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Construção e validação de uma taxonomia de eventos de TD&E

Construction and validation of a taxonomy of TD&E events

Resumos

A classificação de fenômenos, por meio de taxonomias, é importante atividade científica. O presente trabalho descreve o processo de construção e validação de uma taxonomia de eventos de treinamento, desenvolvimento educação (TD&E) nas organizações. Esta taxonomia pode facilitar a gestão e avaliação de TD&E nas organizações. Foi elaborada com cinco dimensões de classificação: domínio instrucional do objetivo do evento de TD&E, nível de complexidade deste objetivo, estratégias de ensino e funções organizacionais e individuais do evento. Ela foi utilizada para elaborar um protocolo de classificação e para classificar 68 eventos de TD&E em três organizações. Cinco juízes preencheram esse protocolo, com base em documentos organizacionais existentes. A análise de conglomerados indicou que os eventos poderiam agregar-se em quatro categorias dimensionais. Elas vão desde a aquisição de regras para a melhoria do desempenho atual até o desenvolvimento de estratégias cognitivas a serem utilizadas em qualquer tipo de atividade ocupacional. Os resultados encorajam a aplicação da taxonomia em diferentes contextos e sugerem aprimoramentos no sistema de classificação elaborado.

taxonomia; treinamento; desenvolvimento educação (TD& E) nas organizações; avaliação de TD& E


Taxonomies are an important scientific activity for classifying phenomena. This paper describes the construction and validation of a taxonomy for training, development and education (TD&E) events in organizations. It may facilitate management and evaluation of TD&E in organizations. The taxonomy was developed with five classification dimensions: instructional domain of the TD&E event objective, the complexity level of this objective, teaching strategies and organizational and individual functions of the event. The taxonomy was used for formulating a classification protocol and for classifying 68 TD&E events in three organizations. Five independent judges filled outhis protocol, based on existing organizational documents. A cluster analysis has shown that the events may be grouped into four dimensional categories. These categories range from rule acquisition for improving current performance to the development of cognitive strategies for use in any kind of job. The results encourage the application of the taxonomy in different contexts and suggest improvements to it.

taxonomy; training; development and education (TD& E) in organizations; TD& E evaluation


ARTIGOS

Construção e validação de uma taxonomia de eventos de TD&E

Construction and validation of a taxonomy of TD&E events

Ronaldo PilatiI,* * Endereço: Ronaldo Pilati Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, ICC/Sul, Campus Darcy Ribeiro, UnB, Asa Norte, Brasília/DF, 70910-900. ; Lísian Camila VasconcelosII; Jairo E. Borges-AndradeIII

IE-mail: rpilati@gmail.com Universidade de Brasília -UnB Brasília, DF, Brasil

IIE-mail: lisiancamila@gmail.com Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Brasília, DF, Brasil

IIIE-mail: jairo.borges@gmail.com Universidade de Brasília -UnB Brasília, DF, Brasil

RESUMO

A classificação de fenômenos, por meio de taxonomias, é importante atividade científica. O presente trabalho descreve o processo de construção e validação de uma taxonomia de eventos de treinamento, desenvolvimento educação (TD&E) nas organizações. Esta taxonomia pode facilitar a gestão e avaliação de TD&E nas organizações. Foi elaborada com cinco dimensões de classificação: domínio instrucional do objetivo do evento de TD&E, nível de complexidade deste objetivo, estratégias de ensino e funções organizacionais e individuais do evento. Ela foi utilizada para elaborar um protocolo de classificação e para classificar 68 eventos de TD&E em três organizações. Cinco juízes preencheram esse protocolo, com base em documentos organizacionais existentes. A análise de conglomerados indicou que os eventos poderiam agregar-se em quatro categorias dimensionais. Elas vão desde a aquisição de regras para a melhoria do desempenho atual até o desenvolvimento de estratégias cognitivas a serem utilizadas em qualquer tipo de atividade ocupacional. Os resultados encorajam a aplicação da taxonomia em diferentes contextos e sugerem aprimoramentos no sistema de classificação elaborado.

Palavras-chave: taxonomia; treinamento; desenvolvimento educação (TD&E) nas organizações; avaliação de TD&E.

ABSTRACT

Taxonomies are an important scientific activity for classifying phenomena. This paper describes the construction and validation of a taxonomy for training, development and education (TD&E) events in organizations. It may facilitate management and evaluation of TD&E in organizations. The taxonomy was developed with five classification dimensions: instructional domain of the TD&E event objective, the complexity level of this objective, teaching strategies and organizational and individual functions of the event. The taxonomy was used for formulating a classification protocol and for classifying 68 TD&E events in three organizations. Five independent judges filled outhis protocol, based on existing organizational documents. A cluster analysis has shown that the events may be grouped into four dimensional categories. These categories range from rule acquisition for improving current performance to the development of cognitive strategies for use in any kind of job. The results encourage the application of the taxonomy in different contexts and suggest improvements to it.

Key words: taxonomy; training; development and education (TD&E) in organizations; TD&E evaluation.

Introdução

A supervalorização da aprendizagem como meio de garantir a empregabilidade dos trabalhadores e a sustentabilidade das organizações levou à proliferação de eventos tipificados como formais e informais, que supostamente facilitam o aprendizado das pessoas. Os primeiros tipos de eventos, esforços de investimento das organizações, visando à melhoria do desempenho das pessoas que nelas trabalham, são geralmente incluídos como característicos do que é denominado treinamento, desenvolvimento educação (TD&E) em organizações. A diversificada e profícua oferta desses eventos, glorificada pelo surgimento das denominadas universidades corporativas, não foi acompanhada por esforços de padronização de termos e de desenvolvimento de sistemas que pudessem classificá-los; portanto os problemas decorrentes de questões semânticas não resolvidas foram agravados. Tampouco foi acompanhada, na prática, por um esforço metodológico no sentido de investir em eventos efetivamente relevantes para as organizações, de modo que estas pudessem garantir sua sustentabilidade e buscar a inovação no mercado.

Quanto às questões semânticas, o conceito de Treinamento (T) advém da noção essencial de que representa esforço despendido pelas organizações para propiciar oportunidades de aprendizagem aos seus membros. Foi tradicionalmente relacionado à melhoria de desempenho, isto é, identificação e superação de deficiências, preparação para novas funções e adaptação a novas tecnologias. O de Desenvolvimento (D) foi, por sua vez, tradicionalmente compreendido como mais abrangente, incluindo ações organizacionais que estimulam o livre crescimento pessoal de seus membros e que não necessariamente visam àquela melhoria de desempenho (Borges-Andrade, 2002). O de Educação (E), por sua vez, trataria de esforço para formar o cidadão para a vida e, portanto, não seria responsabilidade das organizações empregadoras.

O mencionado autor afirma que as rápidas e vertiginosas mudanças tecnológicas, econômicas e sociais do mundo do trabalho e das organizações contemporâneas levaram, por um lado, ao crescimento da importância de TD&E. Por outro lado, no entanto, os conceitos a eles originalmente associados perderam sua clareza. Competências adquiridas nas organizações poderiam tornar o indivíduo mais capaz para desempenhar vários papéis, no presente e no futuro, nessas organizações ou em outras. A ideia de crescimento pessoal contínuo, inicialmente colocada como assunto de decisão pessoal, tornou-se requisito organizacional para a ascensão em muitas carreiras. O desenvolvimento de valores típicos da preparação do cidadão para a vida passou a ser preocupação de muitos esforços formais das organizações empregadoras. Eventos planejados para resolver problemas específicos de desempenho de alguns empregados podem ser vistos, por outros empregados em outras funções, como oportunidades para futura ascensão na carreira ou para aumento de empregabilidade no mercado de trabalho em geral. As noções de sistematização e intencionalidade, típicas de T, passaram a ser incorporadas em eventos planejados para oferta a distância, muitos deles típicos de D ou de E. Nesta linha de argumentação, Borges-Andrade (2002) conclui que os conceitos associados a estas três letras teriam perdido as claras fronteiras que os separavam há algumas décadas.

Uma Torre de Babel foi rapidamente erguida na área de TD&E, supostamente para que organizações e trabalhadores alcançassem os céus, ou respectivamente sustentabilidade e empregabilidade. O castigo foi a criação de diferentes línguas, para fazer referência àqueles eventos, com a perda da comunicabilidade entre gestores e profissionais de TD&E, responsáveis pela construção daquela Torre. Agora é preciso recuperar o tempo perdido e restabelecer a comunicação entre esses atores. Um caminho, já percorrido, foi o de formular bases para cada conceito que apareceu em TD&E (Vargas & Abbad, 2006). Um caminho complementar, a ser aqui percorrido, é a formulação e testagem de um sistema que classifique eventos de TD&E, como fizeram áreas científicas que alcançaram estágios mais avançados de desenvolvimento.

Há ainda uma questão prática. Hoje, muito mais do que há três décadas, sabe-se o que é preciso fazer para garantir efetividade de TD&E nas organizações, até mesmo no Brasil. Existem métodos bem desenvolvidos e testados de maneira sistemática e repetida, para efetuar diagnósticos de necessidades e, assim, ter clareza sobre a relevância dos eventos que devem ser apoiados. Da mesma forma, há métodos testados e reconhecidos pela comunidade científica, para verificar se tais eventos cumpriram com o seu papel e produziram os resultados esperados pelas organizações (Borges-Andrade, Abbad, & Mourão, 2006). No entanto, não é isso o que ocorre na maioria dos casos, no Brasil e fora daqui, pois tais métodos não são utilizados pela grande maioria delas. Muitos investimentos são feitos com a justificativa de que é preciso garantir a sustentabilidade organizacional e a inovação no mercado, mas nada é realizado para oferecer garantias mínimas de que terão resultados, ou para verificar se estes foram alcançados.

Nas últimas décadas, a pesquisa em avaliação de TD&E produziu conhecimento sistemático para compreender quais são os fatores restritivos e facilitadores da sua efetividade em diversos níveis de análise. No Brasil, muito foi produzido sobre estes fatores, já resultando em conhecimento sistemático e relevante para a definição desses eventos e a resolução de problemas práticos na área (Borges-Andrade et al., 2006). Uma questão que ainda está aberta, mesmo na pesquisa, é aquela relativa a um sistema de classificação de eventos de TD&E nas organizações, o que assume importância por permitir que os interessados no campo conheçam melhor o efeito de cada tipo de evento. Justamente visando cobrir esta lacuna, o presente artigo tem por objetivo descrever o desenvolvimento e a validação de uma taxonomia de classificação de TD&E nas organizações; porém é preciso fundamentar as escolhas e processos teóricos e metodológicos que subsidiaram o desenvolvimento da taxonomia.

Aspectos Teóricos e Metodológicos da Construção de Taxonomias: Meta-taxonomia

O ser humano sempre foi um classificador dos fenômenos que encontra a sua volta. Desde as agremiações humanas mais primitivas, podem-se observar tentativas de desenvolvimento de sistemas de classificação que possibilitaram o reconhecimento de similaridades e diferenças entre objetos e eventos do mundo natural (Raven, Berlin, & Breedlove, 1971). Estudos da etnociência buscaram identificar esquemas populares de classificação (folk taxonomies) em diferentes sociedades primitivas (Berlin, Breedlove, & Raven, 1968). Os pesquisadores apontaram que a grande maioria dos táxons (unidades elementares de grupos de indivíduos em análise) era monolexicalmente nomeada. Essas taxonomias linguísticas em sociedades antigas são clara evidência da necessidade humana de desenvolver esquemas de classificação dos eventos a sua volta, para que a interação e manipulação deles fossem possíveis. A organização dos eventos em táxons traz uma série de vantagens, pois objetos agrupados por semelhanças auxiliam a predição de características de indivíduos novos, que compartilham elementos comuns. Isso traz organização à compreensão do ambiente e facilita a interação com ele, seja para responder a demandas seja para intervir antes que elas apareçam.

O uso de taxonomias é elemento antigo no movimento científico. Os biólogos, uns dos primeiros a desenvolver esquemas sistemáticos de classificação, nada mais fizeram do que se apropriar de taxonomias já elaboradas pelas comunidades, apenas incluindo algumas sistematizações a mais em tais taxonomias (Raven et al., 1971). De acordo com esses autores, somente no século XVIII os sistemas de classificação em biologia começaram a deixar de ser genéricos e restritos a poucas espécies. Iniciou-se então o desenvolvimento de esquemas mais elaborados de classificação, que contemplavam maior complexidade dos diferentes elementos de fauna e flora de regiões geograficamente mais abrangentes.

Várias outras áreas do conhecimento se apropriaram desses procedimentos de classificação e realizaram aplicações próprias (Sneath & Sokal, 1973). A medicina procurou classificar doenças; a antropologia buscou classificar culturas e processos evolutivos da humanidade; a geologia aplicou princípios taxonômicos para a classificação de solos; a psicologia tem suas tentativas de classificação de tipos de personalidades. Vários esquemas de classificação e/ou discussões teórico-metodológicas foram desenvolvidas em diferentes campos, como a biologia (Sneath, 1995), a psicologia (Fleishman & Quaitance, 1984) e a administração (Rich, 1992).

Emergiram diferentes visões de sistemas classificatórios (metataxonomia), entre elas a que é utilizada no presente estudo. Como destacaram Sneath e Sokal (1973), alguns termos merecem distinções e esclarecimentos, quando se trata de princípios teórico-metodológicos de taxonomia. A primeira distinção diz respeito à nomenclatura, usadas de forma intercambiável: (a) sistemática - estudar cientificamente os tipos e a diversidade de organismos e todo tipo de relação entre eles; (b) classificação - ordenar organismos em grupos com base em suas relações; (c) identificação - alocar objetos e organismos não identificados em um grupo correto, em classificação já estabelecida; e (d) taxonomia - estudar teoricamente a classificação, incluindo suas bases, princípios, procedimentos e regras.

O processo de classificação é o ato de aplicar um conjunto de procedimentos e princípios, regidos pela taxonomia, para poder alocar indivíduos dentro de grupos, os quais são determinados por semelhanças existentes entre seus integrantes. Sobre a questão da identificação, devem-se esclarecer alguns outros conceitos, a saber: (a) característica - atributo do objeto de análise que o diferencia ou aproxima de outro objeto de análise; (b) estado de caráter - forma de apresentação daquele atributo nos objetos de classificação; (c) previsibilidade - capacidade de predizer as características de um indivíduo graças ao seu pertencimento a um Taxa; e (d) homologia - características fenotípicas idênticas, mas com funções diferentes (este último mais aplicável à biologia).

Na aplicação do princípio metataxonômico sobre estratégias de classificação de objetos, a padronização de uso de dois termos torna-se fundamental: Unidade Taxonômica Operacional (UTO) - são os objetos de classificação. No caso aqui apresentado, as UTOs são os eventos de TD&E; e Taxa - pode ser entendido como grupo.

O objetivo de um sistema de classificação é arranjar UTOs em Taxas, e esse arranjo é feito com base em similaridades de característica(s) que cada UTO possui com outros UTOs. As características são definidas pela taxonomia, que rege o princípio de classificação em termos do que deve ser observado, como será medido e como os dados serão analisados para definir Taxas e identificar a que Taxa cada UTO pertence.

Existem basicamente dois tipos de taxonomias. De acordo com Sneath e Sokal (1973), o primeiro é chamado de monotético, tem como principal regra para a classificação de UTOs, a identificação de uma característica comum que delimita os Taxas, ou seja, cada objeto de classificação será agrupado em um Taxa, se ele possuir determinada característica em comum com outros indivíduos, fazendo com que esses façam parte do mesmo Taxa.

As chamadas taxonomias populares têm essa característica fundamental, organizando os indivíduos em basicamente cinco grandes níveis, chamados de categorias etnobiológicas (Berlin, Breedlove, & Raven, 1973): (a) componente único; (b) forma de vida; (c) genérico; (d) específico; e (e) variedade. É possível que, em algumas culturas, níveis intermediários sejam criados para identificar os indivíduos de forma mais precisa. Esse tipo de taxonomia é extremamente útil para fazer a identificação e reconhecimento de um número limitado de UTOs, pois a hierarquização apenas é possível com um pequeno número de níveis, como identificado nos estudos antropológicos de taxonomias populares. Considerando que os primeiros esforços de taxonomias na ciência tinham como ponto de partida esquemas populares de classificação de organismos vivos, eles replicaram a sua característica monotética, mas conseguiram aumentar o número de níveis (e.g. na taxonomia de Lineu existem 7 níveis: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie). De acordo com os citados autores, o esquema monotético de classificação é limitado em relação ao número de indivíduos que podem ser classificados.

Buscando desenvolver alternativas para abarcar a complexidade dos UTOs, foi desenvolvida a taxonomia politética (Sneath & Sokal, 1973). O elemento básico desse tipo de sistema de classificação está em organizar Taxas, a partir de um conjunto de características que os UTOs partilham. A semelhança, para determinar o pertencimento a determinado Taxa, dar-se-ia por meio do compartilhamento não de um elemento comum (como no caso das monotéticas), mas sim de múltiplos elementos comuns. A partir dessa concepção, seria possível a organização de um número infinito de Taxas e de níveis, aumentando a possibilidade de classificação de uma imensa a quantidade de UTOs. A taxonomia para classificação o de eventos de TD&E, aqui proposta, tem esse caráter politético, pois pretende agregar Taxas a parttir de múltiplas características que serão analisada as em cada evento.

Outra característica da a metataxonomia diz respeito aos métodos de construção do sistema classificatório, que está direttamente relacionada a ser a taxonomia monoté ética ou politética. Estes métodos podem ser divididos em teóricos e empíricos (Sneath & Soka al, 1973). Os primeiros desenvolvem estruturas de Taxas hierarquicamente organizadas com base eem critérios teóricos de estabelecimento de caracterís sticas, antes até mesmo da classificação dos UTO Os, ou seja, apriori. Os segundos definem Taxas e es struturas hierárquicas, a partir da classificação do os UTOs, permitindo que o processo de análise de dad dos defina a estrutura do sistema de classificaçã ão, ou seja, aposteriori. Assim, a taxonomia terá sua definição hierárquica a partir da análise dos dados classificados com base nos princípios da taxonomia.

Esses dois métodos de construção de taxonomias podem lançar mão de e uma técnica de uso de números para classificar cara acterísticas de UTOs, cujos princípios foram aprresentados por Sneath e Sokal (1973), e é denominaada de taxonomia numérica. Possui como basse de funcionamento a quantificação dos atributos a sserem avaliados em cada UTO e posterior análisee estatística desses dados para determinação dos Taxas. A lógica de quantificação de atributos de UTOs ppara sua classificação foi iniciada em meados do século XIX. O avanço computacional do século seguinte possibilitou a operacionalização e a difusão o da taxonomia numérica, uma vez que as novas ferramentas tornaram possível a aplicação desses princípios para múltiplos UTOs simultaneamente (Sneath, 1995). Assim, os princípios da taxonomia numéérica, sistematizados por Sneath e Sokal (1973), ppermitiram a inserção da noção de validação de taxono omias por meio da análise e teste estatístico rob busto da classificação de UTOs.

Os métodos teóricos e eempíricos de sistemas de classificação compartilhham características entre si. Taxonomias podem ter ele ementos puramente empíricos ou teóricos. Mas,quando se lança mão de uma estratégia numérica para a classificar UTOs, ela compartilhará elementos teóricos e empíricos para a classificação. A Figura 1 apresenta um diagrama que procura esque ematizar a relação e a superposição entre sistemas distintos de classificação de indivíduos e sugere que taxonomias teóricas e empíricas possuem uma sobr reposição. No centro dessa sobreposição se enco ontra o caráter numérico das taxonomias, que, por sua vez, está quase totalmente inserido no espaço dass taxonomias empíricas.


Essa comparação de elementos dos tipos de taxonomias evidencia que a tentativa de quantificação dos atributos, na maioria das vezes, tem uma natureza empíírica de classificação de UTOs; portanto taxonomias empíricas possuem elementos teóricos que, ppor sua vez, podem ser testadas, se os atributos forem m mensurados.

Um aspecto essencial nas taxonomias numéricas diz respeito ao númer ro de atributos avaliados em cada UTO, para permitir uma classificação mais eficiente. Quanto maior for este número, melhor será o sistema de classificação, pois estes serão agregados por sua semelhança com base em vários atributos. Quanto maior for o número desses atributos, mais adequada será a estruturação dos Taxas e de sua hierarquia (Sneath & Sokal, 1973).

A Figura 2 apresenta um esquema gráfico de uma metataxonomia, que organiza os possíveis tipos de sistemas classificatórios. De acordo com esta Figura, existem vários processos de classificação nas ciências. Aqueles que resultam em grupos monotéticos são provenientes do método tradicional, que classifica sem desenvolvimento teórico e, por isso, resulta em tipologias elementares. Por sua vez, o método teórico subdivide-se em métodos hierárquicos e não-hierárquicos. O critério de demarcação entre tipologias e taxonomias está exatamente na atribuição de uma organização hierárquica (Rich, 1992).


Os sistemas de classificação considerados empíricos resultam em grupos politéticos. As duas possibilidades desse tipo de sistema de classificação se diferenciam na existência de elementos teóricos prévios para a realização da classificação e, também, no seu caráter numérico. Essa teoria prévia resulta em diferenciação de peso entre os atributos de classificação, o que não ocorre no processo de classificação empírico, sem teoria prévia, no qual todos os atributos têm peso idêntico. Assim, os sistemas de classificação podem ser de três tipos: (a) tradicional, (b) teórico e (c) empírico.

Os tipos tradicional e teórico produzem grupos taxonômicos monotéticos, pois definem pertencimento a um grupo com base na semelhança de uma característica. Quando não existe discriminação de hierarquia entre os grupos, a taxonomia resultante tem caráter nominal. Caso o método teórico resulte na hierarquização de grupos, constitui-se um sistema de classificação do tipo ordinal. O tipo empírico de taxonomia resulta em grupos taxonômicos politéticos, nos quais o pertencimento de um indivíduo a um grupo é realizado com base no compartilhamento de várias características simultaneamente. Um processo de classificação empírico, que possui teoria prévia e atribui pesos diferentes aos atributos de classificação, tem característica teórica. Aquele que não atribui peso aos atributos tem caráter estritamente numérico.

Fundamentos para a Construção de uma Taxonomia em TD&E

O desenvolvimento de uma taxonomia de eventos de TD&E tem como objetivo suprir uma lacuna de modelos para facilitar a compreensão, gestão e avaliação desses eventos. Essa facilitação se daria no sentido de relacionar tipos de eventos com características da clientela, demanda desempenho desta e ambiente organizacional. A taxonomia funcionaria como mecanismo de auxílio aos profissionais em TD&E, para que possam tomar decisões antes da execução dos eventos, já tendo uma descrição da possível efetividade que teriam, em função das outras variáveis conhecidas. Também funcionaria para os pesquisadores e avaliadores investigarem os efeitos específicos de cada tipo de evento, classificado com base na taxonomia.

Essa não é preocupação recente, mas raramente é observada na literatura. Um esboço de taxonomia para treinamentos organizacionais foi proposto por Miller (1975), levando em conta amplo espectro de dez referências, que se podem compreender como os atributos de classificação: (a) modelos de educação; (b) classes de comportamentos a serem ensinados; (c) estratégias de treinamento; (d) contexto de aprendizagem; (e) conteúdo relacionado ao trabalho; (f) capacidades humanas; (g) papel do estudante; (h) estrutura da tarefa; (i) estágio de aprendizagem; e (j) especificidade do desempenho operacional. Este sistema tinha uma função, clara e específica, de auxiliar o processo de tomada de decisão no contexto organizacional. Mas, devido a sua abrangência e propósito, ela tornou-se um elemento pouco prático para classificar eventos em contextos de pesquisa e deixa de lado alguns elementos críticos para uma taxonomia que tem por função auxiliar o desenvolvimento de modelos de avaliação de TD&E. Entende-se que ainda existe uma lacuna a ser superada, que é a construção de um sistema de classificação que possibilite a inserção destes modelos. Além disso, não foram encontrados relatos de validação empírica desta taxonomia.

Em avaliação de TD&E existem estudos que buscam classificar eventos instrucionais nas organizações, a partir das taxonomias de aprendizagem presentes na literatura científica (Bloom & Engelhart, 1972; Gagné, 1985). Quase sempre esses trabalhos não têm encontrado relações relevantes entre impacto de TD&E no trabalho e indicadores de taxonomias de aprendizagem. Essa ausência de diferenças significativas pode ser devida a artefatos metodológicos (e.g. amostra insuficiente de eventos para cada domínio das taxonomias) ou a problemas na classificação, feita com base em teorias instrucionais costumeiramente distantes do mundo das organizações e do trabalho. Os problemas de classificação são notórios, tendo em vista que essas taxonomias de aprendizagem partiram de uma base empírica, predominantemente sustentada em estudos com crianças e em situações de educação formal. Não são abrangentes, a ponto de capturar toda a variabilidade de características dos eventos de TD&E nas organizações. Para que uma estrutura de classificação destes eventos seja eficiente, é necessário levar em consideração outros aspectos que os caracterizam dentro do ambiente organizacional. Como são eventos controlados para alcançar objetivos organizacionais específicos, características inseridas pela organização no escopo desses eventos podem ser determinantes de seu tipo.

Elementos da Taxonomia de TD&E Proposta

A presente proposta de taxonomia tem cinco categorias que devem ser identificadas em cada evento, possibilitando, assim, um esquema de classificação universal (ver Tabela 1). A primeira categoria é baseada nas proposições teóricas de Bloom e Engelhart (1972), que organizam as competências a serem adquiridas em três grandes domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. Dessa forma, a primeira categoria de classificação se dará a partir da identificação do principal domínio de competências do evento de TD&E. Esse domínio principal pode ser identificado por meio da análise do objetivo principal (final) de cada evento.

A segunda categoria dessa taxonomia é a identificação do nível hierárquico do objetivo final do evento de TD&E. O nível hierárquico é prescrito na hierarquia de objetivos de aprendizagem descrita por Bloom e Engelhart (1972). Essa característica também se encontra na taxonomia de aprendizagem proposta por Gagné (1985), mas somente para habilidades intelectuais, que equivalem ao domínio cognitivo na taxonomia daqueles autores. O presente estudo só propõe a utilização desse segundo elemento taxonômico para este domínio, a ser identificado com base na taxonomia deste autor.

O terceiro elemento da taxonomia é a identificação dos métodos e das estratégias de ensino adotada(s) para o evento. Essa categoria é importante para a avaliação da congruência entre o objetivo e a estratégia de ensino utilizada. O sucesso de um evento instrucional depende da escolha adequada de estratégias e métodos de ensino, pois a criação de um ambiente externo adequado ao objetivo é condição essencial para que o aprendiz atinja o desempenho esperado (Gagné, 1985).

A quarta categoria diz respeito a informações provenientes do levantamento de necessidades de TD&E. Neste levantamento, podem ser identificadas características que definem o escopo atribuído ao evento de TD&E pela organização. Tendo em vista que este evento é ação controlada pela organização, a sua função tática/estratégica será definida naquele levantamento.

A última categoria da taxonomia deve considerar o tipo de implicação do evento de TD&E para os participantes. Tem como função classificar o evento quanto à função que supostamente exerce sobre os participantes, seja na sua vida organizacional seja profissional. Dado o tipo de valor que um evento de TD&E pode ter para os participantes, os seus resultados podem ser diferenciados. A identificação de fatores relevantes para os participantes é uma espécie de análise do objetivo individual do evento, em contraposição àquela feita na quarta categoria, que procura identificar qual o valor deste para a organização.

Dois estudos já apontaram que os tipos de eventos de TD&E classificados pela taxonomia aqui proposta parecem ser capazes de moderar ou produzir resultados diferenciais. O primeiro estudo encontrou que esses tipos são moderadores dos efeitos preditivos da motivação para aprender e da satisfação com eventos de TD&E sobre a efetividade destes. Assim, para eventos de cunho mais operacional, voltados para as funções ocupacionais dos participantes, a motivação para aprender emergiu como preditor significativo da efetividade de TD&E. Já para eventos voltados para a gestão de sistemas organizacionais, a satisfação foi um preditor significativo desta efetividade (Pilati & Borges-Andrade, 2008). O segundo estudo encontrou relações significativas entre aqueles tipos e as crenças que os participantes possuíam sobre o sistema de TD&E de sua organização. Deste modo, participantes de eventos com elevado nível de complexidade do objetivo geral e voltados para suas atuais necessidades apresentaram crenças mais positivas, quando comparados a participantes de eventos voltados para a promoção de mudanças na organização e obtenção de benefícios individuais e organizacionais (Vasconcelos, 2007). Esses resultados de pesquisas sugerem que os modelos de avaliação de TD&E que levarem em conta os diferentes tipos de eventos serão mais eficientes para a compreensão dos aspectos associados à efetividade destes. Além disto, apontam o importante papel que pode ser desempenhado pelos gestores, quando estes puderem conhecer os fatores associados a cada tipo de evento de TD&E.

O sistema de classificação aqui proposto pode ser considerado, de acordo com a metataxonomia de Rich (1992), como taxonomia empírica e numérica, em que todos os atributos de classificação terão o mesmo peso para alocar UTOs dentro dos Taxa. Optou-se pela escolha de tal esquema taxonômico, porque se considerou que o desenvolvimento de uma taxonomia para a classificação de eventos de TD&E não deveria pressupor uma organização hierárquica prévia. Isto porque a teorização sobre esse tipo de objeto de classificação é delicada, pois parte de uma mescla de princípios e preceitos da psicologia instrucional e organizacional, subáreas que nem partilham os mesmos referenciais teóricos de origem. Considerou-se mais cauteloso o não estabelecimento de estruturas hierárquicas prévias. Ao mesmo tempo, considerou-se necessário que a taxonomia proposta fosse submetida a um método de validação empírica, exatamente para possibilitar que a classificação pudesse desenvolver-se para alcançar bom nível de teorização do fenômeno em análise.

Método

Amostra

A amostra foi composta por 68 eventos de TD&E de universidades corporativas de duas organizações financeiras de porte nacional e de uma do ramo de eletricidade. Do total, 54 eram da primeira e oito eram da segunda organização financeira. Seis eventos eram da organização do ramo de eletricidade. Os eventos escolhidos foram desenvolvidos pelos profissionais dessas organizações, pois eventos contratados externamente poderiam não ter uma boa documentação relativa aos seus planos instrucionais. Buscou-se selecionar eventos que abrangessem todas as áreas de suas respectivas universidades corporativas, para ampliar a generalidade das características dos eventos submetidos à classificação.

Instrumento

Para a classificação dos eventos, foi desenvolvido um protocolo que era preenchido pelo juiz classificador. Esse protocolo foi feito com base nas informações presentes na Tabela 1.

O protocolo contava com 36 questões(1 1 O protocolo não é apresentado aqui, pois tornaria o artigo muito extenso. Os interessados por ele poderão solicitar uma cópia aos autores. ) relativas a atributos desses eventos. O procedimento de preenchimento consistia em indicar se os documentos organizacionais possuíam cada um dos atributos de cada uma das cinco categorias. Observando-se essas informações nos planos instrucionais, era possível que cada avaliador indicasse a ocorrência de cada um dos atributos.

Para padronizar o preenchimento do protocolo, cada atributo foi definido operacionalmente. A padronização das informações possibilitou que os juízes buscassem informações específicas nos planos instrucionais, visando exatamente a uma melhor identificação de elementos que indicariam a ocorrência ou ausência do atributo para cada evento.

Procedimentos

O processo de classificação foi feito por quatro e/ou cinco juízes independentes. Cada um desses juízes realizava o procedimento de classificação de cada evento por meio do preenchimento do protocolo. Todos os juízes receberam uma tabela com a descrição e a definição de todos os indicadores de cada categoria de classificação. Foram realizadas reuniões com os juízes para aproximação de definições, buscando aumentar o grau de concordância nas avaliações.

Após todas as avaliações terem sido realizadas para cada evento, os dados foram agregados em arquivo único. Foram realizadas análises de concordância entre avaliadores independentes e constatouse que a categoria três foi a que apresentou a menor taxa de concordância, inferior a 80%, o que levou à decisão de sua supressão. As demais categorias obtiveram índices superiores a 80% de concordância entre avaliadores, o que levou à efetivação do processo de classificação com as categorias C1, C2, C4 e C5 descritas na Tabela 1. A análise final foi realizada em um banco de dados, obtido por meio da resposta mais frequente dada pelos classificadores em cada atributo.

Os dados coletados foram analisados por meio de uma análise de conglomerados. Essa técnica foi escolhida devido à sua aplicação para dados de natureza qualitativa. Este era o caso dessa taxonomia, uma vez que cada atributo foi avaliado em função de sua presença ou ausência (variáveis dicotômicas). Esta técnica é indicada para o teste de taxonomias hierárquicas e não-hierárquicas (Gupta, 1973; Hernandéz-Encinas, 2001; Sneath & Sokal, 1973).

Foi definido como algoritmo de análise o hierárquico e o método de análise Ward. Este procedimento permite combinar agrupamentos com pequeno número de observações. Além disso, o cálculo da distância é minimizado em cada estágio do agrupamento (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005). Com o objetivo de investigar a similaridade entre os eventos, optou-se pelo cálculo da distância euclideana quadrada, por ser recomendada para o método de agrupamento de Ward (Hair et al., 2005). A representação gráfica foi realizada por meio de um dendograma.

Resultados

A análise de conglomerados apontou uma discriminação razoavelmente boa entre os tipos de eventos. Algumas características distintas podem ser observadas entre eles. Os que partilham maior número de características comuns possuem distância menor entre si; aqueles que possuem maior diferença partilham poucas ou nenhuma característica em comum, possuindo distância maior entre si. A Figura 3 apresenta o dendograma para os 68 eventos de TD&E classificados neste estudo.


Aqueles eventos que se encontram em extremos da Figura 3 possuem coeficientes de distância maiores entre si. Os dois eventos na parte superior são: Gerenciando o Relacionamento com o Cliente BACIN. Por sua vez, aqueles que estão na parte mais baixa da Figura são: Oficina de Clima e Atendimento Telefônico. Uma característica que aproxima os eventos Gerenciando o Relacionamento com o Cliente BACIN diz respeito ao seu caráter mais operacional, voltado para a área fim da organização, que descreve um conjunto de procedimentos e regras para o desenvolvimento de atividades de trabalho de um cargo atual. Já os eventos Oficina de Clima e Atendimento Telefônico têm caráter mais relacional e servem ao aperfeiçoamento na carreira profissional, com perspectiva de aquisição de regras e desenvolvimento de atitudes para trabalhar e/ou relacionar-se com outras pessoas. Para se compreender melhor estas diferenças, é apresentada a Tabela 2, com o resumo das características avaliadas para cada um dos quatro eventos da extremidade do dendograma da Figura 3.

Uma análise da Tabela 2 e da Figura 3 permite identificar uma agregação de quatro grupos de eventos de TD&E, classificados segundo os princípios taxonômicos do sistema aqui proposto. Os eventos são rotulados em cada grupo na Figura 3. Tomando como ponto de referência as características categorizadas de cada evento, os quatro grupos de eventos foram nomeados da seguinte forma: Grupo 1 (G1): Regras para a melhoria de desempenho na função atual; Grupo 2 (G2): Conhecimentos e regras para as demandas de desempenho de um mesmo cargo; Grupo 3 (G3): Regras para diversas atividades ocupacionais; Grupo 4 (G4): Regras, estratégias e atitudes para a vida profissional. Deve-se ressaltar que os eventos mais próximos das fronteiras entre os grupos tendem a compartilhar características também com o próximo grupo, considerando-se a estratégia de análise de distâncias, utilizada na análise hierárquica de conglomerados.

O G1 agrega eventos que têm por função básica capacitar funcionários para o desempenho de funções atuais, relacionados à necessidade de se cobrir lacunas de desempenho, identificadas nos ocupantes de um cargo. O G2 agrega eventos que têm a função de capacitar os funcionários no uso de novas tecnologias ou processos para um mesmo cargo. Os eventos alocados em G1 e G2 dizem respeito à aquisição de regras e conceitos, necessários às funções ocupacionais. O G3 agrega eventos que têm por objetivo o desenvolvimento de competências no nível de regras, que não estão relacionadas especificamente a uma atividade funcional, mas a um escopo de competências que podem ser desenvolvidas em diferentes atividades funcionais na organização. Já o G4 diz respeito ao desenvolvimento de competências mais complexas de natureza cognitiva (i.e. estratégias cognitivas), bem como de competências do domínio afetivo (atitudes), que envolvem um escopo mais amplo de aplicação, em outras funções, bem como em qualquer organização. Estes quatro grupos agregam eventos, que vão desde a aquisição de competências específicas para a função até ao desenvolvimento de competências que podem ser aplicadas em diversos contextos funcionais e organizacionais.

Discussão

O objetivo deste trabalho era desenvolver e validar uma taxonomia para a classificação de eventos de TD&E nas organizações de trabalho. Essa taxonomia tem como mote de classificação a avaliação de atributos organizacionais desses eventos, assim como atributos do seu próprio sistema instrucional e do papel deles, esperado dos participantes. De forma geral, esse objetivo foi atingido, porque se produziu uma taxonomia inicial, que poderá ser usada em pesquisas na área de TD&E e na prática profissional.

Os resultados obtidos indicam que o sistema de classificação consegue discriminar eventos em função dos atributos avaliados, situando os Taxa a partir de elementos relevantes para os participantes e para o sistema organizacional e instrucional. Esse é um sinal positivo para a melhoria e incremento da taxonomia proposta. Foi possível constatar o acerto na escolha das categorias, que indicaram um processo de discriminação encorajador dos UTOs. Isso fortalece a noção de que taxonomias de eventos de TD&E devem levar em consideração elementos do sistema organizacional e instrucional, pois esses eventos estão inseridos em um sistema organizacional, que define parâmetros e estipula limites do sistema instrucional, além de influenciar a vida dos participantes. A classificação alcançada neste trabalho indica que o domínio do objetivo principal tem papel importante para o compartilhamento de características do evento, bem como a função que este tem para o indivíduo. Isto fica evidente, quando observados, por exemplo, os eventos do G4, que congregam eventos do domínio afetivo voltados para reciclagem profissional geral.

Apesar dos resultados satisfatórios alcançados, é necessário aprimorar este sistema de classificação. O primeiro passo foi dado, mas outros elementos devem ser considerados para aprimorar a taxonomia. Uma possibilidade de aprimoramento surge do cotejo entre as categorias criadas para a taxonomia aqui apresentada e o trabalho de Miller (1975). Apesar de este autor ter desenvolvido um esboço de sistema de classificação com outros propósitos, algumas das categorias que definiu podem aprimorar uma taxonomia universal de classificação de TD&E. Por exemplo, na dimensão da função organizacional do evento, a avaliação de atributos relacionados ao tipo de desempenho dos participantes é um elemento importante. Uma forma de avaliar sistematicamente esses atributos nos eventos seria utilizar os princípios já descritos nas taxonomias de desempenho humano (Fleishman & Quaitance, 1984). Uma dificuldade, para fazê-lo, poderão ser aquelas questões práticas anteriormente apontadas aqui, relativas ao fato de que poucas organizações dispõem sistematicamente de métodos cientificamente apropriados para diagnosticar necessidades e os utilizam. Sem tal diagnóstico, é difícil avaliar a função organizacional de eventos de TD&E.

Um resultado não esperado, que diminui a capacidade de alcance aplicação da taxonomia, diz respeito à exclusão da terceira categoria de classificação (C3). A baixa concordância entre avaliadores foi devida à falta de informações suficientes para a classificação, que constam no material instrucional dos eventos classificados. Ainda que se trate de informação essencial na área de TD&E, poucos são os planos instrucionais que explicitam tais características de eventos nesta área. Sem dúvida, esta é dimensão relevante de classificação, mas depende do cuidado de explicitação de tais métodos e estratégias nos documentos norteadores de ações instrucionais. Espera-se que, em próximas oportunidades de aplicação deste sistema de classificação, seja possível a identificação dos elementos atinentes a esta categoria, o que permitirá incrementar o nível de abrangência da taxonomia de eventos de TD&E. A ausência de tais informações pode ser atribuída tanto às questões práticas mencionadas, quanto às questões semânticas também apontadas anteriormente.

Quanto à organização hierárquica, esse é um elemento difícil de ser definido, principalmente devido à baixa variabilidade de UTOs, utilizada no presente estudo, provavelmente decorrente de ele ter sido realizado em somente três organizações. Outros estudos devem ser realizados com essa taxonomia de TD&E, envolvendo mais eventos de diferentes organizações, o que possibilitaria o teste mais acurado da taxonomia, aumentaria a possibilidade de generalização de resultados e poderia melhorar a estruturação hierárquica dos Taxas. Assim, conclusões mais acuradas poderiam ser retiradas do modelo teórico da taxonomia.

A presente taxonomia é um sistema em construção; portanto é essencial destacar suas limitações. Considerando a natureza dos eventos de TD&E e das organizações utilizadas para a validação da taxonomia, torna-se relevante informar ao leitor que o grau de generalização e eficiência de classificação da presente taxonomia é limitado, não podendo ser aplicado, sem adaptações, a outros contextos instrucionais e organizacionais. A motivação inicial para o seu desenvolvimento foi possuir um sistema que permitisse compreender o efeito moderador que o tipo de evento possui sobre a efetividade de TD&E. Ainda que, potencialmente, um sistema de classificação tenha grande utilidade para a gestão de sistemas de TD&E, o atual estágio de desenvolvimento não nos permite utilizar a taxonomia como fonte segura de tomada de decisões para a gestão organizacional. Isto porque a quantidade de dados de classificação ainda é muito incipiente para conhecer todas as relações que os tipos de evento possuem com outras variáveis relevantes no contexto de TD&E. Assim, ressalva-se que ainda são necessários estudos continuados, que testem a validade, abrangência e eficiência desta taxonomia, de forma a transformá-la em estratégia útil para a pesquisa e a gestão organizacional em TD&E. Apenas por meio do esforço continuado no desenvolvimento da ferramenta, se torna factível fazer uso amplo da presente taxonomia, para além dos interesses de se responder às perguntas do efeito moderador do evento na efetividade de TD&E.

Uma taxonomia desenvolvida com base em evidências empíricas traz um auxílio importante para a pesquisa em avaliação de TD&E. Auxilia o desenvolvimento de modelos de avaliação que considerem a moderação do tipo de evento sobre a relação entre as variáveis determinantes da sua efetividade no trabalho, como já foi empiricamente demonstrado (Pilati & Borges-Andrade, 2008; Vasconcelos, 2007). Além da contribuição teórica para modelos de avaliação, a taxonomia também serve para o direcionamento estratégico dos eventos de TD&E nas organizações, pois permite que os profissionais que trabalham na área falem a mesma língua e sejam capazes de relativizar a efetividade desses eventos por meio da compreensão das suas características essenciais, que podem produzir efeitos diversos no trabalho dos egressos e no desempenho de suas organizações. Assim, será possível melhorar a comunicação e a efetividade dos que frequentam a Torre de Babel de TD&E, sem que ela seja destruída.

Nota

Artigo recebido em 04.11.2009.

Aprovado em 04.10.2010.

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    O protocolo não é apresentado aqui, pois tornaria o artigo muito extenso. Os interessados por ele poderão solicitar uma cópia aos autores.
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    Endereço: Ronaldo Pilati Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, ICC/Sul, Campus Darcy Ribeiro, UnB, Asa Norte, Brasília/DF, 70910-900.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Nov 2009
    • Aceito
      04 Out 2010
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