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Econegócios: como as grandes marcas capturam a agenda da sustentabilidade

Eco-business: a big-brand takeover of sustainability

RESENHA

Econegócios: como as grandes marcas capturam a agenda da sustentabilidade

Eco-business: a big-brand takeover of sustainability

Marcus Vinícius Peinado Gomes

Professor e doutorando da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo – SP, Brasil. marcus.gomes@fgv.br

De Peter Dauvergne e Jane Lister. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2013, 194 páginas.

Sustentabilidade e as Grandes Marcas: Um Contexto Transnacional

'Sustentabilidade' é um tema instigante e onipresente na agenda da sociedade contemporânea. Embora seja uma ideia pouco clara e até mesmo vaga, o tema tem certamente atraído a atenção das empresas e marcas globais que buscam maneiras de responder ou antecipar-se às tendências da sustentabilidade. Quando avaliamos a seriedade com que as empresas vêm se relacionando com o tema, contudo, somos, muitas vezes, levados a um debate apaixonado e antagônico. De um lado, alguns argumentam que as corporações estão potencializando a sustentabilidade a uma escala sem precedentes. De outro, há quem acredite que, por serem elas as grandes vilãs, seria ingênuo esperar que trouxessem limites e restrições a seus lucros para salvar o mundo dos seus próprios danos ambientais e sociais.

É com essa polêmica que Peter Dauvergne e Jane Lister iniciam o seu mais recente livro, dedicado a analisar o engajamento das grandes marcas (big-brand) na 'sustentabilidade', ou no que os autores chamam de eco-business (econegócios). Ao que tudo indica, essa questão tem potencial para tornar-se um debate schmidtiano amigo-inimigo, no qual os lados antagônicos pouco se dedicam a um diálogo, mas os autores conseguem escapar dessa armadilha. Ainda que o livro comece com os conhecidos clichês sobre sustentabilidade e o mundo corporativo – seria o envolvimento das marcas globais com sustentabilidade uma falácia? Puras práticas de greenwash? Tentativas de enganar os seus consumidores, governos e ativistas? – para alívio dos leitores, Dauvergne e Lister não demoram a traçar novos ares e contornos para esse debate. Para escapar do possível reducionismo que tais clichês trazem, os autores levam a discussão sobre a atuação das grandes marcas com a sustentabilidade ao contexto da economia global característica do capitalismo do século XXI.

Neste sentido, a obra não se preocupa em elaborar teoricamente as características do capitalismo contemporâneo, apresentando-as apenas como evidências de que foi uma economia global que permitiu às grandes multinacionais capturarem a sustentabilidade. Entre as características destacadas pelos autores, a principal delas parece ser a mudança de uma cadeia de valor nacional e local para uma complexa cadeia de produção global, trazendo implicações claras para o campo da sustentabilidade.

É com base nesses termos que podemos analisar a importante contribuição de Dauvergne e Lister ao mostrarem que as big-brands transformam a sustentabilidade em um negócio, por meio da gestão de suas cadeias de produção e operações transnacionais. Não há dúvidas de que os movimentos sociais e Estados constituam parte importante dos avanços trazidos na redução dos impactos ambientais de diversas cadeias, porém o que os autores apontam é que as grandes marcas transformaram a sustentabilidade em ferramentas administrativas.

Ao mesmo tempo, ao colocar indiretamente as características do capitalismo contemporâneo como pano de fundo da discussão sobre a sustentabilidade, posicionando as grandes marcas no centro desse jogo de poder, surge uma importante contribuição e inovação do livro. Da mesma forma, é também por deixar incipiente uma abordagem política dessa atuação que se pode identificar uma interessante área para pesquisas futuras no campo da administração. Vejamos, portanto, como os autores apresentam a discussão da 'sustentabilidade' sob a ótica das grandes marcas na economia global.

Econegócios e a captura da sustentabilidade

A pergunta que norteia o livro é: "Poderia o econegócio frear as consequências ambiental e socialmente danosas da perda da ecologia global?" (p. 2) A resposta é apresentada logo em seguida: um sonoro "não". Mesmo reconhecendo os avanços em termos de eficiência e redução de insumos, a obra questiona se a sustentabilidade seria apenas uma questão de eficiência.

Por um lado, os autores argumentam que os econegócios promovem a transformação da 'sustentabilidade' em uma eficiente ferramenta de administração e controle de cadeias globais de valor e reposicionamento de marcas. Nesse sentido, os econegócios não acarretariam prejuízos ao meio ambiente; pelo contrário, trariam avanços, por meio de uma gestão mais eficiente dos recursos naturais, levando em consideração biomas e comunidades e sendo, assim, também positivo para os negócios e para a economia. Por outro lado, qual seria a característica dos econegócios que fazem com que os autores não acreditem na sua possibilidade de conter os danos ambientais e sociais? O problema está justamente na definição e uso da 'sustentabilidade' como ferramenta de negócios para aumentar a eficiência de produção e qualidade dos produtos em cadeias transnacionais de valor. Para os autores, essa abordagem da 'sustentabilidade' limita o seu potencial como força de proteção ambiental e justiça social, que trariam, por sua vez, impactos socioambientais mais profundos. Por exemplo, apesar de produzirmos de maneira mais eficiente, não questionamos o consumo em si; muito pelo contrário, o consumo é cada vez mais estimulado, fazendo com que o impacto total no meio ambiente continue crescendo.

O livro é repleto de casos atuais que discutem como grandes marcas, a exemplo de Walmart, Johnson & Johnson, Unilever, McDonald's, entre outras, estão promovendo uma maior eficiência e controle de suas cadeias de produção, por meio da implementação de novas técnicas de rastreamento e auditoria dentro da cadeia de suprimentos, de modo a garantir a procedência de seus produtos, reduzindo o uso de recursos naturais, aumentando a transparência dos processos e, principalmente, o controle e a administração de riscos (de ter sua marca associada a um dano ambiental) na cadeia de valor global – capítulos 2, 3, 4 e 5.

Apesar dos inegáveis avanços dessa abordagem, os econegócios limitam o potencial da sustentabilidade, uma vez que, ao transformá-la em uma ferramenta de negócio, os programas e políticas de 'sustentabilidade' das big-brands visam, acima de tudo, ao crescimento econômico corporativo e ganhos em vantagens competitivas, tais como reputação, conquista de mercados e aumento de vendas. Aliás, é essa a justificativa para se usar o conceito de econegócios, em vez da ideia mais abrangente da sustentabilidade, ao se analisar a atuação das grandes marcas nesse tema. Segundo os autores, o conceito de econegócio enfatiza, assim, o olhar crítico sobre as estratégias de negócios no envolvimento das corporações com o tema.

Ao mesmo tempo, os autores compreendem que as grandes marcas não identificam suas ações como econegócios. Para elas, é mais interessante nomeá-las como 'sustentabilidade', responsabilidade social corporativa ou o famoso "tripé da sustentabilidade", pois lhes permite desenvolver o discurso do ganha-ganha: ser uma grande empresa que maximiza o lucro e que também é socioambientalmente responsável.

Nesse sentido, o conceito de econegócios pode ajudar a eliminar a confusão dos diversos significados de sustentabilidade, seja como ferramenta de negócio, seja como uma reflexão dos impactos socioambientais. Para os autores, econegócios chegam até a ser contraditórios à ideia de sustentabilidade, já que esta pode pedir mudanças nas regras do jogo – nas dinâmicas e regras dos mercados – e também no jogo em si – na dinâmica da economia global, isto é, no capitalismo. A sustentabilidade poderia, assim, levar ao questionamento dos processos produtivos, da utilização e produção de certos itens, o que não ocorre com os econegócios. Pode-se entender, portanto, o que leva Dauvergne e Lister a optarem pelo conceito de econegócios para ilustrar a captura da sustentabilidade pelas grandes marcas.

Contribuições e limites: Possibilidades de pesquisas futuras

De maneira geral, ao desenvolver o conceito de econegócios, o livro traz um interessante olhar para a atuação corporativa no campo da sustentabilidade, a fim de discutir como as grandes marcas têm usado a 'sustentabilidade' como ferramenta de negócios. Esse processo pode ser entendido, assim, como decorrência do capitalismo contemporâneo, uma vez que as cadeias de produção adquirem escalas transnacionais e as grandes corporações multinacionais enfrentam pressões constantes de movimentos sociais e Estados no que diz respeito aos impactos ambientais. Tais corporações teriam encontrado, portanto, uma maneira de gerar ganhos e benefícios aos seus negócios por meio do seu envolvimento com a sustentabilidade.

Se a principal contribuição é a trazer a discussão da sustentabilidade para o contexto do capitalismo contemporâneo, é também nesse contexto que se faz necessário aprofundar as pesquisas. Conforme os autores argumentam, o engajamento das grandes marcas na 'sustentabilidade' – como ferramenta de eficiência e controle de qualidade em uma cadeia de produção transnacional – passa, também, a influenciar a agenda global de sustentabilidade. Embora esse ponto seja mencionado e debatido principalmente no capítulo 6, dedicado aos mecanismos de governança da sustentabilidade nas cadeias de valor, os autores o fazem de modo incipiente, provavelmente por abordarem o debate sobre capitalismo contemporâneo de maneira indireta, como um pano de fundo. Tais espaços organizacionais de governança possibilitam uma atuação política das grandes corporações, que pode ser entendida como relações sociais formadas com o objetivo de convencer os demais atores envolvidos nas arenas transnacionais de regulação e governança, onde regras, formas de regulação branda, metas, mecanismos de monitoramento e divulgação e, principalmente, ideias são debatidas e acordadas. Essa politização da sustentabilidade surge, assim, como um interessante tema de pesquisa na área de administração.

Como mencionado, no capítulo 6, os autores mostram de que forma ativistas, órgãos reguladores, tanto internacionais como nacionais, ONGs e Estados estão desenvolvendo ações conjuntas com as grandes corporações. Para os autores, tais parcerias trazem um grande desafio a esses atores, pois estão se distanciando de uma verdadeira sustentabilidade e abrindo uma possibilidade para a legitimação das práticas de econegócios das grandes marcas, o que, por sua vez, aumenta o poder de influência delas na arena da sustentabilidade. Dessa maneira, os autores concluem que não se pode evitar essa captura da sustentabilidade pelo econegócio e que, apesar dos inegáveis avanços sobre os impactos ambientais que esta prática traz, a atuação política, isto é, a influência das grandes marcas nesses espaços interconectados de governança, precisa, ainda, ser mais estudada.

Nesse sentido, faz-se necessária uma reflexão sobre a politização da sustentabilidade, uma vez que a influência nessa agenda se constitui por meio da relação entre os atores e se materializa em práticas sustentáveis e novas tecnologias administrativas. Esse jogo de influências na arena da sustentabilidade aparece, portanto, como um elemento importante, a ser investigado com calma e cautela, para que se avance nas implicações desse fenômeno. Por fim – e não menos importante – precisamos, também, refletir sobre o nosso papel nesse processo, questionando nossos interesses, crenças e motivações, como consumidores, cidadãos e, para nós do mundo acadêmico, pesquisadores das sustentabilidades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Fev 2014
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