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O "inimigo" está muitas vezes dentro da própria organização. Programas de reengenharia com base em "o inimigo está fora" podem cortar sinergias em vez de eliminar orçamentos deficitários

EDITORIAL

O "inimigo" está muitas vezes dentro da própria organização. Programas de reengenharia com base em "o inimigo está fora" podem cortar sinergias em vez de eliminar orçamentos deficitários

A Quinta Disciplina de Peter M. Sefllle (Nova Cuttural, 1990) apresenta "o inimigo está fora" como um dos sete fatores responsáveis pela deficiência no processo de aprendizagem, tanto de organizações como de indivíduos. Esse fator se caracteriza pela propensão a buscar nos outros ou nas coisas justificativas para fracassos. Semelhante à projeção, o macanismo natural de defesa identificado por Freud, esta síndrome representa uma forma de fuga ao reconhecimento, por parte de seus membros, das reais díficuldades por que passam as organizações. Visão limitada de mundo, falsos valores, compromissos políticos e incompetência se somam a muitos outros, agravando os efeitos dessa propensão humana.

Quem se propõe a conduzir um trabalho de transformação organizacional não pode ignorar essa questão. A tendência que normalmente existe de começar a transformação pelo benchmarking pode ser extremamente perigosa se apoiar-se em relações de causa e efeito com base na síndrome de "o inimigo está fora". O "inimigo" está muitas vezes dentro da própria organização. Um benchmarking que ignore isto pode ser base para tudo menos para a transformação organizacional.

Não será também de todo impossível que benchmarkinngs executados sob a síndrome de "o inimigo está fora" ignorem a base tecnológica, cultural, econômico-financeira e ambiental em que estão inseridas as organizações cotejadas e, o que é mais importante, as eventuais sinergias entre produtos, serviços, infra-estrutura, logística e parcerias de ambas organizações podemdo resultar em esforços de reengenharia "às cegas"- um conceito de Francis J. Goulllart e David Norton para designar mudanças radicais, aquelas realizadas sem avaliação de contexto e confiando cegamente em dados de benchmarking (vide artigo de capa da RAE).

Um dos maiores sintomas de síndrome de "o inimigo está fora" está na crença de que existe uma "entidade" chamada organização, à qual podemos imputar todas as mazelas resultantes da ação de pessoas enquanto investidas em seus cargos e funções. Esse forma, até certo ponto "política", utilizada para se referir a problemas "organizacionais", mascara muitas das questões fundamentais à medida que esconde realidades comportamentais e ignora competências e interesses comprometedores da competitivídade. Não é a organização quem efetivamente atende ao telefone, negocia contratos, desenvolve sistemas, contrata ou demite pessoas, estabelece normas e punições ou atoca recursos em atividades e projetos, par exemplo...

Aceítar esse metáfora de organização "entidade" significa praticar uma forma de resistência a mudanças, fugindo de um exame mais profundo das relações de causa e efeito da efetiva competitividade organizacional. Nem por isso, recusar essa metáfora em beneficio de um díagnóstico isento, legitima "reformas" administrativas que geralmente escondem formas perversas de perseguição de pessoas com base em "bodes expiatórios". Nem mesmo credencia esforços de downsizing com base em corte de custos de pessoal. Afinal, as pessoas atuam em rede, desempenhando papéis que muitas vezes não estão alinhados com o foco estratégico global, até porque pode não existir um foco estratégico, pelo menos explícito! Desta forma, sem uma cuidadosa avaliação da interação entre processos de negócios, é leviana qualquer medida de corte, pois é mals fácil cortar sinergias de foco estratégico do que reduzir orçamentos deficitários.

Curioso é que essa metáfora da organização "entidade" acaba por legitímar exatamente o que, inconscientemente, não identificando efeitos, procura evitar ou seja, a reengenharía. O resultado pode ser uma reengenharia "às cegas", por ver só nos outros aquilo que existe de errado e mudar a organização para aquilo que dá certo apenas no contaxto dos outros. A inetáfora da organização "entidade", enquanto sintoma da síndrome de "o inimigo está fora", é uma demonstração de que a velha revolução industrial trouxe conseqüências psicossociais muito mais sutis do que aquelas derivadas do parcelamento das tarafas. As pessoas "se resolverem" através do pseudo das organizações é uma delas. Começamos a vivenciar sinaís de uma nova era: a das organizações "se resolverem" através das pessoas.

Prof. Marilson Alves Gonçalves

Diretor e Editor da RAE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 1995
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