais, se elas mudarem para o grupo como um todo. Este tipo de mensagem é constantemente enfatizado pelos padres e freiras católicas nas igrejas brasileiras de Boston. Ao dirigir seu foco para o status, em geral inferior, do imigrante na sociedade receptora, há clara tentativa de chamar a atenção do grupo para a necessidade de maior solidariedade entre os membros da comunidade étnica, com o objetivo final de promover maior ativismo político tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A busca de sucesso financeiro individual é abertamente criticada, e a ênfase é na aquisição de consciência política para a posição social subordinada do imigrante brasileiro na sociedade receptora. Numa fase posterior deste processo, as Igrejas católicas brasileiras em Massachusetts procuram criar uma identidade coletiva para a comunidade, construída em torno de sua condição de trabalhadores imigrantes pobres. Esta mensagem, entretanto, parece não ser recebida com facilidade por muitos membros de suas comunidades. Em muitos casos, a tentativa é interpretada como indo em direção oposta às aspirações individuais dos imigrantes brasileiros a elas afiliados, que normalmente compartilham das aspirações individuais de progresso financeiro pessoal, principalmente no caso daqueles que apresentam potencial empreendedor.
Uma análise dos papéis e características pessoais dos pastores das Igrejas protestantes brasileiras em Boston, comparados àqueles dos líderes das comunidades católicas, tem o potencial de apresentar evidência adicional à tese que sugere que o ambiente institucional daquelas Igrejas se apresenta como mais favorável a iniciativas de empreendedorismo étnico. Igualmente, levando-se em consideração que as Igrejas protestantes são financiadas basicamente pelas suas comunidades, de seus líderes são esperadas características tais como motivação pessoal e habilidades empreendedoras, que os ajudarão a fazer crescer suas congregações e também a eventualmente fundar novas Igrejas. Do mesmo modo, tais responsabilidades requerem dose considerável de capacidade gerencial. A relativa autonomia que pastores protestantes possuem, em relação a padres católicos, para estabelecer novas unidades de suas denominações oferece apoio a esta hipótese. O sucesso pessoal dos pastores protestantes e o crescimento físico de suas congregações têm, ainda, o significado simbólico de afirmar e estender possibilidades similares de crescimento aos membros de suas congregações. Assim, é provável que os líderes religiosos protestantes estejam mais qualificados para adaptar as mensagens religiosas de suas Igrejas aos objetivos e aspirações da comunidade imigrante, principalmente daqueles com potencial para se tornar empreendedores. Ao fazer isto, eles criam ambiente mais favorável à formação de redes sociais entre seus fiéis. E é no âmbito destas redes, eventualmente mais do que no discurso religioso oficial das Igrejas, que os elementos necessários e capazes de fomentar o empreendedorismo étnico, isto é, solidariedade e confiança, poderão ser encontrados.
CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISA FUTURA
Nosso objetivo neste trabalho foi o exame da relativamente pouco pesquisada conexão entre afiliação religiosa e capital social, assim como dos possíveis impactos, no empreendedorismo étnico, da participação em redes sociais ligadas a determinadas denominações religiosas. Por meio de pesquisa qualitativa, utilizamos dados obtidos em comunidades de imigrantes brasileiros na cidade de Boston, Massachusetts, para comparar o trabalho das Igrejas católicas e protestantes da área junto aos brasileiros, especialmente quanto a sua capacidade de criar condições favoráveis às iniciativas dos empreendedores étnicos. A revisão de literatura efetuada forneceu apoio à tese sobre a importância da participação em comunidades ligadas a Igrejas, independentemente da denominação, como fonte de criação de capital social em grupos étnicos, com impactos favoráveis para o empreendedorismo étnico. Nossos dados contribuíram para esta linha de análise ao sugerir que o sucesso das iniciativas de empreendedores em comunidades étnicas pode variar em função da afiliação a determinados grupos religiosos.
Ao pesquisarmos os possíveis efeitos da afiliação religiosa nas atividades de empreendedorismo, nessas comunidades de imigrantes brasileiros, nossa intenção não foi a de avaliar diferenças religiosas propriamente ditas, tais como teologia, doutrina ou práticas. Mostramos que tanto as Igrejas católicas quanto as protestantes são percebidas pelos seus membros como lugares seguros para o desenvolvimento de relações que são capazes de conduzir a maiores níveis de solidariedade e confiança. Seguindo a linha de Bonacich e Modell (1980), não se tentou aqui explicar a propensão ao empreendedorismo em função da escolha de fé religiosa. Na verdade, conforme mencionado anteriormente, é possível que a afiliação religiosa possa ser também conseqüência da percepção de que as redes sociais formadas em torno de determinadas Igrejas são mais favoráveis às atividades empreendedoras. Pesquisas anteriores já haviam encontrado situações nas quais o apoio às instituições comunitárias por parte de empreendedores étnicos era motivada tanto pela solidariedade de grupo como por interesses comerciais pessoais, ligados à sobrevivência de suas nascentes iniciativas de negócio (Boswell, 1986). Neste trabalho, surgiram evidências de que determinados aspectos da estrutura organizacional e das práticas ligadas às igrejas protestantes das comunidades de imigrantes brasileiros em Boston são percebidos como sendo passíveis de criar ambiente mais propício às iniciativas de negócio. Apareceram indicações, por exemplo, de que empreendedores étnicos afiliados às igrejas protestantes têm maiores chances de atrair consumidores que compartilham das mesmas crenças e participam das mesmas redes sociais. Neste sentido, o conjunto de mecanismos de controle social encontrado nas igrejas protestantes brasileiras demonstrou ter maior capacidade de prover os imigrantes brasileiros com algum sentido de estrutura e estabilidade, em contexto marcado por incertezas e alto grau de expectativa: a migração, a vida, o trabalho e as diferenças culturais e institucionais no ambiente da sociedade receptora. Propiciar estabilidade afeta positivamente o empreendedorismo étnico.
Importante questão que não foi incluída no escopo deste trabalho é a das possíveis interações dos efeitos de afiliação religiosa, cultura nacional e características institucionais do meio ambiente do país receptor. Por um lado, como os resultados deste estudo parecem sugerir, há inúmeros aspectos das redes criadas ao redor de determinadas denominações religiosas que estariam relacionados a atividades empreendedoras em comunidades étnicas. Por outro lado, alguns autores sugerem que características culturais nacionais poderiam ser capazes de influenciar a propensão ao empreendedorismo, como parecem indicar as diferenças entre percentuais de abertura de novos negócios entre imigrantes de diferentes culturas, mas operando no mesmo ambiente institucional (Waldinger et al., 1990). Há ainda longa tradição de estudos sobre as instituições e a natureza do seu impacto nas sociedades (North, 1990; Scott, 1995 - vide por exemplo Tan, 2002 para uma análise mais recente), que indica que diferentes ambientes institucionais podem causar impacto diferenciado em taxas de empreendedorismo entre membros de uma mesma cultura. Neste caso, as variações em tais taxas estariam sendo causadas mais diretamente pela percepção de incerteza ou estabilidade nos diferentes ambientes institucionais. De fato, os comentários de vários empreendedores entrevistados para este trabalho sugerem que a sociedade norte-americana ofereceria condições mais favoráveis ao empreendedorismo, em virtude de algumas de suas características institucionais. Os resultados do estudo apresentam possível evidência de que o ambiente comunitário organizado pelas Igrejas protestantes brasileiras na área de Boston parece estar mais adequado à sociedade receptora e, assim, poderia favorecer mais eficazmente as iniciativas dos empreendedores a elas afiliados. De qualquer modo, parece claro que pesquisa adicional se faz necessária para investigar os efeitos dos fatores acima, bem como os de suas interações.
Trabalhos futuros deverão analisar em mais detalhe o nível de envolvimento dos empreendedores étnicos com as comunidades a que pertencem, que foi considerado um determinante mais complexo e adequado da dependência dos negócios étnicos aos recursos providos pela comunidade do que o simples fato da etnia comum (Chaganti e Greene, 2002). Levando-se em consideração os níveis relativamente baixos de envolvimento comunitário que observamos entre os entrevistados, este tipo de análise somente poderá ser feita por estudo de natureza longitudinal. Há ainda outras limitações do presente estudo que poderão ser corrigidas no desenvolvimento futuro desta linha de pesquisa. Talvez a principal delas seja a ausência de informações financeiras sobre as empresas pesquisadas, que nos impediu de elaborar hipóteses sobre os impactos da afiliação religiosa e da eficácia dos controles sociais de determinadas denominações sobre os resultados propriamente ditos das empresas. Embora a própria natureza das empresas incluídas, todas micro ou pequenas, relativamente novas e privadas ou familiares, explique parte das dificuldades em se obterem tais informações, isto continuará representando um obstáculo para o campo do empreendedorismo étnico. Deve ser ainda considerado que a própria decisão de somente coletarmos dados junto a empresas estabelecidas oficialmente pode ter excluído segmento eventualmente significativo da população das comunidades de imigrantes brasileiros: os que fazem parte da economia informal, incluido o auto-emprego e as empresas não-registradas. As dificuldades óbvias em se obter dados junto a tais grupos fazem com que, com poucas exceções (vide, por exemplo, Fleischer, 2002 e Martes, 2000), esta seja uma das áreas menos pesquisadas neste campo de estudos (Raijman, 2001). Trabalhos futuros deveriam buscar formas alternativas de atingir estes segmentos da população étnica imigrante.
Finalmente, consideramos que a expansão das fronteiras geográficas e culturais das pesquisas sobre empreendedorismo étnico é fundamental para o desenvolvimento desse campo de estudo. Até o momento, quase todos os trabalhos focalizaram comunidades étnicas na Europa e nos Estados Unidos. Comunidades de imigrantes na América Latina em geral, e no Brasil em particular, ainda não foram objeto de estudo sistemático. As diferenças nos aspectos institucionais dessas várias regiões oferecem campo fértil para o exame do potencial impacto de alguns dos fatores examinados neste trabalho sobre as iniciativas dos empreendedores étnicos. No Brasil, por exemplo, várias de suas metrópoles, principalmente São Paulo, têm grandes comunidades étnicas sobre as quais pouco se conhece em relação a seus padrões de empreendedorismo. Embora em anos recentes um grande número de brasileiros tenha emigrado para os países industrializados, o Brasil ainda é recebedor de contingentes significativos de imigrantes, principalmente de algunspaíses da Ásia e da América Latina. Alguns desses grupos estabeleceram comunidades culturais importantes e desenvolveram fortes economias étnicas.
Em relação ao tema central deste trabalho, o da influência da afiliação religiosa no empreendedorismo étnico, o Brasil também se apresenta como tendo condições particularmente propícias para este tipo de pesquisa. Nos últimos anos, nosso país apresentou talvez as taxas mais elevadas do mundo de crescimento das denominações protestantes em geral, com a relativa diminuição da percentagem de católicos declarados na população. Conforme mencionado acima, as Igrejas protestantes que praticam a chamada teologia da prosperidade apresentaram crescimento particularmente acentuado. Em conseqüência disto, os estudos sobre empreendedorismo étnico entre os imigrantes brasileiros nos países industrializados, principalmente nos Estados Unidos, poderão eles próprios se beneficiar de análises feitas, em comunidades de imigrantes no Brasil, sobre a relação entre a influência da afiliação religiosa e as características de seus padrões de empreendedorismo étnico.
BIBLIOGRAFIA
Artigo recebido em 18.11.2003.
Aprovado em 06.02.2004.
Ana Cristina Braga Martes, É Doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Sociologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do projeto Redes Sociais e Empresas. É autora do livro: Brasileiros nos Estados Unidos - um estudo sobre imigrantes em Massachusetts, editado pela Paz e Terra e co-organizadora do livro: Fronteiras Cruzadas da mesma editora. Suas áreas de interesse em pesquisa são empreendedorismo étnico, migrações internacionais, sociologia das organizações e sociologia econômica.
Endereço: Rua Escócia, 178, Jardim Europa, São Paulo, SP, Brasil, CEP 01450-000. E-mail: acbmartes@fgvsp.br
Carlos L. Rodriguez, É Doutor em Administração pela Florida Atlantic University, Mestre em Negócios Internacionais pela Universidade da Carolina do Sul e Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Gerência e Marketing da Escola de Negócios da Universidade da Carolina do Norte em Wilmington. Sua área de interesse em pesquisa é a investigação de fatores que influenciam o desempenho das empresas em economias emergentes, com foco especial nos efeitos da cooperação entre empresas e nos mecanismos de aprendizado das organizações.
Endereço: Cameron School of Business, University of North Carolina at Wilmington, 601 South College Road, Wilmington, NC, USA, 28403-5969. E-mail: rodriguezc@uncw.edu
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2009 -
Data do Fascículo
Set 2004
Histórico
-
Aceito
06 Fev 2004 -
Recebido
18 Nov 2003