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Planejamento de comunicação: a ordem do dia das agências de publicidade

NOTAS E COMENTÁRIOS

Planejamento de comunicação: a ordem do dia das agências de publicidade

Márcia Ferrite

Diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da SSC & B Lintas Worldwide do Brasil Prêmio Caboré de Planejamento de 1984

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva traçar um perfil do estágio atual do planejamento de comunicação, área que vem assumindo crescente importância no âmbito das agências de publicidade. Acreditamos ter acumulado experiência suficiente para nos permitirmos uma reflexão sobre sua origem, significado e metodologia.

A partir do levantamento das questões que consideramos mais relevantes, entre as que emergem do cotidiano de nossa vivência profissional, realizamos uma pesquisa entre planejadores de comunicação de reconhecida competência alocados nas 18 agências de maior renome na capital, com o intuito de traçar o esboço de um corpo de experiências e conhecimentos compartilhados no campo. Procuramos igualmente detectar as diferenças de opiniões e procedimentos, e referi-las a variáveis que as determinam.

2. A PESQUISA

A) Amostra - com base numa pesquisa realizada pela Lintas em 1984, junto ao mercado anunciante, identificamos as 30 agências de publicidade mais conhecidas pelos respondentes (menção espontânea). Dentre essas, as 20 estabelecidas em São Paulo compõem a amostra da pesquisa. São elas: Almap, CBBA, Denison, DPZ, Fischer & Justus, J. Walter Thompson, Lage, Satabei, BBDO, Leo Burnett, MacCann Erickson, MPM, Núcleo, Norton, Rino, Saldiva, Salles Inter-Americana, Siboney, SSC&B-Lintas, Standard, Ogilvy &Mather, Talent e Young & Robicam. Em duas das unidades amostrais (MacCann Erickson e Norton) não foi possível a realização da entrevista.

B) Metodologia - as diversas dimensões previamente arroladas, escolhidas por constituírem aspectos fundamentais e provavelmente problemáticos do planejamento de comunicação, foram colocadas, em entrevistas abertas, aos informantes, profissionais da área. Pedimos à própria agência que nos indicasse qual o especialista no campo, em cada empresa abordada.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1 O espaço e o significado do planejamento de comunicação

A primeira constelação de questões colocadas se refere ao espaço ocupado pelo planejamento de comunicação. Ele ainda é uma promessa ou já constitui uma realidade nas grandes agências paulistas? Como explicar o fato de estar sendo muito falado, prestigiado e divulgado no universo da propaganda e dos clientes? Deve ser arrolado entre as "áreas de apoio" (como relações públicas, merchandising, promoções etc.) como mais um dos sinalizadores de agências full-service, ou já pode assumir o status de uma área tão especializada e vital quanto criação, pesquisa, mídia, no organismo das agências? Trata-se de mais um modismo, ou estamos diante da estruturação de um novo campo que se constrói através de uma maior especialização, instrumentação e sedimentação nas agências, como resposta às novas necessidades do mercado? Seu estágio de desenvolvimento é homogêneo em todas as agências?

A investigação empírica que conduzimos pôde oferecer inúmeras conclusões a respeito da temática acima.

A indicação, por parte da própria agência, da pessoa que deveríamos entrevistar nos ajudou a inferir que existe de fato, na totalidade delas, profissionais voltados para a área de planejamento de comunicação.

Todos os entrevistados foram enfáticos na afirmação de que suas agências não concebem hoje fazer propaganda não planejada. Em todas é patente a preocupação em solidificar experiências nesta área e permear por toda a agência uma atitude voltada para o planejamento.

O planejamento de comunicação é percebido como um divisor de águas entre o amadorismo e o profissionalismo. Não é mais uma opção da agência, mas uma necessidade.

Na opinião da maioria, o planejamento de comunicação teve na crise econômica dos últimos anos um acelerador do seu processo de implantação por parte de um maior número de agências do mercado. Hoje, o planejamento é visto como uma resposta a novas necessidades:

a) necessidade de atender a um mercado mais racional e mais retraído;

b) necessidade de garantir maior eficiência da comunicação;

c) necessidade de encontrar diferenciais de comunicação num mercado competitivo de marcas;

d) necessidade de tratar o problema do cliente de forma global e a longo prazo;

e) necessidade de satisfazer clientes multinacionais com um marketing mais desenvolvido.

O que podemos concluir de nossa pesquisa é que nossas principais agências não se sentem praticando uma moda, ao fazer planejamento estratégico. Bem ao contrário, é uma atividade, para um grande número delas, muito elaborada e já incorporada à sua estrutura. Uma área que responde às necessidades de um mercado altamente competitivo e difícil. Uma área que, na opinião de muitos, dá maior segurança ao cliente (resultados mais eficientes) e para a agência (trabalho menos intuitivo e mais profissional).

Planejamento de comunicação evoluiu e adquiriu nos últimos anos contornos de uma atividade muito mais profissionalizada, em resposta às novas solicitações do mercado. Uma atividade que, mesmo não sendo nova, passou a ser percebida mais recentemente com necessária por um maior número de agências. Este fato, sim, pode explicar um certo modismo que se agrega à área hoje.

Se no passado se podia correr o risco de produzir campanhas que não estavam erradas, hoje os tempos são para campanhas que estão certas.

Essas são, sem dúvida, conclusões que podemos estender a toda a amostra. O que não significa que mesmo entre as 20 principais agências paulistas não existam diferenças significativas quanto à sua efetiva familiaridade com a área, a metodologia usada, o perfil do profissional alocado, onde se localiza, na agência, a tarefa de planejar a comunicação e os recursos de suporte disponíveis.

A tentativa de responder as indagações acima corresponde à segunda parte deste trabalho, que passamos a discutir.

3.2 A metodologia usada no planejamento de comunicação

O que se constata é que não existe um único modelo de planejamento de comunicação, utilizado por todas as agências.

No que se refere ao profissional alocado nessa tarefa, vamos encontrar desde o planejador de comunicação experiente e talentoso que remonta sua experiência na área aos idos dos anos 60, passando pelo modelo de planejamento disciplinado e sistematizado das multinacionais, até algumas agências onde identificamos um grande esforço para encontrar uma metodologia de planejamento que se ajuste ao seu modelo específico de agência. Para essas, existe ainda uma indefinição básica: o planejamento de comunicação deve ser introduzido através de um personagem novo no cenário da agência ou essa área pode ser incorporada por setores já existentes? De um modo geral, a definição de quem faz o planejamento nas agências está subordinada à sua filosofia, ao seu porte (número de contas) e, em muitos casos, à sua disponibilidade de profissionais experientes na área.

Como se coloca esta questão para as agências brasileiras mais representativas, sejam elas de origem multi ou nacionais? Quem é o responsável pelo planejamento?

A primeira constatação é a de que a figura do planejador' é ainda rara e assume um papel diferenciado segundo o porto da agência. Nas grandes agências o planejador está alocado para projetos especiais de clientes e prospects e funciona como sparring da diretoria de atendimento no planejamento. Em alguns casos pode ter a responsabilidade final pelo planejamento de algumas contas. Encontramos ainda a figura do planejador como mentor final das estratégias da agência, através de sua posição como presidente do Strategic Board.

Nas agências de porte médio o planejador (que em muitos casos se confunde com o dono/vice-presidente) é coordenador de todos os projetos. Ele desestrutura, durante o processo de trabalho, as hierarquias e função, alocando no processo de planejar todos os talentos da agência. Nessas agências, partindo-se da crença de que os "organogramas tendem a dividir e enfraquecer os resultados" nem mesmo os grupos de contas permanecem estanques no momento de planejar.

O modelo inglês de agências, já ao final da década de 60, instituía embrionariamente o cargo de planejador de comunicação, que se tornou muito freqüente de lá para cá. No modelo americano, esta figura continua pouco presente até hoje, cabendo o planejamento à área de atendimento.

Em nosso estudo, a importância dada ao planejamento em todas as agências fica evidente quando se constata que os principais responsáveis e envolvidos no processo respondem por cargos de diretoria, quando não de vice-presidência ou a própria figura do dono.

No que se refere ao setor da agência ao qual o planejamento está afeto, em 13 das 18 agências contatadas ele é de responsabilidade do atendimento. É executado dentro de uma estrutura matricial, onde a função é centralizada no diretor de contas/planejamento, que aciona todas as equipes multidisciplinares (pesquisa, mídia, criação), como apoio à elaboração do plano de comunicação. Nas grandes agências, principalmente multinacionais, existe a preocupação de imprimir a cada estratégia a filosofia de trabalho da agência. Nestes casos, o planejamento obedece a uma disciplina formalizada que estabelece termos e referenciais claros e procedimentos aplicados internacionalmente. O filtro final é exercido por um comitê de revisão estratégico, que reúne os profissionais seniors da agência ou pela própria diretoria de atendimento.

As agências dimensionadas para poucos clientes têm enfoques, estruturações e percepções de seu papel como agência intransponíveis para estruturas maiores. E vice-versa. Todas essas dimensões estarão diretamente refletidas na sua maneira de planejar comunicação. Além disso, diferentes perfis de clientes requerem diferentes tipo de envolvimento, diferentes tipos de parceria.

Os profissionais de atendimento justificam sua responsabilidade pelo planejamento em função de sua maior proximidade com o cliente, maior vivência e conhecimento do seu marketing e suas necessidades. Segundo eles, o planejador não lograria um trabalho tão dinâmico, tão rico.

Na opinião dos planejadores, a capacidade que possuem de interpretar criativamente a pesquisa, seu distanciamento dos problemas do cliente, sua visão mais generalizada do processo, seu tempo físico, justificam sua presença nas estruturas das agências.

As diferentes visões desses dois profissionais acabam, na verdade, por se refletir nas suas percepções do que é o planejamento de comunicação.

Os planejadores das áreas de atendimento definem o planejamento sob uma ótica mais racionalista, disciplinadora, analítica:

"Ato de colimar objetivos de comunicação com os objetivos de marketing do cliente."

"Uma disciplina, uma forma disciplinada de trabalhar com o objetivo de não dispersar esforços. Visa equacionar o problema a um nível conceitual permitindo soluções de criação tão adequadas quanto possível aos problemas."

Os planejadores formulam, ao contrário, um discurso mais associado ao processo criativo:

"Planejar é um ato de criação".

"Fazer planejamento de comunicação é traçar uma estratégia (obviamente inteligente) para atingir determinados objetivos (claramente percebidos) e orquestrar os recursos de comunicação disponíveis para uma eficiente obtenção do resultado estratégico."

"Planejamento é o ato conjunto de pesquisa e criação. A pesquisa, em si, é uma linguagem ininteligível para a criação. A função do planejamento é elaborar criativamente esse processo."

Como vemos, a autopercepção dos profissionais de planejamento e atendimento reflete diferentes tendências e predisposições. Enquanto o homem de atendimento se mostra mais voltado aos problemas de marketing do cliente, o planejador se revela mais inclinado a mobilizar seus esforços para a linguagem da propaganda.

A nosso ver, uma das mais importantes questões ainda está para ser respondida: as agências que contam com planejadores de comunicação apresentam um trabalho diferenciado em relação ao das agências que têm seu planejamento feito pelo atendimento? Suas campanhas seriam mais relevantes? Embora essa velha e gasta polêmica se mantenha viva, não acreditamos que seja possível resolvê-la de forma simplista, dada a enorme quantidade e variedade de fatores envolvidos na questão.

A presença de diferentes definições de planejamento e de diferentes modelos de agência não impede que exista na opinião da quase-totalidade das respostas dos nossos entrevistados um denominador comum: a percepção de que o processo de planejar comunicação é uma atividade de team. Diferentes profissionais - de mídia, criação, atendimento, pesquisa - representam diferentes experiências e percepções, necessárias à tarefa de desenvolver propaganda.

Quer sob a nomenclatura mais formalizada como workshops, grupos de produto, integração das áreas-meios, grupo integrado de planejamento, quer através da própria descrição do processo - como, por exemplo: "colocar todos os talentos em cima de um problema"; "orquestrar todos os recursos de comunicação disponíveis" - o planejamento de comunicação não é trabalho apenas de um indivíduo, mas de um grupo.

Neste ponto, a nosso ver, está centrada uma das grandes funções do planejamento, no que se refere à eficiência da agência. Áreas que no passado eram chamadas a participar tardiamente do processo da comunicação, como mídia e pesquisa, mostram-se hoje partes integrantes do team básico da agência - uma parte criativa e fundamental no desenvolvimento da propaganda.

A mídia deixa de ser a simples comercialização do espaço e a pesquisa deixa de ser um setor isolado, usado de forma intermitente ou tardia. Sob um sistema de planejamento integrado, o input necessário de dados, ou o feedback do consumidor é usado no momento certo e não quando todos já se sentem perdidos ou o cliente quer um árbitro para a peça de comunicação.

A mobilização de todos os recursos humanos da agência tem a vantagem de trazer para a discussão o talento, o feeling, a vivência, a experiência, a cultura e a objetividade, consideradas tão importantes para o planejamento de comunicação.

E todo esse team agregado ao processo exige cada vez mais o recurso da informação. Se na origem do processo de comunicação está o planejamento, na origem do planejamento está a informação. Nas palavras de um entrevistado:

"E o princípio de qualquer processo de comunicação. Planejamento nada mais é do que a linha-mestra da informação, a semiótica da informação. O planejamento cruza breefing/pesquisa e percebe as vias de comunicação, o diferencial, os caminhos."

4. CONCLUSÕES

Planejamento de comunicação é, hoje, uma área que envolve profissionais seniors das agências e, em muitos casos, se encontra sistematizado de forma muito elaborada. Constitui uma atividade que envolve todo um team da agência num trabalho multidisciplinar. Uma área que está cada dia mais a exigir recursos de informação. Evidentemente, planejamento de comunicação, quando executado na sua plenitude, exige investimentos, visão, e uma atitude positiva da agência como um todo.

A complexidade da realidade de mercado promoveu e acelerou a profissionalização do planejamento, que sem dúvida desencadeou a exigência contínua de recursos: pesquisa prioritariamente, dados secundários - através de estruturados centros de informações ou bancos de dados etc. - e, se necessário, pesquisa sobre dados primários.

Evidentemente, todos esses recursos estão mais ou menos à disposição dos planejadores, em função dos recusos das agências, mas principalmente em função da postura dessas em reconhecer a importância do planejamento e criar condições para que ele se realize de forma plena. Porque planejamento exige tempo, recursos materiais e humanos, e não cobra fee nem comissão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1985
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