Aprendizados Sobre o Impacto do COVID-19 nas Organizações

MARCADO NA HISTÓRIA

2020 ficará marcado na História como um ano de crise. Um ano difícil, de muita perda, muita incapacidade e muita tristeza. Nosso special issue sobre o COVID-19 é uma tentativa de extrair algo deste tempo devastador. De refletir sobre os desafios que vivemos e o que aprendemos com eles.

Numa palestra proferida em 2020, Jared Diamond, autor de Guns, germs and steel (Diamond, 1999), declarou que o coronavírus não era o maior desafio da humanidade. Os grandes desafios do planeta para ele são a dificuldade de lidar com a diversidade e a inclusão, o uso insustentável dos recursos do planeta e a crescente desigualdade que marginaliza grande parte da população mundial. Na visão do autor, o COVID-19 poderia talvez nos ajudar a lidar com esses problemas, dependendo de como reagíssemos. Isto porque a crise gerada por esta pandemia deixou claro para todos que fronteiras são cada vez mais fluidas, que habitamos um único ecossistema e que tudo o que fazemos tem impacto em nós mesmos, mas também nos outros.

Partilhamos dessa visão. E percebemos que, diante de uma necessidade de transformação tão profunda, o papel da educação é absolutamente fundamental. Uma educação renovada, que emerge da crise sem querer dar todas as respostas certas, pois já sabemos que elas não existem, mas nos ajudando a fazer as perguntas e a refletir sobre o que de fato importa.

A chamada de casos para ensino nasceu de uma inquietação que compartilhávamos sobre o que o futuro nos reservava e que aprendizados poderíamos extrair de tudo que estava acontecendo. Recebemos 45 trabalhos de qualidade. Seis meses depois, os trabalhos que constituem esta edição nos mostram muitos dilemas relevantes, muitas incertezas e muitos novos conhecimentos. De fato, aprendemos muito.

Aprendemos sobre os desafios da aceleração abrupta do home office com a Chianca Softwares. Aprendemos sobre o valor e a coragem do empreendedor com Sorela, Casa Porto e Wanderlust. Aprendemos sobre reconfiguração de negócios e canais de distribuição com IGT, Pescaria Argo e Legrias. Aprendemos que nos organizamos cada vez mais em plataformas que conectam grupos distintos com Moeda Seeds, Diogo Nogueira e DocPass. Aprendemos que essas plataformas fazem parte de ecossistemas cada vez mais complexos e interligados com HCFMUSP e Coppead. E aprendemos sobre a responsabilidade ética de gerir negócios nesses ambientes com Magalu e Universidade Federal da Paraíba.

AÇÃO E REAÇÃO

Cada caso que compõe esta special issue oferece uma rica reflexão sobre como negócios nas mais diversas áreas sofreram o black swan (Taleb, 2007) chamado pandemia COVID-19, e como tiveram que reagir para se adaptar e atender ao imperativo da sobrevivência, mesmo em tempos tão difíceis.

Boa parte dos casos foca nas pequenas empresas e como foram particularmente afetadas pela pandemia. O caso de abertura trata de uma transformação que afetou em algum grau a grande maioria das empresas: a guinada ao home office. O caso da Chianca Softwares (Alves, Amorim, & Bezerra, 2021) discute o ciclo completo, começando pelos desafios de implementar trabalho remoto em pleno momento de descoberta do que era a pandemia e seus reais riscos, passando pela adaptação ao home office, e finalmente discutindo até que ponto este momento de exceção abriu uma oportunidade para empresas repensarem seu formato de trabalho: vale a pena voltar ao trabalho presencial ou seria melhor pensar em um modelo híbrido? Na sequência, o caso da maior expoente do mercado de ações brasileiro - a Magazine Luiza (Passos, Meneghini, Gama, & Lana, 2021) - mostra como empatia, ética e gestão dos recursos humanos se tornaram um imperativo durante as aceleradas curvas de contaminações, internações e óbitos provocadas pelo COVID-19. O caso mostra que a pandemia não só provocou reformatações em negócios de pequeno porte, mas exigiu adaptação de grandes corporações.

A seguir, temos quatro casos que dão destaque ao papel do empreendedor à frente de seus negócios. O caso Wanderlust (Pinho, Monteiro, & Binhote, 2021) mostra os desafios de uma empreendedora digital focada em turismo em um momento de restrição quase total de circulação. Como revisar sua proposta de marketing para se manter relevante durante este período? Já no caso Sorela (Erthal & Sacramento, 2021), um jovem empreendedor no negócio de venda de veículos vê na pandemia a oportunidade de avançar na digitalização que antes era refratada por seus sócios mais velhos. Ou quem sabe aproveitar o momento de reflexão para, a partir da lógica de job crafting, mergulhar em novo projeto born digital? No caso da Casa Porto (Vinhas & Lopes, 2021), o empreendedor precisa apertar os cintos do negócio, enquanto luta para seguir pagando sua equipe. E, finalmente, o caso Facile/Ligferv (Silva, Guimarães, & Castro, 2021) oferece ambiente empírico para aplicação das consagradas teorias de empreendedorismo causation e effectuation para explicar os desafios de um empreendedor de Minas Gerais que precisa reinventar o modelo de negócios de sua inovadora cafeteira para seguir adiante.

Os três próximos casos focam na reorganização da cadeia de valor desde a gestão de fornecedores até a escolha de canais de distribuição. O Caso IGT (Fonseca & Rocha, 2021) trata de um fabricante e distribuidor de kit de conversão para gás natural. Quantas empresas tiveram que rever seus planos de expansão, internacionalização e diversificação de uma hora para a outra a partir da pandemia? O caso explora aspectos de empreendedorismo para decidir como reorganizar seu supply chain e alinhá-lo com a comunicação ao cliente - agravada pela politização do papel da China na pandemia. De forma similar, a Pescaria Argo (Cavalcanti, Avelar, Amaral, & Freitas, 2021) sofre com a ruptura na demanda quando as fronteiras internacionais se fecham. O caso trabalha ferramentas financeiras para apoio na tomada de decisão e gestão de custos. A identificação dos custos relevantes se torna crucial para decidir entre alternativas de canais de distribuição para escoar seus produtos. Fechando este conjunto de casos que tratam da reconfiguração de negócios, no caso Legrias (Silva, Limongi, Gomes, & Pimenta, 2021) vemos novamente uma pequena empresa de produção de chocolate surpreendida pela pandemia, revisando o path to market e os custos de canais alternativos em meio a tantas incertezas.

Na sequência desta edição, expandimos nosso olhar para plataformas e ecossistemas. No caso sobre o músico Diogo Nogueira (Rodrigues, Kamlot, & Carvalho, 2021), o modelo de plataforma é usado para discutir inovação e reinvenção em um dos setores mais afetados pelo COVID-19: música e entretenimento. A reflexão sobre os desafios desse músico de renome no cenário nacional permite a compreensão das propriedades das plataformas digitais, como multilateralidade, efeitos de rede e potencial de aprisionamento dos usuários. No caso DocPass (Moreira, Freitas, Brandão, & Araújo, 2021), podemos aprender com o audacioso movimento da empresa de telemedicina Conexa, que já operava na modalidade B2B antes da pandemia, e que decide explorar a mudança da legislação para preencher a lacuna do atendimento de telemedicina B2C com o lançamento da DocPass. O caso permite a discussão dos efeitos de rede em um setor altamente relevante e em franca expansão. Já no caso Moeda Seeds (Kanegae, Cernev, & Diniz, 2021), o framework de ecossistema é usado para discutir os desafios de uma plataforma digital de inovação social baseada em blockchain. O caso oferece uma reflexão sobre o papel que o blockchain pode desempenhar em negócios de impacto, assim como os desafios de uma empreendedora social tentando revisar o posicionamento do seu marketplace com sensibilidade para dialogar com parceiros em condições de vulnerabilidade, ainda mais durante uma pandemia.

Por fim, aprendemos que ecossistemas se tornam cada vez mais complexos e interligados com dois casos voltados para a saúde e dois casos focados em educação - provavelmente os dois setores mais desafiados em uma crise como a pandemia do COVID-19. O caso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Pedroso, Pires, Malik, & Pereira, 2021) explora a adaptação da governança como resposta a uma crise, começando na readequação da capacidade produtiva de uma operação tradicionalmente considerada pouco resiliente e chegando à reflexão de como uma pandemia sem precedentes pode ajudar na gestão de crises futuras. O caso seguinte trata do Sistema Indústria (Andrade, Sousa-Filho, Almeida, & Câmara, 2021) adaptando-se para atender a demanda de curto prazo do setor de saúde. A complexa governança de sete instituições diferentes se faz necessária para enfrentar a crise. Já o interessante caso da Universidade Federal da Paraíba (Teixeira-de-Carvalho, Dias, & Bispo, 2021) analisa a virtualização do ensino, enfatizando os desafios em larga escala de uma universidade federal: a gestão do calendário com incertezas, corpo docente e discente fragilizados, e as diferenças entre graduação e pós-graduação. E, por fim, o caso convidado sobre o Coppead - UFRJ (Campos, Tavares, Chimenti, & Marques, 2021), que complementa a discussão sobre os desafios da virtualização do ensino, com uma análise de cenários que permite revisitar uma crise de proporções nunca vistas como fonte de aprendizado e reflexão para a revisão do método de ensino no médio e longo prazo.

DE VOLTA PARA A SALA DE AULA

A educação é a chave para o futuro. Pode nos ajudar a ressignificar o trabalho, o mérito, o poder. Pode lançar luz e ideias sobre debates que, de outra forma, ficariam superficiais, repletos de certezas não fundamentadas ou, pior, de mentiras que se passam por verdades. Nosso trabalho como educadores é tremendo. E precisamos crescer com a ocasião.

Neste início de 2021, sabemos que ainda temos muito que aprender. Mas temos certeza de que o conjunto de casos de ensino apresentado aqui propiciará o debate franco e aberto que uma sala de aula precisa ter para cumprir sua missão de questionar, provocar e educar.

Bons debates! Excelente aprendizado! E um 2021 muito melhor!

REFERENCES

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Abr 2021
• Data do Fascículo
  2021