Acessibilidade / Reportar erro

Risco de insolvência e risco sistemático: relação teórica não verificada na Bovespa

Resumos

O artigo tem por objetivo investigar se o indicador contábil de alavancagem pode ser utilizado como aproximação do risco de mercado beta. Foram realizados: testes de correlação, regressão linear e análise visual da dispersão entre a alavancagem (total e financeira) e o beta de todas as empresas listadas na Bovespa. Todos os indicadores foram coletados na Economática para o período de 1995 a 2005, e os resultados indicam ausência de relação entre as variáveis. Essa situação persiste mesmo quando (a) é utilizada amostra de empresas mais líquidas e é estimado o beta via modelo GARCH-M, (b) são utilizados indicadores de endividamento do final ou início do período, (c) é introduzido o valor de mercado como variável explicativa adicional, (d) são operadas transformações não lineares. Conclui-se que a alavancagem (total ou financeira) não deve ser tomada isoladamente como aproximação do beta. A justificativa é a irrelevância da informação contábil devida à concentração acionária no Brasil.

Efeito alavancagem; beta; endividamento oneroso; endividamento total; relevância da informação contábil


It is tested, through correlation, regression and dispersion graphics analyses, whether the accounting leverage proxies systematically risk beta. Beta, total and financial leverage indicators of all firms listed in Bovespa along 1995 and 2005, were collected in Economática database. No empirical relationship was observed among these variables. This result holds even (a) when beta is calculated through GARCH-M model and only liquid firms are considered, (b) when it is used current and lagged leverage indicators, (c) when market value is used as a second independent variable, or (d) when non-linear transformations are tried. This evidence indicates that leverage (total or financial) should not be used as beta's proxy. In order to explain this empirical finding the main cause proposed here is the capital market concentration that may cause Brazilian accounting to be irrelevant for investors' decisions.

Leverage effect; beta; financial debt; total debt; relevance of accounting information


ARTIGOS

Risco de insolvência e risco sistemático: relação teórica não verificada na Bovespa

Gustavo Amorim AntunesI; Gilvan Ramalho GuedesII

IFundação Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade, Economia e Finanças

IICentro de Desenvolvimento e Planejamento Regional

RESUMO

O artigo tem por objetivo investigar se o indicador contábil de alavancagem pode ser utilizado como aproximação do risco de mercado beta. Foram realizados: testes de correlação, regressão linear e análise visual da dispersão entre a alavancagem (total e financeira) e o beta de todas as empresas listadas na Bovespa. Todos os indicadores foram coletados na Economática para o período de 1995 a 2005, e os resultados indicam ausência de relação entre as variáveis. Essa situação persiste mesmo quando (a) é utilizada amostra de empresas mais líquidas e é estimado o beta via modelo GARCH-M, (b) são utilizados indicadores de endividamento do final ou início do período, (c) é introduzido o valor de mercado como variável explicativa adicional, (d) são operadas transformações não lineares. Conclui-se que a alavancagem (total ou financeira) não deve ser tomada isoladamente como aproximação do beta. A justificativa é a irrelevância da informação contábil devida à concentração acionária no Brasil.

Palavras-chave: Efeito alavancagem, beta, endividamento oneroso, endividamento total, relevância da informação contábil.

ABSTRACT

It is tested, through correlation, regression and dispersion graphics analyses, whether the accounting leverage proxies systematically risk beta. Beta, total and financial leverage indicators of all firms listed in Bovespa along 1995 and 2005, were collected in Economática database. No empirical relationship was observed among these variables. This result holds even (a) when beta is calculated through GARCH-M model and only liquid firms are considered, (b) when it is used current and lagged leverage indicators, (c) when market value is used as a second independent variable, or (d) when non-linear transformations are tried. This evidence indicates that leverage (total or financial) should not be used as beta's proxy. In order to explain this empirical finding the main cause proposed here is the capital market concentration that may cause Brazilian accounting to be irrelevant for investors' decisions.

Keywors: Leverage effect, beta, financial debt, total debt, relevance of accounting information.

INTRODUÇÃO

A moderna teoria de finanças atesta existir uma relação teórica entre a alavancagem financeira e o beta das empresas. Segundo Watson e Head (1998, apud Tom et al., 2005), os textos de finanças tradicionalmente fazem ajustes para a alavancagem ao abordarem o cálculo do beta, como a obra de Gitman (2005). Desde o trabalho seminal de Modigliani e Miller (1958) sobre estrutura de capital, diversos autores estudaram empiricamente essa relação (Mulford, 1985). Evidências norte-americanas recentes são providas por Hung e Liu (2005), Dimitrov e Jain (2003) e Faff et al. (2002). Os resultados de Hung e Liu (2005) corroboram a relação entre o endividamento e o risco sistemático no setor aéreo dos Estados Unidos. Faff et al. (2002) também estudaram essa relação, sendo maior a sua amostra (348 firmas norte-americanas), que utilizou metodologia diferenciada (série temporal), e encontram diferenças no beta em função do endividamento. Já o resultado de Dimitrov e Jain (2003) é intrigante, uma vez que encontraram correlação negativa entre essas variáveis.

Todavia, conforme salientam Rajan e Zingales (1995), a maior parte dessas evidências se baseia em empresas norteamericanas, de modo que, "sem testar esses resultados nas demais economias, é difícil precisar se essas regularidades empíricas são robustas ou se não passam de meras correlações espúrias" (Rajan e Zingales, 1995, p. 1421). Nesse sentido, o presente artigo investiga a relação teórica entre beta e alavancagem no âmbito do mercado acionário brasileiro. Trabalhos empíricos robustos que relacionem modelos de precificação de ativos com as decisões acerca da estrutura de capital das empresas ainda são incipientes no Brasil, e este artigo busca contribuir para a literatura brasileira de finanças.

A alavancagem financeira traduz o risco de insolvência da empresa e é uma métrica contábil amplamente difundida entre os administradores de empresas e analistas de mercado. Molina (2005) estudou a relação entre alavancagem e o risco de insolvência mensurado pelas notas das agências de rating por meio de variável instrumental e encontrou forte efeito de alavancagem. O beta, por sua vez, traduz a percepção dos investidores que atuam no mercado de capitais em relação ao risco sistêmico ao qual estão expostas as empresas. Esta é uma variável de mercado também amplamente difundida pelos profissionais do mercado de capitais. Portanto, investigar a relação entre essas duas variáveis - a alavancagem e o beta - significa buscar responder à seguinte pergunta: "Na ausência do indicador de mercado (beta), pode-se usar o indicador contábil de alavancagem como base para a tomada de decisão de investimentos?"

Responder a esta questão é muito importante para a análise de risco de empresas de capital fechado que não podem calcular seus betas, pois não possuem ações cotadas em Bolsa. Como o mercado de capitais brasileiro é pouco desenvolvido e a maioria de nossas empresas possui capital fechado, sob a forma de sociedades de responsabilidade limitada, essa indagação deve ser de particular interesse para os administradores brasileiros. Observa-se aqui o foco exclusivo em métricas contábeis. Essa mesma delimitação do objeto de pesquisa está presente também no trabalho de Toms et al. (2005).

Para propor uma resposta à pergunta de pesquisa, este artigo estabeleceu como objetivo geral investigar empiricamente a relação teórica entre o grau de alavancagem contábil e o risco sistemático de mercado representado pelo beta. Caso haja relação estatisticamente significativa entre esses indicadores, é possível utilizar o indicador contábil (alavancagem) na ausência do indicador de mercado (beta). O objetivo geral pode, então, ser resumido na seguinte hipótese:

H

1

: Há relação estatisticamente significativa e positiva entre alavancagem e beta.

Para investigar essa hipótese, traçou-se como objetivo específico verificar se o indicador Dívida Financeira Bruta/Patrimônio Líquido revela maior efeito sobre o beta do que o indicador tradicional Exigível Total/Patrimônio Líquido. Nem todo componente do Exigível Total é oneroso, de modo que o indicador Dívida Financeira Bruta/Patrimônio Líquido deve representar mais adequadamente o risco financeiro da firma. Assim, o objetivo específico pode ser resumido na seguinte hipótese:

H

2

: A relação positiva entre Dívida Financeira Bruta/Patrimônio Líquido e beta é maior e/ou mais significativa que a relação positiva entre Exigível Total/Patrimônio Líquido e beta.

REFERENCIAL TEÓRICO

O trabalho de Modigliani e Miller (1958) é a grande referência sobre estrutura de capital. A proposição I dos autores, que estabelece que o valor da firma é completamente independente de seu grau de alavancagem. Como derivação, há a proposição II, segundo a qual um maior grau de alavancagem (exigibilidades/capital próprio ou debt-equity ratio) da empresa está associado a um maior retorno de seu ativo e, conseqüentemente, a um maior risco. Argumenta-se que a alavancagem eleva o grau de exposição da firma ao risco sistemático da economia (beta) por representar risco financeiro. Huffman (1983, apud Toms et al., 2005) afirma que o risco sistemático aumenta devido ao aumento dos custos fixos (encargos da dívida) que se confronta com receitas variáveis e incertas.

À medida que a firma se endivida, mais comprometido fica seu lucro operacional (LAJIR) e, portanto, seu fluxo de caixa. Assim, cresceria a probabilidade da empresa se tornar insolvente e haveria a necessidade, por parte dos stakeholders - definidos como todos e quaisquer agentes interessados no desempenho da empresa -, de trazer esses fluxos mais incertos a valor presente por meio de uma taxa de desconto maior. No caso dos credores, isso implicaria exigir taxas de juros mais elevadas para conceder empréstimos. No caso dos acionistas, implicaria reclamar maiores taxas de retorno para o capital aplicado. Tem-se, então, que os encargos financeiros das dívidas comprometem antecipadamente o fluxo de caixa incerto a ser gerado pela empresa, gerando o risco de ela não conseguir honrá-los, ou seja, a dívida eleva o risco de insolvência por representar saídas de caixa certas e contínuas que financiam entradas de caixa incertas.

Esse raciocínio está fortemente amparado pela teoria econômica. Harris e Raviv (1991) realizaram um survey sobre a teoria da estrutura de capital e identificaram quatro modelos teóricos principais: estratégias mercadológicas, disputas por poder corporativo, assimetria informacional e a teoria da agência. Segundo o autor, a assimetria de informação (Ross, 1977) e a teoria da agência (Harris e Raviv, 1990) predizem que uma maior alavancagem elevaria o risco de insolvência e, assim, aumentaria o beta.

Do ponto de vista matemático, diversos autores estabeleceram formas distintas de provar a proposição II, como os trabalhos de Heins e Sprenkle (1969), e Becker (1978). Este último, por exemplo, conclui sua demonstração afirmando que "o custo de capital de uma firma alavancada é uma função linear de sua alavancagem, onde a inclinação dessa relação consiste no prêmio de risco a ser pago em relação a uma firma não alavancada" (Becker, 1978, p. 68). Contudo, foi Hamada (1969) que conferiu maior robustez à proposição II, pois o autor se valeu do tradicional Modelo de Precificação de Ativos (CAPM), desenvolvido por Sharpe et al. (1964), e do conceito de covariância de Markowitz (1952) para derivá-la.

Primeiramente, o autor aborda o caso de uma firma N não alavancada cuja estrutura de capital é composta única e exclusivamente por capital próprio. Desse modo, todo o LAJIR há de aumentar diretamente a riqueza do acionista, seja por meio da distribuição de dividendos ou por intermédio da valorização dos ativos da empresa. O segundo passo é definir o rendimento do ativo como sendo o LAJIR da firma XN e o capital a ser remunerado como sendo o valor de mercado do capital próprio SN. Desse modo, tem-se a seguinte expressão de retorno esperado da firma não alavancada RN (Hamada, 1969):

Para o caso da firma alavancada A, tem-se que parcela do LAJIR será destinada também ao credor, e a expectativa de retorno dessa firma E(RA) será (Hamada, 1969):

em que:

SA é o valor de mercado do capital próprio da firma alavancada;

r é a taxa de juros;

DA é o montante de dívida captado pela firma alavancada A.

Pode-se notar que a expectativa do LAJIR continua a mesma, pois se a firma alterou apenas sua estrutura de capital não há por que se acreditar que suas atividades serão mais rentáveis.

O terceiro e conclusivo passo é introduzir essas equações no modelo CAPM, montar um sistema de duas equações que convergirão ao equilíbrio e fazer manipulações algébricas a partir do conceito de covariância de Markowitz (1958) para se chegar à expressão (Hamada, 1969, p. 17):

em que:

RF é o retorno do ativo livre de risco;

RN é o retorno esperado da firma não alavancada; e

RA é o retorno esperado da firma alavancada.

Durante a demonstração matemática, o autor afirma ser intuitivo que "o ativo [A] deve ser mais arriscado que o ativo [N], já que seu retorno é obtido residualmente após se descontar as parcelas de juros a serem pagas. Desse modo, [cov(RA, RM)] deve ser maior que [cov(RN, RM)]" (Hamada, 1969, p. 17).

Pode-se perceber então que a teoria de finanças atesta que a alavancagem representa risco passível de maior remuneração via binômio risco/retorno. No escopo do modelo CAPM, tem-se que apenas o risco sistemático (beta) é passível de remuneração pelo mercado, pois todo risco isolado, característico da própria empresa, pode ser eliminado por meio da diversificação. Pode-se deduzir, então, que o efeito da alavancagem se faz sentir por meio de seu impacto sobre o beta, aumentando a exposição das firmas ao risco sistêmico da economia. Isso pode ser atestado pela equação (Bowman, 1980, p. 244):

onde:

βA é o beta da firma alavancada;

βN seria o beta dessa mesma firma se ela não se endividasse.

A equação (4) explicita que a alavancagem eleva o beta da firma.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente artigo enquadra-se como pesquisa explicativa, uma vez que busca identificar fatores que determinam e/ou contribuem para a ocorrência do risco das empresas percebido pelos investidores na bolsa de valores (Gil, 1991); aprofundando nas explicações acerca da realidade. Para proceder à busca explicativa, utiliza-se das metodologias descritas a seguir. Complementando os testes estatísticos, também se realiza a análise visual dos diagramas de dispersão, plotando o beta no eixo y e os indicadores de endividamento no eixo x (um por vez). Todos os testes e os gráficos de dispersão foram feitos a partir do software Excel.

Modelo Tradicional de Precificação de Ativos

Hazzan (1991), afirma que o Capital Asset Princing Model (CAPM) é centrado na hipótese de mercado homogêneo e na relação linear risco/retorno, além de pressupor indivíduos avessos ao risco que avaliam o trade-off entre risco e retorno. Assim, agentes racionais maximizam o retorno esperado e minimizam o risco de seus investimentos. Presume-se que todos os investidores possuam o mesmo horizonte de investimento e que eles criam a mesma expectativa a respeito do mesmo retorno esperado, das variâncias e das covariâncias, ou seja, suas expectativas são homogêneas. Além disso, o modelo pressupõe também a existência de um ativo livre de risco, que a informação seja perfeita, que não existam impostos nem custos de transação e que os ativos sejam divisíveis. Essa última hipótese permite que o investidor faça decisões marginais. O CAPM prescreve que apenas o risco não diversificável é remunerado pelo mercado. Esse risco sistemático é medido pela relação entre as oscilações do ativo e da economia, ou seja, pelo beta, por meio da equação:

onde:

RF é o retorno livre de risco;

RM é o retorno de mercado; e

βi é o beta do ativo i.

Teste de correlação

Para se testar a relação entre a alavancagem de cada uma das ações (Exigível Total/PL ou Dívida Financeira Bruta/PL) e seu respectivo beta - calculado ao longo do mesmo ano do indicador ou ao longo do ano seguinte - procedeu-se ao teste de Spearman. Em estudo semelhante ao presente trabalho, Dimitrov e Jain (2003) utilizaram teste de correlação ao analisar a relação entre alavancagem e retorno no mercado dos Estados Unidos. Os resultados apurados pelos autores indicam coeficiente de correlação significativo, porém negativo (- 0,1659). A metodologia empregada neste artigo é a mesma, com a diferença de que se analisam a alavancagem e o risco no mercado brasileiro.

A utilização do teste de correlação é adequada ao presente caso porque é aplicável mesmo em situações nas quais exista indício de heterocedasticidade e/ou quando a distribuição das variáveis em análise não segue uma distribuição gaussiana (Draper, 1998; Neter et al., 1996).

Pode-se acessar a estrutura do teste de hipótese para duas variáveis que não possuam distribuição normal bivariada por meio do coeficiente de correlação ranqueado de Spearman. O teste é montado a partir do ranqueamento das variáveis Yi(Y1i;...; Yni) e Yj(Y1j;...; Ymj) . Se chamarmos o ranqueamento de Yi por R1, sendo i = 1, e de Yj por R2, com j = 2, o coeficiente ranqueado de correlação de Spearman, rs, é dado por:

O coeficiente, rs, varia entre - 1 e + 1, assim como o coeficiente de correlação de Pearson. Seu valor é calculado no Excel a partir da função correl(). As hipóteses testáveis são:

H0: Não há associação entre Y1 (beta) e Y2 (alavancagem)

Ha: Há associação positiva (negativa) entre Y1 e Y2 (monocaudal)

Levine et al. (2000) sugerem a utilização desse teste, que verifica a significância estatística da correlação encontrada por meio da estatística t. Segundo o autor, a relação linear entre duas variáveis pode ser testada de diversas formas, mas se "o único objetivo de determinado estudo for determinar a existência de correlação, então a Equação [9] é a mais apropriada" (Levine et al., 2000, p. 562). Assim, a existência de correlação significativa foi testada com a fórmula abaixo:

em que:

a estatística t segue distribuição t com n - 2 graus de liberdade;

n é o número de observações;

r é o coeficiente de correlação encontrado;

ρ é o coeficiente de correlação da população.

O valor da estatística t foi computado a partir reprodução da fórmula acima no Excel, sendo que o valor-p dessa estatística foi apurado a partir da função distt(), utilizando-se teste monocaudal e tomando-se o módulo da estatística t. Conforme a maioria dos autores (Draper, 1998; Gujarati, 1995; Neter et al., 1996), um valor aproximado entre 0,7 e 0,8 para a correlação deve servir como patamar mínimo para candidato a uma possível entrada como covariável. Contudo, como o objetivo foi apenas o de detectar um perfil de correlação significativo, a preocupação com o valor a ser eleito é desnecessária. Nesse sentido, buscou-se investigar apenas a significância estatística e o sinal (consistência) do coeficiente de correlação.

Regressão linear (cross-section)

Strong e Xu (1997) testaram algumas variáveis por meio de regressões cross-section para explicar o retorno das ações na Inglaterra e descobriram que a alavancagem possuía poder explicativo consistente e significativo. Pretende-se aqui replicar a metodologia de cross-section para aprimorar a análise do teste anterior por meio da informação incremental fornecida pelo R2, ou seja, além de reforçar o estudo do sinal e da significância da relação entre as duas variáveis, a regressão permite inferir o poder explicativo da variável independente (alavancagem). Neste artigo, como o objetivo é comparar os indicadores de endividamento (total e financeiro), a equação a ser estimada é a seguinte:

onde:

βi,t é o beta da empresa i no tempo t;

Endividamento i,t é o indicador de endividamento da empresa i no tempo t;

α0, α1 e α2 e são os parâmetros a serem estimados; e ui,t é o termo de erro.

Tomam-se dois indicadores de endividamento distintos: Exigível Total/Patrimônio Líquido e Dívida Financeira Bruta/Patrimônio Líquido. Espera-se encontrar valores positivos e significativos para α1 apenas quando se utiliza o indicador Dívida Financeira Bruta/Patrimônio Líquido, ou seja, espera-se que apenas o endividamento financeiro eleve o beta.

DESCRIÇÃO DOS DADOS

Os dados - betas anuais e os indicadores Exigível Total/ PL e Dívida Financeira Bruta/PL - foram coletados na base de dados Economática, processados e analisados a partir do software Excel. Optou-se por analisar apenas o período pós-Plano Real, no intervalo entre 1995 e 2005, para que os efeitos da inflação anterior a esse período não contaminassem a análise.

Como no dia em que a ação não é negociada o retorno calculado pela Economática é nulo, pode-se subestimar a sua covariância com o retorno do índice Ibovespa. A não-sincronidade (freqüência) na negociação diária das ações pode trazer problemas para a mensuração do beta porque "induz a uma autocorrelação positiva num índice de ações formado por elas [...], [e] ao se estimar seu beta, a co-variância dos retornos dessa ação com os retornos do índice de mercado será subestimada, fazendo com que o beta também seja subestimado" (Costa Jr et al., 2000, p. 86-87).

Para contornar esse problema, buscou-se resguardar um mínimo de liquidez às ações da amostra excluindo-se aquelas sem cotação nos últimos 15 dias do respectivo ano, e, no caso das empresas que tinham mais de um tipo de ação negociada, optou-se pela de maior volume negociado no mês de abril de 2006 (mês anterior ao da coletada de dados). Outros critérios de liquidez mais rigorosos podem ser utilizados (inclusive, há um teste que utiliza critério mais rigoroso no final deste trabalho), contudo, evitou-se restringir demais a amostra para não incorrer no viés de sobrevivência descrito por Costa Junior e O'Hanlon (1991, p. 62) "eliminação, sem nenhum critério, destas ações [cotadas descontinuamente] pode acarretar algum viés durante a análise dos retornos ou outra variável em foco, pois estas ações poderiam apresentar certas características que poderiam alterar significativamente os resultados".

Em seguida, foram excluídas, ano a ano, aquelas empresas cujas ações não tinham os três indicadores em questão - beta, endividamento total e financeiro do final de cada ano - disponíveis. Outro corte na amostra foi a exclusão pontual das empresas que apresentaram PL negativo e também de outliers. PL negativo e índices endividamento aberrantes poderiam distorcer a análise. Foram tratados como outliers os índices de endividamento total superiores a 2,00. Optou-se por esse número em função da análise visual do diagrama de dispersão. A consideração dos poucos índices de endividamento total superiores a 2,00 distorcia a escala do gráfico e impedia a visualização da dispersão da maioria dos valores, situados entre 0,00 e 2,00. Vale ressaltar, contudo, que os testes foram replicados também para a amostra inteira contendo tanto o PL negativo quanto os outliers, e os resultados não se alteraram de modo significativo. Assim, o número de ações analisadas em cada ano variou conforme a disponibilidade dos dados (veja a Tabela 1).

RESULTADOS

Quanto à relação teórica entre alavancagem e beta, os resultados sugerem a refutação da hipótese de trabalho H1, uma vez que não se encontraram de modo consistente coeficientes de correlação e de regressão positivos e estatisticamente significativos entre a alavancagem e o beta, independentemente do indicador de alavancagem utilizado (total ou financeira). Esse resultado sugere a refutação da hipótese de existência de associação entre essas variáveis no período analisado.

Quanto ao objetivo específico de testar o melhor indicador de endividamento, foram correlacionados os betas do período contra os indicadores Exigível Total/PL e Dívida Financeira Bruta/PL do final do período. Também se procedeu à estimação de regressão linear em que o beta é introduzido como variável dependente e os indicadores de endividamento são as variáveis explicativas. Por fim, faz-se a análise dos gráficos de dispersão.

A Tabela 2 mostra o resultado dos testes de correlação entre o beta e os indicadores de endividamento. Observa-se que apenas quatro dos 11 coeficientes de correlação foram significativos (a 10%) entre beta e endividamento total, sendo que dois apresentaram valores negativos e os outros dois foram positivos. Ao se analisar o endividamento financeiro, observam-se três coeficientes de correlação positivos e significativos a mais. Tem-se que sete dos 11 coeficientes de correlação foram significativos (a 10%) entre beta e endividamento total, sendo que dois apresentaram valores negativos e os outros cinco, positivos, todos no período de 2001 a 2005. Exceto pelos anos de 1997, 1999 e 2003, todos os coeficientes de inclinação do endividamento financeiro são maiores que os do endividamento total. Assim, as fragmentadas correlações de curto prazo (ano a ano) parecem sugerir uma força maior da alavancagem financeira vis-à-vis a alavancagem total, principalmente a partir do ano de 2001.

Contudo, essa aparente associação positiva e significativa entre endividamento financeiro e beta a partir do ano de 2001 não é confirmada pelos coeficientes de regressão, e tampouco pela análise dos gráficos de dispersão.

Antes de apresentar os resultados das regressões, porém, é importante destacar que os testes de resíduos e os resultados sugerem que os pressupostos de regressão pelo método de mínimos quadrados ordinários foram suficientemente respeitados. Tendo isso em vista, segue a análise dos resultados dos coeficientes estimados.

A Tabela 3 mostra o resultado das regressões (cross-sections), em que se introduz o indicador de endividamento total como variável explicativa do beta das empresas. Observa-se que apenas dois coeficientes de inclinação se mostraram significativos (mesmo ao nível de 10%), mas o sinal deles é inconsistente (positivo em 2004 e negativo em 1998). Adicionalmente, o R2 ajustado é praticamente nulo e chega a ser negativo. Isso demonstra que mesmo entre 2001 e 2005 o indicador de endividamento total não mantém associação com o beta.

Resultado semelhante é obtido a partir das regressões (cross-sections) em que se introduz o indicador de endividamento financeiro como variável explicativa do beta das empresas. A partir da Tabela 4, observa-se que apenas três coeficientes de inclinação se mostraram significativos (mesmo ao nível de 10%), mas seu sinal é inconsistente (positivo em 2004 e 2005, mas negativo em 1999). Ademais, o R2 ajustado é praticamente nulo e chega a ser negativo. Isso demonstra que mesmo entre 2001 e 2005 o indicador de endividamento financeiro não mantém associação com o beta.

Por sua vez, a análise dos gráficos de dispersão individuais deixa visualmente clara a ausência de uma associação linear entre o beta e quaisquer indicadores de alavancagem de modo sistemático ao longo dos anos. Os gráficos de dispersão entre beta e endividamento total são visualizados a seguir. Observa-se que os dados não estão dispersos segundo linha de regressão estimada pela regressão linear simples em que apenas o endividamento total entra como variável explicativa. Também não se percebe regressão não linear. Portanto, visualmente é refutado o argumento de que maior alavancagem total implicaria uma maior exposição das ações ao risco sistemático da economia. Uma correlação positiva poderia ser possível, mas ela não foi consistentemente verificada, pois algumas linhas de regressão apresentam inclinação negativa.

Na Figura 1 pode-se observar que a dispersão dos dados entre 1995 e 1998 não apresenta padrão (mesmo um padrão não linear). Todas as linhas de regressão apresentaram inclinação negativa, mas apenas o ano de 1998 revelou coeficiente significativo a 10% (de regressão e correlação), conforme as Tabelas 2 e 3. Assim, acessa-se visualmente a ausência de poder explicativo das regressões geradas para esses quatro anos, conforme dados apresentados na Tabela 3.


Constatação semelhante é obtida na Figura 2. Pode-se observar abaixo que a dispersão dos dados entre 1999 e 2002 não apresenta padrão visual (mesmo um padrão não linear). Aqui, dois anos revelaram retas de regressão negativas e dois, positivas. Ademais, apenas o ano de 1999 revelou coeficiente significativo a 10% (apenas de correlação), conforme as Tabelas 2 e 3. Essa análise complementa a análise dos R2 ajustados nulos, apresentados na Tabela 3.


A partir da Figura 3 (período de 2003 a 2005), todas as inclinações são positivas e dois anos apresentam coeficientes de correlação signifi cativos a 10% (2004 também apresentou coeficiente de regressão significativo a 10%). Contudo, mais uma vez, observa-se que os gráficos de dispersão não apresentam padrão visual (mesmo não linear), corroborando visualmente o poder explicativo nulo exposto na Tabela 3.


Assim, tem-se que a análise visual também sugere a inexistência de relação (mesmo não linear) entre beta e endividamento total. A apresentação e discussão dos gráficos de dispersão entre beta e endividamento financeiro se omitirão por se apresentarem semelhantes aos do endividamento total. De modo geral, a análise da dispersão entre beta e endividamento financeiro revela que os dados não seguem um padrão, seja ou não linear. Visualmente, portanto, refutou-se o argumento de que maior alavancagem financeira implicaria uma maior exposição das ações ao risco sistemático da economia. Poder-se-ia esperar uma correlação positiva, mas ela não foi consistentemente verificada (seis das 11 linhas de regressão estudadas apresentaram inclinação negativa). De modo geral, a análise visual também sugere a inexistência de relação (mesmo não linear) entre beta e endividamento financeiro.

DISCUSSÃO

Em conjunto, tem-se que os testes - correlação, regressão e dispersão - não confirmam a hipótese de associação entre endividamento e beta, o que sugere a rejeição da hipótese de trabalho H1. Observou-se também que ambos os indicadores (Dívida Financeira Bruta/PL e Exigível Total/PL) apresentaram coeficientes de regressão e de correlação pouco significantes e com sinais inconsistentes. Isso aponta para o fato de nenhum dos indicadores ser adequado para aproximar o beta, nem mesmo marginalmente. Assim, a hipótese de trabalho H2, segundo a qual o endividamento financeiro seria uma proxy melhor que o endividamento total, também não foi corroborada.

Algumas possíveis explicações que emergem para a não corroboração da relação teórica entre beta e alavancagem são: (a) erro na especificação da variável dependente (beta); (b) erro na especificação da variável independente (endividamento); (c) erro na especificação do mode-lo (relação linear); (d) erro na especificação do modelo (variáveis omissas); (e) erro na especificação do modelo (variáveis de controle); (f) o efeito alavancagem varia ao longo do tempo; (g) o risco trazido pelo endividamento pode ser passível de diversificação; e (h) baixa relevância da informação contábil no Brasil. A seguir, discute-se brevemente cada uma delas.

(a) Erro na especificação da variável dependente (beta). Os betas fornecidos pela Economática são calculados a partir de método equivalente à estimação do CAPM tradicional via regressão linear simples. Assim, devido à baixa liquidez de grande parte das ações aqui estudas e também devido a problemas nos resíduos da regressão do CAPM, os betas coletados na Economática podem apresentar distorções. Para investigar essa possibilidade, adotaram-se como amostra apenas as empresas não financeiras cujas ações compuseram o índice Ibovespa no período estudado, e estimaram-se diretamente os betas via modelo GARCH-M, a partir do software Stata e conforme metodologia exposta em Antunes (2006). Essa estimação corrige os efeitos de heterocedasticidade e autocorrelação nos resíduos, enquanto os efeitos de distribuição não normal dos resíduos são contornados pelo grande tamanho das amostras (Gujarati, 1995). Os resultados do teste de correlação aplicados sobre essa amostra de empresas líquidas e com o beta calculado via modelo GARCH-M não se mostraram diferentes qualitativamente, como se pode observar na Tabela 5.

(b) Erro na especificação da variável independente (endividamento). A adoção de valores contábeis (exigibilidades, dívida financeira e patrimônio líquido apresentados no balanço das empresas), em vez de valores de mercado, como apregoa a teoria, pode justificar a ausência de relação aqui observada. Bowman (1980) pesquisou o assunto e verificou que os índices de mercado apresentam efeitos mais expressivos no sentido de impactar o risco sistêmico, porém ainda são estatisticamente insignificantes. Mulford (1985) encontrou valores mais expressivos e significativos para os índices de mercado. O teste dessa suposição foge ao escopo da modelagem empregada e do objetivo pretendido. Vale ressaltar que as empresas brasileiras são preponderantemente de capital fechado, e o objetivo deste artigo é investigar o poder das variáveis contábeis, tendo em vista que elas também estão disponíveis para empresas não listadas em Bolsas de Valores. Outra possibilidade de equívoco na especificação da variável explicativa poderia ser o uso do endividamento do final do ano, e não do início. Assim, também foi testada a correlação com o endividamento do início do período (ou final do período anterior). O uso do indicador do ano anterior sugere que o investidor toma suas decisões a partir da situação de alavancagem já conhecida da empresa. O indicador corrente, ao ser utilizado, evoca o comportamento previsor do investidor racional, de modo a antecipar o resultado da situação de alavancagem da empresa no fim do ano. O teste de correlação com os indicadores do início do período feito sobre a amostra de empresas líquidas e com o beta calculado via modelo GARCH-M também não revelou resultados qualitativamente diferentes, como se observa na Tabela 6.

(c) Erro na especificação do modelo (relação linear). A associação entre beta e indicador de alavancagem pode não ser linear, o que pode ser refutado acessando a análise visual dos gráficos de dispersão feita acima. Para reforçar essa evidência, efetuaram-se transformações não lineares.1 1 Essa transformação encontra a melhor solução para condições de não linearidade, variâncias residuais desiguais, assimetria na distribuição dos termos de erro e não linearidade em equações de regressão (Neter et al., 1996). Após essas transformações, refez-se o teste não paramétrico de Spearman sobre a amostra de empresas líquidas e com o beta calculado via modelo GARCH-M. O resultado não se alterou qualitativamente.

(d) Erro na especificação do modelo (variáveis omissas). O modelo também pode estar mal especificado em função de variáveis ausentes que impactem diretamente o beta ou que impactem o beta e o endividamento simultaneamente. O risco da firma decorre da dívida e de outros elementos ausentes no presente trabalho (determinantes do beta não alavancado), de modo que não se pode relacionar beta e endividamento sem consideração de outras variáveis. A não introdução dessas variáveis impede o isolamento dos efeitos do endividamento. Diversos trabalhos inserem inúmeras variáveis de modo ad hoc, a exemplo do trabalho de Breen e Lerner (1973). A única variável contida no survey de Harris e Raviv (1991) com respaldo teórico para afetar o beta não alavancado é o valor da firma. Assim, no intuito de se investigarem os efeitos de sua omissão, empreendeu-se a introdução do ln do Valor de Mercado (VM) como segunda variável explicativa na regressão do beta contra os indicadores de endividamento. Mesmo na regressão múltipla - Beta = f (endividamento e VM), o endividamento não se mostrou relevante. A introdução do valor de mercado conferiu algum poder explicativo à regressão (aumento significativo do R2 ajustado), e o VM se mostrou sempre significativo (exceto no ano de 2003), como se pode observar ao se contrapor as Tabelas 7 e 8 às Tabelas 3 e 4. Esse resultado corrobora a hipótese de Bowman (1980) sobre a maior adequação de variáveis de mercado, e também a hipótese da pouca relevância da informação contábil no Brasil descrita mais adiante (item h).

(e) Erro na especificação do modelo (variáveis de controle). O modelo também pode estar mal especificado em função da ausência de variáveis de controle. Argumentase que o perfil da dívida (dívida de curto prazo/dívida de longo prazo) e a capacidade de pagamento (dívida/ebitda) podem impactar a percepção dos investidores quanto ao risco do endividamento. Uma empresa muito endividada pode não representar grande risco caso tenha grande capacidade de geração de caixa (ebitda) ou caso disponha de prazo suficiente para honrar suas obrigações. Essa possibilidade não foi abordada neste estudo e merece atenção em pesquisas futuras.

(f) O efeito alavancagem varia ao longo do tempo. Darrat e Mukherjee (1995) comentam que alguns estudos suportam a hipótese de o efeito de alavancagem ser time-specific, na medida em que esse efeito se apresentaria significativo em alguns momentos e em outros não. Na amostra estudada no presente artigo, observa-se que o sinal dos coeficientes é negativo na primeira metade do período analisado e positivo na outra metade. Contudo, a significância sempre é baixa e o R2 ajustado é praticamente nulo. Assim, essa hipótese parece não influenciar os resultados aqui apresentados. Ainda ten-do em vista o efeito do tempo sobre os resultados, sugere-se que estudos futuros utilizem a metodologia de dados em painel.

(g) O risco trazido pelo endividamento pode ser passível de diversificação. Apesar de a teoria predizer relação entre beta e endividamento, há a possibilidade de o nível de endividamento representar risco individual e característico apenas da empresa endividada, logo, passível de diversificação. Caso os investidores consigam diversificar esse risco ao adquirir ativos e ações de empresas com diferentes níveis de endividamento, ele será extinto no conjunto dos portfólios dos investidores e o beta, que mensura apenas o risco sistêmico não diversificável, não será afetado pelo endividamento. Essa possibilidade não tem respaldo teórico, nem coerência lógica.

(h) Baixa relevância da informação contábil no Brasil. Argumenta-se que a grande justificativa para a não corroboração da relação teórica pesquisada neste artigo advém de Lopes e Martins (2005). Esses autores afirmam que a contabilidade é fruto direto da assimetria de informação, ou seja, sem assimetria informacional a contabilidade perde importância. Essa parece ser a situação no Brasil devido à concentração acionária (Alencar, 2005). Lopes e Martins (2005) apregoam essa conclusão dado o acesso privilegiado do acionista majoritário às informações internas das empresas controladas. Como o acionista majoritário está muito próximo do gestor e participa da gestão, ele pode acompanhar o gestor de dentro da empresa (insider). Nesse contexto, é previsível que a concentração acionária brasileira interfira na qualidade contábil de modo que esta não atue como instrumento de redução da assimetria informacional. Assim, no contexto brasileiro, o conflito de agência realmente importante parece não ser entre acionista e gestor, e sim entre acionista majoritário (insider) e acionista minoritário (outsider). Observe-se que tanto o gestor (poder de executar) quanto o acionista majoritário (poder de comandar) são insiders, enquanto o acionista minoritário (sem poderes) é outsider. A contabilidade então passa a informar um agente econômico sem direito de executar ou comandar, ou seja, menos capaz de agir com base nessas informações. A conseqüência é que a contabilidade (informação) tende a ser menos relevante. Argumenta-se, então, que os investidores majoritários parecem poder acessar o risco real da empresas por meio de informações internas à empresa devido à concentração acionária, e, assim, o índice contábil de endividamento perderia utilidade.

Finalmente, tem-se que os resultados apontam a inexistência de relação entre beta e endividamento na amostra estudada. Independentemente de realmente não haver relação ou de esta ter sido ocultada por algum fator não testado neste estudo, pode-se extrair uma importante inferência prática. Menos que contrariar a teoria, os resultados aqui apresentados sugerem não ser plausível inferir sobre o risco da empresa unicamente a partir da análise do seu grau de endividamento. Respondendo, então, à pergunta inicial deste trabalho, tem-se que, na ausência do indicador de mercado (beta), não se deve utilizar o endividamento (indicador contábil) isoladamente como base para a tomada de decisão de investimentos.

CONCLUSÃO

Pesquisou-se empiricamente a relação entre beta e alavancagem no período de 1995 a 2005 a partir de dados da Economática. Os gráficos de dispersão, os testes de correlação e as regressões não sugerem, para a maior parte dos anos, uma relação aparentemente clara. Mesmo tomando-se amostra mais restrita das empresas não financeiras integrantes do índice Ibovespa e estimando-se o beta diretamente via GARCH-M, corrigindo os efeitos de autocorrelação e heterocedasticidade nos resíduos (o tamanho das amostras contorna os problemas da distribuição não normal dos resíduos), os resultados do teste de correlação ainda são estatisticamente insignificantes. Também não houve diferença significativa entre os testes de correlação quando se utilizam os indicadores de endividamento do início do período (final do ano anterior) ou quando se operam transformações não lineares. Ademais, os resultados das regressões não se alteram qualitativamente quando se introduz o ln do valor de mercado como variável explicativa adicional. Desse modo, a pergunta que motiva o trabalho parece ter resposta negativa, ou seja, na ausência do indicador de mercado (beta) parece não se poder utilizar apenas o endividamento como base para a tomada de decisão. Essa conclusão se mantém independentemente do motivo pelo qual a relação entre beta e endividamento não tenha sido observada.

Observou-se ainda que ambos os indicadores - Dívida Financeira Bruta/PL e Exigível Total/PL - apresentaram coeficientes de regressão e de correlação pouco significantes e com sinais inconsistentes. Isso aponta para o fato de que nenhum dos indicadores é adequado para aproximar o beta, nem mesmo de modo marginal. Assim, rejeita-se a hipótese de trabalho H2, segundo a qual o endividamento financeiro seria uma proxy melhor que o endividamento total. O uso de dois indicadores de alavancagem - total (Exigível Total/PL) e financeira (Dívida Financeira Bruta/PL) - revelou que, de modo geral, nenhum deles está estatistica e sistematicamente correlacionado com o beta, independentemente de se tomar o indicador do ano anterior ou do ano corrente. Várias hipóteses justificam esse resultado, mas a mais consistente é a concentração de poder acionário na Bovespa, que tornaria a informação contábil no Brasil irrelevante.

Para aprofundamento do artigo, sugere-se que as pesquisas futuras utilizem análise de dados em painel e insiram as variáveis Perfil da Dívida e Capacidade de Pagamento como variáveis de controle. Por fim, tendo em vista que a maioria das empresas do Brasil possui capital fechado, sugere-se que mais estudos analisem a realidade dessas empresas, bem como os efeitos da concentração acionária na contabilidade.

NOTA

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos profissionais da DFN-A/CEMIG pelo apoio e incentivo dado à consecução deste trabalho e ao prof. Aureliano Angel Bressan (Face-UFMG) pela imprescindível colaboração na revisão bibliográfica e pela disponibilização do Núcleo de Estudos em Finanças (Nufi).

Artigo recebido em 22.11.2005.

Aprovado em 31.07.2006.

Gustavo Amorim Antune

Analista econômico-financeiro da CEMIG. Mestrando em Ciências Contábeis na FUCAPE. Interesses de pesquisa nas áreas de finanças, mercado de capitais e assimetria de informação.

E-mail: gaantunes@yahoo.com.br e gustavo.antunes@cemig.com.br

Endereço: Rua Conselheiro Joaquim Caetano, 86, apto. 102, Nova Granada, Belo Horizonte - MG, 30460-540.

Gilvan Ramalho Guedes

Especialista em Finanças. Doutorando em Demografia no Centro de Planejamento e Desenvolvimento Regional (CEDEPLAR) - UFMG. Interesses de pesquisa nas áreas de crescimento econômico, finanças, demografia macroeconômica e envelhecimento populacional.

E-mail: grguedes@cedeplar.ufmg.br

Endereço: Rua Vitório Marçola, 846, apto. 303, Anchieta, Belo Horizonte - MG, 30310-360.

  • ALENCAR, R. C. Custo do capital próprio e nível de disclosure nas empresas brasileiras. Brazilian Business Review, v. 2, n. 1, p. 21-37, 2005.
  • BECKER, J. General proof of Modigliani-Miller propositions I and II using parameter-preference theory. The Journal of Financial and Quantitative Analysis, v. 13, n. 1, p. 65-69, 1978.
  • BOWMAN, R. G. The importance of a market-value measurement of debt in assessing leverage. Journal of Accounting Research, v. 18, n. 1, p. 242-254, 1980.
  • BREEN, W. J.; LERNER, E. M. Corporate financial strategies and market measures of risk and return. Journal of Finance, v. 28, n. 2, p. 339-351, 1973.
  • COSTA JR., N. C. A.; O'HANLON, J. O efeito tamanho versus o efeito mês do ano no mercado de capitais brasileiro: uma análise empírica. Revista Brasileira de Mercado de Capitais, v. 16, n. 43, p. 61-74, 1991.
  • COSTA JR., N. C. A., et al Estimação do beta de ações através do método dos coeficientes. In: COSTA JR, et al (Org.). Mercado de capitais: análise empírica no Brasil. São Paulo: Atlas, 2000. p. 85-98 (Coleção Coppead de Administração).
  • DARRAT, A. F.; MUKHERJEE, T. K. Inter-industry differences and the impact of operating and financial leverages on equity risk. Review of Financial Economics, v. 4, n. 2, 141-155, 1995.
  • DIMITROV, V.; JAIN, P. C. The value relevance of changes in financial leverage. 2003. Disponível em <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=708281 Acessado em 15 de jan. 2006.
  • DRAPER, N. R.; SMITH, H. Applied Regression Analysis New York: Wiley, 1998.
  • FAFF, R. W.; BROOKS, R. D.; KEE, H. Y. New evidence on the impact of financial leverage on beta risk: a time-series approach. The North American Journal of Economics and Finance, v. 13, n. 1, p. 1-20, 2002.
  • GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social São Paulo: Atlas, 1991.
  • GITMAN, L. J. Princípios de administração financeira São Paulo: Harbra, 2005.
  • GUJARATI, D. N. Basic Econometrics New York: McGraw-Hill, 1995.
  • HAMADA, R. S. Portfolio analysis, market equilibrium and corporation finance. The Journal of Finance, v. 24, n. 1, p. 13-31, 1969.
  • HARRIS, M.; RAVIV, A. Capital structure and the informational role of debt. The Journal of Finance, v. 45, p. 321-349, 1990.
  • HARRIS, M. The theory of capital structure. The Journal of Finance, v. 45, n. 2, p. 297-355, 1991.
  • HAZZAN, S. Desempenho de ações da Bolsa de São Valores de São Paulo e sua relação com o índice preço-lucro 1991. Tese (Doutorado em Finanças) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1991. p. 263.
  • HEINS, A. J.; SPRENKLE, C. M. A comment on the Modigliani-Miller cost of capital thesis. The American Economic Review, v. 59, n. 4, p. 590-592, 1969.
  • HUFFMAN, L. Operating leverage, financial leverage and equity risk. Journal of Banking & Finance, v. 7, n. 2, p. 197-212, 1983.
  • HUNG, J.-H.; LIU, Y.-C. An examination of factors influencing airline beta values. Journal of Air Transport Management, v. 11, n. 4, p. 291-296, 2005.
  • LEVINE, D. M.; BERENSON, M. L.; STEPHAN, D. Estatística: teoria e aplicações usando Microsoft Excel em português. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
  • LOPES, A. B.; MARTINS, E. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005.
  • MARKOWITZ, H. Portfolio selection. The Journal of Finance, v. 7, n. 1, p. 77-91, 1952.
  • MODIGLIANI, F.; MILLER, M. H. The cost of capital, corporation finance, and the theory of investment. The American Economic Review, v. 48, n. 3, p. 261-297, 1958.
  • MOLINA, C. A. Are firms underleveraged? An examination of the effect of leverage on default probabilities. The Journal of Finance, v. 60, n. 3, p. 1427-1459, 2005.
  • MULFORD, C. W. The importance of a market value measurement of debt in leverage ratios: replication and extensions. Journal of Accounting Research, v. 23, n. 2, p. 897-906, 1985.
  • NETER, J. Applied Linear Statistical Models Chicago: Irwin, 1996.
  • RAJAN, R. G.; ZINGALES, L. What do we know about capital structure? Some evidence from international data. The Journal of Finance, v. 50, n. 5, p. 1421-1460, 1995.
  • ROSS, S. The determination of capital structure: the incentive signalling approach. Bell Journal of Economics, v. 8, n. 1, p. 23-40, 1977.
  • SHARPE, W. F. Capital asset prices: a theory of market equilibrium under conditions of risk. The Journal of Finance, v. 19, n. 3, 425-442, 1964.
  • STRONG, N.; XU, X. Explaining the cross-section of UK expected stock returns. British Accounting Review, v. 29, n. 1, p. 1-23, 1997.
  • TOMS, S.; SALAMA, A.; NGUYEN, D. T. The association between accounting and market-based risk measures, dez 2005. Working paper, 15. Disponível em <www.york.ac.uk/management/research/working_paper_series>. Acessado em 15 de jan. 2006.
  • WATSON, D.; HEAD, A. Corporate Finance: Principles and Practice London: Pitman, 1998.
  • 1
    Essa transformação encontra a melhor solução para condições de não linearidade, variâncias residuais desiguais, assimetria na distribuição dos termos de erro e não linearidade em equações de regressão (Neter
    et al., 1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2005
    • Aceito
      31 Jul 2006
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br