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Simulação e jogo de empresas

ARTIGOS

Simulação e jogo de empresas

Paulo C. Goldschmidt

Professor do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Sob este título, que estamos dividindo com o Prof. Claus Leon Warschauer, pretendemos incluir, em primeiro lugar, um apanhado geral a respeito da utilização do jogo de empresas como parte integrante do ensino na área de administração e, em segundo, um retrospecto de nossa experiência na EAESP com a aplicação que dele fizemos no decorrer dos últimos anos.

Antes de abordar a técnica, gostaríamos de lembrar duas experiências pessoais, que ilustram nossa visão do processo educacional. Há cerca de 20 anos, um grupo de pessoas resolveu ensinar uma língua estrangeira, o alemão, por um método completamente diferente dos tradicionais. Esse método, que poderíamos chamar de "cantado", envolvia a associação de letras e frases a uma série de músicas, facilitando, segundo se supunha, a memorização. Hoje ainda nos surpreendemos ao ver que o pouco que sabemos da língua alemã é fruto dessa experiência de 20 anos atrás. De vez em quando, recordamo-nos da música que era ensinada naquele curso e, imediatamente, afloram-nos à memória as frases correspondentes. Similarmente, de nossa primeira experiência com o jogo de empresas, que ocorreu 10 anos depois das aulas de "alemão cantado", quando estávamos no primeiro ano do curso de graduação, até hoje recordamos perfeitamente as decisões básicas e suas variáveis mais importantes.

A aprendizagem é, às vezes, um processo duro e difícil. Parece-nos, por isso, que cabe ao educador tomá-lo mais fácil e agradável, ao mesmo tempo que o torna mais eficiente e produtivo, como nesses dois exemplos que vivemos.

Quanto ao jogo de empresas, de que todos certamente já ouviram falar, podemos dizer que não é uma técnica nova, pois é aplicada há algum tempo em várias organizações de ensino, mas por outro lado, não é uma técnica tão desenvolvida quanto outras, mais difundidas. O jogo de empresas nada mais é que um exercício seqüencial de tomada de decisões, estruturado dentro de um modelo de conhecimento empresarial, em que os participantes assumem o papel de administradores de empresas. Representa, na realidade, uma simulação no seu ponto mais amplo, pois as pessoas simulam o comportamento de dirigentes ou "tomadores" de decisões de determinadas empresas. É um modelo estruturado, freqüentemente um modelo matemático - os principais jogos, hoje em dia, são estruturados em modelos matemáticos -o que não impede que, num desenvolvimento futuro, venha a incorporar variáveis qualitativas - como já se está tentando, apesar das dificuldades que isso representa.

Poderíamos ir um pouco além, dizendo que o jogo de empresas se aproxima de um estudo de caso, onde adicionamos duas variáveis: uma é o feed-back - o retorno das informações; a outra é uma dimensão temporal que, geralmente, os casos não têm. Através de um jogo de empresas, os participantes podem receber de volta o resultado de suas decisões, reanalisando-as à luz das informações recebidas e passando a tomar novas decisões. Esse é um processo contínuo, onde se adiciona um aspecto extremamente importante, que é o aspecto temporal. Podemos simular o comportamento de uma empresa durante 12 ou 24 meses, durante três, quatro ou cinco anos, ou o que seja. Isso permite, na realidade, que o jogo tenha condições de se desenvolver além do método do caso, pois neste, em nossa opinião, por falta de retorno das informações, o participante não sabe qual é a decisão correta, dependendo muito da experiência subjetiva do instrutor e dos colegas.

O jogo de empresas permite simular continuamente diversos tipos de decisões, diversas alternativas, de tal forma que os participantes têm condições de avaliar os resultados de diferentes decisões tomadas. Suponhamos que, no decorrer de um jogo, o instrutor diga: "Se esta decisão não fosse tomada dessa forma, se nesse momento os participantes tivessem tomado uma outra decisão, que teria acontecido? " É fácil, do ponto de vista do jogo, voltar atrás no processo decisório e começar praticamente tudo de novo, verificando as consequências de uma decisão diferente. Há, assim, condições de experimentação, embora incipiente, o que representa uma grande vantagem, a nosso ver, dessa técnica de ensino.

De forma global, há dois tipos básicos de jogos de empresas: no primeiro estão os chamados "jogos gerais"; no segundo, os "jogos funcionais". Os jogos gerais são aqueles que procuram envolver níveis mais altos da estrutura organizacional da empresa, ou seja, destinam-se ao treinamento de executivos para postos mais elevados. Têm por finalidade o treinamento para a realização dos objetivos básicos da empresa. A empresa pode estar preocupada com a maximização do lucro, o retorno sobre o investimento, determinado volume de vendas, participação no mercado, isto é, com os objetivos mais amplos. Esses são simulados através do jogo geral. Já os jogos funcionais voltam-se precipuamente para os níveis intermediários e inferiores da estrutura organizacional. Seu objetivo não é mais o conhecimento do processo de tomada de decisões do ponto de vista da política da empresa, mas o de ensino de tarefas básicas em cada uma das áreas da administração. Para o gerente financeiro de uma empresa que deve ser treinado numa técnica específica, ou para um gerente de marketing que deve aprender sobre a importância da propaganda em termos de alcance dos objetivos da empresa, pode ser usado o jogo funcional.

A tendência no desenvolvimento dos jogos de empresas tem sido a de acentuar os jogos gerais, por uma razão que é fácil de entender: o pressuposto de uma escola de administração é que, pelo menos a médio ou longo prazo, seus graduados venham a se tornar executivos de alto nível. Para isso, é necessário que os alunos adquiram conhecimentos gerais e possam medir sistemas de otimização ou subotimização de diferentes áreas funcionais, em favor dos objetivos gerais da empresa. Embora existam técnicas específicas para ensinar a tomar decisões, podemos dizer que os jogos gerais são instrumentos poderosos para auxiliar os alunos no processo de aprimoramento da capacidade de tomar decisões.

Em grandes linhas, os jogos gerais são interativos e grupais. Na maior parte deles, encontra-se uma situação de "soma zero", ou seja, se alguém está ganhando, alguém está perdendo: se uma empresa ganha, se um grupo está vencendo, outro deve estar perdendo. A não ser em casos extremos, é praticamente impossível que não haja essa "soma zero". Esses jogos são, portanto, muito competitivos, o que traz um elemento fundamental em termos de processo de aprendizagem, pois, como bem sabemos, o mundo real é um mundo competitivo. Além disso, do ponto de vista dos alunos, esses jogos, por criarem uma situação de concorrência, são muito envolventes.

Julgamos extremamente importante, nos jogos gerais, o processo grupai. Há jogos individuais, em que uma pessoa joga contra outra, mas os mais importantes dentre esses jogos são aqueles em que a tomada de decisões não fica restrita a um único indivíduo e deve ser sempre compatível com as discussões efetuadas e as decisões tomadas pelo grupo. Como esse tipo de jogo só permite que uma determinada empresa, formada por um grupo de pessoas, emita uma decisão ou um conjunto de decisões, na realidade o próprio grupo é que deve certificar-se de que a melhor decisão é a que está sendo tomada. Esse processo interpessoal não é fácil. As pessoas divergem muito dentro dos grupos: têm opiniões diferentes, crenças diferentes, percebem as coisas de forma diferente. Mas, do ponto de vista da empresa, que é um grupo, essas pessoas devem gerar uma única decisão, ou um único conjunto de decisões, não podendo prescindir de um acordo interno entre os membros do grupo.

Está aí um grande subproduto do jogo de empresas, infelizmente pouco explorado como instrumento de ensino, porque, na verdade, estamos ainda começando a trabalhar com a técnica, tentando torná-la operacional e objetiva, mais do que preocupados com subprodutos importantes como esse.

Uma das grandes críticas aos jogos de empresas refere-se ao fato de que esses seriam basicamente quantitativos. Mas um dos aspectos importantes do jogo é que podemos abstrair boa parte das características quantitativas propriamente ditas do modelo matemático e tentar trabalhar, em paralelo, com características qualitativas, do ponto de vista mais amplo, em relação à empresa, ou em termos de formação de pessoal. Não nos importa, nesse caso, se uma determinada empresa vence ou perde no decorrer do jogo, se as decisões são compatíveis com os resultados finais. Aqui, o processo importante é a tentativa de mostrar aos participantes que, através de uma técnica como essa, temos condições de formular um processo de planejamento e de planejar efetivamente dentro de um ambiente simulado. O importante não é, então, o resultado final, mas o ensino da técnica de planejamento e de tomada de decisões, mostrando que as pessoas tomam decisões e recebem como feed-back informações que, freqüentemente, não são compatíveis com as decisões esperadas ou com os resultados almejados. Os participantes devem, então, reavaliar todas as decisões e tentar saber o que aconteceu, não só em função das decisões de sua empresa, como das dos demais grupos. Esse é um processo contínuo de planejamento, de avaliação e de controle.

O jogo permite, por outro lado, que o tempo seja comprimido, simulando-se o comportamento de cinco ou dez anos de uma empresa em algumas horas. Pode-se ver, assim, tanto o curto quanto o longo prazo da empresa. Freqüentemente, os resultados de uma determinada decisão na vida real, são verificados somente algum tempo depois. O jogo permite que se possa avaliar essa defasagem, em termos do momento da decisão e do momento de retorno dessa decisão, ou seja, em termos de resultado. Mais uma vez, facilita-se muito a tarefa de planejamento e a de decisão.

Imaginamos que, no futuro, tenhamos condições de trabalhar em conjunto com especialistas de outras áreas das ciências sociais, como sociólogos ou psicólogos, para que possamos realizar uma avaliação melhor do comportamento de cada grupo e das forças interpessoais dentro do grupo para alcançar um certo conjunto de decisões.

Resta lembrar, ainda, um aspecto do jogo de empresas, que é o de ensinar a importância de uma determinada área funcional para os executivos que trabalham em outra área. Sabe-se que, quando os alunos resolvem especializar-se em finanças, marketing, produção, etc, o que ocorre é que tendem a subestimar a importância de outras áreas funcionais, no que tange à realização dos objetivos da empresa. O jogo, segundo nossa experiência, dá condições de mostrar que existem outras áreas, tão importantes quanto a da especialidade do aluno e que, freqüentemente, é necessário que uma determinada área funcional tenha seus objetivos subotimizados para que os objetivos gerais da empresa possam ser atingidos. Em outras palavras, mostra-se que é impossível otimizar os objetivos de todas as áreas funcionais, porque eles estão em freqüente conflito e, na realidade, se isso ocorresse, jamais chegaríamos aos resultados finais esperados pela empresa.

Existem duas grandes críticas ao jogo de empresas que vale a pena mencionar nesta exposição. A primeira é a ênfase dos participantes em vencer, um tipo de atitude que é muito difícil remover. O jogo é extremamente competitivo e, como já vimos, em geral, extremamente envolvente. As pessoas literalmente se "apaixonam" pelo jogo e, tendo objetivos predeterminados, querem alcançar esses objetivos e, também, que os concorrentes tenham o pior desempenho possível, para que a sua empresa se saia bem. Essa ênfase em vencer, que é uma crítica freqüentemente levantada, depende muito do instrutor, que precisa, na condução do jogo, tentar minimizar o efeito dessa variável, mostrando a importância de todo o processo decisório para se chegar a um determinado conjunto de decisões. Não nos esqueçamos de que a empresa do jogo é uma empresa simulada: ela pode ter alguma semelhança com as do mundo real, mas não representa exatamente o mundo real. Portanto, não é necessariamente o indivíduo que vence no jogo aquele que está mais apto a vencer na vida prática. Mas, repetimos, esse é um tipo de atitude permanente, que, segundo nossa experiência na escola e em empresas em que o jogo tem sido aplicado, é extremamente difícil de vencer.

A outra crítica ao jogo, já citada, é a de que ele obedece a uma orientação basicamente quantitativa. Até aqui, nos jogos que conhecemos, isso realmente ocorre. A tentativa de se colocarem, dentro dos programas de computadores existentes, algumas variáveis qualitativas - através de técnicas que possibilitem a transformação em linguagem acessível ao computador de variáveis nitidamente qualitativas -é um desenvolvimento bastante recente. Não acreditamos que, dentro dos próximos anos, tenhamos condições de vê-la amplamente desenvolvida. Mas não vemos razão por que não possamos incorporar algumas decisões qualitativas dentro de um programa de computador, desde que haja a transformação necessária para o processamento. De qualquer forma, acreditamos que a ênfase qualitativa existe e vai continuar existindo por algum tempo, dependendo, mais uma vez, do instrutor, para que o mesmo retire de uma técnica basicamente quantitativa subsídios para a colocação qualitativa de alguns aspectos que nela são relegados a segundo plano.

Devemos observar, finalmente, que o jogo de empresas não deve ser considerado como um fim em si mesmo. Sendo uma simples técnica, não pode substituir um processo global de treinamento, seja de estudantes, seja de executivos. Sendo apenas uma técnica, deve ser visto como um instrumento que pode preencher algumas lacunas dos processos tradicionais de aprendizagem.

Quanto à nossa experiência com o jogo de empresas na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, cumpre dizer que começamos, há cerca de seis anos, como praticamente todas as escolas começaram: importando um jogo norte-americano. Aplicamos esse jogo, com algumas adaptações, em nossos cursos, mas logo percebemos que os alunos apresentavam motivação muito baixa, pois achavam que não se aplicava à nossa realidade. O jogo em si, como dissemos, não tem nenhum compromisso com a realidade e não precisa, em termos de objetivos, refletir claramente uma realidade existente: é um processo, um instrumento para tomada de decisões, que pode simular qualquer tipo de comportamento, qualquer tipo de mercado, brasileiro ou de qualquer outro país. De qualquer forma, estava sempre implícita, para nossos alunos, a consideração de que o jogo era importado e não se aplicava à realidade brasileira, que as decisões erradas que tomavam não eram erradas em si, decorrendo de um modelo que se referia a um ambiente diferente. Criticava-se o jogo por suas características intrínsecas, isto é, por suas variáveis, não se levando em consideração sua real utilidade, a de um instrumento ou uma técnica para o aprimoramento das decisões.

Tendo presentes essas críticas, resolvemos desenvolver nosso próprio jogo. Essa não era tarefa tão difícil, mas trabalhosa. Há cerca de dois anos, completamos o desenvolvimento de um jogo para o mercado brasileiro. Frisemos que é impossível simular todo o comportamento de um mercado num jogo; mas dentro das considerações que ele comporta, procuramos adaptar, tanto quanto possível, algumas variáveis do nosso mercado. Isso foi, segundo entendemos, o ponto de partida para que os alunos mudassem completamente sua atitude. Em termos do processo em si, esse jogo não difere muito de qualquer outro; porém, o simples fato de termos colocado algo mais próximo da realidade dos participantes, trouxe uma motivação extremamente positiva.

Nesses dois anos, tivemos a oportunidade de treinar cerca de duas mil pessoas nesse processo, sejam alunos da EAESP, sejam alunos de outras escolas do país, sejam dirigentes de empresas, por convênios para aplicação do jogo. Tivemos oportunidade de verificar a repercussão final do jogo entre esses participantes e podemos observar que seu maior êxito realmente tem sido em termos da avaliação do processo decisório. Como estamos preocupados com o processo qualitativo, com a formação das decisões, exigimos dos participantes relatórios de planejamento, de avaliação e de controle, e explicações a respeito de diferenças entre valores planejados e valores reais. Isso aumenta a importância do processo, deixando de haver interesse precípuo nos resultados finais.

Percebemos, também, no decurso desse período, a formação do processo de decisões em diferentes composições de grupos. Chegamos a fazer uma experiência, em algumas empresas, com uma divisão em "grupos com liderança autoritária" e "grupos com liderança democrática", para ver se, na realidade, a formação do processo decisório seria nitidamente diferente nesses grupos e se, em termos de números finais, também os resultados seriam diferentes. Infelizmente, não temos ainda massa suficiente de informações para generalizações. Mas há algumas variáveis evidentes, como, por exemplo, a de que os grupos com liderança nitidamente autoritária são os menos eficientes, embora muito rápidos, porque neles as decisões são tomadas de forma autoritária. Esses grupos procuram jogar toda a culpa de sua ineficiência sobre o jogo: é o jogo que não reflete a realidade, que não os entende. Já o grupo com formação mais democrática, ou seja, sem um líder autoritário atuante, muito menos estruturado, tem muito menos propensão a atacar o jogo. Em função disso, procura estruturar-se internamente em termos de uma formação de processo decisório que, em geral, leva a maior eficiência nas decisões.

Outro detalhe que percebemos com freqüência é que, no processo de preparação, análise e crítica do jogo, as pessoas muitas vezes são forçadas a reexaminar suas próprias convicções, crenças e suposições a respeito do processo decisório e da própria empresa, o que, a rigor, não fariam, se não tivessem sido submetidas a esse tipo de atividade. Em várias conversas informais que tivemos, os participantes mostravam que tinham uma visão diferente da empresa. E esse reexame, essa reavaliação das suposições, é um fato que ocorre com grande freqüência.

Evidentemente, para nós, como educadores, é extremamente gratificante verificar também o grau de desenvolvimento dos alunos. O jogo de empresa é extremamente dinâmico e, em geral, nos períodos de tempo entre uma decisão e outra, os alunos se mantêm atarefados em suposições e análises, com rendimento extraordinário.

Para encerrar, voltaríamos a frisar que, embora sejamos defensores do jogo de empresas, não nos esquecemos de que ele consiste numa técnica, devendo ser incorporado a outros processos, em termos de formação de executivos. O jogo não substitui nenhum tipo de técnica, podendo apenas complementar outras técnicas ou aspectos específicos pouco explorados através dos métodos tradicionais de ensino.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1977
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