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Condições e fatores determinantes para uma política nacional de desenvolvimento tecnológico

ARTIGOS

Condições e fatores determinantes para uma política nacional de desenvolvimento tecnológico

Nuno Fidelino de Figueiredo

Livre-docente da Universidade de São Paulo. Diretor-presidente da Cia. Progresso do Estado da Guanabara (COPEG) e Empresas Subsidiárias e de Máquinas Piratininga S.A. (São Paulo)

1. INTRODUÇÃO

A formulação de políticas governamentais deliberadas, com vistas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, é fenômeno recente nos países industrializados e apenas incipiente nos países em desenvolvimento. Nos primeiros desses países, foi durante a II Guerra Mundial que a necessidade de canalizar a acumulação dos conhecimentos científicos e tecnológicos para fins precisos e urgentes de caráter nacional levou, pela primeira vez, à definição de tais políticas. Nos anos seguintes ao término da guerra, esta tendência continuou e acelerou-se grandemente, sem dúvida incentivada pela crescente assignação de recursos oficiais à pesquisa pura e aplicada e pela necessidade de orientar a aplicação de tão vultosas somas a certos fins deliberados - principalmente em matéria nuclear e de aeronáutica e exploração espacial. Esta estruturação de políticas ocorrida neste período foi, no entanto, limitada em seus resultados e seu alcance, pela natureza militar ou de defesa (face ao eufemismo, que se tornou de uso corrente) dos esforços de pesquisa desenvolvidos, de tal modo que não chegou, em país algum, a constituir-se um conjunto coerente de políticas científicas e tecnológicas abrangendo a totalidade das atividades de pesquisa, de fins tanto militares como civis.

Nestes últimos anos, no entanto, desenhou-se uma tendência a estender a programação do esforço científico e tecnológico, de maneira crescente, às aplicações civis, com a conseqüente ampliação do âmbito das instituições formadas para aplicar essas políticas. Para isso contribuiu, por uma lado, a rápida elevação dos gastos em pesquisa e desenvolvimento em proporção do produto nacional bruto, até atingir níveis relativos que se consideram, hoje em dia, de difícil superação (de 1 a 2,5% na maioria dos países europeus desenvolvidos e no Japão e acima de 3% nos Estados Unidos e na União Soviética). Atingido, deste modo, um "teto", passou a estar presente uma situação mais aguda de insuficiência dos fundos disponíveis para atender a todas as direções de pesquisa e de "desenvolvimento" que se consideram promissoras ou a todos os fins de inovação industrial que se deseja promover. A competência entre o número crescente de aplicações alternativas na distribuição dos recursos financeiros levará assim, inevitavelmente, a instaurar sistemas cada vez mais elaborados para orientar essa assignação em função de ordens de prioridade definidas. Por outro lado, as presentes tensões sociais e a crescente atenção prestada pela opinião pública e pelos poderes públicos aos problemas de natureza civil que, em grande medida, encontram-se na base dessas tensões (poluição, explosão demográfica e decadência/renovação dos centros urbanos, uso irracional dos recursos naturais, etc), acompanhados por uma crescente consciência da utilidade potencial da ciência e da tecnologia na solução dessas dificuldades, acentuam aquela tendência para uma reorientação do esforço científico e tecnológico em função de fins precisos, e mediante um conjunto de políticas coerentes e deliberadas.

Encontram-se, no entanto, os países industriais ainda a meio caminho da definição de uma política científica e tecnológica realmente compreensiva e articulada, conjugada de maneira estreita com as restantes políticas de natureza econômica e social. Assim mesmo, o esforço de racionalização já desenvolvido por estes países nesta área, não poderá deixar de constituir um ponto de partida na análise do problema análogo no Brasil.

Procuraremos, neste trabalho, levar em conta alguns aspectos dessas experiências e certas reflexões pessoais sugeridas pelo convívio com o tema, para articular de maneira tentativa um conjunto de observações sobre o fomento do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil e chamar a atenção para algumas medidas que poderiam ser oportunas para incentivá-lo.

1.1 Atitudes, instituições e recursos financeiros

O desenvolvimento econômico brasileiro caracterizou-se, até pouco depois da II Guerra Mundial, pelo pequeno papel desempenhado pelos fatores de inovação em todas as atividades produtivas. No período que transcorreu desde essa data, tal situação tem-se modificado com rapidez, existindo estimativas quantitavas recentes do papel desempenhado pelo fator de inovação ou de melhoramento tecnológico no crescimento do produto, que mostram resultados bastante próximos daqueles observados nos principais países industrializados em períodos anteriores.1 1 Ver, principalmente, os seguintes trabalhos, relativos aos países industrializados: Solow, Robert. Technical progress capital formation and economic growth. American Economic Review, May 1962; Idem. Technical change and the aggregate function. Review of Economics and Statistics, Aug. 1957 e Nov. 1958; Dennison, Edward F. The sources of economic growth in the U.S. and the alternatives before U.S. New York, CED, 1962; Idem. Why growth rates differ. Washington, Brookings Institution, 1967; Domar, E. et alii. Economic growth and productivity in the U.S. , Canada, U.K. , Germany and Japan in the post-war period. Review of Economics and Statistics, Feb. 1964. Os resultados de Dennison, por exemplo, mostram que o crescimento do produto por pessoa ocupada tem sido devido, em escala crescente, a uma elevação da produtividade geral, por oposição à maior disponibilidade dos insumos (inclusive o capital). No período 1929-57, já a contribuição de rendimentos dos fatores excedeu substancialmente o aporte da disponibilidade destes (58% contra 42%). A contribuição para o crescimento do produto por pessoa ocupada obtida em resultado de maior disponibilidade de capital por pessoa ocupada, decresceu de maneira rápida: 29% em 1909-29 em 9% em 1929-57. Na contribuição dos fatores de maior produtividade geral para o aumento do produto por pessoa ocupada, destaca-se o progresso tecnológico, que representa 2/3 do aporte-produtividade, tanto em 1929-57 como na previsão 1960-80. Em relação ao incremento total do produto nacional por pessoa ocupada, a contribuição do progresso tecnológico representa 37% em 1929-57 e subiria a 48% em 1960-80, segundo previsões do mesmo autor. Em resumo e em termos aproximados, pode-se afirmar que, no período 1929-57, o crescimento do produto por pessoa ocupada se alimentou apenas na proporção de 1/10 da acumulação de capital e na proporção restante, de 9/10, do incremento da produtividade geral e dos progressos da educação (aumento da escolaridade). E que este predomínio dos fatores qualitativos se acentuaria no futuro (1960-80), conservando a acumulação de capital a modesta proporção do seu aporte anterior (1/10) e alterando-se a composição do aporte "qualitativo", com o progresso tecnológico (48%) ultrapassando em importância todos os outros aportes, tomados individualmente. O trabalho de Domar e outros (1964) mostra uma influência do fator tecnológico no crescimento de diferentes economias industrializadas, variando de 25% na Grã-Bretanha, a 50% na Alemanha Ocidental, no pós-guerra. Relativamente ao Brasil, ver: Bruton, H. J. Productivity growth in Latin America. American Economic Review, Dec. 1967; e Maneschi, A. & Nunes, Egas Moniz. Função de produção agregada e progresso tecnológico na economia brasileira. Revista ãe Teoria e Pesquisa Econômica, IPE (USP), abr. 1970. Estes autores mostram que também na economia brasileira o crescimento do pós-guerra tem sido fortemente influenciado pela introdução de Inovações tecnológicas (as estimativas mencionam margens que variam de 30 a 46%, que seriam resultantes de mudanças tecnológicas, entre 1947 e 1960). Estas estimativas não abrangem os anos mais recentes. Mas a circunstância de que a economia brasileira vem mostrando tendência a crescer a uma taxa global à volta dos 10% anuais, com um aumento apenas moderado e muito paulatino do ritmo de formação de capital (e quando já não existem margens de subutilização da capacidade apreciável), parece denunciar uma presença crescente do fator de inovação tecnológica no processo de crescimento nacional.

Uma permanência desta evolução favorável e uma intensificação do seu ritmo dependem de alguns elementos principais: a mudança das atitudes e do ambiente econômico e social em geral, relativamente às atividades tendentes à introdução de inovações na economia e nos mecanismos sociais; o fortalecimento das instituições que devem integrar um sistema científico e tecnológico e que são constituídas tanto pelos laboratórios universitários e institutos oficiais de pesquisa aplicada e "desenvolvimento", como pelas instituições governamentais encarregadas de orientar, encaminhar e supervisionar de maneira permanente todo o processo de criação científica e tecnológica e de introdução das inovações nas atividades produtivas; e o incremento dos gastos globais realizados pelo país em pesquisa e desenvolvimento, em proporção do produto nacional bruto, à medida que forem tendo êxito as medidas de política econômica geral favoráveis à inovação e que for sendo criada uma estrutura institucional crescentemente elaborada e eficaz, incluindo mecanismos expeditos de colaboração interagencial, destinada a canalizar os recursos adicionais de investimento destinados à pesquisa pura e aplicada e à inovação tecnológica.

A formação de pessoal dotado de elevada capacitação científica e técnica é, também, aspecto fundamental do fomento científico e tecnológico, mas representa fator de natureza peculiar neste processo. Com efeito, a disponibilidade de pessoal altamente qualificado constitui em parte uma causa e em parte um efeito do progresso científico e tecnológico. Considerada esta circunstância e dado que a formação mencionada é um aspecto integrante do desdobramento de uma política científica e tecnológica, não cabe atribuir à formação de pessoal científico o caráter de condição prévia do citado processo, de desenvolvimento tecnológico auto-sustentado que se pretende desencadear. Isto significa, em termos práticos, que o objetivo de uma política científica e tecnológica, numa primeira etapa, é constituído principalmente pela formação de um arcabouço de pessoal devidamente qualificado, mais do que pela efetiva introdução em grande escala de inovações através da economia. Nesta etapa, por conseqüência, a formação de pessoal científica e tecnicamente qualificado deve ser olhada como um objetivo central da própria política científica e tecnológica. Por outras palavras, não seria adequado, em nossa opinião, em estágios relativamente incipientes de desenvolvimento científico e tecnológico, como é o caso do Brasil, fazer depender a formulação de uma política científica e tecnológica explícita e deliberada da formação prévia de contingentes elevados de pessoal altamente qualificado. Tratando-se de um processo iterativo, no qual a capacitação técnica e científica atua tanto como mola propulsora, como no aspecto de resultado do desenvolvimento pretendido, não seria adequado protelar a formulação e efetiva aplicação de políticas de promoção da ciência e da tecnologia, até o momento em que o país dispusesse de um sistema educacional científico e tecnológico totalmente estruturado. A própria aplicação de algumas políticas concretas de fomento tecnológico, por exemplo, com vistas à realização de trabalhos de pesquisa e "desenvolvimento" nas empresas, poderá ser um fator importante para o avanço na formação de pessoal de elevada capacitação científica e técnica.

Esses vários aspectos encontram-se estreitamente ligados entre si. E nenhuma política eficaz poderia dar maior ênfase a um só desses aspectos, com prejuízo dos demais. Assim, por exemplo, o simples aumento das dotações orçamentárias não é suficiente para dar tradução prática aos propósitos de fomento da ciência e da tecnologia, como é atestado pela circunstância de que em anos recentes, no Brasil, os recursos disponíveis têm excedido as possibilidades de efetiva aplicação em projetos concretos e bem definidos nos campos científico e tecnológico.2 2 Isto não significa, convém advertir, que não tenha sido observada a siuação contrária - insuficiência de recursos face às possibilidades de aplicação - relativamente a certas categorias especificas de "R&D". Tal vem ocorrendo com a disponibilidade de recursos oficiais para o subsidio de atividades de pesquisa e desenvolvimento na empresa. Estas possibilidades somente ir-se-ão avolumando à medida que for sendo criado um ambiente favorável às atividades de criação tecnológica, através tanto de medidas de natureza geral (não estritamente econômica) destinadas a fomentar o espírito inventivo e a criação científica e tecnológica, como principalmente através da aplicação efetiva de uma política industrial que defina com precisão os objetivos a prazos médio e longo na criação de uma estrutura com características dadas, em cada um dos principais setores de indústria, que se instrumente devidamente para promover esses objetivos e que se mantenha em aplicação com continuidade e firmeza de propósitos durante período suficientemente longo para produzir resultados ponderáveis.

A experiência japonesa é extremamente elucidativa a este respeito. Os êxitos na expansão industrial interna e externa lograda pelo Japão, em anos recentes, na siderurgia, construção naval, eletrônica, ótica e certas fabricações mecânicas de precisão deveram-se a uma inteligente combinação de criação tecnológica própria e de importação de conhecimentos técnicos e processos do exterior, combinação essa - é extremamente importante frisar - lograda no contexto de uma política industrial precisa e arrojada, quanto a escalas, localizações, estruturas empresárias, técnicas de produção e investimentos, aplicada em relação a cada um desses setores de indústria, de maneira persistente, desde 1950 ou data pouco posterior.

Esses são, portanto, os três aspectos essenciais de uma política científica e tecnológica brasileira: a definição de um ambiente econômico e social favorável à inovação, combinado com a aplicação efetiva e persistente de uma política industrial de longo alcance, o fortalecimento institucional, significando tanto a criação de novos laboratórios e institutos de pesquisas e o fortalecimento dos existentes, caracterizados muitos deles, hoje em dia, por uma situação de envelhecimento precoce, como a criação de uma estrutura governamental para a concepção e a aplicação de políticas específicas de fomento científico e tecnológico (destacando-se os mecanismos para a distribuição de recursos financeiros em função de critérios racionais, explicitamente enunciados); e, finalmente, quando já tenham sido dados alguns passos importantes nas duas direções mencionadas, a aprovação de recursos orçamentais crescentes e sua distribuição com vistas a alimentar todo o sistema científico e tecnológico nacional, levando-o a alcançar, dentro de algum tempo, uma situação de crescimento auto-sustentado.

E, de forma paralela - e não como condição prévia - a capacitação de pessoal científico e técnico, mediante um estreito entrosamento da universidade, dos institutos de pesquisa oficiais e da indústria.

1.2 Necessidade de definição de uma política industrial

A definição de uma política industrial é, sem dúvida, um elemento crucial de todo este esquema. A introdução de novas técnicas e novos processos de produção encontra-se estreitamente ligada à realização de novos investimentos e às características empresárias que predominam em cada setor. E em ambos os aspectos existem debilidades e anomalias que é fundamental corrigir, como forma de tornar viável não só a modernização tecnológica das empresas, num dado período de tempo, como principalmente uma atualização tecnológica permanente no futuro. Essa é a situação tanto dos setores das indústrias básicas, que fabricam matérias-primas industriais e produtos semi-elaborados (siderurgia, alumínio, etc.) e bens de capital (máquinas-ferramenta, equipamentos industriais em geral), como das indústrias tradicionais, que fabricam bens de consumo imediato (têxteis, couros, calçados, vestuário, artigos de plástico, borracha, madeira, etc.) e inclusive de algumas indústrias mecânicas (como, por exemplo, grande número de fabricantes de autopeças).

As escalas de fabricação e as condições de capitalização das empresas, para mencionar somente dois dos problemas mais salientes, são inteiramente insatisfatórias na siderurgia e em várias outras indústrias básicas. Sem corrigir de maneira completa e dentro de um prazo definido esses defeitos fundamentais, aquelas indústrias nunca poderão absorver as modernas técnicas e processos e a partir desse momento manter-se permanentemente atualizadas, nos aspectos tecnológicos, mediante uma seleção inteligente dos avanços originados no exterior, sua adaptação e modificação local num sentido criador e a elaboração tecnológica própria, complementar das tecnologias importadas, elaboração conseguida seja por uma acumulação de experiências na empresa, seja mediante o recurso intensivo aos institutos tecnológicos nacionais - e, provavelmente, mediante o recurso combinado a esses dois procedimentos.

Por outro lado, nas indústrias tradicionais, como a têxtil, as necessidades de modernização traduzem-se na urgência de um reequipamento em grande escala, combinado com uma intensa reorganização interna quanto aos métodos de trabalho e à organização da produção. E esse reequipamento levanta um dilema que ilustra de maneira flagrante a vinculação estreitíssima entre a modernização tecnológica e a política industrial. Deve o reequipamento ser promovido através de importação das máquinas e equipamentos necessários? ou mediante equipamentos de fabricação nacional? Dadas as características tecnológicas diferentes de uma e outra categoria de equipamentos, as decisões que se tomem em matéria de licenciamento de importações e de isenções relativas a essas importações influenciarão de maneira indelével não só o destino da fabricação nacional de máquinas têxteis, como o tipo de indústria de transformação têxtil de que se encontrará provido o país nos próximos 15 a 20 anos (duração útil dos equipamentos), níveis de eficiência, produtividade e custos, absorção de mãode-obra, modificações de localização, etc. Desta forma, é impossível promover a modernização tecnológica da indústria têxtil, seja no aspecto de fomento e incentivo das ações imediatas necessárias, seja no aspecto do início de atividades de pesquisa aplicada relativas, por exemplo, à utilização mais intensa de fibras naturais de diferentes regiões do país, sem o equacionamento prévio ou simultâneo de uma política industrial visando a reestruturação completa da indústria têxtil brasileira.

O fortalecimento institucional adquire particular importância nas condições que prevalecem no Brasil. Nos Estados Unidos e, em grau menor, também na Europa Ocidental, a pesquisa pura e aplicada é conduzida basicamente no sistema universitário (salvo em aspectos de saúde pública, em que geralmente existe um importante conjunto de centros de investigação do governo central), enquanto que as investigações tipo R&D se concentram quase exclusivamente nas próprias empresas. Extremamente limitado é o papel tanto das universidades, como dos institutos oficiais, neste último aspecto (R&D).

No Brasil, dada a debilidade financeira, administrativa e tecnológica das estruturas empresárias locais, torna-se difícil fazer descansar na empresa - mesmo com a criação de um sistema diversificado de incentivos e subsídios, aliás indispensáveis - o mesmo grau de responsabilidade na consecução desse objetivo. Grande parte do papel de elemento ativo no desenvolvimento de produtos e processos terá, portanto, que caber a institutos oficiais, o que determina a necessidade de criação de mecanismos eficazes de comunicação e difusão entre a indústria e o sistema tecnológico oficial. Neste aspecto - o da participação dos institutos universitários e oficiais na criação tecnológica - a experiência européia é provavelmente mais rica do que a dos Estados Unidos. De qualquer modo, a este respeito, ainda mais do que em outros aspectos, é indispensável conceber e pôr em prática políticas e mecanismos que se ajustem de perto às peculiaridades do meio industrial brasileiro, onde predominam as pequenas e médias empresas e onde as grandes empresas são freqüentemente de capital estrangeiro ou são empresas que, apesar de inteiramente (ou predominantemente) nacionais, mantêm estreitas relações tecnológicas com o exterior, através de acordos de licença para a obtenção de assistência técnica ou para a utilização de patentes ou de processos de fabricação.

1.3 Viabilidade de um desenvolvimento científico e tecnológico nacional

Esta última característica é freqüentemente mencionada como argumento contra a idéia da viabilidade de um esforço de modernização tecnológica assente no fomento da criação científica e tecnológica realizada no próprio país. Tem sido alegado, em relação às empresas de capital estrangeiro, que as mesmas obtêm de suas próprias matrizes todo o conhecimento técnico de que necessitam, que freqüentemente mantêm em seus países de origem grandes laboratórios e instalações experimentais dos quais saem as inovações que alimentam permanentemente a expansão das suas atividades industriais através do mundo. Dada essa elevada capacidade tecnológica própria, que interesse teriam as empresas industriais de capital estrangeiro em atividade no Brasil - argumenta-se - em contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, seja realizando aqui, dentro da sua própria organização, aquelas mesmas atividades de pesquisa e inovação, seja constituindo-se em fonte de demanda para as pesquisas e as inovações dos institutos tecnológicos nacionais?

Em relação às empresas nacionais que obtêm mediante "acordos de licença" seus desenhos, processos e conhecimentos técnicos industriais em geral, afirma-se, por outro lado, que essa cômoda relação de dependência em relação ao exterior, além de representar para o país uma grave sangria em recursos de moeda estrangeira, recursos aplicados no pagamento dos royalties relativos a esses contratos, levanta um obstáculo talvez intransponível a um desenvolvimento científico e tecnológico nacional, ao eliminar a fonte principal de demanda de conhecimentos científicos e tecnológicos e de emprego para os cientistas e técnicos nacionais.3 3 Ver Lopes, J. Leite. Ciência e libertação nacional. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969, onde é defendido este ponto de vista em diferentes passagens. A mesma orientação é encontrada em Pinto, Avaro Vieira. Ciência e existência; problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969. cap. 12.

Analisemos separadamente cada uma destas objeções. Encontra-se a empresa estrangeira radicada no país irremediável e definitivamente desinteressada no desenvolvimento científico e tecnológico nacional, em virtude da auto-suficiência de que a supre a matriz, neste aspecto? Uma resposta prudente a esta questão terá que recorrer a dois elementos distintos: um de observação da situação corrente e outro de conjetura sobre qual poderia ser a situação, se fosse outra a política industrial em cujo contexto se movem essas companhias.

Sob o primeiro ponto de vista, o da situação fatual, a afirmação - com o grau de generalidade com que foi feita - é de comprovação duvidosa, pois existem no Brasil vários casos de grandes companhias de capital inteiramente estrangeiro que têm desenvolvido no país notável atividade de pesquisa aplicada, com vistas a melhorar processos oriundos do exterior ou a adaptá-los às condições peculiares de recursos e outras, do meio local, adaptações essas que algumas vezes são o resultado de um intenso e prolongado esforço de pesquisa laboratorial, em instalações-piloto e, finalmente, nas próprias instalações industriais e que conduzem a resultados originais, úteis inclusive a outras empresas do mesmo ramo de atividade no país e mesmo no exterior. Exemplo destacado é o de uma companhia siderúrgica que concebeu, desenhou, construiu e opera em nível muito elevado de eficiência os altos-fornos de carvão vegetal de maior capacidade em operação no mundo, em resultado do "desenvolvimento" no país de técnicas de redução de minérios originais. Outros casos existem de empresas de capital totalmente estrangeiro que recorrem em grande escala a institutos tecnológicos nacionais para encomendar pesquisas que ofereçam solução aos problemas encontrados no seu ramo de atividade. É este o caso - em outro exemplo destacado - de companhia da indústria de alimentação que utiliza em escala crescente os serviços de pesquisa aplicada do Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas para encontrar formas de aproveitamento industrial de matérias-primas brasileiras peculiares. Por outro lado, importante fabricante internacional de produtos farmacêuticos tem em funcionamento, desde data recente, instalações próprias e de grande vulto, especificamente destinadas a realizar de maneira permanente programas de pesquisas sobre medicamentos especialmente apropriados ao combate das doenças endêmicas do Brasil. Esse centro experimental de iniciativa privada e de empresa estrangeira realizará pesquisas quimioterápicas com novos compostos, com vistas a possibilitar um combate mais eficaz das doenças endêmicas nas zonas rurais do país, no homem e em animais, somando as suas atividades, de tão grande importância social, às de institutos oficiais congêneres (Centros Oswaldo Cruz e Evandro Chagas, Institutos de Medicina Tropical e Adolfo Lutz de São Paulo, etc.).

Estes exemplos não se incluem aqui com a intenção de sugerir que as empresas estrangeiras com atividades industriais no Brasil realizam uma intensa atividade de pesquisa no país. Seria de estranhar que assim fosse, pois estariam nesse caso em claro contraste com as restantes empresas em atividade nos mesmos setores produtivos. O que pretendemos demonstrar, isso sim, é que a afirmação relativa ao desinteresse das companhias estrangeiras pela realização de pesquisas no país não apresenta o caráter de generalidade que lhe foi atribuído - e, por conseqüência, nada tem de inevitável.

Sob o segundo ponto de vista, o da "lógica" da situação que corresponde a uma empresa, que, na sua matriz situada no exterior, realiza de maneira permanente intenso programa de pesquisas, tampouco a situação de desinteresse ou hostilidade parece inevitável. E numerosos fatores apontam nessa direção. Os recursos naturais do Brasil são distintos, em muitos aspectos, dos que estão presentes em países desenvolvidos e que foram investigados exaustivamente pelas empresas através de seus laboratórios e departamentos técnicos. Exemplo: a fabricação de celulose e papel. As pastas celulósicas de fibra curta (eucalipto é um caso saliente, no Brasil) têm um potencial de aplicações na fabricação de papéis apenas aflorado, que se irá ampliando na medida em que forem sendo resolvidos muitos problemas encontrados na sua fabricação e na sua utüização para a fabricação de papéis tradicionalmente baseados em celuloses de fibra longa. As técnicas convencionais, nas quais as grandes empresas internacionais são fortes (inclusive aquelas com investimentos no Brasil), correspondem a celuloses extraídas de espécies florestais de fibra celulósica longa, próprias dos climas das baixas latitudes do hemisfério norte (Escandinávia, Norte dos Estados Unidos e Canadá). A realização do grande potencial econômico das fibras curtas, oriundas de espécies florestais de rápido crescimento nos trópicos, depende de um intenso esforço de pesquisa que não pode ser desenvolvido senão aqui - e já estão sendo dados importantes passos nesse sentido.

Por outro lado, parece-nos impróprio pensar que as considerações de custo das pesquisas não influem nas decisões das grandes companhias sobre onde realizar as suas pesquisas ou uma parte das mesmas. Quando existem no país institutos tecnológicos capazes de prestar serviços eficazes e quando estes serviços, por terem caráter intensivo em mão-de-obra (técnica e científica), e por ser esta mão-de-obra logicamente mais barata em países subdesenvolvidos, resultam de custo mais baixo do que no exterior, é perfeitamente viável a idéia de uma transferência parcial do esforço de pesquisa, da matriz (ou de institutos do país - sede da matriz, sob contrato), para o país onde opera a subsidiária. O Instituto Mexicano de Investigações Tecnológicas (IMIT) realiza mais de 1/3 de suas atividades para empresas norte-americanas com atividades no México, mediante encomenda de trabalhos custeados por essas empresas. É perfeitamente possível, portanto, criar um quadro de condições relativamente à radicação e à operação corrente dos investimentos estrangeiros que leve gradualmente essas empresas a integrar-se num esforço nacional crescente de fomento da criação científica e tecnológica - na medida, como é óbvio, em que tal esforço nacional efetivamente exista e se traduza num conjunto coerente de políticas, adequadamente instrumentadas e diligentemente administradas.

A segunda objeção levantada no trabalho que já citamos alega o obstáculo a um desenvolvimento científico e tecnológico que seria constituído pelo recurso generalizado a "acordos de licença" com firmas do exterior como meio de obter a tecnologia indispensável à produção industrial, pecado este que corresponderia à generalidade das empresas industrias nacionais.

Também esta generalização não encontra apoio em fatos. A situação é muito mais complexa do que é sugerido na opinião comentada. Sem pretender trazer para aqui a discussão deste tema, chamaremos, no entanto, a atenção para alguns aspectos discrepantes daquela generalização, os quais sobressaem numa apreciação do desenvolvimento industrial brasileiro.4 4 Os problemas da transferência da tecnologia do exterior no desenvolvimento industrial do Brasil são objeto de uma série de estudos patrocinados pelas Nações Unidas e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Três desses estudos encontram-se publicados em edição mimeografada do Instituto de Pesquisa Econômicas da Universidade de São Paulo: Transferência da tecnologia na indústria de máquinas-ferramenta, de Franco Vidossich nov. 1969, 2 v. Transferência da tecnologia na indústria têxtil e do vestuário, de Luigi Spreafico, mar. 1970; e Transferência da tecnologia na indústria siderúrgica, de Bruno Leuschner. A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, do mesmo autor do presente trabalho e. coordenação da série de estudos sobre a transferência de tecnologia, foi publicada pelo Ministério do Planejamento (IPEA), em 1972.

Em primeiro lugar, não existe qualquer correlação sensível entre a intensidade do recurso a fontes de tecnologia localizadas no exterior em cada setor de indústria e o grau de avanço tecnológico (combinado com o nível de eficiência e produtividade) no mesmo setor. Situações existem em que um maior recurso à tecnologia do exterior é sinal de maior eficiência e produtividade (certos subsetores das indústrias mecânicas e eletromecânicas, indústria siderúrgica). Mas também se encontram setores industriais em que um relacionamento com o exterior, através de acordos de licença, relativamente intenso, não impede um nível geral de eficiência e produtividade pronunciadamente baixo (indústria têxtil).

Em segundo lugar - e esta observação está estreitamente ligada à anterior - existem dentro do mesmo setor industrial situações extremamente distintas, que desafiam qualquer esforço de interpretação em termos simples. É esse o caso da fabricação nacional de máquinas-ferramenta, onde são encontrados todos os tipos de associação entre o recurso à tecnologia do exterior e o grau de adiantamento técnico e econômico.

Finalmente, como é sugerido tanto pela experiência do Japão como pela situação encontrada nos subsetores industriais tecnologicamente mais avançados do Brasil, a transferência da tecnologia do exterior e a criação científica e tecnológica própria, longe de serem elementos contraditórios e incompatíveis entre si, são ao contrário elementos de natureza fortemente complementares. Essa complementariedade, no entanto, depende da presença de um terceiro elemento, de importância decisiva: uma política de desenvolvimento industrial especialmente delineada com esse objetivo.5 5 Consultar, para uma apresentação mais pormenorizada deste tema, os capítulos 6 e 9 do estudo A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, cit., p. 22 e seg.

2. NATUREZA E ALCANCE DE UMA POLITICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Uma política de desenvolvimento científico e tecnológico pode ser estruturada de acordo com diferentes graus de centralização e de intervenção nas atividades que contribuem para a acumulação tecnológica do país.A opção que a este respeito deve ser exercida, no entanto, encontra-se rigidamente condicionada pela orientação geral das atividades econômicas e das atividades de criação cultural no país. Predominando no Brasil uma orientação geral de política econômica baseada principalmente na adoção de medidas e de incentivos de natureza indireta e, por outro lado, dadas as características de extensão e diversidade territorial presentes, a política de desenvolvimento científico e tecnológico teria que ser necessariamente caracterizada por um grau elevado de descentralização na execução das atividades concretas de pesquisa pura e aplicada e de "desenvolvimento" e inovação tecnológica, de forma a propiciar o maior aproveitamento possível das aptidões locais, através de todo o território nacional e a reduzir a um mínimo os entraves inseparáveis de qualquer máquina burocrática oficial, alimentando ao mesmo tempo o clima de liberdade de iniciativa de que tanto depende o florescimento da capacidade individual de criação, no plano tanto científico como tecnológico.

Mas a descentralização na execução não se opõe necessariamente a um grau relativamente elevado de centralização no planejamento e na direção geral do esforço científico e tecnológico nacional. Existem, na verdade, fatores que aconselham tal centralização na definição e aplicação de uma política científica e tecnológica: o elevado custo da pesquisa científica moderna e a necessidade de orientar as inversões correspondentes com critério de máxima eficiência na sua utilização, promovendo uma divisão do trabalho racional entre os diferentes centros nacionais de criação científica e tecnológica; a incipiência de toda a estrutura existente de institutos tecnológicos e de centros de pesquisas e a necessidade de encaminhar o seu fortalecimento e rápido desenvolvimento; a debilidade da "demanda" de inovações científicas e técnicas que espontaneamente resulta do sistema produtivo nacional e a necessidade de atuar simultaneamente no estímulo dessa "demanda" e na criação ou ampliação de uma "oferta" correspondente, etc. De circunstâncias como estas resulta, inevitavelmente, a necessidade de um prolongado esforço de organização e coordenação, que não poderá deixar de exigir uma direção central de todo o esforço científico e tecnológico nacional relativamente forte e atuante.

Caracteriza-se, desta forma, uma política científica e tecnológica altamente centralizada na sua concepção, formulação e direção, porém descentralizada na sua execução. Esta parece ser, de resto, a orientação oficial que se vem esboçando no Brasil.

A introdução de inovações tecnológicas nas atividades produtivas representa a culminação de um longo processo de criação científica e técnica, iniciado como pensamento científico puro ou desinteressado das aplicações possíveis e continuado através de etapas que se convencionou denominar de ciência básica orientada, de ciência aplicada e de pesquisa e "desenvolvimento" de inovações de interesse econômico. Se bem que o desenvolvimento tecnológico, em sentido estrito, abranja unicamente esta última etapa (imediatamente anterior à introdução das inovações nas atividades produtivas), uma política delineada com a finalidade de acelerá-lo tem, necessariamente, que abranger (em extensão variável, conforme as circunstâncias de tempo e de lugar) alguns aspectos das etapas anteriores. Com efeito, mostraremos no item 3 como são estreitamente interdependentes essas etapas sucessivas e como seria ineficaz procurar acelerar o desenvolvimento tecnológico sem exercer certo grau de controle sobre os acontecimentos de natureza científica que o alimentam, em particular, na etapa da ciência aplicada.6 6 Por razões de espaço, esse capítulo não foi incluído no texto. Por esta razão, discutiremos a partir deste momento a estrutura de uma política científica e tecnológica, deixando para item posterior tanto a justificação plena desta orientação como o esclarecimento do que é abrangido por tal política, no aspecto científico.

2.1 Elementos componentes de uma política científica e tecnológica integrada

A definição de uma política científica e tecnológica abrange os aspectos principais seguintes:

1. Disposições e normas relativas à coordenação e direção central do esforço científico e tecnológico nacional e instituições para administrá-las. Isto significa o desempenho de algumas funções básicas:

a) uma definição geral de objetivos e de políticas dentro do marco de uma estratégia econômica e social;

b) o planejamento dos recursos financeiros dedicados à ciência e à tecnologia, elaborado com visão "telescópica" e prospectiva;

c) a aprovação e distribuição dos recursos financeiros oficiais entre as diferentes agências encarregadas da execução de políticas, em função de critérios derivados da "estratégia" em vigor;

d) a coordenação interministerial ou interagencial da aplicação das diferentes políticas científicas e tecnológicas através da máquina burocrática nacional, nos planos tanto federal como estadual;

e) o exercício de um esforço de compatibilização e "harmonização" das políticas econômicas gerais ou indiretas, na sua aplicação continuada, com os objetivos principais perseguidos em matéria científica e tecnológica.

2. A concepção, instrumentação e supervisão da aplicação operativa de políticas de promoção e incentivo da pesquisa pura e aplicada. Apesar da orientação geral de descentralização da execução, em alguns casos essas políticas podem ser de aplicação direta dos mesmos organismos centrais que as formulam.

3. Articulação de um sistema de instituições de execução de pesquisa científica e de pesquisas e trabalhos de "desenvolvimento" com vistas à inovação, suficientemente concatenado e adequadamente vinculado à indústria e à universidade, por um lado, e os órgãos oficiais de direção central e de financiamento por outro.

4. Políticas e instituições de formação e treinamento de pessoal científico e tecnológico destinado a suprir tanto o sistema "produtor" de conhecimentos científicos e tecnológicos como as atividades econômicas de produção, "utilizadoras" dos mesmos conhecimentos.

Corresponde, naturalmente, aos poderes públicos, através das entidades federais e estaduais competentes, estabelecer as normas gerais a seguir em matéria de atribuição de recursos financeiros à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico em geral, bem como articular e coordenar eficazmente as diferentes ações ministeriais que podem contribuir para o progresso tecnológico. Com esta finalidade requer-se a existência de um conjunto de instituições oficiais, estreitamente entrosadas com a indústria, por um lado e, por outro, com a universidade e os laboratórios universitários autônomos ou semi-autônomos. Essas instituições destinam-se a coordenar e dirigir permanentemente a aplicação prática de uma política científica e tecnológica em seus múltiplos aspectos, destacando-se em particular o revigoramento dos institutos tecnológicos oficiais e dos laboratórios universitários e a revisão periódica das políticas em vigência, bem como a supervisão da execução continuada das mesmas.

Aspecto muito importante de uma política científica e tecnológica é o fortalecimento institucional: isto é, a consolidação, ampliação e diversificação do sistema nacional de institutos e laboratórios de pesquisa, sobre os quais, pelo fato da debilidade das estruturas empresárias, certamente terá de recair uma grande parcela de responsabilidade pela execução não só de pesquisas de caráter puro e aplicado, mas também dos trabalhos de "desenvolvimento" em etapa pré-industrial. Essa estrutura institucional necessita de uma revisão periódica, não somente por um afã de constante aperfeiçoamento, mas também porque a diferentes estágios de desenvolvimento econômico correspondem necessidades distintas quanto ao tipo e especialização das instituições mais adequadas.

A definição e a administração de uma série de medidas de promoção direta ou de incentivo da pesquisa tecnológica constituem outra atribuição do poder público. Também tais medidas e as modalidades concretas de sua aplicação necessitam de uma revisão periódica, que contribua para manter intacta a sua eficácia no decurso da evolução da conjuntura econômica e social, e para assegurar a compatibilidade dessas medidas específicas com as demais medidas de política econômica. Um aspecto importante da formulação de uma política científica e tecnológica pode ser a postulação de "áreas prioritárias" tanto para a aplicação de recursos financeiros oficiais, como também para a execução paralela e coordenada de outras medidas de promoção e incentivo do esforço de pesquisa e inovação tecnológica do setor privado da economia, particularmente da indústria.

Quanto às políticas de formação e treinamento de pessoal científico e técnico, enquadram-se nesta categoria não só a formação universitária e pós-graduada nos ramos do conhecimento cuja aplicação industrial (ou de natureza econômica em geral) se pretende incentivar, como também, num sentido mais direto, a formação de pessoal para o próprio sistema científico e tecnológico. Esta formação, nas duas direções mencionadas, é atribuição do sistema universitário e será adiante discutida em conjunto com as atividades de pesquisa das universidades.

Finalmente, faceta importante de uma política global de desenvolvimento científico e tecnológico é a que está relacionada com os reflexos das políticas econômicas gerais, em matéria fiscal, de comércio, de crédito, etc., sobre o ritmo e a direção seguida pela introdução do progresso tecnológico na economia. A este respeito há que considerar sucessivamente dois aspectos, o dos possíveis reflexos desfavoráveis, do ponto de vista tecnológico, decorrentes das políticas econômicas gerais, as quais inevitavelmente devem atender de maneira preferente aos seus objetivos próprios e, por outro lado, o da possível utilização acessória dessas políticas econômicas gerais para a promoção supletiva de certos objetivos de natureza tecnológica. Isto signfica, naturalmente, a necessidade de "desenhar" coordenadamente um duplo conjunto de "restrições" no manejo das políticas econômicas: restrições de natureza econômica na concepção e administração da política científica e tecnológica e restrições de natureza tecnológica no manejo das políticas econômicas gerais, sejam estas de desenvolvimento ou de conjuntura.

A distinção expressa no parágrafo anterior pode ser formulada de maneira um pouco diferente. Uma política de desenvolvimento tecnológico, que tenha por objetivo fundamental aumentar progressivamente as aplicações da ciência e da tecnologia às atividades produtoras do país, compreende o recurso a duas grandes categorias de instrumentos. Na primeira estão aqueles instrumentos que compõem uma política de incorporação tecnológica direta, de caráter autônomo ou relativamente autônomo, no sentido de que podem ser manejados de maneira relativamente independente dos outros objetivos da política econômica geral e que influenciam diretamente o nível tecnológico e a incorporação de conhecimentos técnicos às atividades produtivas. Na segunda encontram-se os instrumentos que servem objetivos nacionais mais amplos do que a simples modernização tecnológica, isto é, objetivos de crescimento do produto, de repartição social, de estabilidade econômica interna e externa, de desenvolvimento regional, etc, e que por esse motivo apenas de maneira parcial ou dentro de limitações algumas vezes estreitas podem ser utilizados para promover uma meta de modernização tecnológica, considerada esta, necessariamente, como subordinada aos objetivos gerais da política econômica indireta.

Todos esses aspectos são, como é evidente, estreitamente interdependentes. E tanto na concepção, como na aplicação das diferentes medidas, essa vinculação recíproca é de grande importância, dependendo do êxito com que ela seja tomada em conta a possibilidade de estruturação efetiva de uma política científica e tecnológica. O tratamento separado de cada uma das questões representa, portanto, um simples expediente de ordem prática, destinado a facilitar a análise e a exposição. Lamentavelmente, a amplitude do tema e a limitação do espaço provavelmente nos farão incorrer no risco de não lograr destacar suficientemente o aspecto de interdependência que caracteriza a unidade de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico.

2.2 A função da coordenação e direção central

O desempenho das diferentes funções de coordenação e direção central, todas elas estreitamente vinculadas entre si, torna necessária a existência de certo número de organismos centrais, constituindo uma estrutura institucional orgânica, dotada de personalidade técnica própria e apreciável grau de autonomia dentro da maquinaria administrativa oficial mas, ao mesmo tempo, funcionando em estreita simbiose com todos os departamentos governamentais. Esses organismos são, em princípio, três: de estudos e assessoramento permanente da ação executiva, de coordenação das ações executivas dos diferentes ministérios e agências governamentais e, finalmente, de assessoramento consultivo na formulação das políticas gerais de desenvolvimento científico e tecnológico.7 7 Esta conclusão é baseada na análise da situação encontrada em vários países e numa apreciação das peculiaridades da situação brasileira.

A primeira necessidade que surge, em matéria institucional, é a de pensar e coordenar a execução das diferentes medidas de promoção científica e tecnológica e de formular (e rever constantemente) os objetivos e metas nacionais e setoriais a visar através de tais medidas. É evidente que, para atingir estes propósitos, torna-se necessário desenvolver uma permanente atividade de estudos e de "pesquisa sobre a pesquisa", tendente a identificar as necessidades nacionais, a compatibilizar no aspecto tecnológico as diferentes políticas específicas entre si e as políticas específicas com as políticas econômicas gerais, etc. Esta é, claramente, uma função de estudos e coordenação geral de grande base técnica, que deve ser entregue a um departamento governamental especializado, colocado em elevada posição hierárquica e, ao mesmo tempo, em condições de exercer de maneira efetiva uma supervisão através de todo o sistema burocrático oficial.

A segunda necessidade importante, de tipo institucional, é a de organizar a coordenação das atividades executivas das múltiplas agências governamentais que têm - ou que poderão passar a ter em resultado da progressiva aplicação dos programas governamentais de fomento - alguma ação importante no campo científico e tecnológico. E esta ação define-se em duas direções, a de realizar em instalações próprias ou mediante encomenda pesquisas de caráter aplicado com vistas a melhor encaminhar o desempenho das suas responsabilidades legais (saúde pública, transporte, fomento agrícola, florestal, pecuário, oceanográfico, espacial e tantas outras) e a de pôr em prática, em seus campos de ação específicos, medidas destinadas precipuamente a favorecer o progresso científico e tecnológico. A coordenação destas diferentes ações ministeriais ou de agências autônomas dentro do marco de uma estratégia global de desenvolvimento científico e tecnológico constitui uma necessidade de primordial importância e exige um mecanismo especialmente destinado a este fim. Outro aspecto não menos importante desta função de coordenação executiva é o da programação global dos recursos financeiros destinados ao fomento da ciência e da tecnologia através de todo o sistema burocrático oficial e levando em conta um levantamento dos recursos destinados ao mesmo fim pelo setor privado.

Este aspecto da coordenação das atividades de pesquisa e "desenvolvimento" dos diferentes ministérios e agências governamentais é, talvez, o mais difícil de enfrentar adequadamente, dentro de uma política científica e tecnológica, dadas as prerrogativas e tradições de atuação o mais possível independente que cada departamento governamental trata ciosamente de guardar e a dificuldade de estabelecer uma efetiva coordenação interministerial, nas condições de vastidão territorial, de diversidade regional e de relativa inexperiência administrativa (nos aspectos que estamos tratando) do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, esse é um aspecto de importância crucial para lograr imprimir uma efetiva aceleração da modernização tecnológica através do país. Com efeito, essas diferentes agências e departamentos governamentais constituem os veículos naturais e obrigatórios para levar à aplicação prática as novidades científicas e os aperfeiçoamentos tecnológicos que o sistema de produção científica e técnica do país (por sua elaboração própria ou por transferência e adaptação do exterior) vai tornando disponíveis. Nos campos da saúde pública, dos transportes, do aproveitamento agrícola dos recursos naturais e tantos outros, a tecnificação dos serviços públicos respectivos constitui condição sine qua nom para lograr aquele objetivo. E deixar esses serviços públicos à margem do esforço de aceleração científica e tecnológica, concentrado este no fomento da criação original e adaptativa em institutos tecnológicos oficiais ou autônomos e em laboratórios e outras instalações universitárias, e canalizado através de um conjunto de instituições especializadas e relativamente desligadas da máquina administrativa oficial, é criar um sério risco de caminhar para a construção de um sistema científico e tecnológico em grande parte destituído de canais de comunicação com as atividades práticas de produção, de saúde pública, etc. Torna-se, portanto, indispensável, em nossa opinião, vincular muito estreitamente e desde um primeiro momento os diferentes departamentos oficiais, no cumprimento das suas respectivas responsabilidades, ao esforço de promoção da ciência e da tecnologia. E é esta a razão da importância do organismo ou do mecanismo de coordenação interministerial ou interagencial e de promoção de iniciativas em matéria de aplicações da ciência e da tecnologia junto de departamentos oficiais que exercem as suas funções de maneira rotineira e que naturalmente se defrontam com uma grande inércia para a modificação dos seus métodos de trabalho.

O desempenho desta função de coordenação executiva corresponde, em muitos países, a um conselho interministerial de ciência e tecnologia integrado pelos chefes de todas as agências governamentais mais intimamente ligadas ao desenvolvimento científico e tecnológico ou seus representantes. E esse conselho utiliza como secretaria técnica o departamento governamental encarregado da função de estudos e assessoramento executivo a que acabamos de fazer referência.

Finalmente, é de toda conveniência introduzir um elemento de assessoramento consultivo externo8 8 Isto é, cujos elementos integrantes são estranhos ao serviço público. na orientação e na supervisão do funcionamento do sistema científico e tecnológico oficial. Esta seria a finalidade de um conselho constituído por representantes dos órgãos governamentais principais, por representantes das universidades e das atividades produtoras e por elementos de destacada capacidade científica e tecnológica designados em caráter pessoal.

2.3 A situação institucional presente no Brasil

Não existe, na presente estrutura da administração federal brasileira, organismo que desempenhe estas funções tal como acabamos de defini-las. Duas entidades, no entanto, têm responsabilidades precípuas no campo da ciência e da tecnologia e, em algum aspecto parcial, exercem certa ação de formulação de políticas e de coordenação geral das diferentes atividades governamentais: o Conselho Nacional de Pesquisas, diretamente subordinado à Presidência da República e com amplas atribuições legais em matéria de promoção do desenvolvimento científico e tecnológico, e o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. A primeira destas entidades ê a que maior soma de atividades vem desenvolvendo na promoção da ciência e da tecnologia e a que mais amplas atribuições funcionais possui, decorrentes do estatuto legal pelo qual se rege. Mas, em contradição com esses fatores favoráveis ao desempenho de uma função de coordenação e direção central, deve-se ter presente o isolamento em que essa instituição se encontra em relação à máquina burocrática federal e a dificuldade que daí inevitavelmente resultaria para o desempenho efetivo daquela função de "pivot" de um esforço nacional de aceleração científica e tecnológica. Neste aspecto, a situação do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral é, ao menos do ponto de vista funcional ou hierárquico, dentro da administração federal, mais vantajosa. Não discutiremos aqui as atribuições legais e as atividades efetivas de cada um desses órgãos da administração federal, nos aspectos de ciência e tecnologia.9 9 Procedemos a uma análise desses aspectos em trabalho preparado em agosto de 1970 para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): Subsídios para a estruturação de uma política de desenvolvimento cientifico e tecnológico.

Sob o ponto de vista da propriedade de atribuir ao Conselho Nacional de Pesquisas as /unções de coordenação e direção central do esforço científico e tecnológico nacional, são de destacar as seguintes observações:

Em primeiro lugar, é muito limitada a ação deste órgão em relação à tecnologia de aplicação industrial. Somente em data recente o seu Conselho Deliberativo estabeleceu um Grupo de Trabalho encarregado de esboçar um programa de prioridades para a subvenção de trabalhos de pesquisa nesse campo. E esse programa ainda não foi definido. A quase totalidade da ação do Conselho tem sido desenvolvida na preparação de pessoal docente e pessoal de pesquisa científica e no fomento da pesquisa pura e orientada e é provável que este desequilíbrio represente mais uma vocação ou uma tendência derivada da natureza e constituição da entidade, do que um simples acidente ou atraso facilmente recuperável. A ação de promoção da inovação tecnológica parece, de fato, exigir um tipo de organização e uma sistemática de entrosamento com diferentes entidades públicas e privadas, que não se encontram presentes no caso do Conselho Nacional de Pesquisas.

Em segundo lugar, o Conselho Nacional de Pesquisas, apesar de sua posição igualmente central em todo o sistema burocrático nacional (pois encontra-se diretamente subordinado à Presidência da República), e da presença, em seu Conselho Deliberativo, de representantes de quase todos os ministérios,10 10 Todos, menos os do Interior, Trabalho, Viação e Obras Públicas e Comunicações e Ministérios militares (substituídos estes, no entanto, pelo Estado-Maior das Forças Armadas). do BNDE e da Academia Brasileira de Ciências, dificilmente poderia preencher essa função de coordenação dos vários órgãos do Executivo, do ponto de vista da participação dos mesmos na promoção da ciência e da tecnologia, em vista de que o Conselho Deliberativo do CNPq tem sua ação limitada, na prática, ao planejamento das ações de incentivo e fomento que são de execução do próprio Conselho, embora em alguma oportunidade se haja sugerido uma ação algo mais ampla, de coordenação com os diferentes ministérios.11 11 "Ao elaborar o Plano Qüinqüenal, o Conselho Nacional de Pesquisas procurou levar na devida conta os planos de ação dos diferentes Ministérios, bem como incorporou as sugestões a ele trazidas pelos representantes desses Ministérios que integram o seu Conselho Deliberativo." (CNPq. Plana Qüinqüenal. Rio de Janeiro, 1967. p. 22).

É certo que o Conselho Nacional de Pesquisas constitui o único órgão do Executivo com funções precipuamente definidas de "elaborar uma política científica e tecnológica nacional", além de possuir um corpo técnico e administrativo relativamente numeroso e já experimentado. E não seria talvez difícil completar o seu Conselho Deliberativo com representantes das ministérios faltantes e ampliar a sua jurisdição de forma a incluir nela a coordenação das ações diretamente ligadas à ciência e à tecnologia de toda a máquina administrativa federal. Porém, pareceriam associar-se mal as funções de coordenação interministerial (com a respectiva execução descentralizada, isto é, continuando a cargo desses ministérios) e de execução das políticas e atribuições que são do seu âmbito próprio (auxílios à pesquisa, bolsas, programas setoriais, institutos dependentes, etc.). Em particular, faltariam a esse órgão condições para desempenhar a função de aprovação central de recursos financeiros destinados a alimentar todo o sistema científico e tecnológico nacional, função essa em que há toda a conveniência em manter ligada à coordenação interministerial.12 12 Este tema encontra-se discutido mais amplamente no item 3.

Uma alternativa ao Conselho Nacional de Pesquisas seria o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, que recentemente iniciou alguns estudos sobre certos problemas de promoção científica e tecnológica (transferência da tecnologia do exterior) e que administra um Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado em julho de 1969 com a finalidade de apoiar determinadas iniciativas de interesse científico e tecnológico, numa base ad hoc.

Dada esta circunstância e, principalmente, dado o fato da posição hierarquicamente central desse ministério em relação a toda a administração pública federal, caberia analisar a alternativa de atribuir ao Ministério do Planejamento a função de coordenação central, provavelmente exercida por um grupo interministerial de caráter permanente, localizado nesse ministério encarregado de promover a coordenação executiva e dispondo do apoio de secretaria técnica de um departamento especializado do mesmo ministério.

Esta solução, no entanto, somente poderia produzir uma coordenação interministerial efetiva se esse grupo fosse dotado de alta categoria hierárquica e se os seus integrantes fossem funcionários com formação científica ou técnica suficiente e se encontrassem completamente familiarizados com todos os aspectos científicos e tecnológicos da ação (atual e potencial) dos respectivos ministérios. Estas condições não são, evidentemente, fáceis de preencher. E, por esta razão, a função de coordenação executiva constituirá provavelmente, durante muito tempo, o elo fraco de qualquer política integrada de desenvolvimento científico e tecnológico que venha a ser formulada e promovida no país.

Por outro lado, quanto ao aspecto de estudos e de assessoramento das ações executivas, essa função de secretariado técnico, nos campos da ciência e da tecnologia, poderia portanto constituir, em princípio, no plano federal, um departamento do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, dotado de recursos de trabalho suficientes e, por outro lado, de uma personalidade técnica e funcional própria, claramente reconhecida e respeitada, e disputando de uma margem ampla de liberdade de iniciativa na formulação de propostas.

Uma dificuldade que surge no Brasil, do mesmo modo que em outros países, é a que está relacionada com a necessidade de unificação, ao menos parcial, das* orientações adotadas nos campos científico e tecnológico, entregues que estão, o primeiro de maneira inequívoca ao Conselho Nacional de Pesquisas, subordinado diretamente à Presidência da República e, nos aspectos de formação, também dependente do Ministério da Educação e Cultura, e o segundo atribuído, em parte pelo menos, ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. A unificação das responsabilidades relativas à ciência e à tecnologia, no aspecto da realização de estudos, da programação global de recursos e da formulação de políticas, parece particularmente pertinente - o que não significa que a mesma unificação se torne necessária ou mesmo conveniente, no aspecto das responsabilidades executivas correspondentes.

Quanto à função consultiva, uma vez mais, a dificuldade no Brasil, a este respeito, consiste na clivagem já existente na administração pública federal entre a ciência e a tecnologia. No campo científico, a função consultiva é desempenhada pelo Conselho Nacional de Pesquisas (que dispõe também de importantes atribuições executivas, exercidas através do seu presidente e da secretaria por ele chefiada).13 13 Do ponto de vista da técnica de administração, esta junção no mesmo organismo de funções consultivas e de funções executivas não deixa de ser peculiar. Enquanto que no campo tecnológico esta função não tem organismo ou organismos que a desempenhem, mas corresponde potencialmente aos diferentes ministérios que cobrem as principais áreas de atividades produtivas: Agricultura, Indústria e Comércio, Transportes, Comunicações, e Minas e Energia. É necessário, no entanto, que a implementação da instância consultiva no campo tecnológico não leve a üma tal fragmentação. Justifica-se, talvez, que cada ministério disponha de um assessoramento consultivo próprio, na área da sua esfera de ação própria (não apenas nos aspectos tecnológicos, é claro), como forma de orientar ações executivas e de estabelecer uma conexão com o meio econômico correspondente. Porém, tal assessoramento em nível ministerial deveria confinar-se aos aspectos de caráter operativo ou de implementação e evitar discutir as grandes opções em matéria científica e tecnológica nas áreas correspondentes. Esses aspectos, ligados à formulação de uma estratégia tecnológica com visão global, deveriam corresponder a um conselho de tecnologia de natureza interministerial, porém, funcionando sob a égide do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral e contando com o apoio de secretaria do departamento de ciência e tecnologia desse ministério.

Finalmente, para que todo o esquema desse modo sugerido funcionasse, seria indispensável que cada ministério e departamento governamental se organizasse para participar de maneira efetiva no mesmo. Um passo inicial nessa direção seria a constituição de pequenas unidades, em cada ministério, integradas por elementos com formação científica e/ou tecnológica (conforme a natureza das atividades de cada departamento), cuja função consistiria, por um lado, em "pensar" em termos científicos e tecnológicos as funções do departamento ou departamentos ministeriais correspondentes e fomentar gradualmente a progressiva utilização dos recursos da ciência e da tecnologia (pesquisas de execução própria, pesquisas encomendadas, admissão de pessoal com formaçção científica ou tecnológica em áreas determinadas, introdução de métodos ou processos já desenvolvidos em outras áreas de aplicação ou em outros países, etc). E, por outro lado, em se constituírem nos interlocutores ministeriais de todo o sistema científico e tecnológico, nos aspectos executivo, consultivo e de coordenação que acabamos de esboçar.

Por limitações de espaço, teremos que confinar aos aspectos institucionais a análise dos elementos componentes de uma política científica e tecnológica. A análise dos demais aspectos (o financiamento governamental como instrumento de promoção e incentivo, o papel da universidade, as empresas e a inovação tecnológica, etc), terão que ficar para outra oportunidade.

3. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

3.1 O progresso tecnológico como mecanismo de auto-sustentação

A introdução do progresso tecnológico na rotina do desenvolvimento econômico e social de um país em etapa relativamente incipiente de industrialização é objetivo que exige a aplicação de um conjunto de medidas de promoção. Mas, por muito grande que possa ser a sua importância, nenhuma medida de fomento da aplicação industrial da ciência e da tecnologia tomada isoladamente - seja ela uma isenção tributária, a prática do subsídio governamental ao desenvolvimento de produtos novos, etc. - poderá produzir os efeitos dinamizadores desejados. Essas medidas de fomento, de fato, têm sua eficácia condicionada à existência de um clima de progresso nas empresas, à presença nessas empresas de uma gerência tecnicamente capacitada e, em geral, ao predomínio de uma situação de concorrência incentivadora do progresso e da modernização. Muitas vezes a influência daquelas medidas de incentivo é, em certa forma, apenas indireta, residindo justamente na criação de uma ambiente favorável à introdução de aperfeiçoamentos tecnológicos como tendência de longo prazo. Deste modo, é através das condições gerais que afetam o processo de industrialização e da estratégia governamental de desenvolvimento econômico e social que se realizam as condições necessárias para a introdução sistemática de inovações tecnológicas na economia. Essas condições necessárias, no entanto, não são suficientes, o que significa que dependem de uma outra condição suplementar: a adoção de um conjunto coerente de medidas deliberadas de promoção.

Nas condições do mundo moderno, a modernização tecnológica de uma economia está estreitamente ligada a uma política de "abertura" em relação aos mercados externos. A introdução do progresso tecnológico na indústria tende a gerar um processo de auto-alimentação, principalmente quando a introdução de aperfeiçoamento tecnológicos e a modernização de setores importantes da indústria vai dando lugar a um incremento das correntes exportadoras. Efetivamente, à medida que esse processo tem êxito e se fortalecem as exportações, o país vai sendo paulatinamente levado a adotar uma política de importações mais liberal, o que aumenta a pressão competitiva sobre as indústrias existentes e aguça o acicate à modernização e à tecnificação. A partir desse momento o processo desenvolve-se continuadamente, o que significa que o país já se encontra vinculado às correntes mundiais de comércio e de tecnologia, recebendo os seus estímulos e a eles respondendo de maneira positiva.

O problema difícil consiste, portanto, em vencer os obstáculos iniciais, colocando o aparelho produtivo nacional em condições de abrir-se aos estímulos do mercado mundial, de absorvê-los e transformá-los em esforços eficazes de elevação da produtividade, de inversão e de enfrentamento da concorrência. Essa é a etapa em que o processo de auto-alimentação geralmente funciona no sentido negativo, como um círculo vicioso de proteção, estagnação tecnológica e incapacidade de competir. Invertê-lo é o objetivo da aplicação de um conjunto de políticas de desenvolvimento científico e tecnológico.

3.2 Introdução do progresso tecnológico: países industrializados e países em desenvolvimento

A questão da introdução do progresso técnico na indústria apresenta-se com um caráter muito diferente, conforme se trata dos países industrializados ou daqueles em desenvolvimento.

Nos primeiros, a necessidade de tecnificação não responde aos mesmos motivos que estão presentes nos segundos, quer se analise o problema do ângulo da empresa individual ou do ponto de vista da economia nacional em seu conjunto. Do ponto de vista da empresa individual, a tecnificação torna-se necessária para enfrentar a concorrência, tanto interna como internacional, e assegurar a permanência das margens anteriores de rentabilidade da indústria - ou melhorar essas margens. Do ponto de vista do conjunto da economia nacional, a aplicação de aperfeiçoamentos técnicos nos processos de produção ou a introdução de produtos novos nos mercados constituem o veículo para a realização de investimentos, tanto novos como de reposição, e estes investimentos representam a alavanca de que depende a manutenção dos níveis do emprego e da renda.

No caso dos países em desenvolvimento, p motivação não é inteiramente similar. Por um lado, a indústria desses países, geralmente estabelecida mediante "reservas de mercado" através de restrições à importação, tanto cambiais, como aduaneiras, encontra-se subtraída ao efeito pleno da concorrência do exterior. E os tamanhos de mercado interno não são, em geral, suficientemente amplos para dar lugar a uma concorrência apreciável de caráter doméstico, além de que muitas vezes estão presentes situações de mercado de concorrência imperfeita, que limitam o incentivo à introdução do progresso técnico como um meio de manter as margens de rentabilidade que se consideram adequadas. Por outro lado, do ponto de vista da economia nacional, a substituição de importações, independente de considerações de custo, toma o lugar da introdução do progresso técnico como fator da acumulação de capital e motor do processo de desenvolvimento.

Deste modo, nem a salvaguarda da rentabilidade privada, nem a acumulação de capital são elementos que possam contribuir de maneira apreciável para a necessidade, que "intuitivamente" se considera urgente, de tecnificação acelerada das economias subdesenvolvidas. Quais são, portanto, as razões que justificam essa necessidade, nos países em desenvolvimento? Essas razões podem ser de cinco ordens principais.

Primeiramente, está a vantagem de modificar a combinação de insumos que têm lugar nas atividades produtivas, aumentando o insumo de know-how ou de conhecimentos técnicos, de forma a incrementar o valor adicionado (por unidade de capital e por unidade de mão-de-obra) que se origina nessas atividades. Isto é, tratase de elevar a produtividade dos fatores de produção.

Em segundo lugar, é freqüentemente mencionada a conveniência de uma "substituição de importações" em matéria tecnológica, pelos efeitos de poupança de divisas, que poderão ser particularmente importantes em determinados países e atividades produtivas, em que os egressos de divisas pelo pagamento de royalties e encargos similares são elevados e não mantêm proporção com os benefícios obtidos.

Em terceiro lugar, ocorre também uma abertura de horizontes mais amplos para a substituição de importações de produtos mais complexos, abertura que esse domínio de novas técnicas irá paulatinamente forçando.

Em quarto lugar, deve ser tomado em conta o elemento de acesso aos mercados externos que a introdução de técnicas novas traz implícito - em particular quando estas técnicas correspondam, total ou parcialmente, a uma elaboração local de caráter original - fator importante em vista da política de promoção da exportação de manufaturas que vai adquirindo crescente relevo nas estratégias de desenvolvimento latino-americanas - e do Brasil, em particular.

Finalmente, a introdução do progresso técnico, na medida em que determine paralelamente uma capacidade de elaboração tecnológica própria e original, constitui um elemento de fundamental importância para lograr uma alocação "ótima" dos recursos produtivos, nos aspectos tanto de seleção adequada das técnicas e dos equipamentos produtivos, dentre as alternativas disponíveis, como de elaboração de soluções tecnológicas originais (e economicamente mais adequadas) para os problemas peculiares do país.

Estes diferentes fatores que tornam necessária e urgente uma tecnificação progressiva das economias dos países em desenvolvimento estão, evidentemente, relacionados entre si. A realização de novos avanços na produção substitutiva de importações de natureza tecnicamente mais complexa e o estabelecimento de novas correntes de exportação de manufaturas são, freqüentemente, conseqüências paralelas do mesmo fato: uma estrutura produtiva mais equilibrada, traduzindo uma distribuição de recursos mais racional e implicando uma maior eficácia global do sistema produtivo. E a abertura à concorrência exterior, tanto no mercado interno como através das novas correntes exportadoras, bem pode ser, em muito grande medida, um reflexo de uma seleção de técnicas - e de setores produtivos para a canalização das inversões - mais adequada à dotação de recursos e de aptidões produtivas que predominam no país. O incremento do valor adicionado não é outra coisa senão a elevação da produtividade e da eficiência na utilização dos fatores, em resultado das doses adicionais do insumo imaterial que é o know-how, as quais se combinam em proporções crescentes aos demais recursos produtivos. É o ingrediente tecnológico que aumenta a eficiência do fator capital e a produtividade do fator mão-de-obra para além do que poderia ser explicado em função da acumulação de capital. Este "resíduo" da explicação econométrica do crescimento do produto em função dos incrementos dos fatores capital e mão-de-obra é por sua vez "explicado" pela melhoria de qualidade desses fatores determinada pelo progresso técnico - aperfeiçoamentos dos processos, dos equipamentos de produção e dos produtos e melhor capacitação da mão-de-obra, em todos os seus níveis hierárquicos e todas as suas qualificações profissionais.

Por sua vez, a "substituição de importações" de conhecimentos técnicos, decalcada sobre uma política tradicionalmente observada, em muitos países, como instrumento de desenvolvimento da produção industrial, é uma razão que também aponta à necessidade de uma tecnificação crescente, mas que deve ser manejada com cuidado. A sua derivação lógica é a criação de obstáculos - regulamentação seletiva ou regime de licenças prévias, etc. - à importação de conhecimentos técnicos realizada por meio da livre contratação de acordos de licença com o exterior. E a justificação de uma tal política não poderia basear-se apenas em considerações de economia de divisas estrangeiras utilizadas para o pagamento de royalties, tendo também que levar em conta os efeitos germinativos prováveis das proibições e limitações propostas, quanto à criação de um know-how nacional. Um simples balanço de "custos e benefícios" privados certamente não seria suficiente para determinar o acerto econômico de um regime com essa orientação. Teriam que ser tomadas em conta considerações de caráter social, basicamente por dois motivos: primeiro, porque os benefícios seriam em grande medida futuros e de caráter apreciavelmente incerto; segundo, pela marcada interdependência de aperfeiçoamentos tecnológicos em diferentes produtos e setores, a qual introduziria na avaliação econômica de cada um desses desenvolvimentos um elemento de incerteza adicional.

Finalmente, deve-se observar que a economia líquida de divisas produzida por uma política de limitação dos acordos de licença com o exterior bem poderia ser negativa, em particular (e de maneira paradoxal), na medida em que o efeito promotor do desenvolvimento industrial dessa política se fizesse presente e, ao fazer avançar a fronteira tecnológica do país, criasse novas necessidades de know-how mais avançado, de impossível elaboração local, portanto, contribuindo para aumentar a dependência global em relação ao exterior - e anulando os efeitos líquidos de economia de divisas inicialmente visados. O que significa admitir que a um estágio de desenvolvimento mais avançado não corresponde, necessariamente, um menor grau de "dependência" em relação à importação de tecnologia.

Quanto à substituição de importações de produtos, não há dúvida de que um deslocamento da fronteira tecnológica abrirá novas possibilidades de fabricação à indústria nacional. A questão que surge em relação a este aspecto, no entanto, é a das repercussões sobre o desenvolvimento industrial do país, em etapas futuras, de um relativo isolamento em relação à acelerada evolução tecnológica que tem lugar no mundo industrializado. O domínio de técnicas e processos de produção novos e de complexidade tecnológica muito mais elevada do que aquela que caracteriza o nível médio do país em desenvolvimento pode ser perfeitamente factível, num determinado momento. Mas, uma questão diferente é saber se esse país, além de digerir e adaptar a tecnologia atual, poderá continuar acompanhando, com seus recursos próprios de investigação tecnológica, nos aspectos tanto de pesquisa fundamental (aplicada), como de desenvolvimento pré-industrial, a evolução tecnológica que provavelmente continuará caracterizando a concepção, o desenho, ou os métodos de fabricação dos produtos de que se trata. Uma coisa é absorver um dado extrato de tecnologia e incorporá-lo na indústria própria, em níveis de eficiência e rendimento elevados; outra coisa - e bem mais difícil - é estar em condições de iniciar um processo de criação tecnológica próprio e permanente, paralelo ao dos países desenvolvidos. Esta evolução independente requer absorver não somente o estado atual de uma determinada técnica, mas também a capacidade de criação original que se encontra na base da tecnologia correspondente. Um fracasso dos esforços neste segundo aspecto teria por conseqüência inevitável condenar à estagnação tecnológica futura as indústrias que tivessem sido criadas com veleidades de utilização continuada de técnicas próprias. A importação dos produtos, neste caso, poderia representar para o país uma alternativa preferível, pois, além de evitar pesadas inversões em investigação tecnológica, lhe daria acesso continuado aos aperfeiçoamentos tecnológicos logrados no exterior, incorporados nos produtos.

Portanto, parece justificado deduzir do anterior que a circunstância realmente relevante, que não deve ser perdida de vista, é que a introdução de progresso tecnológico na economia contribuirá para o encaminhamento de uma distribuição dos recursos produtivos - os de inversão, em particular - de caráter "racional", isto é, refletindo de maneira fiel a dotação de recursos, as aptidões nacionais, regionais e setoriais para o desenvolvimento, os requerimentos econômicos de escalas de produção, etc. Estes aspectos são de importância fundamental, em relação não somente com os fatores já mencionados, como a substituição de importações, etc, mas também com os demais fatores apresentados como determinantes da necessidade de tecnificação progressiva das economias dos países em desenvolvimento - a promoção da exportação de manufaturas e a criação de condições mais favoráveis a uma seleção dos projetos de investimento, das técnicas e dos equipamentos de produção mais propícios a uma alocação "ótima" dos recursos produtivos.

3.3 Sobre as condições de um desenvolvimento tecnológico próprio

O fenômeno da criação científica e tecnológica traduz bem a complexidade da vida social. Tal criação constitui, ao mesmo tempo, causa e conseqüência do desenvolvimento econômico, de tal forma que se torna extremamente difícil "desenhar" um conjunto de medidas que possam ser postas em vigor, deliberadamente, com o propósito de acelerar o desenvolvimento. Ao ser este, por sua vez, um fator determinante da capacidade, tanto humana como institucional, de ampliar os conhecimentos científicos e de conceber novas técnicas para utilizar estes conhecimentos no domínio da natureza, estabelece-se uma forte limitação às possibilidades de influir deliberadamente na dinâmica desse processo evolutivo. O sistema de valores de uma sociedade evoluída, que preza e recompensa a criação científica não pode, certamente, ser reproduzido artificialmente, em níveis de renda e de educação geral e em estruturas sociais, que correspondem a estágios evolutivos mais incipientes. As condições econômicas de concorrência aguda e de elevada capacidade de empreendimento no setor empresarial, determinantes de uma elevada propensão a inovar, são igualmente características de um grau de industrialização mais alto e, por definição, encontram-se ausentes nos países novos e a sua ocorrência não pode ser precipitada em antecipação ao próprio desenvolvimento que elas consubstanciam. Deste modo, a "amplitude de manobra" que se oferece a uma política que vise, mediante o recurso a instrumentos de caráter exclusivamente econômico, incentivar a criação científica e tecnológica, é necessariamente bastante limitada.

Mantendo limitado ao campo econômico o raciocínio, podemos dizer que as condições de um desenvolvimento tecnológico próprio de caráter substancial são, principalmente, três:

a) a existência de um cabedal de conhecimentos suficiente em matéria de ciência básica e de uma infra-estrutura educacional e de investigação para a acumulação e a renovação permanentes desse acervo;

b) a ocorrência de uma determinada massa crítica de investimentos novos anuais na economia nacional;

c) o preenchimento de certos requisitos mínimos em matéria de dimensão da empresa nos setores em que se concentra o desenvolvimento tecnológico.

Quanto ao acervo mínimo em matéria de ciência básica, para defini-lo é necessário, antes de mais nada, ter presente a questão das relações entre os conhecimentos científicos fundamentais ou de ciência pura e o desenvolvimento tecnológico, nas condições hodiernas. De onde nascem as aplicações industriais - basicamente, de um corpo de investigação "não-comprometida" ou de programas concebidos especificamente em função de determinadas aplicações e assentes num cabedal de conhecimentos tecnológicos de natureza industrial, sem maior radicação em pesquisas de ciência pura?

Analisamos com certo detalhe este problema, em item subseqüente. É certo que não encontramos aí elementos suficientes para uma resposta cabal e inequívoca a essa pergunta. Mas ressaltam da análise alguns subsídios que podem ser importantes. Uma importância decrescente do acervo em ciência fundamental como base de um desenvolvimento tecnológico de aplicação industrial, a qual abriria perspectivas mais favoráveis aos países novos, é tendência que não encontra confirmação na análise de algumas experiências recentes. A ciência básica, fruto de pesquisas tanto puras como orientadas, continua sendo um ingrediente decisivo de todo o processo de pesquisa que desemboca na inovação tecnológica. E até mesmo durante a última etapa deste processo, a que precede de maneira imediata as aplicações industriais, a pesquisa fundamental continua dando uma contribuição indispensável ao encaminhamento das investigações. Por outras palavras, a sucessão de etapas da pesquisa pura à aplicação comercial das inovações não tem o caráter de uma sucessão cronológica, obedecendo a uma seqüência lógica, através da acumulação sucessiva de conhecimentos progressivamente menos "desinteressados" e mais "aplicados". Ao contrário, como se conclui da análise das linhagens históricas correspondentes a certo número de inovações recentes de grande significado econômico e social, realizada em item posterior, os aportes de caráter científico têm lugar, em geral, durante todo o desenrolar das investigações e inclusive na última etapa da introdução das inovações, mediante um processo de influências recíprocas e repetidas entre a ciência e a tecnologia.

É possível que qualquer resposta mais precisa a este respeito tenha que ser dada em termos de setores de indústria específicos. É provável, também, que seja levado em conta o caráter do desenvolvimento tecnológico que se considere: aperfeiçoamento de detalhe, adaptações de técnicas do exterior às condições locais, inovações no desenho de equipamentos (num sentido de economia de capital) sem mudança dos processos básicos, inovações completas de determinadas técnicas envolvendo tanto equipamentos, como processos básicos. De qualquer modo, os propósitos - e as medidas práticas - de promoção do progresso tecnológico terão que levar em conta a elevada dependência em que, em termos gerais, este se encontra em relação à pesquisa científica, bem como a natureza dispersa (isto é, não concentrada em linhas de conhecimento científico muito limitadas) das contribuições que nesse aspecto se requerem. Isso significa a necessidade de promover a ciência juntamente com a tecnologia, mas não implica ser indispensável, desde o começo, um esforço de elaboração científica de grande amplitude, como apoio da inovação tecnológica. Este apoio pode ser obtido, em certa medida, pela transferência de conhecimentos científicos avançados do exterior.

Por outro lado, a análise dos aspectos antes mencionados não pode ser alheia à questão dos meios institucionais e da organização da elaboração tecnológica nos países em desenvolvimento. É possível conceber uma organização e uma política destinadas a operar inicialmente como meios de facilitar a absorção e a difusão dos aportes do exterior e, ao mesmo tempo, a colocar-se gradualmente ao serviço de uma crescente elaboração tecnológica nacional. Para dar apenas um exemplo: o fomento de escritórios de engineering no país, inicialmente limitados a facilitar a transferência de tecnologias do exterior, poderá talvez ser um caminho para uma elaboração tecnológica local, a prazos médio e longo, nas esferas dos aperfeiçoamentos de detalhe, das adaptações das tecnologias do exterior às condições locais e, inclusive, das inovações no desenho de equipamentos.

Deste modo, podemos considerar esta primeira condição de um desenvolvimento tecnológico próprio como razoavelmente satisfeita no caso do Brasil - principalmente se atribuirmos um lugar de relevo ao melhoramento das instituições de pesquisa, no conjunto de medidas integrantes da política científica e tecnológica.

Alcançar a massa crítica de novos investimentos anuais, que o financiamento de uma investigação tecnológica autônoma requer, depende essencialmente do tamanho do mercado, do grau de industrialização já alcançado e do ritmo de crescimento do produto industrial bruto. Esses fatores provavelmente limitarão por muitos anos as possibilidades de qualquer grau apreciável de autonomia no desenvolvimento de tecnologias próprias aos quatro países mais industrializados do mundo subdesenvolvido: Índia, Argentina, Brasil e México. (Países como Austrália e Africa do Sul, por um lado, e as nações socialistas da Europa Oriental, por outro, constituem casos à parte.)

A necessidade de alcançar tal massa crítica de investimentos decorre não somente de que a pesquisa é uma forma de investimento, mas também da circunstância de que o investimento em bens de capital fixo e particularmente em máquinas e equipamentos representa um dos principais instrumentos de introdução das novas técnicas e procedimentos de trabalho no processo produtivo. Não significa isto uma ênfase exagerada nos aspectos de investimento de capital em contraste com a introdução de modificações qualitativas, mas simplesmente o reconhecimento da necessidade da presença de uma estrutura industrial em constante modificação, como forma de possibilitar os ajustamentos sucessivos do processo de produção exigidos pelo progresso tecnológico.

Este segundo requisito de um desenvolvimento tecnológico próprio encontra-se, no entanto, satisfeito nas condições presentes no Brasil, de uma renda global elevada e de um ritmo de acumulação de capital substancial.

Quanto à dimensão da empresa, os requisitos mínimos, pelos padrões que vigoram no mundo industrializado, parecem ser extremamente elevados, mas convém analisar criticamente até que ponto eles vigoram para os países em desenvolvimento. Aqui haverá, provavelmente, que considerar situações distintas conforme se trate de desenvolvimentos tecnológicos em aberta concorrência com aqueles que se originem nos países desenvolvidos e com vista a produções destinadas ao mercado internacional, ou de inovações de interesse exclusivo dos mesmos países em desenvolvimento, do ponto de vista de um mercado interno relativamente isolado da concorrência internacional.

Parece haver algumas indicações de que o requisito de uma dimensão elevada surge, principalmente, em relação com a etapa final da introdução das inovações, dado que esta etapa é geralmente muito mais dispendiosa do que as etapas anteriores, da pesquisa pura, orientada e aplicada e, portanto, torna necessária uma capacidade financeira de que somente dispõem as empresas de grande porte. Estas grandes empresas, por outro lado, possuem geralmente maior grau de controle dos mercados (são, muitas vezes, empresas oligopolísticas ou que operam em regime de concorrência imperfeita), o que lhes facilita a "introdução" comercial das inovações. No entanto, os requisitos de dimensão parecem ser muito menores - ou mesmo destituídos de significação prática - nas etapas de pesquisa orientada ou de caráter aplicado, nas quais se concebem e equacionam os novos desenvolvimentos tecnológicos. Este papel de primeiro elo entre os novos conhecimentos científicos e a tradução dos mesmos em possibilidades de inovação tecnológica, pareceria, com efeito, requerer uma motivação (econômica? profissional?) e uma flexibilidade de procedimentos que somente se encontram em empresas de muito menor porte - ao mesmo tempo que essa função pioneira na "interpretação tecnológica" dos avanços científicos é muito mais exigente em elementos humanos altamente capacitados (e grandemente diversificados em sua formação básica) do que em meios financeiros.

Este terceiro requisito de um desenvolvimento tecnológico próprio, portanto, não se encontra facilmente satisfeito, no caso do Brasil, nas condições presentes. Mas poderá ser ativamente promovido mediante uma estratégia de desenvolvimento industrial adequada que favoreça a concentração das empresas em unidades de maior tamanho, em certos setores em que se deseja promover a inovação tecnológica, e se utilize, para estabelecer concorrência no mercado, não a prática de um grande número de empresas (conseqüentemente débeis), mas uma política de abertura paulatina à concorrência externa.

Observa-se, portanto, que a aceleração do progresso tecnológico não depende de maneira estreita da simples adoção de um conjunto de políticas nos campos científico e tecnológico, mas também, em importante medida, da orientação do desenvolvimento industrial em determinadas direções bem precisas, relacionadas com a criação de uma estrutura industrial capaz de suportar um esforço persistente e vigoroso de melhoramento tecnológico. Razão esta pela qual é indispensável conceber e aplicar uma política científica e tecnológica de maneira inteiramente coordenada com a política de industrialização; coordenação esta que significa uma adaptação recíproca de medidas e de objetivos entre a área tecnológica e a área do desenvolvimento industrial.

3.4 Alguns parâmetros extraídos da estratégia de desenvolvimento econômico e social em aplicação no Brasil

A formulação dos objetivos de uma política científica e tecnológica somente adquire sentido quando são previamente definidas as metas e objetivos, de natureza mais geral, relativos ao desenvolvimento econômico e social do país, que uma política de modernização ou de promoção tecnológica deverá servir. Somente quando se dispor de informações precisas sobre as orientações que se pretende imprimir ao desenvolvimento e, de um modo mais geral, à condução dos assuntos nacionais que mais dependem da introdução de novas técnicas, é que se tornará possível especificar algumas direções de valor operacional, a imprimir ao desenvolvimento científico e tecnológico através das políticas correspondentes.

Sucede, no entanto, que aquelas orientações gerais de política econômica e social, que conformariam uma estratégia nacional, não são fáceis de explicitar dentre a multidão de medidas de âmbito limitado que vão sendo postas em prática pelo governo independentemente de um desenho global e de um anúncio prévio dos propósitos que se pretende atingir. Existe, sem dúvida, uma estratégia de desenvolvimento econômico e social, mas esta encontra-se definida de maneira algo imprecisa, por um lado, traduzindo muito mais intenções de caráter geral do que orientações precisas de governo em todos os aspectos em que este se manifeste. E, por outro lado, com freqüência esse esforço de "estratégia de intenções" encontra-se contrariado ou retificado, algumas vezes em aspectos importantes, por medidas parciais, ditadas ou pressionadas pelo fluir dos acontecimentos, senão pela pressão de grupos de interesses. À estratégia de intenções, portanto, pode ser contraposta uma "estratégia verificada a posteriori", deduzida da evolução recente das políticas econômicas oficiais.

Para os efeitos deste trabalho, a "estratégia" nacional a esboçar será um misto das intenções governamentais em matéria econômica e social, tal como se encontram expressas em alguns documentos do Ministério do Planejamento e das realizações recentes, nos diferentes aspectos da ação governamental. Desta forma poderemos dispor de um marco de orientações e de objetivos que servirão como parâmetros na definição de políticas - nos aspectos de objetivos e de instrumentos - de desenvolvimento científico e tecnológico.

Com efeito, o fomento da investigação científica e tecnológica não pode constituir uma meta válida pelo seu simples enunciado. Os recursos aplicados no desenvolvimento tecnológico são recursos econômicos como quaisquer outros e a legitimidade da sua aplicação - recursos humanos e recursos financeiros para financiamento de equipamentos, de instalações e de

pessoal aplicado nas pesquisas - deve ser aferida mediante uma comparação com outras aplicações alternativas. Uma dessas aplicações é, por exemplo, o incremento do desenvolvimento industrial baseado em conhecimentos técnicos trazidos do exterior ou, inclusivamente (a possibilidade existe em alguns casos) baseado em conhecimentos técnicos já dominados no país mas ainda não aplicados eficazmente ou difundidos suficientemente. A justificação de um esforço nacional de comprometimento de recursos maiores (e crescentes durante um longo período) na pesquisa pura e aplicada depende, portanto, de uma avaliação econômica que terá que ser feita em dois níveis:

a) no nível macroeconômico, uma aferição geral (no sentido de ser dificilmente quantificável) da proporção em que o incentivo das atividades de pesquisa e outras correlatas poderá contribuir para alcançar de maneira mais eficiente ou mais rápida os grandes objetivos nacionais postulados politicamente; esta aferição, evidentemente, não poderá prescindir de uma tentativa de avaliação, pelo menos em termos qualitativos, das possibilidades de atingir os objetivos globais propostos por caminhos alternativos;

b) no nível microeconômico, uma nova avaliação com o mesmo sentido da já realizada em termos macroeconômicos, porém com a precisão e o detalhe agora permitidos pela maior desagregação dos meios de ação propostos (e, agora sim, em termos quantitativos).

A avaliação econômica das diferentes medidas práticas que existem como alternativas só cabe num plano operacional, que é alheio à natureza deste trabalho. Confinaremos a nossa atenção, portanto, ao primeiro tipo de avaliação, de natureza macroeconômica, devendo para isto tentar-se o esboço de objetivos nacionais de natureza qualitativa.

Tais objetivos e metas globais da atuação governamental, de maior utilidade para definir a contribuição possível de uma ação de melhoramento científico e tecnológico e para enquadrar os instrumentos e mecanismos dessa ação de promoção tecnológica, indicam-se a seguir de maneira resumida.

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1. Promoção do crescimento do produto industrial

Antes de mais nada, existe a necessidade de maximizar o crescimento do produto a partir de uma taxa de formação de capital dada, e esse objetivo requer melhor aproveitamento dos recursos naturais disponíveis, mediante melhor adaptação das técnicas e dos procedimentos tecnológicos convencionais às características locais desses recursos. Esta adaptação não pode ser lograda senão através de uma investigação tecnológica sistemática, orientada naquela direção.

Este aperfeiçoamento pressupõe, por definição, um esforço qualitativo, paralelamente à mobilização de capitais. Tal esforço qualitativo significa um melhor aproveitamento das matérias-primas locais, melhor adaptação dos processos convencionais, melhor seleção dos equipamentos de produção, etc. Em tudo isso, o ingrediente de investigação tecnológica é apreciável e de importância estratégica.

O crescimento do produto nacional, num processo de desenvolvimento econômico que não se caracteriza pela inovação tecnológica acelerada, é devido quase exclusivamente aos incrementos dos fatores capital e mão-de-obra incorporados anualmente à economia. A introdução de modificações qualitativas no suprimento desses fatores, bem como na forma de combinação dos mesmos, através da adoção de novos processos que economizem capital ou mão-de-obra (por unidade produto) ou ambos os fatores simultaneamente ou da fabricação de novos produtos que permitam economizar fatores em fabricações nas quais os mesmos entrem como insumos, permitirá um ritmo de crescimento mais alto do que o permitido unicamente pelo processo de formação de capital e pelo aumento da população ativa. E o cerne deste processo é o incremento do produto industrial. Nas economias ocidentais, um investimento anual em R&D (research and development) da ordem de 1,5% do PNB tem determinado um crescimento global do produto nacional que é devido ao fator tecnológico em 40%, aproximadamente, e apenas nos 3/5 restantes é determinado (e limitado) pela ampliação do suprimento dos dois fatores de produção básicos.

O "desencadeamento" de um processo sistemático de inovação tecnológica na economia brasileira, mediante uma inversão anual em pesquisa e "desenvolvimento" da mesma ordem de magnitude da registrada nos países da Europa Ocidental levaria, presumivelmente, a uma aceleração comparável do ritmo de crescimento do produto.

Apenas para dar uma idéia das ordens de magnitude que implica este raciocínio, diremos que a situação atual é de uma formação de capital de, aproximadamente, 22% do PNB por ano. O que, dada uma relação capital-produto da ordem de 2,5%, gera um acréscimo do produto de 9% por ano.

A canalização de inversões para a pesquisa e o "desenvolvimento", no montante de 1% do PNB, através de um processo eficaz que culminasse na introdução sistemática de inovações nas diferentes atividades produtivas e admitida uma produtividade dessas inversões igual a apenas metade da registrada na Europa Ocidental (isto é,20% em lugar de 40% do aumento do PNB originado no progresso tecnológico), elevaria aquela taxa de crescimento anual para 11%. Cifras estas que parecem refletir bem o comportamento da economia brasileira nestes anos mais recentes.

Mas seria de esperar que o ritmo de crescimento mais alto da economia viesse a conduzir rapidamente a uma formação de capital mais intensa. E desse modo, se a inversão global anual aumentasse para 25% do PNB e os gastos de R&D atingissem o nível médio da Europa Ocidental, de 1,5% do PNB, com uma produtividade igual à registrada nesses países, o ritmo anual de crescimento da economia ultrapassaria, substancialmente, o nível dos 11% anuais, passando a situar-se na mesma ordem de grandeza em que se situou, durante seus melhores anos, o crescimento japonês.14 14 Este raciocínio, naturalmente faz abstração das limitações institucionais ao crescimento, as quais provavelmente se fariam sentir com intensidade nesse ritmo de crescimento.

Finalmente, deve ser mencionado que a transferência de tecnologias do exterior não poderia ser um substitutivo de uma política destinada a enxertar no país um processo vigoroso de pesquisa e desenvolvimento com elementos importantes de originalidade científica e tecnológica. O aporte do exterior continuaria sendo indispensável e talvez até a intensidade dessa transferência tivesse que aumentar. Porém, como ressalta claramente da experiência de outros países, esse aporte forâneo só se torna plenamente eficaz como fator de progresso tecnológico quando é assistido por uma capacidade científica e tecnológica local ampla e crescente, que facilite a transplantação e adaptação em condições de eficácia técnica e de economicidade das técnicas e dos processos originários do exterior - e, principalmente, que absorva e transforme em elementos de criação própria e original, numa segunda etapa, aquelas contribuições germinais do exterior.

2. Equilíbrio da estrutura industrial

Uma estrutura industrial equilibrada é aquela que dispõe praticamente de todos os elos que integram uma cadeia de inter-relações industriais, definida essa cadeia não em nível de "produto" (o que caracterizaria, erroneamente, um objetivo de autarquia econômica), mas em nível mais agregado, de setor industrial (dentro do qual são possíveis as especializações em nível de produto individual ditadas pela dotação de recursos e pelas vantagens comparativas do país).

Caracterizando-se um processo de crescimento econômico, basicamente, por um problema de maximizar os impulsos de crescimento originados em certos setores dinâmicos ou nos pontos de aplicação dos esforços promocionais do poder público, a existência de uma estrutura relativamente equilibrada, que facilite a transmissão de tais impulsos através de toda a economia, ao invés de bloquear esses impulsos nos elos faltantes, é fator fundamental de um crescimento rápido (e de uma eficiência elevada das políticas de promoção oficiais).

É necessário, portanto - e possível nas condições de relativamente grande mercado interno, variedade de recursos naturais e vocação industrial comprovada que caracterizam o Brasil - promover algumas das indústrias modernas caracterizadas por alta densidade de pesquisa ou intensidade tecnológica, como forma de estabelecer alguns dos mais importantes elos faltantes, indispensáveis a um processo de crescimento mais vigoroso. Essas são indústrias de grande complexidade técnica, que requerem apoio vigoroso e constante em importantes atividades de pesquisa e de "desenvolvimento", executadas umas em institutos oficiais e outras nas próprias empresas. A criação dessas indústrias - que deverá determinar cautelosamente, em função de um duplo critério, o da interdependência industrial e o da independentização técnica e econômica dentro de um período de tempo razoável - é ao mesmo tempo um fator e uma conseqüência do progresso tecnológico que se pretende introduzir na economia brasileira.

Este objetivo de "equilíbrio" da estrutura industrial, mediante a criação de alguns elos faltantes, de maior intensidade tecnológica deve, no entanto, ser perseguido de maneira cautelosa. Em particular, não se deve perder de vista que o processo de industrialização do Brasil entrou numa fase em que a solução de problemas qualitativos deve prevalecer sobre o simples esforço quantitativo da realização de novas inversões e do incremento da produção. Tendo terminado, praticamente, o crescimento "em extensão", a etapa do crescimento "em profundidade"" significa que os novos incrementos do produto terão que advir, em proporção cada vez maior, de inversões no aperfeiçoamento das atividades de produção existentes.

Este aperfeiçoamento significa um "alongamento" do processo produtivo, isto é, uma relação capital-produto mais elevada. Dada a escassez dos capitais disponíveis para inversão no Brasil - agravada por uma certa tendência a políticas restritivas em relação à entrada de capitais do exterior - esta tendência a uma capitalização mais elevada exige, para que sejam minorados seus efeitos negativos, um esforço paralelo de elevação da eficiência marginal do capital - o que depende em boa medida, uma vez mais, de uma investigação tecnológica economicamente orientada.

3. Reequipamento e reorganização setoriais

De certa forma paralela ao equilíbrio da estrutura produtiva mencionado no item anterior, coloca-se também o programa de "reestruturar" alguns elos dessa cadeia, constituídos por indústrias de estabelecimento relativamente antigo, que hoje se caracterizam por acentuado obsoletismo dos equipamentos e dos processos de produção e dessa forma atuam como fatores negativos no processo de desenvolvimento da economia.

Essas indústrias, chamadas "tradicionais" - têxteis, de vestuário, de alimentação, de produtos metálicos e inclusive de máquinas-ferramenta e outras máquinas para a indústria - não encontraram no funcionamento normal do mercado os estímulos necessários a um progressivo reequipamento e paralela atualização tecnológica. O regime de substituição de importações e de reserva de mercado, combinado com alguns fatores institucionais restritivos de concorrência, levou essas indústrias a uma pronunciada estagnação, que pode ser observada de maneira flagrante, por exemplo, nos setores têxtü e de fabricação de máquinas-ferramenta.

A ação de reestruturação e modernização necessária inclui uma componente tecnológica de grande importância: a substituição em grande escala dos equipamentos de produção, a adoção de novos processos tecnológicos, a mudança de desenhos ou de características dos produtos fabricados, a reformulação completa dos métodos de organização interna e de gestão industrial e, acima de tudo, a introdução em cada um desses setores industriais de uma nova mecânica de trabalho, que leve à atualização tecnológica permanente e impeça o futuro reaparecimento do obsoletismo dos equipamentos e outros fatores que caracterizam uma estagnação econômica e tecnológica.

Esta ação de reestruturação industrial compreende, na realidade, diferentes medidas de política industrial, nas esferas do crédito, da assistência técnica, da política de controle das importações dos produtos e dos equipamentos - insumos, da regulamentação da concorrência, etc, as quais transcendem amplamente o campo de uma política tecnológica definida em sentido estrito. No entanto, tal política de reestruturação industrial compreende - ou deve compreender - uma importante componente de natureza tecnológica, a qual se define tanto no plano das medidas que integram os programas de reestruturação e modernização, como no plano das conseqüências desses programas para a evolução tecnológica futura da economia, em diferentes aspectos.

No plano dos fatores de natureza tecnológica que integram a política - ou os programas - de reorganização dos setores de indústria tradicionais, cabe destacar a seleção dos equipamentos, dos processos de produção e dos produtos, de acordo com critérios alternativos de natureza tecnológica e de natureza econômica. Uma seleção de técnicas e de equipamentos adequada num sentido econômico não pode prescindir de uma avaliação das diferentes alternativas disponíveis, a qual implica critérios tecnológicos, antes mesmo de entrarem em jogo as considerações de caráter econômico. E essa avaliação, nos aspectos de rendimentos técnicos de séries de produção e tamanhos de mercado, de universalidade versus especialização, de intensidade de capital versus utilização de mão-de-obra, de provável evolução futura das técnicas e dos equipamentos, etc, exige uma capacitação científica e tecnológica no meio institucional da indústria (isto é, daquelas entidades que prestam serviços à indústria) muito grande. Não se pode esperar que os conhecimentos do empresário com o complemento da "assistência técnica" do vendedor de máquinas sejam suficientes, principalmente quando se trata de decisões individuais tomadas simultaneamente e em grande número, portanto, com grandes repercussões sobre a economia. É necessário, por conseqüência, que o "ambiente" científico e tecnológico se encontre em condições de analisar e avaliar as decisões que devem ser tomadas em cada um dos setores de indústria a reestruturar tão profundamente e isso exige que esteja em curso um esforço de investigação tecnológica (com o complemento da pesquisa fundamental, pura e aplicada, que se tornar necessária como lastro em cada caso, de acordo com as características do know-how do setor) e que estejam presentes as condições de uma inovação tecnológica, relativamente às indústrias tradicionais e outras atividades produtivas que se encontrarem em condições semelhantes.

Por outro lado, também no plano das conseqüências tecnológicas das ações de reestruturação empreendidas, surge a necessidade de ter uma visão global e de longo prazo, a qual terá que alimentar-se num meio científico e tecnológico - relativamente aos conhecimentos característicos dessas indústrias - apreciavelmente elaborado. A direção tomada pelo reequipamento irá influenciar decisivamente a indústria nacional de máquinas correspondente, como também outros ramos de fabricação de bens de capital não diretamente relacionados com o setor ou setores em causa. A possibilidade de vir a orientar a indústria num sentido de introdução progressiva de inovações originais, tanto a indústria que se reestrutura como a que lhe deverá fornecer a maquinaria e os implementos para este reequipamento presente e para os reequipamentos futuros, depende de maneira decisiva do acerto tecnológico (num sentido prospectivo) das decisões tomadas. E essas decisões serão necessariamente improvisadas se não se apoiarem num sistema de pesquisa tecnológica que dê ao meio nacional um conhecimento adequado das técnicas em causa e das tendências da evolução tecnológica em curso.15 15 Neste ponto seria oportuna uma referência às técnicas recentes de "previsão tecnológica" e ao papel que lhes corresponderia numa política eficaz de desenvolvimento tecnológico. A limitação de tempo, no entanto, não o permite. Veja-se, no entanto, o trabalho do autor, A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, cit., p. 320 e, sobre ditas técnicas, Jantsch, E. Technological forecasting in perspective. Paris, 1967; Bright, James R. Technological forecasting for industry and government. N. Jersey, Prentice-Hall, 1968; e Arnfield, R. V. ed. Technological forecasting. Edinburgh, 1969.

4. Desenvolvimento regional e descentralização

O elemento tecnológico que resulta da adoção de metas ou objetivos nacionais quanto a desenvolver as regiões mais atrasadas do país e a descentralizar as atividades produtivas, em particular as indústrias dos estados do Centro-Sul, de maior concentração industrial, está relacionado com o aproveitamento econômico de matérias-primas e outros recursos naturais ou adquiridos, locais, bem como com a seleção de indústrias, de processos e de equipamentos de produção que se adaptem melhor às características de abundância de mão-de-obra e de escassez de capital e outros fatores que predominam fora dos centros tradicionais de industrialização do país. Em ambos os casos, a pesquisa tecnológica desempenha um papel fundamental, já que não existem, geralmente disponíveis, soluções acabadas para cada caso, mas somente a possibilidade de procurar tais soluções por via tecnológica - adaptação das técnicas produtivas convencionais às condições particulares das matérias-primas locais, pesquisa de aplicações econômicas para matérias-primas novas, de ocorrência local abundante, simplificação das técnicas produtivas e dos equipamentos de produção, etc.

Não estando presente um sistema científico e tecnológico em que se apoie o esforço nacional de desenvolvimento regional e descentralização, este virá fatalmente a desembocar em direções de baixa economicidade, como a repetição de estruturas econômicas e industriais sofisticadas em meios mais primitivos e ao abrigo de subsídios exagerados e de duração indefinida.

5 e 6. Defesa do consumidor e redistribuição da renda a favor dos grupos de renda mais baixa

Para os propósitos deste trabalho, podem ser consolidados num só os objetivos da política econômica nacional que visam, respectivamente, a defesa do consumidor e a redistribuição da renda a favor das classes de renda mais baixa. Em ambos os aspectos, a contribuição de um esforço nacional intensificado de pesquisa e desenvolvimento tecnológico pode ser decisiva. Basta mencionar a pesquisa de novos alimentos de elevado teor proteínico e baixo custo de elaboração (por utilizarem matérias-primas que são abundantes em algumas regiões do país), a modernização e tecnificação da indústria de alimentação existente, a introdução de novos processos e novos produtos nessa indústria, a adaptação dos processos convencionais às matérias-primas do país, com vista a explorar plenamente as vantagens comparativas nacionais, etc. Por outro lado, certos desenvolvimentos tecnológicos que resultem em novas aplicações para produtos agrícolas originários de zonas de baixo nível de renda ou em elaboração mais completa desses produtos de maneira a permitir-lhes, por exemplo, o acesso aos mercados externos, permitirão a elevação do nível de renda e de vida de alguns estratos da população de renda mais baixa. Exemplo é o da mandioca, produto típico de zonas agrícolas pobres, o qual mediante um esforço de pesquisa aplicada e de difusão de novas técnicas de elaboração (dissecação, moagem, purificação), poderá conquistar novos mercados externos e alcançar níveis mais altos de rentabilidade - e de renda para as populações ocupadas na sua produção e elaboração.

Neste caso, como na maior parte dos casos que podem ser derivados desta relação de objetivos nacionais de política econômica, as ações necessárias são não só de pesquisa aplicada, como também de introdução das novas técnicas e processos nas empresas que integram o processo produtivo - o que significa inovação e difusão tecnológica, como complemento da pesquisa.

7. Absorção da mão-de-obra e pleno emprego

Dados o elevado ritmo de crescimento demográfico e o caráter de alta capitalização das técnicas produtivas modernas, a ocupação plena da população ativa disponível requer uma taxa anual de aumento do produto industrial extremamente elevada, a qual só se tornaria possível alcançar mediante um esforço desmesurado de formação de capital. Da constatação deste fato resulta a idéia de que talvez fosse possível incrementar a utilização de mão-de-obra, em níveis mais baixos de crescimento e de formação de capital, mediante o fomento das inversões em setores de indústria caracterizados por uma intensidade de capital menor e, por outro lado, também mediante a seleção das técnicas e dos equipamentos de produção de forma a economizar capital à custa de um maior insumo de capital.

A primeira alternativa, de uma assignação dos recursos de investimento em função de objetivos de emprego, pode conduzir a resultados práticos apreciáveis, mas, naturalmente, dentro de limites de aplicação relativamente estreitos. Trata-se de canalizar as inversões, de maneira prioritária, para setores ligados à industrialização de matérias-primas locais e ao abastecimento de consumos locais, caracterizados de um modo geral pela pequena dimensão e limitados requerimentos empresariais e de capitalização dos estabelecimentos industriais. É este o caso de algumas indústrias de materiais de construção, de alguns tipos de transformação semimanufatureira de matérias-primas vegetais e animais (madeiras trabalhadas, couros, minerais, etc.) de existência local, de elaboração de alimentos de certos tipos, etc. Um movimento de industrialização com esse caráter poderia, provavelmente,16 16 Dizemos "provavelmente" porque não podemos estar inteiramente seguros da viabilidade econômica de uma industrialização deste tipo, empreendida em grandes proporções, através de grande parte do território brasileiro. determinar uma absorção de mão-de-obra considerável. Mas o seu êxito estaria, certamente, dependente de um considerável e persistente esforço de pesquisa e difusão de técnicas, nos sucessivos aspectos da solução tecnológica (e em termos economicamente rentáveis) dos problemas levantados pelo aproveitamento daqueles recursos locais, da adaptação das técnicas de produção convencionais a matérias-primas e outros elementos de produção peculiares, do desenho e fabricação de equipamentos simples e pouco dispendiosos, porém caracterizados por rendimentos físicos não muito diferentes dos equipamentos de alta capitalização convencionais, etc. Um esforço tecnológico e de pesquisa na dupla direção do aproveitamento de recursos e do desenho e adaptação de técnicas e processos, deveria ser, portanto, um complemento indispensável de uma política de promoção industrial orientada para a industrialização das regiões mais atrasadas do país por meio de pequena e média indústrias.

Num plano diferente, da média e grande empresa, também uma política de absorção de mão-de-obra é viável. Um fomento preferencial de certos setores industriais menos altamente capitalizados, com vistas à exportação dos respectivos produtos - têxteis, vestuário, couros e calçados, produtos elaborados de madeira e tantos outros, geralmente de consumo e associados a certas "vantagens comparativas" do país - está tendo provavelmente esse efeito. Mas também esta política tornará necessário um esforço tecnológico apreciável, desta vez na modernização e reestruturação das indústrias (geralmente tradicionais) correspondentes. (Esta faceta de uma estratégia brasileira de desenvolvimento econômico já foi anteriormente considerada.)

A segunda alternativa, das duas citadas inicialmente, tem que ver com a seleção de técnicas e equipamentos de produção de mais baixa intensidade de capital e decorre da convicção de que na prática do desenvolvimento industrial brasileiro surge freqüentemente uma tendência à sobreinversão, incentivada por diferentes fatores distorcivos das condições normais de custo e rentabilidade.17 17 Tivemos a oportunidade de analisar este e outros temas próximos, de um ângulo latino-americano, em estudo preparado para a CEPAL: El desarrollo industrial de América Latim, (parte da série "El segundo decênio de las Naciones Unidas para el desarrollo") Santiago de Chile, fev. 1969 (E/CN. 12/830), principalmente capítulo 2. Na medida em que esta tendência é motivada por fatores econômicos (distorção dos preços de mercado, de produtos e principalmente dos fatores de produção), o incentivo da pesquisa tecnológica em pouco ou nada poderá contribuir para a sua solução. Mas, na proporção maior ou menor em que as decisões de inversão caracterizadas, por uma capitalização exagerada originem-se numa domínio incompleto das alternativas tecnológicas disponíveis, não há dúvida de que um esforço de melhoramento em aspectos de pesquisa aplicada, de assessoramento tecnológico à indústria e de "extensão industrial" poderá contribuir para incrementar as perspectivas de emprego de mão-de-obra, independentemente de qualquer sacrifício do ritmo de desenvolvimento da economia.

Finalmente, é freqüentemente levantada a questão de um "desenvolvimento tecnológico autônomo ou independente", mediante um esforço deliberado e intenso de pesquisa e "desenvolvimento" de novos processos e novos equipamentos, mais de acordo com as peculiaridades locais de matérias-primas, de tamanhos de mercado, de hábitos e preferências do consumidor e, principalmente, de proporções na utilização dos fatores dè produção mais em harmonia com a disponibilidade relativa destes. (Esta orientação é, de um modo geral, ou melhor, quando tomada de maneira literal, extremamente inviável. Conviria, no entanto, submetê-la a uma apreciação crítica mais extensa, o que não poderá ser feito aqui por limitações de espaço).

8 e 9. Fortalecimento da empresa e salvaguarda de um predomínio nacional nos principais setores

A pesquisa tecnológica local é um meio importante de fortalecer a posição do empresário nacional em face da concorrência da empresa do exterior. Esta empresa tem atrás de si facilidades importantes de know-how já acumulado e meios de promover a sua acumulação continuada, seja através de seus esforços próprios de investigação e development, seja recorrendo aos múltiplos institutos tecnológicos de seus países de origem. A expansão e consolidação dos meios de pesquisa aplicada do Brasil é condição necessária (embora não, certamente, suficiente) para uma diminuição do grande desequilíbrio hoje presente nas condições de concorrência entre as empresas puramente brasileiras e aquelas inteiramente estrangeiras ou com importantes ligações, técnicas e/ou financeiras, com o exterior. As mesmas considerações aplicam-se, mutatis mutandis, ao objetivo presente na estratégia brasileira de desenvolvimento econômico e social de salvaguardar um certo predomínio (ou, apenas, uma certa "presença") nacional na expansão dos principais setores de atividade.

10, 11 e 12. Economia de divisas, exportação de manufaturas e absorção de recursos externos

Pressiona na mesma direção a necessidade de originar um fluxo crescente de exportação de produtos manufaturados. A criação desse fluxo depende de várias "especializações nacionais", em relação não somente com peculiaridades dos recursos produtivos (naturais ou adquiridos) do país, mas também com uma tradição definida em matéria de investigações tecnológicas e, mesmo, de pesquisas de caráter fundamental. Produtos importantes das exportações, respectivamente, da Holanda e do Japão, por exemplo, resultam de uma tradição nacional em matéria de pesquisa fundamental e de investigação aplicada, que propiciaram um desenvolvimento industrial especializado do qual se alimentam aquelas exportações (ver exemplos nos proceedings da conferência do National Bureau of Standards, dos Estados Unidos). 18 18 O Japão, em particular, oferece numerosos exemplos a este respeito.

3.5 Algumas conclusões

Sem pretender resumir ou recapitular tudo que foi expresso anteriormente sobre os aspectos da estratégia brasileira de desenvolvimento econômico e social mais estreitamente dependentes de uma aceleração do desenvolvimento tecnológico no país, parece útil pôr em destaque alguns ângulos dessa vinculação (no campo industrial), que acreditamos serem de particular importância para a definição de uma política científica e tecnológica:

a) o aparecimento de indústrias novas - ou de produtos novos em indústrias tradicionais: produtos químicos sintéticos, laminados plásticos, eletrônica, etc., o que amplia constantemente a gama de atividades e de serviços que o parque industrial é levado a solicitar do sistema científico e tecnológico nacional e torna cada vez mais difícil uma orientação muito estreitamente seletiva desse sistema;

b) a modernização de indústrias já existentes, de estabelecimento antigo e de grau de obsoletismo de maquinarias e de processos elevado; no caso destas indústrias, o "salto tecnológico" que significam a modernização e o reequipamento corresponde principalmente à eliminação (nem sempre total) do atraso em que elas se encontravam em relação ao nível médio do países industrializados; mas passa a criar-se a necessidade de um sistema de incentivos e compulsões que favoreça uma atualização tecnológica futura permanente dos mesmos setores, uma vez reestruturados;

c) a tecnificação mais rigorosa de indústrias existentes, por exigência da evolução do mercado consumidor, da necessidade de obedecer a normas mais estritas de performance e de qualidade ou da fabricação de modelos e desenhos mais sofisticados e tecnicamente mais complexos dos mesmos produtos;

d) a necessidade de aproveitamento econômico das matérias-primas locais, de diferentes características de composição física e química, ou inclusive de diferente localização em relação aos recursos de água, de energia, etc., o que requer um esforço tecnológico de adaptação dos processos convencionais - ou de concepção e desenvolvimento de processos novos;

e) a exigência de inovação permanente que decorre da política de fomentar a exportação de manufaturas; um fluxo contínuo e substancial de produtos manufaturados depende muito, como ensina a experiência de todos os países exportadores do mundo - e, em particular, o debilitamento da posição externa de alguns desses países - da capacidade de marchar na vanguarda, em certos setores de indústria, quanto ao desenvolvimento tecnológico, seja para a oferta de novos produtos, para o aperfeiçoamento da qualidade e característica de produtos tradicionais no comércio ou simplesmente para a redução progressiva dos custos, a fim de resistir à concorrência dos competidores - nos mesmos produtos ou em produtos substitutivos;

f) a passagem da industrialização brasileira a uma etapa de maior complexidade tecnológica - fator que tem muito de comum com as circunstâncias antes mencionadas; a entrada em funcionamento, a partir de 1950-55, de indústrias mais complexas - equipamento eletrônico e instrumentos de controle, maquinaria pesada e mais complexa, etc. - tem sido forçada pelo avanço natural da industrialização em suas etapas anteriores e também pelo novo quadro tecnológico mundial. Mas esta tendência é acentuada, no caso do Brasil, pela necessidade cada vez maior que se está apresentando aos estados do Centro-Sul (em particular, São Paulo) de ceder terreno aos estados do Brasil mais atrasados, no campo das indústrias tradicionais. Vai-se criando, portanto, de maneira paulatina, a necessidade de substituir essas indústrias tradicionais (têxteis, vestuário e outros bens de consumo, produtos metálicos fabricados em pequenas séries, etc.) por outras de complexidade crescente e de dependência cada vez maior em relação à pesquisa tecnológica, em estados do Centro-Sul do país.

  • 1 Ver, principalmente, os seguintes trabalhos, relativos aos países industrializados: Solow, Robert. Technical progress capital formation and economic growth. American Economic Review, May 1962;
  • Idem. Technical change and the aggregate function. Review of Economics and Statistics, Aug. 1957 e Nov. 1958; Dennison, Edward F. The sources of economic growth in the U.S. and the alternatives before U.S. New York, CED, 1962;
  • Idem. Why growth rates differ. Washington, Brookings Institution, 1967; Domar, E. et alii. Economic growth and productivity in the U.S. , Canada, U.K. , Germany and Japan in the post-war period. Review of Economics and Statistics, Feb. 1964.
  • Relativamente ao Brasil, ver: Bruton, H. J. Productivity growth in Latin America. American Economic Review, Dec. 1967;
  • 3 Ver Lopes, J. Leite. Ciência e libertação nacional. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969,
  • onde é defendido este ponto de vista em diferentes passagens. A mesma orientação é encontrada em Pinto, Avaro Vieira. Ciência e existência; problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969. cap. 12.
  • 15 Neste ponto seria oportuna uma referência às técnicas recentes de "previsão tecnológica" e ao papel que lhes corresponderia numa política eficaz de desenvolvimento tecnológico. A limitação de tempo, no entanto, não o permite. Veja-se, no entanto, o trabalho do autor, A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, cit., p. 320 e, sobre ditas técnicas, Jantsch, E. Technological forecasting in perspective. Paris, 1967;
  • Bright, James R. Technological forecasting for industry and government. N. Jersey, Prentice-Hall, 1968;
  • e Arnfield, R. V. ed. Technological forecasting. Edinburgh, 1969.
  • 1
    Ver, principalmente, os seguintes trabalhos, relativos aos países industrializados: Solow, Robert. Technical progress capital formation and economic growth.
    American Economic Review, May 1962; Idem. Technical change and the aggregate function.
    Review of Economics and Statistics, Aug. 1957 e Nov. 1958; Dennison, Edward F.
    The sources of economic growth in the U.S. and the alternatives before U.S. New York, CED, 1962; Idem.
    Why growth rates differ. Washington, Brookings Institution, 1967; Domar, E. et alii. Economic growth and productivity in the U.S. , Canada, U.K. , Germany and Japan in the post-war period.
    Review of Economics and Statistics, Feb. 1964.
    Os resultados de Dennison, por exemplo, mostram que o crescimento do produto por pessoa ocupada tem sido devido, em escala crescente, a uma elevação da produtividade geral, por oposição à maior disponibilidade dos insumos (inclusive o capital). No período 1929-57, já a contribuição de rendimentos dos fatores excedeu substancialmente o aporte da disponibilidade destes (58% contra 42%).
    A contribuição para o crescimento do produto por pessoa ocupada obtida em resultado de maior disponibilidade de capital por pessoa ocupada, decresceu de maneira rápida: 29% em 1909-29 em 9% em 1929-57.
    Na contribuição dos fatores de maior produtividade geral para o aumento do produto por pessoa ocupada, destaca-se o progresso tecnológico, que representa 2/3 do aporte-produtividade, tanto em 1929-57 como na previsão 1960-80. Em relação ao incremento total do produto nacional por pessoa ocupada, a contribuição do progresso tecnológico representa 37% em 1929-57 e subiria a 48% em 1960-80, segundo previsões do mesmo autor.
    Em resumo e em termos aproximados, pode-se afirmar que, no período 1929-57, o crescimento do produto por pessoa ocupada se alimentou apenas na proporção de 1/10 da acumulação de capital e na proporção restante, de 9/10, do incremento da produtividade geral e dos progressos da educação (aumento da escolaridade). E que este predomínio dos fatores qualitativos se acentuaria no futuro (1960-80), conservando a acumulação de capital a modesta proporção do seu aporte anterior (1/10) e alterando-se a composição do aporte "qualitativo", com o progresso tecnológico (48%) ultrapassando em importância todos os outros aportes, tomados individualmente.
    O trabalho de Domar e outros (1964) mostra uma influência do fator tecnológico no crescimento de diferentes economias industrializadas, variando de 25% na Grã-Bretanha, a 50% na Alemanha Ocidental, no pós-guerra.
    Relativamente ao Brasil, ver: Bruton, H. J. Productivity growth in Latin America.
    American Economic Review, Dec. 1967; e Maneschi, A. & Nunes, Egas Moniz. Função de produção agregada e progresso tecnológico na economia brasileira.
    Revista ãe Teoria e Pesquisa Econômica, IPE (USP), abr. 1970. Estes autores mostram que também na economia brasileira o crescimento do pós-guerra tem sido fortemente influenciado pela introdução de Inovações tecnológicas (as estimativas mencionam margens que variam de 30 a 46%, que seriam resultantes de mudanças tecnológicas, entre 1947 e 1960). Estas estimativas não abrangem os anos mais recentes. Mas a circunstância de que a economia brasileira vem mostrando tendência a crescer a uma taxa global à volta dos 10% anuais, com um aumento apenas moderado e muito paulatino do ritmo de formação de capital (e quando já não existem margens de subutilização da capacidade apreciável), parece denunciar uma presença crescente do fator de inovação tecnológica no processo de crescimento nacional.
  • 2
    Isto não significa, convém advertir, que não tenha sido observada a siuação contrária - insuficiência de recursos face às possibilidades de aplicação - relativamente a certas categorias especificas de "R&D". Tal vem ocorrendo com a disponibilidade de recursos oficiais para o subsidio de atividades de pesquisa e desenvolvimento na empresa.
  • 3
    Ver Lopes, J. Leite.
    Ciência e libertação nacional. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969, onde é defendido este ponto de vista em diferentes passagens. A mesma orientação é encontrada em Pinto, Avaro Vieira.
    Ciência e existência; problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969. cap. 12.
  • 4
    Os problemas da transferência da tecnologia do exterior no desenvolvimento industrial do Brasil são objeto de uma série de estudos patrocinados pelas Nações Unidas e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Três desses estudos encontram-se publicados em edição mimeografada do Instituto de Pesquisa Econômicas da Universidade de São Paulo:
    Transferência da tecnologia na indústria de máquinas-ferramenta, de Franco Vidossich nov. 1969, 2 v.
    Transferência da tecnologia na indústria têxtil e do vestuário, de Luigi Spreafico, mar. 1970; e
    Transferência da tecnologia na indústria siderúrgica, de Bruno Leuschner.
    A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, do mesmo autor do presente trabalho e. coordenação da série de estudos sobre a transferência de tecnologia, foi publicada pelo Ministério do Planejamento (IPEA), em 1972.
  • 5
    Consultar, para uma apresentação mais pormenorizada deste tema, os capítulos 6 e 9 do estudo
    A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, cit., p. 22 e seg.
  • 6
    Por razões de espaço, esse capítulo não foi incluído no texto.
  • 7
    Esta conclusão é baseada na análise da situação encontrada em vários países e numa apreciação das peculiaridades da situação brasileira.
  • 8
    Isto é, cujos elementos integrantes são estranhos ao serviço público.
  • 9
    Procedemos a uma análise desses aspectos em trabalho preparado em agosto de 1970 para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP):
    Subsídios para a estruturação de uma política de desenvolvimento cientifico e tecnológico.
  • 10
    Todos, menos os do Interior, Trabalho, Viação e Obras Públicas e Comunicações e Ministérios militares (substituídos estes, no entanto, pelo Estado-Maior das Forças Armadas).
  • 11
    "Ao elaborar o Plano Qüinqüenal, o Conselho Nacional de Pesquisas procurou levar na devida conta os planos de ação dos diferentes Ministérios, bem como incorporou as sugestões a ele trazidas pelos representantes desses Ministérios que integram o seu Conselho Deliberativo." (CNPq.
    Plana Qüinqüenal. Rio de Janeiro, 1967. p. 22).
  • 12
    Este tema encontra-se discutido mais amplamente no item 3.
  • 13
    Do ponto de vista da técnica de administração, esta junção no mesmo organismo de funções consultivas e de funções executivas não deixa de ser peculiar.
  • 14
    Este raciocínio, naturalmente faz abstração das limitações institucionais ao crescimento, as quais provavelmente se fariam sentir com intensidade nesse ritmo de crescimento.
  • 15
    Neste ponto seria oportuna uma referência às técnicas recentes de "previsão tecnológica" e ao papel que lhes corresponderia numa política eficaz de desenvolvimento tecnológico. A limitação de tempo, no entanto, não o permite. Veja-se, no entanto, o trabalho do autor,
    A transferência de tecnologia no desenvolvimento industrial do Brasil, cit., p. 320 e, sobre ditas técnicas, Jantsch, E.
    Technological forecasting in perspective. Paris, 1967; Bright, James R.
    Technological forecasting for industry and government. N. Jersey, Prentice-Hall, 1968; e Arnfield, R. V. ed.
    Technological forecasting. Edinburgh, 1969.
  • 16
    Dizemos "provavelmente" porque não podemos estar inteiramente seguros da viabilidade econômica de uma industrialização deste tipo,
    empreendida em grandes proporções, através de grande parte do território brasileiro.
  • 17
    Tivemos a oportunidade de analisar este e outros temas próximos, de um ângulo latino-americano, em estudo preparado para a CEPAL:
    El desarrollo industrial de América Latim, (parte da série "El segundo decênio de las Naciones Unidas para el desarrollo") Santiago de Chile, fev. 1969 (E/CN. 12/830), principalmente capítulo 2.
  • 18
    O Japão, em particular, oferece numerosos exemplos a este respeito.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1974
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