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Influências sociais nas atitudes dos 'Top' executivos em face da aposentadoria: um estudo transcultural

Social predictors influencing the attitudes of top executives towards retirement: a cross-cultural study

Resumos

Este estudo examina a influência dos preditores sociais nas atitudes em face da aposentadoria em 517 'top' executivos do Brasil e da Nova Zelândia. Os preditores sociais foram representados por quatro medidas: a escala de percepção do trabalho (JPS), o índice da diversidade na alocação de tempo para as atividades/relacionamentos (SOD), a escala da influência da família e amigos na decisão da aposentadoria (FFIRD) e a escala de percepção da qualidade de vida nos países (PCQL). As influências desses preditores foram analisadas através de regressões múltiplas junto a duas outras escalas: a percepção dos ganhos na aposentadoria (EPGR) e a percepção das perdas (EPLR). Os resultados indicam que quanto mais positiva for a influência da família e dos amigos, maior será a importância dos ganhos atribuídos na aposentadoria para ambas as nacionalidades. Essa importância também é aumentada pela diversidade na alocação de tempo entre as atividades/relacionamentos, mas apenas para os executivos brasileiros. Os executivos brasileiros que percebem, positivamente, seus trabalhos, demonstram atitudes mais positivas nos relacionamentos, no lazer, nos hobbies e atividades culturais na aposentadoria. A percepção da qualidade de vida do país não influencia as atitudes em face da aposentadoria, mas representa a maior diferença entre os brasileiros e neozelandeses.

aposentadoria; atitudes de top executivos; preditores sociais; pesquisa transcultural; Brazil e Nova Zelândia


This study examines the influence of social predictors on the attitudes towards retirement in 517 Brazilian and New Zealand top executives. The social predictors were represented by four measures: the job perception scale (JPS), the diversity of time allocation of activities and relationships index (SOD), the influence of family and friends on retirement decision (FFIRD); and the perception of quality of life in the country (PCQL). The influence of these predictors were analysed by multiple regression on other two scales: the executive's perception of gains in retirement (EPGR) and the executive's perception of losses in retirement (EPLR). The results point out that the importance of gains is increased by the influence of family and friends on retirement decision, for both nationalities. This is also increased by the diversity of time allocation for activities and relationships, but only for Brazilians. Brazilian executives who perceive their jobs positively have more positive attitudes towards relationships, leisure, hobbies and cultural activities in retirement. The perception of the quality of life in the country does not influence retirement attitudes, but represents the main significant difference between Brazilians and New Zealanders.

retirement; attitudes of top executives; social predictors; cross-cultural research; Brazil and New Zealand


ARTIGOS

Influências sociais nas atitudes dos 'Top' executivos em face da aposentadoria: um estudo transcultural

Social predictors influencing the attitudes of top executives towards retirement: a cross-cultural study

Lucia Helena de Freitas Pinho França * * Endereço: Lucia Helena de Freitas Pinho França Mestrado em Psicologia da UNIVERSO, Rua Marechal Deodoro, 211, 2ºandar, Bl. A, Niterói/RJ, 24030-060. E-mail: luciafranca@luciafranca.com

Ph.D. em Psicologia Social pela Universidade de Auckland, Nova Zelândia. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UNIVERSO, Niterói/RJ, Brasil

RESUMO

Este estudo examina a influência dos preditores sociais nas atitudes em face da aposentadoria em 517 'top' executivos do Brasil e da Nova Zelândia. Os preditores sociais foram representados por quatro medidas: a escala de percepção do trabalho (JPS), o índice da diversidade na alocação de tempo para as atividades/relacionamentos (SOD), a escala da influência da família e amigos na decisão da aposentadoria (FFIRD) e a escala de percepção da qualidade de vida nos países (PCQL). As influências desses preditores foram analisadas através de regressões múltiplas junto a duas outras escalas: a percepção dos ganhos na aposentadoria (EPGR) e a percepção das perdas (EPLR). Os resultados indicam que quanto mais positiva for a influência da família e dos amigos, maior será a importância dos ganhos atribuídos na aposentadoria para ambas as nacionalidades. Essa importância também é aumentada pela diversidade na alocação de tempo entre as atividades/relacionamentos, mas apenas para os executivos brasileiros. Os executivos brasileiros que percebem, positivamente, seus trabalhos, demonstram atitudes mais positivas nos relacionamentos, no lazer, nos hobbies e atividades culturais na aposentadoria. A percepção da qualidade de vida do país não influencia as atitudes em face da aposentadoria, mas representa a maior diferença entre os brasileiros e neozelandeses.

Palavras-chave: aposentadoria; atitudes de top executivos; preditores sociais; pesquisa transcultural; Brazil e Nova Zelândia.

ABSTRACT

This study examines the influence of social predictors on the attitudes towards retirement in 517 Brazilian and New Zealand top executives. The social predictors were represented by four measures: the job perception scale (JPS), the diversity of time allocation of activities and relationships index (SOD), the influence of family and friends on retirement decision (FFIRD); and the perception of quality of life in the country (PCQL). The influence of these predictors were analysed by multiple regression on other two scales: the executive's perception of gains in retirement (EPGR) and the executive's perception of losses in retirement (EPLR). The results point out that the importance of gains is increased by the influence of family and friends on retirement decision, for both nationalities. This is also increased by the diversity of time allocation for activities and relationships, but only for Brazilians. Brazilian executives who perceive their jobs positively have more positive attitudes towards relationships, leisure, hobbies and cultural activities in retirement. The perception of the quality of life in the country does not influence retirement attitudes, but represents the main significant difference between Brazilians and New Zealanders.

Key words: retirement; attitudes of top executives; social predictors; cross-cultural research; Brazil and New Zealand.

INTRODUÇÃO

A expectativa de vida está aumentando no mundo inteiro. Em 2002, o número estimado de pessoas com mais de 60 anos era de 600 milhões. Em 2050, esta população chegará a dois bilhões, sendo a primeira vez que o número de idosos ultrapassará o número de crianças menores de 14 anos. Por outro lado, haverá também uma redução do percentual de pessoas entre 15 e 64 anos, conhecida como faixa economicamente produtiva, que paga, com os impostos, parte das despesas com as crianças e com os idosos.

Dados das Nações Unidas indicam que, em 2002, havia no Brasil uma proporção de 12 pessoas na faixa produtiva para cada idoso. Em menos de 50 anos esta proporção cairá drasticamente, e, em 2050, haverá apenas três trabalhadores para um aposentado. Na Nova Zelândia essa proporção, em 2002, era de seis para um e até 2050 irá reduzir gradativamente até chegar a três trabalhadores para um aposentado (França, 2004).

O envelhecimento mundial não é apenas privilégio, mas uma conquista da modernidade. O desafio é, e será cada vez mais, manter os padrões de saúde e independência para todos os idosos, uma vez que o processo de envelhecimento não é igual em todas as sociedades. A política do Envelhecimento Ativo, adotada pela Organização Mundial de Saúde [OMS] (2002), aponta que as variações de independência e de saúde precisam ser levadas em consideração no estabelecimento das políticas necessárias a este desafio. Além do que a responsabilidade deve ser assumida por todos os países, desenvolvidos ou periféricos, e dividida entre os seus setores públicos e privados. O Envelhecimento Ativo é uma visão (individual e coletiva) que busca garantir qualidade de vida à medida que a população envelhece, estimulando a independência, dignidade e o direito a oportunidades.

No que se refere à longevidade nas organizações, a tônica deve ser a manutenção do nível motivacional dos trabalhadores mais velhos e a oferta de programas permanentes de atualização. Na transição para a aposentadoria, é fundamental que estes trabalhadores tenham ferramentas que permitam a sua continuidade no mercado de trabalho – caso queiram – assumindo trabalhos temporários ou de meio-expediente. É necessário conduzir pesquisas que investiguem as atitudes dos trabalhadores diante da aposentadoria e/ou da continuidade no trabalho e os preditores destas atitudes.

Os top executivos – a maioria diretores gerais, presidentes e superintendentes de grandes organizações – foram escolhidos como alvo dessa pesquisa pelo seu extraordinário envolvimento e nível de satisfação com o trabalho, bem como por fazerem parte de uma categoria ocupacional que tem a maior responsabilidade em face das organizações que representam. Sendo trabalhadores privilegiados deveriam ter maiores oportunidades para cuidar da sua saúde e da poupança para o futuro e, por isto mesmo, poderiam identificar outros aspectos que, além da sobrevivência, são condicionantes de bem-estar nesta transição.

A pesquisa transcultural foi realizada em dois países distintos: a Nova Zelândia e o Brasil. A opção pela comparação entre estes dois países se justificou pelas fortes diferenças quanto ao tamanho da população, meio ambiente e seus aspectos politicos, socioeconômicos e culturais. Entretanto, apesar dessas diferenças, esses países enfrentam um dos maiores dilemas da atualidade: o envelhecimento de sua população e o conseqüente aumento no número de aposentados. Tal qual argumenta Triandis (1994), uma pesquisa transcultural precisa considerar os constructos de etic (universais) e emic (específicos) e os conceitos, com significados universais, precisam ser verificados em culturas diferentes.

É interessante ressaltar que a maior crítica realizada contra Hofstede (1984) sobre o seu estudo com gerentes, em 66 países, foi quanto à generalização que fez da população de cada país, uma vez que utilizou participantes de apenas uma organização: a IBM. Mais do que isso, em 15 países, entre os quais se inclui a Nova Zelândia, o número de participantes do seu estudo foi menor que 200 gerentes (McSweeney, 2002). A pesquisa em pauta foi representativa, não da população em geral, mas dos executivos. Foram convidados a participar 4.076 líderes de grandes organizações de igual número e, no final da pesquisa, 517 top executivos: no Brasil (291) e na Nova Zelândia (226) responderam ao questionário.

O objetivo deste artigo é apresentar a influência dos preditores sociais nas atitudes de executivos brasileiros e neozelandeses em face da aposentadoria, através das análises de regressões múltiplas adotadas na pesquisa de doutorado de França (2004).

PREDITORES SOCIAIS

Percepção do Trabalho

O trabalho pode significar uma fonte de prazer, englobando várias atividades que estão de acordo com os interesses das pessoas. Contudo nem todos os trabalhadores tiveram a chance de escolher a profissão. É notável a influência das famílias e dos amigos na escolha das profissões, embora muitos trabalhadores se tenham engajado em empregos por pura sobrevivência. Alguns não tiveram recursos financeiros para uma educação melhor, e isto se refletiu na redução das oportunidades no mercado de trabalho. Satisfeitos ou não com o trabalho, alguns tiveram apenas um único emprego na vida, desempenhando papéis por tantos anos que, talvez, desconheçam as suas verdadeiras aspirações ou vocações.

Para a avaliação dos preditores que influenciam as atitudes em face da aposentadoria, é importante analisar como o trabalhador percebe o seu trabalho. Esta percepção engloba dois aspectos muito estudados pelas organizações: o envolvimento e a satisfação com o trabalho.

O envolvimento com o trabalho pode ser conceitualizado como o centro da existência de uma pessoa (Kanungo, 1982). Representa ainda a internalização das coisas boas do trabalho ou a importância deste nos valores do próprio indivíduo (Lodahl & Kejner, 1965). Aqueles que estão muito envolvidos vêem, no trabalho, sua própria definição. Tal situação é evidente quando as pessoas se conhecem e utilizam a profissão ou a empresa como início da apresentação.

De acordo com Blau (1985), o envolvimento no trabalho é formado por três componentes: a identificação psicólogica, a participação ativa e o próprio desempenho. Kanungo (1982) ressalta que o envolvimento pode ser medido pelo grau de identificação psicológica ou compromisso de alguém em relação ao trabalho, significando mais do um preenchimento de si próprio. Pode influenciar as pessoas a postergarem a saída do trabalho na aposentadoria, ou a temerem um rompimento imposto (Gee & Baillie, 1999).

Smith, Kendall e Hulin (1969) avaliaram cinco dimensões relativas à satisfação com o trabalho: salário, promoções e oportunidades de promoções, colegas, supervisão ou chefia e o próprio trabalho. Berry (1997) sugeriu que, além do salário, dos benefícios e do próprio trabalho, outros aspectos envolvem a satisfação, tais como a justiça percebida no sistema de promoção da organização, as condições de trabalho, a liderança e o relacionamento social.

Tanto o envolvimento quanto a satisfação com o trabalho parecem induzir maior comprometimento com a carreira e tornam difícil o desligamento do trabalho na aposentadoria (Adams, King, & King, 1996). Há ainda forte correlação entre as identidades profissionais e pessoais, o compromisso organizacional e as dificuldades em deixar a organização (Kim & Feldman, 2000).

A aposentadoria é o contraponto do trabalho, mas seu conceito vem se modificando, já que um número crescente de aposentados prefere continuar trabalhando. É possível que, independentemente da remuneração, aqueles que continuam imprimindo sua produtividade desenvolvam o senso de maior utilidade e obtenham maiores oportunidades para a interação social. Como está demonstrado na pesquisa de Jayashree e Rao (1991), o trabalho pós-carreira proporciona aos que o realizam uma identidade positiva e alto ajuste social.

Seja por prazer ou por um salário extra, o número de aposentados que trabalham meio-expediente aumentou gradualmente ao longo dos últimos anos. Não obstante, nem todos os trabalhadores têm nível alto de envolvimento ou satisfação com o trabalho. Alguns precisam parar de trabalhar por motivos de saúde ou desejam dedicar-se a outras atividades não-laborativas, na aposentadoria.

A pesquisa que originou este artigo adotou uma perspectiva multidimensional (214 variáveis) e diversos preditores foram analisados, entre os quais a percepção do trabalho. Para não cansar os participantes, com número excessivo de questões, foi construída uma escala reduzida de percepção de trabalho, baseada nas dimensões acima e em aspectos específicos do cargo de executivo. Assim, a escala de percepção do trabalho – Job Perception Scale [JPS], abrange dez itens relativos ao envolvimento e à satisfação no trabalho, tipo Likert, que varia de 1 = concordo plenamente, a 5 = discordo plenamente (França, 2004). A média geral da escala JPS foi de 2.02 (α = .85; N = 498), revelando que, em geral, os executivos tinham uma percepção muito positiva dos seus empregos. A análise fatorial de JPS emergiu em duas dimensões:

1) O envolvimento com o trabalho (α = .91; N = 502) integrou cinco itens: valor das decisões para a empresa, desafios do trabalho, desenvolvimento da criatividade, crescimento profissional e ambiente do trabalho.

2) A satisfação com o trabalho (α = .64; N = 504) envolveu quatro itens: salários e benefícios, resultados alcançados, relacionamento com equipe, poder de decisão.

De modo geral, os neozelandeses tiveram percepção mais positiva do trabalho que os brasileiros (p < .001). A média de cada dimensão demonstrou que os executivos estavam positivamente envolvidos (M = 1.98; DP = .93) e satisfeitos (M = 2.07; DP = .83) com o trabalho, embora os neozelandeses revelassem estar um pouco mais envolvidos (p < .05) e satisfeitos com o trabalho (p < .001) do que os brasileiros.

Neste trabalho, de forma a simplificar a análise dos preditores, optou-se por analisar a importância do preditor da percepção do trabalho como escala total, ou JPS.

Alocação ou Distribuição de Tempo entre as Atividades e Relacionamentos

A aposentadoria representa a maior transição na vida das pessoas adultas e, apesar do conceito estar mudando, ela ainda está associada à perda do trabalho. Assim, a aposentadoria pode ser a maior perda social, sobretudo porque outras perdas estão associadas ao trabalho.

O que fazer da vida sem o trabalho e a utilização e administração do tempo disponível são desafios para as pessoas que se dedicam por muitas horas ao trabalho. No caso dos executivos, é comum que sua carga horária ultrapasse 50 horas semanais (França, 2004). Esta situação se estende aos finais de semana, já que muitos executivos não conseguem se desligar da organização, e não raro dedicam parte do final de semana na resposta a e-mails, leitura de documentos da empresa ou pensando no que irão fazer na próxima semana.

A dedicação excessiva ao trabalho pode limitar o desenvolvimento de outras atividades e interesses, como o lazer, atividades culturais e educacionais, hobbies ou o relacionamento familiar. Quando a aposentadoria se aproxima, a falta de planos e de expectativas contribui para que muitos trabalhadores se sintam perdidos, diante da idéia de ter que gerenciar sozinhos o próprio tempo (França, 2008).

Nas horas vagas, muitos tentam praticar um hobby, caminhar, jogar futebol, ler ou ir ao cinema, namorar ou se relacionar com a família. Contudo nem sempre é possível conciliar o tempo livre, entre tantas outras obrigações. O lazer é uma das compensações do trabalho, mas, apesar disso, ele é pouco praticado durante a vida do trabalho e, talvez, seja utópico imaginar que, na aposentadoria, esses trabalhadores possam substituir, facilmente, a vida de trabalho por uma vida de lazer.

Mesmo nas aposentadorias economicamente confortáveis, a gerência equilibrada do tempo livre raramente se concretiza para a convivência familiar, os amigos e o lazer. O trabalho faz falta, e, no caso dos top executivos, a atração ou o maior apelo do cargo nem sempre está relacionado aos altos salários que normalmente recebem, mas no status e no poder que detêm. Mesmo uma rotina estressante pode significar um apêndice de si mesmo.

Gee e Baillie (1999) notaram que as "pessoas que não sabiam que fazer do seu tempo de lazer, detinham expectativas negativas acerca da aposentadoria" (p. 126). Eles sugerem que os educadores estimulem a continuidade de uma antiga ou atual experiência de lazer por toda a vida, adicionando a este roteiro novas habilidades a serem descobertas.

A continuidade no trabalho pode ser através de serviços aos conselhos das comunidades, da participação na política ou atuando como consultores. Como apontado por Brickley, Linck e Coles (1999), as oportunidades da pós-carreira estão positivamente relacionadas à atuação dos executivos nos últimos anos em que estiveram empregados.

Uma possibilidade que atrai muitas pessoas na aposentadoria é a educação. Os aposentados podem tornar a estudar, especializar-se e retornar à força do trabalho. A educação pode também proporcionar o desenvolvimento de novos interesses e perspectivas, independentemente de trabalho.

Assim, o processo de aprendizagem pode estar voltado para o prazer, para realizar coisas que as pessoas sempre quiseram no passado e não tinham tempo suficiente ou para um projeto pessoal. A inserção do aposentado em novos projetos educacionais pode proporcionar ainda a descoberta de novas amizades.

Na alocação de tempo na aposentadoria, deve estar incluída a prática de voluntariado, seja por cunho pessoal seja pela possibilidade de reinserção dos aposentados em projetos de responsabilidade social organizados nas empresas. Um levantamento realizado com 1.715 empresas apontou que a maioria (87%) estava financiando ou desenvolvendo projetos sociais nas comunidades (Avelar, 2002). É importante ressaltar que a proliferação dessas iniciativas resultou em uma revolução na mentalidade das organizações e das pessoas em face da participação social e do valor atribuído ao capital humano.

Uma vez que as pessoas terão mais tempo na aposentadoria, a forma como distribuem o seu tempo durante a vida do trabalho pode influir na distribuição desse tempo no futuro, ou seja: a diversidade ou equilíbrio na distribuição do tempo durante a vida de trabalho é um preditor do que pode influenciar as atitudes na aposentadoria.

Para investigar a influência da diversidade de alocação do tempo nas atitudes dos executivos brasileiros e neozelandeses, França (2004) elaborou um instrumento para calcular o índice de diversidade -Sum of Diversity [SOD]. No SOD: quarenta e cinco atividades estão agrupadas em nove categorias assim distribuídas: (1) trabalho; (2) investimentos; (3) educação; (4) política e comunidade; (5) relacionadas à casa e vida doméstica; (6) cultura e lazer; (7) espiritualidade; (8) cuidado pessoal e saúde; (9) convivência social, familiar e emocional. A categoria (outros) não foi considerada, pois obteve freqüência insignificante. Os executivos marcavam um sim ou não, se estivessem realizando ou não as atividades listadas.

O índice de SOD, para os executivos, foi de .44 (os valores variavam de 0 a .91); os neozelandeses e os brasileiros não diferiram, significativamente, nos valores da diversidade da alocação de tempo (p > .05). Os resultados sugerem que os executivos, independentemente do país de origem, tendem a equilibrar, razoavelmente, o seu tempo entre as atividades e relacionamentos (França, 2004).

De modo geral, os executivos preferem consumir mais tempo com seus relacionamentos, com as atividades de lazer, sociais e comunitárias, nesta ordem. Contudo, quando cada categoria foi analisada individualmente, algumas diferenças foram significativas:

Os brasileiros estavam mais propícios a se envolver em atividades educacionais (p < .001) e religiosas (p < .01) do que os neozelandeses.

Os neozelandeses estavam mais propícios a se envolver em atividades domésticas (p < .001), culturais e de lazer (p < .01) e a dedicar mais tempo para os relacionamentos sociais, familiares e emocionais (p < .01) do que os brasileiros (França, 2004).

Influência da Família e dos Amigos na Decisão da Aposentadoria

Diversas pesquisas têm demonstrado a importância da família e dos amigos na aposentadoria e as mudanças que a transição pode provocar nas relações familiares ou de amizade. Moen, Kim e Hofmeister (2001), por exemplo, observaram que a transição de um principal emprego de carreira para a aposentadoria pode causar declínios na qualidade do casamento para os maridos e suas esposas. Se os maridos já estiverem aposentados e suas mulheres ainda continuarem na força de trabalho, o nível de conflito conjugal tende a ser mais alto. Os casais, cujos homens e esposas continuam trabalhando na aposentadoria, são os que apresentam melhor satisfação conjugal, especialmente, se as mulheres trabalharem por meio-período.

A influência dos parceiros em relação à decisão da aposentadoria foi analisada também nas pesquisas de Moen et al. (2001). Seus resultados revelam que os aposentados, homens ou mulheres, e seus respectivos cônjuges concordam em que os parceiros influenciam na decisão para a aposentadoria, embora seus parceiros julguem que tenham menor importância na decisão. No caso das aposentadas, tanto elas quanto seus maridos concordaram que até a não-aposentadoria pode ser influenciada pelos seus parceiros.

À medida que os homens envelhecem, o reconhecimento da importância da mulher se manifesta mais claramente. Este foi um dos resultados apontados por Kulik (1996), quanto às percepções das relações conjugais entre os homens israelenses, nos estágios de pré e pós-aposentadoria. Comparados com os pré-aposentados, aqueles que já estavam aposentados há algum tempo tendiam a aumentar o comprometimento e a dependência às suas mulheres. Estas, por sua vez, imprimiam maior importância aos aspectos emocionais da vida conjugal.

Situação similar foi constatada por Wirth (2001), ao analisar os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD]. Ela observou que os níveis de expectativa de vida são afetados, positivamente, pelo apoio social recebido e pelos relacionamentos mantidos: os adultos casados vivem mais do que aqueles que não são casados.

Tanto a divisão das atividades domésticas quanto a intensificação nas atividades de lazer, que podem envolver o casal, são aspectos que merecem atenção na aposentadoria. Vinick e Ekerdt (1991) estudaram a transição para a aposentadoria de 92 casais, em que os maridos se tinham aposentado no período de 6 a 22 meses. A transição dos casais para a aposentadoria era positiva, quando: i) os homens aumentavam a participação nas tarefas domésticas; ii) os casais aumentavam suas atividades de lazer juntos. Os resultados de Vinick e Ekerdt foram criticados por Mann (1991), que argumentou que a aposentadoria, na fase inicial (6-22 meses), é ainda uma novidade e que a pesquisa deveria ser realizada no segundo ano de aposentadoria, quando a depressão se pode tornar mais evidente.

Vale lembrar que a decisão da aposentadoria pode acontecer num momento familiar conturbado. Bengtson (2001) ressalta que muitas pessoas, entre 50 a 60 anos, podem estar enfrentando a responsabilidade do pagamento da universidade de seus filhos e a responsabilidade pelo cuidado com seus pais mais velhos, sogros e, em alguns casos, dos netos. Interessante notar que as pesquisas de Triandis e Bhawuk (1997) indicam que, nos países de cultura coletivista – como o Brasil – cuidar dos pais mais velhos é muito mais comum do que nos países de cultura individualista – como a Nova Zelândia (grifos do autor).

Davey e Cornwall (2003) apontam que as condições mais flexíveis nos horários de trabalho podem favorecer os trabalhadores nas responsabilidades e nos cuidados com seus pais idosos. De fato, tanto no Brasil quanto na Nova Zelândia é visível a necessidade de programas de equilíbrio: trabalho-vida privada (work-life balance) para que os trabalhadores possam prestar assistência aos seus pais, sogros, parentes mais velhos. Entretanto esses programas são mais intensificados nos países anglo-saxônicos e de cultura individualista, como no caso do Reino Unido, da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia.

Outro aspecto que pode influir na decisão da aposentadoria é a continuidade das amizades estabelecidas no contexto organizacional. As amizades remetem à memória e à identidade das pessoas, independentemente do espaço e do tempo em que elas se desenvolvem (França, 2008). Algumas amizades acontecem no ambiente de trabalho e muitos trabalhadores temem perdê-las na aposentadoria; embora Fletcher e Hansson (1991) ressaltem que as maiores perdas de amigos foram reportadas por pessoas mais tímidas e com pouco controle sobre suas vidas. A pesquisa de Tilburg (1992) destacou diferenças entre as redes de apoio antes e depois da aposentadoria e a extinção dos relacionamentos com colegas de trabalho. A reciprocidade no apoio permite a continuidade dos relacionamentos.

Para medir a influência da família e dos amigos na decisão dos executivos em face da aposentadoria, França (2004) construiu a escala Friends and Family Influence on Retirement Decision [FFIRD]. FFIRD é uma medida unidimensional, tipo Likert, composta por quatro itens: meu cônjuge, meus pais, meus filhos e meus amigos. Quando testada com os executivos brasileiros e neozelandeses a escala FFIRD (α = .77; N = 310), obteve média geral de 2.30 (variou de 1 = influência muito positiva, para 5 = influência muito negativa), revelando que os executivos, em geral, têm influência positiva da família e dos amigos. A maior influência vem do parceiro, seguida dos filhos, amigos e pais. Estes resultados não diferiram, significativamente, entre as nacionalidades.

Percepção da Qualidade de Vida do País

Até o momento, não existe um consenso sobre o conceito de qualidade de vida, que está atrelada a um estado de bem-estar, tendo sido abordada por diversos autores sob a ótica médica, psicológica, social, ambiental e/ou política.

Para a Organização Mundial de Saúde, o conceito de qualidade de vida pode ser aplicado a doenças e situações não-médicas. A qualidade de vida é definida como a percepção do indivíduo no contexto cultural e no sistema de valores, onde ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (Fleck, 2000).

Sob o prisma da promoção de saúde, a OMS criou um instrumento – o WHOQOL, para mensurar a qualidade de vida num enfoque transcultural, que consistiu em 100 perguntas referentes a seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio-ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais (Fleck, 2000; Minayo, Hartz, & Buss, 2000). Para estudos em que a qualidade de vida é uma das muitas variáveis a serem utilizadas, foi sugerida uma versão reduzida do WHOQOL (WHOQOL-Brief), que utiliza 26 perguntas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.

Minayo et al. (2000) argumentam que a qualidade de vida não deve ser definida apenas por critérios científicos ou técnicos, mas pelo âmbito político, permitindo elaborar agendas de intervenção, debates sociais e consensos mínimos. Sendo assim, indicadores políticos, socioeconômicos e ambientais podem ser utilizados para avaliar ou comparar as condições ou qualidade de vida entre os países.

Esses indicadores são dados objetivos analisados e disponibilizados por diversos organismos internacionais ou nacionais. Contudo pouco se sabe sobre como os cidadãos dos países avaliados percebem e hierarquizam tais indicadores da coletividade diante da qualidade de vida individual. Minayo et al. (2000) apontam o exemplo do IQV de Belo Horizonte, criado a partir de um levantamento de questões relevantes para a população, para fundamentar os debates públicos sobre o orçamento participativo.

Adotando a vertente, tanto política quanto ambiental, da qualidade de vida da coletividade, ou a condição de vida dos países, França (2004) construiu a escala Perception of Country's Quality of Life [PCQL], uma medida unidimensional, que abrange 18 indicadores socioeconômicos, políticos e do ambiente. São eles: trânsito, segurança pessoal, nível de burocracia, situação econômica, densidade demográfica, situação política, nível de educação da população, saneamento básico, sistema de saúde, sistema de transporte público, telefonia, televisão e radio, nível de desemprego, nível de distribuição de renda, taxa de natalidade, clima, qualidade do meio ambiente e expectativa de vida. Foi, então, solicitado aos executivos brasileiros e neozelandeses, que considerassem a situação (na época) do país em que viviam e avaliassem cada indicador acerca de quanto eles influenciavam a qualidade de vida individual. Cada indicador foi avaliado, numa escala tipo Likert, que variou de 1 = influência muito positiva, para 5 = influência muito negativa.

A média geral da PCQL (α = .90; N = 507) foi de 3,14, o que resultou em influência geral quase que negativa, muito embora este resultado tenha sido influenciado pela avaliação (negativa) dos executivos brasileiros. Sem dúvida, PCQL foi a escala que apresentou a maior diferença entre as nacionalidades (p<.001). Os neozelandeses avaliaram os itens como exercendo influência positiva na qualidade de suas vidas (M= 2,71, DP = .47), enquanto os brasileiros, como exercendo influência negativa (M = 3,48, DP = .58). No caso do Brasil, a distribuição de renda, educação, saúde, desemprego e violência urbana foram os itens percebidos como mais negativos. Na Nova Zelândia, o que mais incomodou os executivos foram o transporte público, trânsito e urbanização (França, 2004).

Atitudes em face da Aposentadoria

As atitudes podem ser definidas como uma organização de crenças e cognições, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, coerente com as cognições e os afetos relativos a este objeto (Rodrigues, Assmar, & Jablonski, 2000). O estudo das atitudes tem sido objeto de grande consideração pelos psicólogos sociais, mas ainda são raras as pesquisas sobre as atitudes em face da aposentadoria. França (2004) acredita que essas atitudes se desenvolvem em função da importância que os trabalhadores imprimem às prováveis perdas e ganhos, antes da transição. O conhecimento dessas atitudes oferece subsídios para que as sociedades se possam preparar para este desafio.

Para avaliar a influência dos preditores sociais nas atitudes em face da aposentadoria, objetivo deste artigo, foram utilizados os resultados obtidos nas escalas de atitudes construídas por França (França & Vaughan, no prelo): uma avalia a importância dos ganhos atribuídos pelos executivos -Executives' Perception of Gains in Retirement [EPGR]; a outra mede a importância das perdas atribuídas pelos executivos – Executives' Perception of Losses in Retirement [EPLR]. As atitudes estão relacionadas através das suas cinco dimensões de ganhos e as quatro dimensões de perdas.

Escala de Importância para os Ganhos Atribuídos na Aposentadoria [EPGR]

A escala de ganhos – EPGR (1 = muito importante, a 4 = não tão importante) é composta por 19 itens, cuja média geral foi de 2.56, demonstrando que os executivos avaliam os ganhos da aposentadoria como importantes. A análise fatorial de EPGR emergiu em cinco dimensões:

1) Liberdade do trabalho (α = .83; N=374) compreende seis itens: não ter mais que representar a empresa; gerenciar um time, estar livre da reponsabilidade do trabalho, não ter de trabalhar sob pressão, não ter compromissos de horário e ter mais tempo para criar.

2) Mais tempo para os relacionamentos (α = .77; N = 264) envolve cinco itens: mais tempo para os filhos; mais tempo para o cônjuge; mais tempo para os pais; mais tempo para os parentes; mais tempo para os amigos.

3) Novo começo (α = .58; N = 302) abrange quatro itens: mais tempo para trabalhos voluntários; ter um trabalho diferente; mais tempo para educação e participar da política.

4) Mais tempo para atividades de lazer e culturais (α = .51; N = 437) compreende três itens: oportunidade para viajar a lazer; mais tempo para atividades culturais/esportivas e participar em clubes/associações.

5) Mais tempo para realizar investimentos (N = 445) comprrende o item homônimo.

A dimensão de ganhos de relacionamentos representou o ganho mais importante na aposentadoria, enquanto a dimensão do novo começo foi o menos importante. Contudo o novo começo foi o grande diferencial entre as nacionalidades (p < .001), sendo o desejo de recomeçar maior entre os brasileiros do que nos neozelandeses.

Escala de Importância em face das Perdas Atribuídas na Aposentadoria [EPLR]

A escala de ganhos – EPLR (1 = muito importante, a 4 = não tão importante) foi composta por 19 itens, cuja média foi de 2,89, indicando que os executivos avaliam as perdas na aposentadoria com relativa importância. A análise fatorial de EPLR emergiu em quatro dimensões:

1) Aspectos emocionais do trabalho (α = .90; N = 429) comprende sete itens: perda dos desafios do trabalho; da responsabilidade do cargo; do senso de ter um trabalho competitivo; da liderança; do poder de decisão; da criatividade do trabalho e do senso de pertencer à empresa.

2) Perda dos aspectos tangíveis do trabalho (α = .82, N = 379) compreende oito itens: perda dos eventos e festas do trabalho; de ter uma secretária; do status oferecido pelo cargo; do ambiente no trabalho; das oportunidades das viagens a trabalho; do senso de estar ocupado; das reuniões e contatos com os clientes e da rotina.

3) Perda dos relacionamentos no trabalho (α = .88; N = 485) composta por dois itens: com a equipe e com os colegas de trabalho.

4) Perda de salários e benefícios (α = .69, N = 438) compreende dois itens: compensação do cargo e plano de assistência médica.

A dimensão de perda mais importante foi a dos salários e benefícios, e a menos importante foi a dos aspectos tangíveis do trabalho. Como aconteceu com os ganhos, de modo geral, os brasileiros avaliaram as perdas na aposentadoria sendo mais importantes do que os neozelandeses (p < .001). A maior diferença entre as nacionalidades se concentrou na perda dos salários e benefícios (p < .001), sendo mais importante para os brasileiros.

MÉTODO

Participantes

Foram encaminhados 4.076 questionários para um líder de cada grande organização (governamentais, mistas e privadas) que empregavam mais de 100 pessoas na Nova Zelândia (banco de dados da Kompass) e mais de 500 empregados no Brasil (banco de dados da Database Marketing Solutions [DMS]). Dos 517 top executivos que responderam à pesquisa, 226 eram neozelandeses e 291 brasileiros.

Instrumento

O questionário da pesquisa de França (2004) abordou nove aspectos relevantes na aposentadoria: (i) a avaliação do trabalho; (ii) a saúde percebida; (iii) a alocação ou distribuição do tempo – atual e o pretendido na aposentadoria; (iv) a avaliação de indicadores de qualidade de vida coletiva; (v) a percepção da aposentadoria; (vi) o planejamento para a aposentadoria; (vii) aspectos financeiros; (viii) dados demográficos; e (ix) comentários dos participantes. Neste artigo serão abordados os aspectos i, iii, iv e v.

Análises Estatísticas

Análises de regressão múltipla (Tabachnick & Fidell, 2001) foram conduzidas, separadamente, por conjunto de preditor (JPS, PCQL, SOD e FFIRD) e pelas duas escalas, bem como pelas nove dimensões (subescalas) de atitudes para que fossem identificados, desses patamares, quais seriam os preditores dos ganhos (atitudes positivas) e das perdas (atitudes negativas) na aposentadoria. Assim, trinta e três regressões foram realizadas pelas amostras: total, neozelandeses e brasileiros. Na análise dos preditores, foram priorizados os que alcançaram o mais alto coeficiente de regressão (β).

Além do interesse teórico nos conjuntos de preditores, a razão para testá-los, separadamente, nas regressões, envolveu o número de casos recomendados para as variáveis independentes, na condução das análises de regressão múltipla (Tabachnick & Fidell, 2001, p. 117). O conjunto de quatro preditores sociais, e as duas escalas e nove dimensões atitudes, foram formados por diversas variáveis, como se apresenta na seção preditores sociais e atitudes em face da aposentadoria. Então, apesar do número representativo de executivos (517) que participaram desta pesquisa, foram considerados apenas os questionários que responderam a todos os itens das escalas e subescalas, utilizando-se o método listwise para os testes de fidegnidade e para as respectivas análises fatoriais. A seleção dos preditores seguiu o critério de aceitação do limite mínimo para o coeficiente de regressão de β = .20. Foi ainda aplicado o nível de alfa (significância) igual a .05.

Resultados

Preditores Sociais e suas Relações com as Atitudes em face da Aposentadoria

Os resultados das análises de regressão nas amostras: total, dos neozelandeses e dos brasileiros estão dispostos no final do texto, nas Tabelas 1, 2 e 3, respectivamente.

Diversidade na Alocação do Tempo entre as Atividades e o Relacionamento [SOD]

Na amostra total, a diversidade como os executivos distribuem o tempo entre as atividades e seus relacionamentos (SOD) revelou-se importante preditor para a escala total de ganhos (β = .22; p < .01), e para a dimensão de tempo para os relacionamentos na aposentadoria (β = .22; p < .01). Aqueles que diversificam suas atividades dão maior importância ao tempo que terão para os relacionamentos na aposentadoria.

Na amostra brasileira, SOD foi o preditor que mais contribuiu para a percepção de ganhos na aposentadoria, revelando o mais alto coeficiente de regressão (β) em face da escala total dos ganhos (β = -.42; p < .01), para a dimensão do novo começo (β = -.35; p < .001) e das atividades culturais e de lazer na aposentadoria (β = -.24; p < .01).

Para os executivos neozelandeses, SOD foi o segundo preditor mais importante com relação à dimensão liberdade do trabalho na aposentadoria (β = .24; p < .01), mas de forma inversa. Assim, aqueles que já diversificam suas atividades não valorizam a liberdade do trabalho na aposentadoria. Isso pode ser explicado diante da tendência natural dos neozelandes de distribuir, equilibradamente, o seu dia-a-dia, sem que seja necessário estar livre do trabalho. De fato, as médias de SOD não apresentam diferenças entre as nacionalidades, embora quando as categorias das atividades foram comparadas, os neozelandeses afirmem realizar mais atividades domésticas, culturais e de lazer, e dedicar mais tempo para os relacionamentos sociais, familiares e emocionais; enquanto os brasileiros estavam mais propícios a se envolver em atividades educacionais e religiosas (França, 2004).

Escala da Influência da Família e dos Amigos na Decisão da Aposentadoria [FFIRD]

Análises de regressão múltipa apontam que, na amostra total, FFIRD influencia os ganhos totais (β = .21; p < .01); a dimensão de ganhos de relacionamentos (β = .38; p < .001) e do novo começo (β = .23; p < .001). Então, os executivos cujas famílias e amigos influem positivamente na decisão da aposentadoria teriam atitudes mais positivas em face dos ganhos totais, ao tempo para os relacionamentos e a um novo começo na aposentadoria.

Na amostra dos brasileiros, FFIRD foi o segundo preditor mais importante para a percepção de ganhos, em face dos relacionamentos (β = .37; p < .001) e ao novo começo (β = .25; p < .05). Portanto, quanto mais os executivos brasileiros forem apoiados pelas famílias e amigos nas suas decisões da aposentadoria, mais propícios eles estarão para desenvolver atitudes positivas em face dos relacionamentos e a um novo começo na aposentadoria.

Para os neozelandeses, a FFIRD (β = .36; p < .001) foi o mais importante preditor de ganhos em face da dimensão de relacionamentos na aposentadoria. Assim, os executivos neozelandeses, que são mais apoiados pela familia e por amigos na decisão de se aposentarem, tendem a ter atitudes mais positivas em face dos seus relacionamentos na aposentadoria.

Escala de Percepção do Trabalho [JPS]

As análises da regressão demonstraram que JPS não exerceu nenhuma influência nas atitudes em face da aposentadoria para a amostra geral de executivos. Já para a amostra dos brasileiros JPS revelou ser um preditor para as dimensões de ganhos dos relacionamentos (β = .21; p < .05) e das atividades culturais e de lazer (β = .22; p < .05). Conseqüentemente, os executivos brasileiros que têm uma percepção positiva dos seus trabalhos são mais positivos, em face dos relacionamentos e das atividades de lazer na aposentadoria.

Escala de Percepção de Qualidade de Vida Coletiva do País [PCQL]

As regressões múltiplas, efetuadas com as duas amostras nacionais juntas, indicaram que a escala de PCQL produz um efeito inverso na dimensão dos ganhos do novo começo (β = -.22; p < .01). Assim, os executivos que avaliam negativamente a qualidade de vida coletiva do país, tendem a imprimir maior importância aos ganhos em face do novo começo.

Na amostra dos neozelandeses, PCQL não prediz atitudes negativas em face da aposentadoria. Para os brasileiros, PCQL prediz efeito quanto às perdas em geral da aposentadoria (β = .24) e àquelas relacionadas aos aspectos emocionais do trabalho (β = .21).

CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como objetivo analisar os preditores sociais que influenciam as atitudes em face da aposentadoria. Dos quatro conjuntos de preditores testados pelas análises múltiplas de regressão, dois revelaram maior capacidade preditora: a diversidade entre as atividades e relacionamentos (SOD) para os brasileiros e a influência da família na decisão da aposentadoria (FFIRD) para as duas nacionalidades. Em menor importância, vieram os preditores da qualidade de vida coletiva (PCQL) e a percepção do trabalho (JPS).

Os resultados dos índices de SOD apontam a necessidade da adoção de programas de equilíbrio no trabalho e vida pessoal (work-life balance) nas organizações brasileiras, de forma a estimular e a resgatar os interesses por outras áreas de satisfação, que sejam complementares ao tempo dedicado ao trabalho. Os programas de equilíbrio trabalho e vida pessoal representam um conjunto de práticas que estimulam a criatividade dos trabalhadores, refletem a responsabilidade social das organizações e suas famílias, e no final acabam por atrair, selecionar e manter os melhores profissionais nas organizações. Trata-se de uma demanda emergente nas gestões de pessoas (Stepansky & França, no prelo).

A influência da familia e dos amigos na decisão da aposentadoria foi um importante preditor das atitudes positivas em face dos ganhos de tempo que os executivos terão para os seus relacionamentos sociais, familiares e afetivos, nas duas nacionalidades. Seus resultados corroboram o que foi apontado por outros autores (Kulik, 1996; Moen et al., 2001). A influência mais positiva na decisão da aposentadoria vinha do parceiro, e a maioria dos executivos (92%) vivia uma relação marital. Esses resultados indicam que os cônjuges devem participar nos Programas de Preparação para a Aposentadoria [PPA]. Indicam ainda que o programa deve incluir em seus conteúdos, simulações de situações e conflitos familiares que podem acontecer e discutidas as alternativas para a harmonia.

No caso dos executivos brasileiros o apoio das famílias e dos amigos também influi nas atitudes positivas em face do novo começo na aposentadoria, no qual estão insertos o trabalho voluntário, a educação, a participação na política, e mesmo um trabalho diferente.

É interessante notar que FFIRD produziu ainda um efeito na percepção da perda dos aspectos emocionais do trabalho. Isto foi mais evidente para os executivos brasileiros, sendo esta perda estendida aos famíliares e aos amigos. Esses últimos resultados confirmam as observações anteriores de Hofstede (1984) quanto à importância que os gerentes na América Latina imprimem ao status e ao poder de decisão do cargo. O sentimento de pertencer à empresa – que se estende diretamente à família dos executivos brasileiros – reforça a importância do envolvimento do cônjuge no programa de preparação para a aposentadoria.

Para as duas nacionalidades, a percepção do trabalho é bastante satisfatória, tanto em termos do envolvimento quanto da satisfação, sendo um pouco mais positiva para os executivos neozelandeses. Apesar disso, os resultados das análises de regressão indicam uma correlação entre a percepção do trabalho (JPS) e os ganhos relacionados às atividades culturais e de lazer e os relacionamentos sociais e familiares. Foi notado ainda que, quanto maior é a diversidade nas atividades realizadas, maior será a importância de um novo começo e da prática de atividades culturais e de lazer, e a inserção de hobbies na aposentadoria. Estes resultados, associados, reforçam as recomendações de que o trabalho pósaposentadoria deve ser assumido em horários reduzidos, de forma a equilibrar o tempo entre as atividades laborativas, o lazer e a família.

Para aqueles de grande identificação com a carreira, a continuidade em um trabalho provisório (bridge employment) parece resgatar a autovalia ou auto-estima (Kim & Feldman, 2000). Cabe aos governos a redução de impostos, visando às possibilidades de criação de empregos temporários e de meio-expediente para estudantes, mulheres com filhos menores e aposentados. As organizações podem propor programas de atualização dos trabalhadores mais velhos, visando à sua retenção no mercado.

É preciso considerar que nem todos desejam continuar trabalhando, após a aposentadoria. Independentemente de ser ou não executivo, deve ser mencionado que o preconceito tanto pode impedir a continuidade do aposentado no mercado de trabalho (ageism), como também servir de crítica a pessoas que, por motivos pessoais ou mesmo por condição de saúde, não possam ou não queiram trabalhar na aposentadoria.

O trabalho voluntário pode ser estimulado para aqueles que estão próximos da aposentadoria e desejam assumir novos papéis na sociedade. Uma sugestão seria a criação de uma cooperativa de executivos aposentados, atuando em projetos em prol da melhoria da qualidade de vida coletiva, como a segurança, a educação, o desemprego e a saúde.

Um dos grandes diferenciais desta pesquisa foi analisar o preditor de qualidade de vida coletiva (PCQL) entre as duas culturas e sua influência nas atitudes em face da aposentadoria. Para os neozelandeses, PCQL não surtiu nenhum efeito nas atitudes positivas ou negativas.

Para os executivos brasileiros a qualidade de vida coletiva foi considerada um preditor para a escala de perdas totais e para a dimensão dos aspectos emocionais relacionados ao trabalho, mas em direção oposta. Portanto para os brasileiros notou-se uma relação entre a avaliação negativa das condições de vida no país e um baixo impacto emocional em deixar o cargo de executivo. É possível que os executivos brasileiros mais emocionalmente atrelados aos seus empregos se sintam impotentes sobre a situação do país, ou vejam os aspectos negativos do país como piores do que qualquer perda que possam experienciar na aposentadoria. O sentimento de sentir-se impotente diante da extraordinária perda dos valores do trabalho, tais como o status, poder de decisão, assertividade, e performance foi abordado anteriormente por Hofstede (1984) com gerentes latino-americanos.

Pesquisas futuras devem estender-se à aplicação da escala de PCQL em outras categorias profissionais, e em outros países, considerando o enfoque universal (etic) e específico (emic). Sugerese, ainda, a inserção de dois indicadores nesta escala: o nível de corrupção do país, a oferta das facilidades de lazer e atividades culturais e a aplicação de medidas que avaliem a percepção de bemestar subjetivo (qualidade de vida individual), de forma a compará-la com a qualidade de vida coletiva.

Artigo recebido em 31.07.2007.

Aprovado em 31.03.2008.

ANEXO

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    Endereço: Lucia Helena de Freitas Pinho França Mestrado em Psicologia da UNIVERSO, Rua Marechal Deodoro, 211, 2ºandar, Bl. A, Niterói/RJ, 24030-060. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2007
    • Aceito
      31 Mar 2008
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