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A questão da formação do administrador

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Paulo Standerski

Professor no Departamento de Mercadologia - MCD, da EAESP/FGV

Hirschman, A. O. De consumidor a cidadão. São Paulo, Brasiliense, 1983.

À leitura recente do livro de A.O. Hirschman, De consumidor a cidadão, incentiva-me a escrever sobre o que gostaria de chamar aqui de leituras náo-óbvias em marketing.

Os textos de interesse óbvio ao marketing explicitam os conceitos de segmentação, posicionamento, portafólio de produtos, potencial, teorias de comportamento do consumidor, propaganda etc. Enfim, todos aqueles temas sintetizados nos sagrados livros de Phil Kötler.

Ocorre, porém, que marketing é matéria multidisciplinar que, assim, pode e deve receber contribuições de outras áreas, tais como antropologia, semiologia, economia, psicologia e sociologia. Ao dizer isto, quero enfatizar o valor da absorção de idéias diretamente em livros e artigos daquelas áreas e não apenas através de textos já depurados, escritos para profissionais, estudantes e acadêmicos da área de marketing. Estas leituras não-óbvias mostram-se úteis não apenas àqueles preocupados em ampliar a teoria mercadológica, mas trazem também benefícios imediatos aos gerentes de produtos e marketing, através de novas abordagens ao entendimento das razões e motivos de. compra e uso dos seus produtos no mercado.

A minha experiência pessoal com a utilização de textos não-óbvios em cursos de marketing resultou sempre em grande sucesso junto aos participantes, ampliando consideravelmente a qualidade de suas abordagens analíticas e, principalmente, intuitivas.

Malinowski, por exemplo, traz uma contribuição antropológica ao entendimento do conceito de marketing como o estudo de troca de valores. Seu livro Argonautas do Pacífico Ocidental (Abril Cultural, 1978) é um testemunho contra o "conceito de um ser racional que não quer senão satisfazer suas necessidades mais simples e o faz segundo o princípio econômico do menor esforço". Ao contrário, enfatiza a idéia de que "a iniciativa e o ritual mágico formam um todo inseparável, onde as forças da crença mágica e os esforços do homem moldam-se e influenciam-se mutuamente". Malinowski baseou sua investigação no Kula, uma relação intertribal praticada pelos habitantes das ilhas Trobriand, na Nova Guiné. E, se sua perspicácia sociológica permite-lhe identificar os mesmos conceitos na Inglaterra de 1917, é-nos possível aplicá-los no mundo do consumo de hoje.

Seria difícil resumir honestamente aqui mesmo as principais idéias de Malinowski. Sua obra, profunda e de leitura agradabilíssima, traz significado aos rituais de consumo, freqüentemente não entendidos e por isso mesmo considerados tolos e irracionais.

A simbologia associada aos produtos consumidos no nosso cotidiano é identificada de forma surpreendentemente reveladora para os profissionais de marketing em Mitologias, de Roland Barthes (Difel, 1980). Suas digressões a respeito do plástico, saponáceos e detergentes, o vinho e o leite, e o bife com batatas fritas fazem emergir os mitos que envolvem os produtos, explicando hábitos e atitudes de consumo que absolutamente inexistem nos relatórios numéricos das frias pesquisas quantitativas. As primeiras páginas de Ensaios sobre a fotografia, de Susan Sontag (Arbor, 1981) oferecem este mesmo tipo de interpretação, reconhecendo, inclusive, que a simbologia não é só geral, mas adquire um matiz específico em cada grupo social considerado.

Não me cabe aqui reproduzir as palavras destes dois autores. Deixo-as por conta da curiosidade do leitor.

Academicismo? Visão estética? Diletantismo intelectual sem qualquer oportunidade de aplicação na já sofisticada tecnologia mercadológica? Nem tanto. Os novos tempos vêm trazendo uma consciência crítica da "classe média". A crise econômica interrompeu a ascensão ao consumo, fortemente acelerada na última década, e também o clima psicológico otimista e eufórico que acompanhou este processo. O impacto frio desta interrupção produz a necessidade de redefinir o modo de vida, ajustando-o à nova situação, e repensar os valores que alimentaram a aspiração ao progresso material.

A interpretação desta mudança de valores e a determinação de novos rumos não são tarefas fáceis. Hoje, mais do que nunca, o marketing precisa buscar novas abordagens ao entendimento dos rituais.de consumo e simbologia dos produtos, o que, nas palavras de Fernando Pessoa (Mensagem, Nova Fronteira, 1981), exige do intérprete cinco qualidades ou condições: simpatia pelo símbolo, intuição, inteligência, compreensão e a mão do Superior Incógnito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1983
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