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Poder, objetivos e instituições como determinantes da definição de qualidade em organizações brasileiras e escocesas

Resumos

Este artigo discute a importância das variáveis poder, objetivos e instituições na análise da definição de qualidade nas organizações, com base em dados empíricos coletados em organizações brasileiras e escocesas. A pesquisa realizada caracteriza-se como estudo exploratório e comparativo de casos. Os dados foram coletados em fontes primárias e secundárias, e analisados de forma qualitativa, com a utilização da técnica de análise de agrupamento para dados qualitativos. Os resultados sugerem que as percepções sobre qualidade variam entre grupos organizacionais, bem como entre ambientes institucionais. Isto sugere certos cuidados na aplicação de conceitos que, com frequência, têm sido tratados como universais, como é o caso de qualidade.

qualidade nas organizações; ambiente institucional; poder em organizações; objetivos organizacionais


Based on data collected in Brazilian and Scottish organizations, this paper discusses the centrality of power, objectives and institutions for the analysis of quality definition in organizations. The research is an exploratory and comparative case study. Data were collected from primary and secondary sources, and were analysed using qualitative techniques. A clustering process for qualitative data was also used. The results suggest that quality perceptions vary among organizational groups, as well as among institutional environments, which implies that some precaution must be taken in the application of concepts, such as quality, that have been frequently mistaken as universal.

quality in organizations; institutional environments; centrality of power; organizational objectives


ARTIGOS

Poder, objetivos e instituições como determinantes da definição de qualidade em organizações brasileiras e escocesas

Marcelo Milano Falcão Vieira* * O autor agradece a Sônia Calado, Walter Moraes e Ricardo Mendonça os comentários na primeira versão deste artigo.

RESUMO

Este artigo discute a importância das variáveis poder, objetivos e instituições na análise da definição de qualidade nas organizações, com base em dados empíricos coletados em organizações brasileiras e escocesas. A pesquisa realizada caracteriza-se como estudo exploratório e comparativo de casos. Os dados foram coletados em fontes primárias e secundárias, e analisados de forma qualitativa, com a utilização da técnica de análise de agrupamento para dados qualitativos. Os resultados sugerem que as percepções sobre qualidade variam entre grupos organizacionais, bem como entre ambientes institucionais. Isto sugere certos cuidados na aplicação de conceitos que, com frequência, têm sido tratados como universais, como é o caso de qualidade.

Palavras-chaves: qualidade nas organizações, ambiente institucional, poder em organizações, objetivos organizacionais.

ABSTRACT

Based on data collected in Brazilian and Scottish organizations, this paper discusses the centrality of power, objectives and institutions for the analysis of quality definition in organizations. The research is an exploratory and comparative case study. Data were collected from primary and secondary sources, and were analysed using qualitative techniques. A clustering process for qualitative data was also used. The results suggest that quality perceptions vary among organizational groups, as well as among institutional environments, which implies that some precaution must be taken in the application of concepts, such as quality, that have been frequently mistaken as universal.

Key words: quality in organizations, institutional environments, centrality of power, organizational objectives.

INTRODUÇÃO

A literatura especializada na área de administração em geral, e na área de análise organizacional em particular, tem negligenciado três questões básicas no estudo da qualidade nas organizações: poder, objetivos e ambiente institucional.

Alguns estudos chamam a atenção para a importância do poder sob a forma de mecanismos de controle empregados pelos diversos estratos sociais nas organizações que implementaram programas de gerenciamento da qualidade (Dawson e Palmer, 1993; Sewell e Wilkinson, 1992; Dawson e Webb, 1989; dentre outros), mas poucos são os que fazem referência à qualidade como valor socialmente institucionalizado (Webb, 1995; Zeitz e Mittal, 1993).

Outros trabalhos dedicam-se à prescrição de fórmulas universais e harmônicas de sucesso organizacional através da introdução de programas de qualidade total (Juran, 1979; Feigenbaum, 1983; Oakland, 1989; entre outros). Essa visão de qualidade é problemática, uma vez que não discute questões relativas ao poder dos diferentes grupos organizacionais, partindo, assim, de pressuposto de harmonia organizacional - todos trabalhando em busca de um bem auto-evidente, no caso, a qualidade. Entretanto, a Teoria das Organizações tem demonstrado ser o poder assimétrico (Lukes, 1989) e a diferenciação social (Blau, 1977) características das organizações complexas e modernas. Além disso, há a questão da universalidade do conceito e das técnicas de gerenciamento da qualidade, que raramente são questionados.

Este artigo apresenta os resultados de pesquisa que visa a identificar os elementos constituintes da definição de qualidade em dois ambientes institucionais diferentes - Brasil e Escócia, o que possibilitou uma discussão sobre a universalidade do construto. O artigo também tece considerações a respeito da variável poder e dos objetivos dos grupos organizacionais na definição de qualidade nas organizações.

QUALIDADE NAS ORGANIZAÇÕES: PODER, OBJETIVOS, E INSTITUIÇÕES

Poder é tema central na análise organizacional, como foi amplamente discutido por diversos autores da área (Clegg, 1989; Perrow, 1986; Pfeffer, 1981; Clegg e Dunkerley, 1980; entre vários outros). Poder envolve controle, uma vez que é comumente definido como o potencial de uma unidade social de determinar o comportamento de outra. Como sugerido por Kouzmin (1980, p.134) "organização significa um método de controle, um meio de impor regularidade à sociedade ou à ação coletiva." Tannembaum (1986, p. 3) também enfatiza a importância do controle na Teoria das Organizações quando afirma que,

"uma organização social é um arranjo ordenado de interações humanas individuais. O processo de controle ajuda a circunscrever comportamentos idiossincráticos e a mantê-los em conformidade com o plano racional da organização... A coordenação e a ordem criadas nos interesses diversos e nos comportamentos potencialmente difusos dos membros é amplamente uma função do controle."

Se o poder e o controle são partes constituintes da organização, então qualidade, como variável organizacional, está, de certa forma, circunscrita por questões relativas a poder, controle e objetivos dos grupos organizacionais. Pollitt (1993) chama atenção para esse aspecto quando afirma que os gerentes profissionais são os responsáveis pelas mudanças que levarão ao alcance da qualidade e ao sucesso organizacional, o que mantém o seu poder sobre os demais grupos organizacionais e seu statu quo de heróis.

Scott (1992) também afirma a importância de um grupo, ou de uma coalizão dominante, na formulação dos objetivos organizacionais. Como autor que adota a perspectiva institucional em suas análises, Scott (1992) enfatiza a função simbólica dos objetivos, ou seja, o seu significado para quem interage com a organização: público, clientes, contribuintes, organizações de controle externo, e outros. Essa abordagem salienta a habilidade organizacional para obter legitimidade e recursos que irão garantir a sua sobrevivência. Entre as características da perspectiva descrita por Scott (1992), algumas são especialmente importantes nesta pesquisa:

• reconhece-se que, embora indivíduos e grupos sejam responsáveis pelo estabelecimento dos objetivos organizacionais, nenhum indivíduo ou grupo possui poder suficiente para determiná-los completamente. Assim, os objetivos organizacionais são diferentes dos objetivos de qualquer um de seus participantes;

• reconhece-se a existência de conflito de interesses entre os grupos e dentro de um grupo específico, e alguns são resolvidos através de um processo de negociação;

• permite-se que o analista mude de nível de análise do individual para o grupal e para o organizacional(1 1 O nível individual de análise não é considerado nesta pesquisa. ); e

• reconhece-se que o tamanho e a composição da coalizão dominante podem mudar no decorrer do tempo e essas mudanças refletir-se-ão nos objetivos operativos da organização(2 2 Além do clássico trabalho de Perrow (1978) em hospitais americanos, Carvalho (1993) oferece algumas evidências a esse respeito no contexto brasileiro. ).

Machado-da-Silva e Fonseca (1993) aplicam a abordagem institucional sugerida por Scott (1992) para interpretar o estabelecimento de estratégias organizacionais que, de certo modo, refletem os objetivos operativos do grupo dominante, em uma organização do setor metal-mecânico do Estado de Santa Catarina. Seus resultados identificaram inicialmente um padrão cultural de administração ligado a tradições familiares. A legitimidade dos valores criados e transmitidos pelos fundadores da organização foram identificados como causas da queda do desempenho organizacional, uma vez que tais valores começaram a perder suporte ambiental em um novo contexto competitivo. Esse fato, juntamente com a entrada de novos membros na diretoria, levou a organização a implementar mudanças em direção ao profissionalismo, como a introdução de um programa de planejamento estratégico. Os resultados de Machado-da-Silva e Fonseca (1993) dão suporte ao argumento de que mudanças na coalizão dominante podem ser causadas por elementos do ambiente institucional. Isto irá, em última análise, causar alterações nos objetivos operativos da organização.

É de se esperar, portanto, que as percepções e as iniciativas de qualidade dos membros de organizações, que operam em ambientes institucionais diferentes, sejam diferentes em, pelo menos, alguns aspectos. Isto levantaria dúvidas acerca da universalidade com que é tratado o conceito de qualidade.

Embora os ambientes institucionais sejam constituídos por uma série de características, neste artigo adota-se a perspectiva de Scott e Meyer (1994), que enfatiza aspectos sócio-culturais gerais como elementos que influenciam o processo de estruturação organizacional, mais especificamente, questões profissionais, políticas e ideológicas.

As organizações escolhidas para o estudo operam em dois ambientes institucionais diferentes. O Serviço Penitenciário Brasileiro - Estado de Santa Catarina (SPB-SC)(3 3 O Sistema Penitenciário do Estado de Santa Catarina é tratado neste artigo por Serviço Penitenciário Brasileiro - Estado de Santa Catarina (SPB-SC) apenas com o intuito de evidenciar a dimensão cross-cultural da pesquisa. ) está circunscrito por ambiente institucional que se caracteriza, entre outros aspectos, por grau relativamente alto de legalismo. A legislação como elemento determinante das práticas da administração pública brasileira remonta ao período da formação do Estado (Sander, 1977). No contexto brasileiro, o legalismo apresenta fortes traços de formalismo (Ramos, 1983) e de patrimonialismo (Faoro, 1989).

O Sistema Penitenciário Escocês (SPE), a segunda organização foco da pesquisa, opera em ambiente institucional que parece apresentar grau crescente de institucionalização do construto qualidade no serviço público, como ferramenta gerencial de ideologia neoliberal que envolve novas concepções sobre a administração do setor público. Essa é uma abordagem gerencialista de administração que se tornou particularmente forte no governo britânico durante o período em que Margaret Thatcher exerceu o cargo de Primeira Ministra. O gerencialimo no setor público é definido como conjunto de crenças e práticas, no centro do qual se encontra o postulado, raramente testado, de que uma melhor gerência, nos termos da iniciativa privada, se tornará eficiente solução para um grupo de doenças econômicas e sociais (Pollitt, 1993).

É provável, assim, que as características legalistas do contexto brasileiro, e gerencialistas do contexto britânico, influenciem e expliquem, em certo grau, as percepções e as iniciativas de qualidade nas organizações estudadas.

DELINEAMENTO DA PESQUISA E MÉTODO

O método utilizado para o desenvolvimento da pesquisa foi o de estudo comparativo de casos. Uma estratégia de pesquisa predominantemente qualitativa foi considerada apropriada para o estudo da definição e das iniciativas de qualidade no SPB-SC e no SPE porque, de acordo com Miles e Huberman (1994), tal estratégia oferece base para descrições e explicações muito ricas de contextos específicos. Além disso, a pesquisa qualitativa "ajuda o pesquisador a ir além de concepções iniciais e a gerar ou revisar estruturas teóricas" (Miles e Huberman, 1994, p.1). Esse foi um aspecto particularmente importante na escolha do método, uma vez que o estudo questiona as limitações do uso de abordagens comuns para a interpretação da qualidade nas organizações, e sugere elementos adicionais, como a introdução das variáveis poder, objetivos e ambiente institucional.

Com base em informações iniciais coletadas no Brasil e na Escócia, bem como na base teórica elaborada, as seguintes técnicas foram utilizadas para a coleta de dados: entrevistas semi-estruturadas, entrevistas não-estruturadas, análise documental e participação em seções de treinamento (particularmente na Escócia). Na Diretoria de Administração Penal (DIAP - orgão responsável pela administração do sistema penitenciário em Santa Catarina) e no quartel-general do Serviço Penitenciário Escocês foram realizadas entrevistas com informantes-chaves. Nas 4 penitenciárias estudadas foram conduzidas entrevistas com gerentes, técnicos (psicólogos e assistentes sociais) e agentes prisionais, que formam os 3 grupos organizacionais selecionados para a pesquisa. As entrevistas foram realizadas como segue:

• no Brasil foram entrevistados 11 de um total de 12 gerentes (6 em Florianópolis e 5 em Chapecó) e na Escócia 9 de um total de 16 (7 em Perth e 2 em Dungavel). As entrevistas tiveram duração de aproximadamente uma hora e foram gravadas.

• 5 técnicos foram entrevistados no Brasil (3 em Florianópolis e 2 em Chapecó), o que compreende o total deste grupo organizacional nos casos estudados. Na Escócia foram entrevistados 4 de um total de 8 técnicos (3 em Perth e 1 em Dungavel). As entrevistas foram gravadas e tiveram duração de aproximadamente uma hora e meia, uma vez que os técnicos sempre detalhavam aspectos das atividades de tratamento que estavam sendo realizadas.

• 22 agentes foram entrevistados no Brasil (12 em Florianópolis e 10 em Chapecó) de um total de 110 e 51 agentes (39 em Perth e 12 em Dungavel), de um total de 445, foram entrevistados na Escócia. As entrevistas com os agentes em ambos os casos foram realizadas sob condições adversas, uma vez que a segurança era sempre o motivo alegado para a falta de disponibilidade dos agentes. No caso brasileiro as entrevistas não puderam ser gravadas e, em ambos os casos, tiveram o tempo de duração determinado pela organização (entre vinte e trinta minutos). No caso escocês, informações preliminares demonstraram ser necessário fazer uma distinção entre agentes prisionais novos (os que ingressaram no SPE a partir de 1990) e agentes prisionais antigos (os que ingressaram no SPE antes de 1990).(4 4 1990 é a data do início da implementação do programa formal de qualidade total no SPE. ) No caso brasileiro não foi evidenciada a necessidade de se fazer tal distinção. Apesar das dificuldades enfrentadas para a realização das entrevistas com os agentes prisionais, considera-se que, em ambos os casos, os resultados encontrados apresentam grau de confiabilidade suficiente para serem levados em consideração em pesquisas futuras.

Os resultados das entrevistas para cada grupo organizacional estudado foram submetidos a um processo de agrupamento para dados qualitativos (Miles e Huberman, 1994), com o objetivo de estabelecer apenas os elementos significativos e não-repetitivos da definição de qualidade para cada grupo. O mesmo procedimento foi utilizado na análise dos resultados referentes à identificação dos consumidores em todas as organizações analisadas.

O resultado final da identificação dos componentes significativos da definição de qualidade permitiu o estabelecimento de categorias para a melhor identificação da lógica subjacente às definições de qualidade em cada grupo organizacional. As categorias estabelecidas foram as seguintes:

• lógica gerencialista: inclui todos os componentes da definição de qualidade citados nas entrevistas que se relacionam com programas formais de gerenciamento da qualidade, bem como os relacionados ao desempenho de atividades gerenciais específicas (ex.: estabelecimento de metas claras).

• lógica legalista: compreende todos os componentes citados que fazem alguma referência aos aspectos legais do serviço penitenciário (ex.: observância das datas de mudanças de regimes de encarceragem dos presos).

• lógica profissional (custódia): inclui todos os componentes citados nas entrevistas que fazem referência às atividades de custódia (ex.: função de escolta).

• lógica profissional (reabilitação): inclui todos os componentes citados que se referem às atividades de reabilitação (ex.: a função dos assistentes sociais de preparação para a libertação).

• lógica humanista: diz respeito a todos os componentes citados nas entrevistas que fazem referência a aspectos gerais de relações humanas (ex.: tratar as pessoas com respeito).

Os resultados são apresentados e discutidos de forma descritiva. Os dados provenientes das diferentes fontes foram cruzados, o que permitiu a identificação de lacunas e incoerências nas informações, bem como melhor entendimento das lógicas subjacentes a cada definição de qualidade.

OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS BRASILEIRO-SC E ESCOCÊS

O Sistema Penitenciário Brasileiro-SC (SPB-SC) é organização pública que, desde 1991, deixou de ser subordinada à Secretaria de Justiça e passou a ser subordinada à Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina. A organização responsável pela administração do sistema é a Diretoria de Administração Penal (DIAP). O DIAP é responsável por 3 penitenciárias, 1 prisão aberta,1 hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e 8 presídios. Durante o trabalho de campo o SPB-SC operava com 3.012 prisioneiros. Os estudos de caso foram desenvolvidos especificamente no DIAP, na Penitenciária de Florianópolis (310 prisioneiros, 6 gerentes, 3 técnicos e 75 agentes prisionais) e na Penitenciária de Chapecó (445 prisioneiros, 6 gerentes, 1 técnico e 35 agentes prisionais). As duas penitenciárias possuem presos em regime fechado e semi-aberto. O DIAP e a Penitenciária de Florianópolis ficam localizados na cidade de Florianópolis, enquanto a Penitenciária de Chapecó fica situada na cidade de Chapecó, no oeste do Estado de Santa Catarina.

O Sistema Penitenciário Escocês é também organização pública, subordinada à Secretaria de Estado para a Escócia, do governo Britânico. O quartel-general do SPE é a organização diretamente responsável pela administração do sistema. O SPE é composto por 21 estabelecimentos penais, sendo 5 para menores, 1 para mulheres, 13 para homens maiores de 21 anos, e 2 unidades especiais para presos de difícil comportamento. Os estudos de caso foram desenvolvidos no quartel-general do SPE, na Penitenciária de Perth (350 prisioneiros, 13 gerentes, 6 técnicos e 375 agentes prisionais) e na Penitenciária de Dungavel (150 prisioneiros, 3 gerentes, 2 técnicos, 70 agentes prisionais). A Penitenciária de Perth possui presos em regime fechado, enquanto a de Dungavel trabalhava, no período da coleta de dados, em regime semiaberto. O quartel-general do SPE fica localizado na cidade de Edimburgo, enquanto a Penitenciária de Perth fica situada na cidade de Perth e a de Dungavel fica localizada perto da pequena cidade de Stratheaven, sudoeste de Glasgow.

RESULTADOS

Duas abordagens diferentes de gerenciamento da qualidade são apresentadas e discutidas a seguir. Essas abordagens referem-se a dois ambientes institucionais diferentes. Embora poder, objetivos e ambientes institucionais não sejam os únicos elementos que determinam as estruturas organizacionais, tais elementos parecem ser de extrema importância nos casos estudados, não somente como constituintes da estrutura, mas também como reguladores das relações intra e inter-organizacionais que se estabelecem (Scott, 1995) e, como será demonstrado a seguir, das percepções e iniciativas visando à qualidade.

Definição de Qualidade e Identificação de Clientes

A fim de estabelecer a comparação entre a definição de qualidade no SPB-SC e no SPE, os componentes significativos de definição de qualidade em cada prisão pertencente a cada um dos sistemas penitenciários foram agregados e submetidos a um processo de agrupamento. Portanto, os componentes de definição de qualidade apresentados no Quadro 1 relacionados ao SPB-SC representam as Penitenciárias de Florianópolis e de Chapecó, e aqueles relacionados ao SPE representam as Penitenciárias de Perth e de Dungavel.


O elemento de definição de qualidade mais enfatizado pelos gerentes do SPB-SC foi o cumprimento dos direitos legais dos prisioneiros. Este fato pode ser explicado pela forte tradição legalista da administração pública brasileira em geral, e do SPB-SC em particular, e também pela forte influência e controle direto exercido pelo diretor do DIAP. O SPB-SC é uma organização muito centralizada (Vieira, 1996). Durante o trabalho de campo, o diretor do DIAP era um advogado que acreditava que o sistema legal era a principal fonte de quaisquer atividades administrativas no serviço penitenciário. Portanto, sua educação formal é importante fator que se há de considerar como explicação da grande ênfase no cumprimento da lei como elemento determinante da qualidade no SPB-SC.

Os gerentes do SPE enfatizam elementos administrativo-gerenciais como sendo os componentes mais importantes da definição de qualidade na organização. Embora existam algumas diferenças entre as organizações na Escócia, ambas estão sujeitas a um programa gerencial formal de qualidade, originado no quartel-general do SPE. O programa de qualidade do SPE enfatiza o comprometimento da alta diretoria com iniciativas que visem à qualidade, à identificação dos clientes, à energização (empowerment), aos programas de treinamento, dentre outros elementos gerenciais, como componentes da definição de qualidade. Embora o SPE seja mais descentralizado que o SPB-SC, as orientações estratégicas para as iniciativas gerenciais em qualidade têm de ser seguidas. Os resultados de tais iniciativas são controlados pelo quartel-general, particularmente em relação às metas e às medidas de desempenho estabelecidas no planejamento estratégico de cada penitenciária.(5 5 As diferenças entre as prisões no mesmo ambiente institucional são limitadas à maneira como implementam as diretrizes gerais dos respectivos quartéis-generais. Nas prisões brasileiras os resultados não mostram nenhuma diferença com relação à observância dos direitos legais dos presos. Entretanto, algumas diferenças foram observadas em outros aspectos da definição de qualidade não diretamente relacionadas às diretrizes gerais do DIAP, mas à ênfase colocada nas atividades relacionadas aos objetivos de custódia e de reabilitação. Já no SPE os resultados mostram diferenças na maneira em que as duas prisões interpretam e aplicam as diretrizes gerais do quartel-general. Esse fato pode ser explicado pelo elevado grau de descentralização do SPE em relação ao SPB-SC, bem como por características estruturais de cada prisão estudada, especialmente tamanho e objetivos. )

A abordagem formal da administração da qualidade no SPE inclui uma nova imagem do prisioneiro como pessoa responsável, como determinado no documento Oportunidade e Responsabilidade (SPE, 1990). Esse documento, portanto, enfatiza a reabilitação como um objetivo da organização. A ênfase na reabilitação também foi vista como maneira de reduzir a tensão nas prisões escocesas causada pela importância dada à custódia nos anos 80. O papel da segurança também foi enfatizado devido à natureza da organização. Os gerentes do SPE parecem entender que é importante manter equilíbrio entre custódia e reabilitação. Esta compreensão reflete-se nas rotinas organizacionais diárias.

No SPB-SC os gerentes dão maior ênfase aos objetivos de reabilitação em detrimento dos de custódia. Contudo, dados coletados através de entrevistas e de documentos oficiais da organização mostram clara evidência de que a reabilitação permanece no campo do discurso formal. Os objetivos organizacionais são geralmente ligados às atividades de custódia e à manutenção das rotinas administrativas que se estabeleceram durante toda a história da organização.

As percepções de qualidade dos técnicos em ambos os países estão relacionadas às atividades de suas profissões. As atividades desenvolvidas pelos técnicos dizem respeito, em sua maioria, à ação terapêutica, preparação para libertação e assistência após a libertação. A única diferença significativa notada entre técnicos no SPB-SC e no SPE foi que, no caso brasileiro, eles demonstram elevado grau de preocupação gerencial. Este fato pode ser explicado pelos efeitos negativos que a falta de ação estratégica em termos administrativos tem sobre suas atividades. Por outro lado, a natureza objetiva e gerencial do SPE parece não afetar significantemente o trabalho dos técnicos.

O grupo dos agentes prisionais apresenta alto grau de diferença entre os dois países, quanto à definição de qualidade. Os agentes no SPB-SC apresentam visões similares nas suas percepções de qualidade comparados como o grupo de agentes antigos no SPE. Os agentes prisionais brasileiros relacionam qualidade no serviço penitenciário com atividades de custódia, enfatizando a segurança e a aplicação de castigos. A aplicação de castigos foi citada explicitamente pelos oficiais brasileiros, enquanto os oficiais escoceses preferem referir-se a ela indiretamente, ainda que enfatizem segurança e custódia. Uma possível explicação para isto poderia ser o maior poder do quartel-general escocês para impor um controle direto eficaz sobre a rotina organizacional diária, em comparação com o DIAP.

Os agentes prisionais novos na Escócia se diferenciam tanto dos agentes brasileiros quanto dos agentes antigos escoceses. Eles relacionam qualidade no serviço penitenciário às técnicas administrativas (energização por meio de delegação de autoridade, profissionalização, e outros). Essa visão de qualidade dos agentes novos escoceses pode ser interpretada como o resultado de programa de treinamento intensivo introduzido no SPE desde 1990.

Há diferenças nas percepções de qualidade entre os contextos brasileiro e escocês em todos os grupos organizacionais estudados; contudo, as principais diferenças foram encontradas entre os grupos de gerentes e agentes prisionais. A lógica subjacente à definição de qualidade em cada grupo reproduz claramente as distinções e semelhanças encontradas, como está demonstrado no Quadro 2.


A forte ênfase nos procedimentos legais demonstra uma lógica legalista como a principal base orientadora da definição de qualidade entre os gerentes no SPB-SC. No caso escocês a ênfase gerencial na definição de qualidade indica uma lógica administrativa. A lógica gerencialista na definição de qualidade no SPB-SC é limitada à visão pessoal do gerente de uma das organizações estudadas, não possuindo, portanto, caráter institucional. A lógica humanista está presente apenas no caso escocês. Os outros dois tipos de lógica estão diretamente relacionados com os objetivos organizacionais de custódia e de reabilitação.

A lógica da definição de qualidade dos técnicos é profissional ligada aos objetivos de reabilitação em ambos serviços penitenciários. Uma lógica também de caráter administrativo foi identificada entre técnicos brasileiros. A lógica humanista foi identificada apenas no SPE, especialmente na penitenciária de Dungavel. Isto devese ao fato de que Dungavel opera em regime semi-aberto e é uma organização voltada para o tratamento e para a reabilitação.

Os agentes prisionais do SPB-SC e os agentes prisionais antigos do SPE definiram qualidade mediante o desenvolvimento de atividades relacionadas à custódia. Portanto, uma lógica profissional ligada à custódia foi identificada. No SPE lógica humanista e administrativa foram identificadas entre o grupo de agentes prisionais novos, o que pode ser explicado particularmente pelo programa de treinamento intensivo que, conforme mencionado anteriormente, vem sendo desenvolvido pelo SPE desde 1990.

Com relação à identificação dos clientes foi observada uma congruência no SPE, entre a lógica que dá suporte às definições de qualidade em cada grupo organizacional e os clientes identificados. Contudo, no SPB-SC o público em geral foi citado por todos os grupos como sendo o cliente do serviço penitenciário, como pode ser observado no Quadro 3.


O público em geral foi a categoria cliente identificada também por todos os grupos organizacionais no SPE.(6 6 A categoria público em geral no Quadro 3 compreende as famílias dos prisioneiros. Todos os integrantes dos diferentes grupos organizacionais na penitenciária de Dungavel, entretanto, fizeram distinção entre essas duas categorias. ) A principal diferença entre o SPB-SC e o SPE é que os governantes e os agentes prisionais novos no SPE definiram os prisioneiros como clientes, seguindo a lógica gerencial da definição de qualidade dada por eles. Assim, os gerentes do SPE também identificaram os empregados como um grupo de clientes.

Com base nos resultados apresentados nos Quadros 1, 2 e 3, expõe-se e discutese a seguir a abordagem geral da qualidade no SPB-SC e no SPE; argumenta-se que as abordagens da qualidade nas organizações estudadas são determinadas, em certo grau, pelos objetivos dos grupos organizacionais, pelas disputas pelo poder entre os grupos e por algumas características do ambiente institucional de cada organização.

A Abordagem Geral da Qualidade no SPB-SC e no SPE: Poder, Objetivos e Ambiente Institucional

Embora grupos organizacionais diferentes interpretem qualidade de forma distinta nas organizações, uma percepção, ou uma combinação de percepções, é estabelecida como a representação geral da qualidade na organização. Por abordagem geral da qualidade da organização é entendida a filosofia e as iniciativas que a organização mostra através de seus documentos formais e práticas cotidianas. Os resultados apresentados no Quadro 4 demonstram a representação geral da qualidade no SPB-SC e no SPE .


No SPB-SC a abordagem geral da qualidade é caracterizada por uma lógica legalista e pela ênfase nos objetivos de custódia da organização. No SPE a qualidade segue uma lógica gerencial.

O Serviço Penitenciário Brasileiro-SC

A ênfase no legalismo e na custódia no SPB-SC, como principais elementos da representação da qualidade, pode ser explicada pelas características do ambiente institucional no qual a organização opera, pelos objetivos organizacionais e pelas disputas pelo poder entre os grupos.

Até 1930, a administração pública brasileira foi influenciada por forte tradição legal, ou seja, por um sistema essencialmente jurídico. Essa característica tem sua origem em Portugal, na França e na Alemanha, e é consistente com a forte influência européia na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira. Neste período o objetivo principal da ação legislativa e administrativa era a lei por si só, que simbolizava um tipo de dogma. Acreditava-se que a realidade social deveria ser adaptada a lei, em muitos casos baseada em modelos importados da Europa (Sander, 1977).

Durante a década de 30 houve um movimento de reforma e de mudança na adminstração pública, que passou a ser influenciada por idéias originárias dos EUA. O foco de atenção mudou do legalismo para o gerencialismo, representando a aplicação de princípios administrativos nos serviços públicos. Princípios administrativos, naquela época, diziam respeito aos enunciados da administração científica (Sander, 1977). O foco nas prerrogativas administrativas condenava a interferência de políticos nos problemas administrativos, o nepotismo e o recrutamento de recursos humanos inapropiados para o serviço público. No final dos anos 80, novas idéias administrativas, baseadas em conceitos como qualidade, excelência e flexibilidade, levaram o governo brasileiro a criar o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade com o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços públicos e a competitividade das indústrias brasileiras no mercado interno e externo.

Assim sendo, poder-se-ia esperar uma abordagem para a administração do setor público brasileiro mais similar à abordagem gerencialista adotada na Escócia. No entanto isto não ocorreu no caso estudado, como mostram os resultados apresentados no Quadro 4. Uma abordagem mais institucional (Scott e Christensen, 1995; Scott e Meyer, 1994; Meyer e Scott, 1992) oferece subsídios para a compreensão das práticas administrativas adotadas no SPB-SC e ajuda a explicar os resultados desta pesquisa. Duas características do contexto institucional do SPB-SC parecem explicar a manutenção das abordagens legalista e custodial para a qualidade, apesar do contínuo crescimento do discurso gerencialista no governo brasileiro: formalismo (Ramos, 1983) e patrimonialismo (Faoro, 1989).

A maneira como o sistema legal brasileiro foi historicamente estabelecido tem forte caráter formalístico (Faoro, 1989; Schwartzman, 1988), ou seja, há uma lacuna entre o que é formalmente estabelecido pela lei e a prática político-administrativa.

Os dados desta pesquisa demonstram o caráter legalista do SPB-SC, já que a maioria de suas práticas administrativas são fundamentalmente baseadas na realização das exigências da lei. Há muito pouca preocupação gerencial no que se refere à administração da organização de forma eficaz. O principal foco de atenção da administração do serviço penitenciário está na observância dos procedimentos jurídicos que regulamentam a organização, principalmente na Lei de Execuções Penais. Tais procedimentos estão relacionados aos direitos dos prisioneiros (pedidos de liberdade e solicitações de mudanças no regime de encarceragem, por exemplo). O diretor do DIAP na época do trabalho de campo afirmou ser este o principal foco de atenção da sua administração, assim como sua visão da qualidade para o sistema penitenciário.

A natureza formalística desta abordagem pode ser observada no preenchimento das posições dos gerentes das penitenciárias. Embora a Lei de Execuções Penais estabeleça que os gerentes das penitenciárias possam ser escolhidos entre várias categorias profissionais (psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, administradores e advogados), na grande maioria das vezes esses cargos são ocupados por advogados. Exceções são normalmente feitas com relação aos gerentes de saúde, educação e promoção social que são, na maioria dos casos, assistentes sociais. Além disso, os advogados que trabalham na organização passaram algum tempo de suas vidas profissionais como delegados de polícia, posição que requer diploma em Direito. Esse fato indica que há forte elo entre a administração do serviço penitenciário e o sistema legal, bem como demonstra a importância atribuída aos objetivos de custódia.

A ênfase atribuída às atividades de custódia no SPB-SC é característica marcante da distância entre o discurso dos gerentes e suas práticas administrativas diárias. Enquanto entre os gerentes se pode observar um discurso ligado à reabilitação, seus antecedentes profissionais mostram a importância atribuída à custódia. As entrevistas conduzidas no SPB-SC demonstraram que no nível governamental o discurso também está relacionado à reabilitação das pessoas. Mas em termos operacionais, existe descrédito generalizado em relação ao trabalho dos técnicos, que são a categoria profissional que executa de fato o trabalho de reabilitação.

O legalismo, que circunscreve a maioria das atividades no serviço penitenciário, parece possuir forte elemento de formalismo no SPB-SC, visto que as leis parecem prescrever coisas que a estrutura organizacional e os recursos humanos e financeiros alocados para o sistema não suportam. Embora uma série de programas e atividades de tratamento estejam prescritas, não existem recursos compatíveis distribuídos para essas atividades, o que leva alguns técnicos a executarem tarefas diferentes ou até a abandonarem a organização.

Num ambiente formalístico parece que a realização de poucos aspectos legais pode ser considerada elemento de boa administração. Quando se consideram as razões dadas pelo diretor do DIAP para afirmar que o SPB-SC é uma organização prestadora de serviços de qualidade, percebe-se que todos eles estão diretamente relacionados à realização de alguns itens estabelecidos pela lei (Vieira, 1996). Com relação às práticas administrativas, como já foi dito antes, a organização parece seguir as rotinas estabelecidas durante toda sua existência, somente para permitir o cumprimento da lei.

O formalismo no SPB-SC também pode ser considerado na política de recursos humanos, ou na falta desta. Primeiro, o dualismo na maneira como os funcionários são contratados no sistema tem de ser considerado. Existem duas formas de contrato. A primeira é feita através de concurso público; a segunda ocorre através de leis especiais que regulam a entrada de pessoas no serviço público sem concurso, para ocupar cargos especiais considerados estratégicos. Acredita-se que os governantes precisam de assistentes de sua confiança pessoal, em função de suas posições estratégicas. Essa característica tende a favorecer práticas patrimonialistas, uma vez que o personalismo é característica cultural que afeta a administração de organizações públicas e privadas nos países latinos em geral (Hickson e Pugh, 1995). Além disso, essa característica contrasta com o estabelecimento de controles mais objetivos de desempenho resultantes de abordagem mais gerencial. Na Penitenciária de Chapecó, por exemplo, o chefe dos agentes foi pessoalmente escolhido pelo Diretor Geral, apesar de todas as pressões contra ele. Ademais, o Gerente de Operações na Penitenciária de Florianópolis era pessoa totalmente desconhecida no sistema penitenciário, sendo escolha pessoal do Diretor Geral, que se deu em função de laços de amizade anteriores ao ingresso de ambos no sistema.

Essas práticas parecem ser consideradas normais, sendo relatadas nas entrevistas sem nenhum constrangimento. A maioria dos gerentes, bem como outros funcionários públicos do sistema, acreditam que esta é a maneira correta para preencher os postos de gerentes e não parecem relacionar este fato com a falta de possibilidades de carreira para eles.

A sobreposição de funções também é comum no sistema como um todo. Isto parece estar relacionado com os objetivos dos grupos organizacionais e com as lutas pelo poder entre grupos, ou ainda com as formas de adaptação às exigências do trabalho e com a falta de alguma outra oportunidade. Exemplos podem ser vistos, quando o chefe de segurança aloca os internos às diferentes atividades. No caso, ele está interferindo na função que deveria ser executada pelo gerente responsável pelas oficinas, com o apoio especializado dos técnicos. Outros exemplos são: a) um gerente no DIAP que se tornou consultor particular do Diretor, ao invés de executar suas atividades relacionadas com a preparação de internos para libertação e trabalhos de acompanhamento, que seriam de sua responsabilidade; b) técnicos na Penitenciária de Chapecó que executam assistência social para suprir a falta deste cargo; e c) agentes da Penitenciária de Florianópolis, que mudam as regras escritas da organização por regras não-escritas estabelecidas por eles próprios, com relação à aplicação de penalidades e distribuição de recompensas entre os internos.

Esses elementos podem comprometer o estabelecimento de um sistema de carreira no SPB-SC, comprometendo a política de recursos humanos. A competência e o profissionalismo dos servidores públicos nem sempre são considerados; o critério funcional dos procedimentos burocráticos é, às vezes, estabelecido por um elo de confiança pessoal e de obrigações políticas.

A natureza formalista e patrimonalista do caráter legal da administração do SPB-SC também está relacionada à ênfase atribuída à custódia. A abordagem legalista, por si, é indicação dessa ênfase, que é também evidente na indicação de advogados que têm desempenhado o papel de delegados de polícia para o preenchimento da maioria dos cargos de gerentes nas penitenciárias. Além disso, essas posições são vulneráveis, uma vez que são preenchidas por critérios políticos e para um período de tempo relativamente curto. Esse fato contribui para a falta de poder dos gerentes para implantar iniciativas gerenciais diferentes daquelas a que o sistema se tem dedicado ao longo de sua existência. Contudo, em função da falta de visão estratégica para as penitenciárias, e para a organização como um todo, o grupo formado pelos agentes prisionais encontra espaço para se estabelecer como o grupo mais poderoso e impor sua percepção de qualidade, que está relacionada aos seus objetivos enquanto grupo organizacional, ou seja, a custódia (Vieira, 1996). Essa posição é fortalecida pela ênfase atribuída à segurança na organização, assim como pelo grau de legitimidade atribuído às operações de custódia pela sociedade.

O Serviço Penitenciário Escocês

Na Escócia, um padrão diferente de racionalidade orienta a formação da estrutura e da ação organizacional. Como parte da Grã-Bretanha, a Escócia tem adotado ideologias gerenciais para a administração dos serviços públicos, que estão refletidas no caso estudado, ou seja, no Serviço Penitenciário Escocês.

As razões pelas quais o gerencialismo tem encontrado espaço para se estabelecer no contexto britânico ainda carecem de evidências na literatura especializada. Contudo, Hood (1991) argumenta que o seguinte conjunto de condições sociais estabelecidas após a II Guerra Mundial favoreceram a institucionalização do gerencialismo na Grã-Bretanha:

• as mudanças no nível e na distribuição de renda, favorecendo o fortalecimento de uma nova coalizão política com discurso neoliberal de poucos e baixos impostos;

• as mudanças no sistema sócio-técnico relacionadas ao desenvolvimento de altas tecnologias no final do século XX, que servem para remover as tradicionais barreiras entre trabalho no setor público e trabalho no setor privado;

• o advento de nova tecnologia de campanha eleitoral, que possibilitou a elaboração de políticas públicas por meio de intensiva pesquisa de opinião sobre os principais grupos do eleitorado; e

• o surgimento de uma população com maior número de trabalhadores de colarinho-branco, socialmente heterogênea e menos tolerante com abordagens uniformes para políticas públicas.

O gerencialismo no contexto britânico ganhou força em 1975 com a Nova Direita, quando Margaret Thatcher foi eleita Primeira Ministra pelo Partido Conservador. Isto não significa que o gerencialismo seja uma característica apenas das ideologias conservadoras (ver o caso do governo trabalhista australiano, por exemplo, em Hood [1991]), mas na Grã-Bretanha ele coincide com a chegada do Partido Conservador ao poder.

O discurso era de que o setor público tinha crescido muito e tinha-se tornado caro e ineficiente. As soluções sugeridas pela Nova Direita foram baseadas em práticas administrativas do setor privado, considerado economicamente bem-sucedido. Portanto, seria necessário privatizar todas as companhias desnecessárias dirigidas pelo governo. Para o resto dos serviços considerados não-privatizáveis, a receita era a introdução de mecanismos de mercado, tais como diminuição do custo para aumentar a competição, a terceirização de algumas atividades e a separação entre administração e política, dentre outras. No SPE a privatização e a terceirização foram citadas por membros organizacionais como elementos constituintes do programa de qualidade da organização. Estas idéias foram o núcleo das propostas da Nova Direita para o país. Como Farnham e Horton (1993b, p. 240) demonstram,

"a Nova Direita favoreceu o liberalismo econômico, os mercados desregulamentados, a livre iniciativa e a economia desregulamentada. O setor privado surgiu como modelo de eficiência econômica, competitividade, iniciativa geradora de riqueza e de abordagens racionais para administração. A privatização e a introdução de práticas administrativas do setor privado no setor público foram os remédios oferecidos pela Nova Direita para solucionar a

crise do Estado

."

O gerencialismo continuou com a sucessão de Margaret Thatcher por John Major. Acredita-se que, durante os quatro governos conservadores consecutivos, a administração do setor público precisou, e ainda precisa, melhorar sua produtividade. A produtividade seria alcançada pela combinação da manutenção ou do aumento da qualidade dos serviços, com a diminuição dos custos.

A linguagem e o discurso da iniciativa privada, tais como energização, cultura corporativa e clientes, foram adotados por administradores públicos. Esses termos foram constantemente citados no discurso dos integrantes do SPE, particularmente pelos gerentes e pelos novos agentes prisionais. Como Pollitt e Bouckaert (1995, p. 9) comentam,

"durante os anos 80 e começo dos anos 90, administradores conservadores neoliberais foram capazes de redescrever serviços públicos de grande porte, como a saúde e a educação, usando uma linguagem orientada para o mercado, típica do setor privado - clientes, fornecedores e contratos. Assim, na Grã-Bretanha, tem havido uma tentativa de divorciar atividades visando ao melhoramento da qualidade, de considerações a respeito do relacionamento político/cidadão."

Walsh (1995, p. 92) também comenta a esse respeito, argumentando que "o propósito destas mudanças é separar a administração e oferta de serviços das políticas, e estabelecer o cidadão como um cliente".

Quando idéias gerencialistas cresceram não apenas dentro do governo mas na sociedade como um todo, e princípios de eficiência econômica se tornaram amplamente aceitos, mudanças efetivas tomaram lugar no contexto do setor público britânico, ou seja, ocorreu a institucionalização do gerencialismo. Os trabalhos de Pollitt e Bouckaert (1995), Farnham e Horton (1993a) e Pollitt (1993) mostram exemplos da adoção de idéias gerencialistas nos serviços públicos europeus e, principalmente, britânicos. A maioria desse trabalho dirige a sua atenção para os casos do Serviço Nacional de Saúde (NHS), o Setor de Educação e o Serviço Civil.

No final do governo de Margaret Thatcher e no começo do governo de John Major existiam claras evidências das limitações da abordagem gerencialista que havia sido adotada. De acordo com Pollit (1993) e Farnham e Horton (1993c), as primeiras idéias e mudanças no serviço público foram desempenhadas com base em elementos tayloristas de boa administração. Contudo, tais princípios não se adequaram totalmente às atividades do setor público. Pollit (1993) argumenta que ainda é um forte valor na sociedade britânica que serviços como a saúde e a educação sejam de responsabilidade do governo. A falta de recursos para esses serviços ou até mesmo orçamentos apertados não são aceitáveis. Esse aspecto pôde ser observado na Penitenciária de Dungavel: membros organizacionais acham que, em alguns casos, a abordagem de qualidade, no que se refere a corte nos custos, tem ido longe demais, e pode pôr em risco os projetos organizacionais para reabilitação de internos.

No começo do governo de John Major, a publicação do documento The Citizen's Charter demonstrou a preocupação crescente do governo com a imagem dos serviços públicos. O documento contém um conjunto de princípios com o objetivo de conseguir melhoramentos na oferta de serviços públicos nos anos 90, que cubram todos os serviços governamentais, incluindo o SPE. Isto representa uma mudança no foco da abordagem gerencialista dos princípios genéricos administrativos dos anos 80, para uma cultura orientada para os serviços, dos anos 90 (Farnham e Horton, 1993b). O novo conjunto de propostas para a administração do setor público nos anos 90 é apresentado resumidamente por Pollitt (1993, p. 180), como segue:

• uso de mecanismos de mercado em uma escala muito mais ampla e audaciosa pelas partes do setor público que não poderiam ser transferidos diretamente para a iniciativa privada (quasi-markets);

• descentralização organizacional e espacial intensificada da administração e produção de serviços;

• constante ênfase na retórica da necessidade de melhorar a qualidade dos serviços;

e

• insistência no fato de que maior atenção deve ser dada aos desejos do usuário/consumidor.

Pollitt (1993) comenta que esse conjunto de propostas se tornou conhecido na literatura acadêmica como o Novo Serviço Público (NPS).

Os dados coletados no SPE demonstram que o gerencialismo está presente na abordagem de qualidade adotada pela organização. Apesar das mudanças no setor público britânico em direção ao gerencialismo terem sido incrementais, o SPE nos anos 90 tornou-se muito diferente do que foi nos anos 70 e 80. A primeira, e talvez a mais óbvia, evidência disso é que o SPE está envolvido em programa formal de administração da qualidade. Além deste evidente elemento gerencialista, outras evidências podem ser traçadas em ordem cronológica, que marca a seqüência de eventos que levaram o SPE para sua atual abordagem de administração da qualidade total.(7 7 Uma descrição detalhada das características do programa de qualidade total do SPE pode ser encontrada em Vieira (1996). ) Esses eventos foram marcados pela publicação de cinco documentos pelo SPE: Oportunidade e Responsabilidade (Scottish Prison Service, 1990a), Organizando para a Excelência (Scottish Prison Service, 1990b), Pesquisa de Levantamento da Prisão (Scottish Prison Service, 1992; 1994b), e O Documento de Estabelecimento da Agência (Scottish Prison Service, 1993).

Oportunidade e Responsabilidade é documento publicado em maio de 1990, que marca o começo de uma abordagem mais racional para a administração do sistema penitenciário, com ênfase em projetos de longo prazo e assumindo a necessidade de pensamento e administração estratégicos. O documento fundamenta as mudanças no sistema em direção à abordagem mais administrativa, revendo criticamente os incidentes e as deficiências da organização até 1990.

Em termos práticos, o documento discute o desenvolvimento de novo sistema de planejamento da sentença, juntamente com a revisão do elo entre oportunidades e progresso da sentença. Isto parece representar o movimento inicial em direção a uma abordagem voltada ao cliente na administração do sistema. Essa preocupação é também clara mais adiante no documento, quando se discute o balanço entre segurança, ordem e regime de encarceragem. Essa discussão é baseada na premissa de que os prisioneiros deveriam ser mantidos na categoria de menor segurança, consistente com a necessidade de garantir custódia, oferecendo, desta forma, proteção ao público.

O documento Oportunidade e Responsabilidade tem como subtítulo Desenvolvendo Novas Abordagens para a Administração de Longo Prazo de Sistemas Penitenciários na Escócia, o que mostra a crescente importância de um pensamento estratégico. Esse documento também se tornou conhecido como a visão para mudança, o que também parece ser sinal de consciência da importância de contínua mudança na administração da organização, visando ao sucesso.

Em dezembro de 1990, o SPE publicou um documento intitulado Organizando para a Excelência. Este documento propõe nova estrutura organizacional para o sistema, criando unidades executivas com responsabilidades delegadas para a oferta do serviço.

Apesar de ter sido argumentado que a estrutura antiga possuía vários pontos fortes (Scottish Prison Service, 1990), foram seus pontos fracos que forneceram a base para a nova estrutura proposta. Os pontos fracos identificados foram principalmente: a) falta de integração efetiva entre estratégia e operações; b) falta de pensamento estratégico; c) controle centralizado das principais questões operacionais; d) delegação limitada de orçamentos financeiros para as prisões; e) controle financeiro e sistema de informação inadequado; f) falta de linha administrativa coerente e integrada; g) falta de uma cultura de serviço unificado; h) fragmentação da função de administração de recursos humanos; e, i) falta de funções financeiras e de sistemas de informação gerencial. Levando-se em consideração os pontos considerados como fraquezas da estrutura organizacional do SPE em 1990, pode-se notar que essas preocupações são coerentes com as características que a literatura especializada (Farnham e Horton [1993] e Pollitt [1993], por exemplo) apontam como atributos do gerencialismo no setor público, que conduziu ao Novo Setor Público britânico.

A estrutura organizacional proposta foi elaborada para permitir que o sistema pudesse refletir seu pensamento estratégico, e capacitar a operacionalização do planejamento. Na estrutura proposta, o SPE é encabeçado por um Diretor Executivo, responsável por quatro principais diretores: Estratégia e Planejamento; Recursos Humanos; Prisões; e, Finanças e Sistemas de Informação.

É interessante salientar que as mudanças na nomenclatura das diretorias foram executadas com base no estilo de administração do setor privado.

Em fevereiro de 1994, foi publicado novo documento chamado Delineando o Futuro do Serviço Penitenciário Escocês (Scottish Prison Service, 1994a). Este documento propõe novas reformas no SPE, mantendo a idéia já estabelecida (entre a administração da organização, pelo menos) de efetuar mudanças contínuas, seguindo o desenvolvimento teórico do gerencialismo em 1990 (Pollitt, 1993, p. 180). O documento foi produzido com base em três diretrizes principais:

• a necessidade de identificar os papéis sociais na organização e a estrutura de suporte requeridos para que o SPE funcione de forma eficiente e eficaz;

• a identificação e desenvolvimento de sistema de avaliação do trabalho, capaz de medir e estabelecer peso a todos os trabalhos desenvolvidos no SPE; e

• a necessidade de projetar e desenvolver nova estratégia de recompensa, de avaliação e de desempenho para a organização.

Aqui pode-se observar uma ênfase contínua em eficiência e eficácia, assim como nova preocupação com critérios de avaliação e com medidas de desempenho, que são características gerencialistas.

Em março de 1992, o SPE publicou a primeira Pesquisa de Levantamento da Prisão (Scottish Prison Service, 1992). Tendo identificado seus clientes como sendo os empregados, os prisioneiros e o público, a pesquisa de levantamento foi uma tentativa de avaliar as facilidades nas prisões de julgar padrões, de medir o clima e os relacionamentos na prisão, e de descobrir como os prisioneiros e os empregados gostariam que fosse a organização. Todos os prisioneiros e empregados foram convidados a participar da pesquisa. A segunda Pesquisa de Levantamento da Prisão foi publicada em 1994, seguindo o plano de desempenhar nova pesquisa cada dois anos. Embora não tenha compreendido o terceiro grupo de clientes identificados, ou seja, o público geral, as pesquisas mostram a crescente orientação do serviço ao público; seus resultados são usados na elaboração do planejamento estratégico, como relatado nas entrevistas conduzidas no quartel-general do SPE.

O Documento de Estabelecimento da Agência (Scottish Prison Service, 1993) define o SPE como agência executiva. Como parte da ideologia gerencialista do contexto britânico, esse documento aponta a separação entre política e administração. Neste sentido, políticos proveriam a filosofia global do sistema, enquanto sua administração seria livre para gerenciar.

Os documentos descritos aqui são indicação concreta das características gerencialistas do Serviço Penitenciário Escocês, e explicam sua abordagem geral da qualidade. Os dados secundários apresentados e discutidos neste item dão suporte e explicam os dados obtidos através de entrevistas conduzidas no SPE.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O SPB-SC difere significativamente do SPE, em termos de definição e de iniciativas de qualidade. Enquanto o primeiro apresenta visão legalista de qualidade, que privilegia os objetivos de custódia na organização, o segundo apresenta visão de qualidade gerencialista, baseada em programa formal de administração de qualidade.

Com base nos resultados desta pesquisa e nos resultados de trabalhos de autores como Rago (1994), Dawson e Palmer (1993), Hill (1991a; 1991b), Dawson e Webb (1989) entre outros, é possível afirmar que os grupos organizacionais são elementos importantes que cumpre considerar no estudo da qualidade nas organizações. Os resultados deste estudo mostram que as definições e percepções de qualidade podem variar entre diferentes grupos organizacionais no mesmo ambiente institucional, assim como entre grupos similares em diferentes contextos institucionais.

Existe forte indicação de que a variação nas percepções e definições de qualidade (como variáveis organizacionais) em diferentes contextos é, até certo ponto, determinada pelas características do ambiente institucional em que as organizações operam, particularmente no que se refere a elementos profissionais, políticos e ideológicos. Estas indicações seriam coerentes com os argumentos e resultados de Karnøe (1995), Scott e Meyer (1994), Machado-da-Silva e Fonseca (1993), Meyer e Scott (1992), DiMaggio e Powell (1991), entre outros autores institucionalistas.

Outra questão importante decorrente dos resultados deste estudo é que o conceito de cliente não parece ser apropriado para o Serviço Penitenciário. Em primeiro lugar, há um alto grau de dificuldade de os grupos internos aceitarem e aplicarem o conceito, particularmente aos prisioneiros. Segundo, parece haver tentativa por parte dos gerentes das organizações escocesas de impor o conceito para as penitenciárias como parte de suas percepções gerencialistas de qualidade, o que parece não ser natural neste tipo de organização. O conceito de cliente implica liberdade de escolha, e esta não é o caso das organizações estudadas. No caso brasileiro, onde não existe programa formal de administração da qualidade, nenhuma relação foi feita entre grupos organizacionais internos e o conceito de cliente, assim como no caso da Penitenciária de Dungavel na Escócia. Além disso, o público em geral foi considerado o grupo de clientes em todos os casos (em alguns casos a palavra cliente teve de ser induzida pelo pesquisador). Os resultados dão suporte aos argumentos de que o conceito de cliente é problemático no setor de serviços públicos, já que o público em geral é, em última análise, o cliente (Pollitt e Bouckaert, 1995; Rees, 1992; Swiss, 1992).

Os resultados desta pesquisa também mostram que a visão geral da qualidade de uma organização varia em diferentes ambientes institucionais. Há indicações de que a abordagem geral da qualidade, enquanto característica organizacional, é definida tanto por características do contexto institucional da organização (Scott, 1995; Scott e Meyer, 1994; Meyer e Scott, 1992; Clegg, 1990) como por disputas de poder entre grupos organizacionais (Carvalho, 1993; Scott, 1992; Clegg, 1980; Perrow, 1986; Perrow, 1978; Georgiou, 1973).

Em ambos os contextos estudados, um discurso gerencial na arena política e governamental foi identificado. Contudo, ele encontra base para ser estabelecido e desenvolvido na Grã-Bretanha, mas não no Brasil.

No caso brasileiro, o gerencialismo ainda não é valor fortemente institucionalizado no setor público, embora existam algumas indicações de que esteja crescendo (ver, por exemplo, o programa brasileiro de privatizações começado pelo Presidente Fernando Collor e continuado pelos Presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso). Contudo, ainda permanece a cultura da burocracia pública, que no Brasil é caracterizada por forte natureza legalista com traços de formalismo e patrimonialismo. Esses resultados são condizentes com os de Souza (1991), Casate (1990), DaMatta (1987; 1983) e Sander (1977). Isto leva o SPB-SC a enfatizar o papel custodial do serviço penitenciário, já que as características formalistas e patrimonialistas do sistema fortalecem os agentes prisionais nas disputas internas pelo poder.

O caso escocês caracteriza-se por idéias e práticas gerenciais, desde a metade dos anos 70. Apesar dos argumentos contrários à sua aplicabilidade no setor público, o gerencialismo tem sido implantado em grande variedade de serviços públicos na Grã-Bretanha. Isto levou o SPE a mudar de uma idéia de qualidade, provavelmente relacionada a seus objetivos conflitivos de custódia e reabilitação, para uma abordagem gerencialista formal de administração da qualidade. Esses resultados corroboram os dados de Farnham e Horton (1993) e Pollitt (1993), entre outros, e adicionam novos elementos sobre as organizações públicas britânicas, que têm sido caracterizadas por estilo gerencialista de administração. Além disso, esses resultados fortalecem o argumento de Pollitt (1993) sobre os gerentes como o grupo dominante (ou parte de uma coalizão dominante) que impõe seus objetivos à organização.

NOTAS

Marcelo Milano Falcão Vieira, é Professor adjunto do Departamento de Ciências Administrativas e do Curso de Mestrado em Administração da Universidade Federal de Pernambuco. Ph.D. em Administração pela University of Edinburgh, Escócia. Seus interesses de pesquisa estão ligados à área de análise das organizações e mudança organizacional, particularmente no que se refere às dimensões de poder, controle e ambiente institucional. Pesquisador do CNPq, atualmente desenvolve estudo relacionado à natureza do conceito de qualidade na administração de organizações públicas.

Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária, 50670-901, Recife-PE, Brasil. e-mail: mmfv@npd.ufpe.br

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  • *
    O autor agradece a Sônia Calado, Walter Moraes e Ricardo Mendonça os comentários na primeira versão deste artigo.
  • 1
    O nível individual de análise não é considerado nesta pesquisa.
  • 2
    Além do clássico trabalho de Perrow (1978) em hospitais americanos, Carvalho (1993) oferece algumas evidências a esse respeito no contexto brasileiro.
  • 3
    O Sistema Penitenciário do Estado de Santa Catarina é tratado neste artigo por Serviço Penitenciário Brasileiro - Estado de Santa Catarina (SPB-SC) apenas com o intuito de evidenciar a dimensão
    cross-cultural da pesquisa.
  • 4
    1990 é a data do início da implementação do programa formal de qualidade total no SPE.
  • 5
    As diferenças entre as prisões no mesmo ambiente institucional são limitadas à maneira como implementam as diretrizes gerais dos respectivos quartéis-generais. Nas prisões brasileiras os resultados não mostram nenhuma diferença com relação à observância dos direitos legais dos presos. Entretanto, algumas diferenças foram observadas em outros aspectos da definição de qualidade não diretamente relacionadas às diretrizes gerais do DIAP, mas à ênfase colocada nas atividades relacionadas aos objetivos de custódia e de reabilitação. Já no SPE os resultados mostram diferenças na maneira em que as duas prisões interpretam e aplicam as diretrizes gerais do quartel-general. Esse fato pode ser explicado pelo elevado grau de descentralização do SPE em relação ao SPB-SC, bem como por características estruturais de cada prisão estudada, especialmente tamanho e objetivos.
  • 6
    A categoria
    público em geral no
    Quadro 3 compreende as famílias dos prisioneiros. Todos os integrantes dos diferentes grupos organizacionais na penitenciária de Dungavel, entretanto, fizeram distinção entre essas duas categorias.
  • 7
    Uma descrição detalhada das características do programa de qualidade total do SPE pode ser encontrada em Vieira (1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 1997
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