A complexidade do mundo do trabalho, com suas constantes e aceleradas mudanças, faz com que estudos e investigações na temática Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) venham crescendo significativamente nos últimos anos, especialmente a partir de meados da década de 1970, com o advento da chamada reestruturação produtiva.
O livro Qualidade de Vida no Trabalho: uma abordagem centrada no olhar dos trabalhadores, de autoria de Mário César Ferreira, trata, sob uma perspectiva diferenciada e inovadora, da QVT, tão em voga nas organizações contemporâneas. O que se percebe do cenário que se configura nas instituições modernas é que se trata de contextos de trabalho complexos e heterogêneos. Esses contextos exigem formas de enfrentamento das causas de mal-estar no trabalho que comprometem tanto o bem-estar dos trabalhadores quanto a efetividade organizacional. Daí a pertinência de se discutir a temática.
O livro está organizado em duas partes. A parte 1, composta por quatro capítulos e intitulada: O cenário da reestruturação produtiva, seus impactos negativos e as abordagens hegemônica e contra-hegemônica de qualidade de vida no trabalho, contextualiza o panorama da reestruturação produtiva e seus impactos, em um cenário que produz novas (e cada vez mais inquietantes) exigências do trabalho.
Nessa parte da obra, temas como a predominância, ainda hoje, do sistema taylorfordista de produção, flexibilidade e resiliência, aspectos que são tratados com propriedade e visão crítica, como pode ser visto, por exemplo, na discussão sobre os impactos da reestruturação produtiva sobre trabalhadores das centrais de teleatendimento. Como pano de fundo para essa reflexão, o autor pondera sobre aspectos essenciais das agendas internacional e brasileira do trabalho decente.
Os capítulos da parte 1 instigam, ainda, o leitor a uma reflexão acerca do que tem sido feito pelas organizações para a promoção de Qualidade de Vida no Trabalho ao diferenciar as abordagens assistencialista e contra-hegemônica de QVT, apresentando esta última como alternativa teórico-metodológica. Os elementos teóricos trazidos até aqui são de fundamental importância para a compreensão da segunda parte do livro, apresentada a seguir.
A parte 2: Ergonomia da atividade, modelo teórico e abordagem metodológica para intervenção em qualidade de vida no trabalho, primeiros resultados de macrodiagnóstico, é composta por quatro capítulos, e apresenta um instrumental para subsidiar intervenções em QVT. Essa parte é ilustrada, ao final, por resultados de intervenções realizadas em órgãos públicos federais dos poderes judiciário e executivo.
Ainda na parte 2, o autor caracteriza a ergonomia da atividade de origem franco-belga, fundamentação teórico-metodológica da abordagem proposta, e introduz embasamentos para a Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho (EAA_QVT). São apresentados traços do perfil da literatura científica em ergonomia da atividade e em qualidade de vida no trabalho, e explicitados caminhos para a realização de diagnóstico e formulação de política e programa de QVT.
O destaque da parte 2, além do modelo teórico-metodológico, encontra-se na apresentação de diversos resultados de pesquisas ilustrados por falas de trabalhadores, ressaltando seu papel como elemento central da abordagem. Assim, esta parte do livro possibilita operacionalizar uma formação teórica e metodológica para atuar em QVT com viés em promoção de bem-estar no trabalho.
O livro disponibiliza, ainda, um interessante apêndice, que abrange dez artigos de divulgação científica publicados pelo autor em canais de comunicação de grande circulação. Textos como Ofurô corporativo, Embrutecimentopatia, Onde mora a felicidade? e O mito do relógio de ponto abordam de forma leve, mas sem abandonar a postura crítica, questões relevantes do mundo do trabalho, como as práticas assistencialistas de QVT, o elo entre trabalho e vida social, as relações socioprofissionais de trabalho e as formas (veladas ou não) de controle dos trabalhadores.
A leitura do livro é recomendada para estudantes das áreas de Administração, Psicologia Organizacional e outras ciências do trabalho e da saúde, tanto de pós-graduação quanto de graduação, estendendo-se a profissionais em níveis técnicos ou de gestão que desejam atualizar seus conhecimentos sobre o tema.
A obra pode ser entendida como um norte para trabalhadores, gestores, pesquisadores, operadores do direito e legisladores, a fim de desenvolver modos de pensar e agir em QVT de maneira responsável, sustentável e com foco no coletivo. Trata-se de uma leitura leve, agradável, esclarecedora, com linguagem acessível a públicos diversos, enriquecida com um consistente corpo teórico-metodológico. Destaca-se, ainda, o fato de ser um livro muito bem editado.
Do ponto de vista estrutural, este apresenta um encadeamento lógico o qual permite compreender o contexto global que permeia as organizações, dando base para compreender as diferentes abordagens de QVT predominantes. A partir desse suporte teórico, fornece alicerces para uma formação metodológica, dotada de princípios éticos para atuação nos cenários organizacionais. Assim, operacionaliza-se uma formação teórica, metodológica e ética bem conectada.
A principal contribuição da obra é, sem sombra de dúvida, a apresentação de um modelo que pode orientar gestores e técnicos na busca de caminhos para a promoção de QVT tendo como base o olhar de quem trabalha. Transformar os trabalhadores em protagonistas nesse processo é o grande diferencial da abordagem proposta. O autor deixa claro que não existe receita a priori para tal, mas, ancorado no modelo e na perspectiva da construção coletiva, fica evidente que é um caminho mais que possível.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Set 2014