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Conflitos entre assessores e administradores de linha

ARTIGOS

Conflitos entre assessores e administradores de linha

Maria Isabel Ramos Hopp

Professôra-Adjunta do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

"Em qualquer organização, as relações de autoridade mais especializadas e complexas podem suscitar certa confusão, a menos que sejam compreendidas como alterações das relações comuns resultantes da simples delegação. Conseqüentemente, o mínimo que se pode exigir de um bom administrador é uma compreensão clara da natureza desta." - WILLIAN H. NEWMAN

Para entender o funcionamento de uma emprêsa industrial ou comercial, devemos partir da idéia de que ela representa um organismo social em miniatura, com todos os problemas e conflitos do ambiente social em sua totalidade. Nesse organismo social há uma parte que poderíamos chamar "formal" e outra que, em contraposição, poderia receber o título de "informal".

Na parte formal da organização estabelecem-se as relações entre as pessoas, dentro de padrões criados pela administração e impostos pela alta direção da emprêsa. As relações formais entre as pessoas na organização são estabelecidas não só pelas tarefas designadas a cada uma, mas também pela autoridade delegada pela alta administração para o desempenho de tarefas.

Os inúmeros problemas criados pela existência concomitante dos grupos formais e informais na organização já interessaram, por sua importância, a grande número de estudiosos e são freqüentemente citados pelos administradores. Achamos, porém, que os problemas resultantes da existência das relações formais em si são, pelo menos, tão importantes quanto os primeiros, e é a êles que pretendemos voltar nossa atenção neste artigo. Partindo da análise dos principais tipos de autoridade ou de relações de autoridade, tentaremos demonstrar que a capacidade de delegar autoridade com clareza e precisão é básica para o funcionamento da organização como um todo.

RELAÇÕES DE AUTORIDADE

Há em todo o empreendimento organizado uma relação de autoridade em que um superior exerce comando direto sôbre um subordinado. Nesse caso diz-se que o superior tem autoridade "de linha" sôbre o subordinado, já que há uma linha de autoridade que vai diretamente do primeiro ao segundo. A relação de autoridade entre superior e subordinado vai do tôpo a todas as posições da estrutura da organização.

Nesse conceito de autoridade de linha podemos incluir o direito de agir e decidir sôbre assuntos que afetam as pessoas da organização, pois aquêle que possui essa autoridade aprova, direta ou indiretamente, as atividades que se realizam para atingir os objetivos da organização, e pode, assim, exigir conformidade das pessoas aos planos, decisões, diretrizes, sistemas, processos e objetivo da organização.

Devemos, contudo, atentar para um ponto importante. Embora a autoridade de linha seja definida como poder de comandar, êsse poder não é absoluto e está ligado diretamente à responsabilidade de conseguir o que formalmente se determinou. Aquêle que detém êsse poder é, portanto, responsável pelo exercício da autoridade e pelas conseqüências dêsse exercício; daí a necessidade de critério e discrição no seu uso, e de observância dos limites da delegação.

A fim de bem distinguir as diversas relações de autoridade deve ser aqui exposta mais uma noção corrente de aur toridade de linha: a de que ela é a autoridade exercida pelas pessoas diretamente ligadas às funções principais da emprêsa. Em outras palavras: o diretor de produção ou o de vendas numa emprêsa teriam autoridade de linha por serem essas funções essenciais para a organização. Em que pêse à aparente facilidade que tal noção traria à compreensão das relações formais na organização, entendemos que ela apresenta certo perigo, pois depende do critério a ser usado para distinguir das funções principais as funções auxiliares da emprêsa.

A êsse preferimos, portanto, o primeiro conceito, e é por meio dêle que tentaremos explicar a noção de "assessoria". Assessorar é planejar, recomendar, assistir ou facilitar atividades que, tipicamente auxiliares, são exercidas sem o direito de comando.

Alguns autores atribuem às atividades de assessoria três finalidades: aconselhar, prestar serviços e exercer controles. Outros chamam assessoria o primeiro, separando as relações de prestação de serviços e de controle, aquelas como independentes e estas como próprias.

Não nos interessa tanto examinar as classificações dêsse tipo de atividade, quanto indagar de suas origens. A assessoria surgiu como resultado do progresso científico, da competição econômica e da expansão das organizações. Êsses três fatores, em conjunto e com pesos maiores ou menores, obrigaram as emprêsas a chamar em seu auxílio determinados tipos de especialistas, que deviam dar aos administradores de linha elementos que possibilitassem decisões cujos pormenores técnicos escapavam ao conhecimento dêsses administradores.

Os assessores não têm, portanto, autoridade de linha sôbre os administradores ou departamentos da emprêsa. Êles terão autoridade de linha somente no caso de chefiarem um departamento, exercendo essa autoridade exatamente como os demais administradores, diretamente sôbre seus subordinados.

INTERAÇÕES ENTRE "LINHA" E "ASSESSORIA"

A posição do assessor, sua maneira de trabalhar, o efeito que tem sôbre o pessoal de linha e a reação dêsse pessoal à sua influência geram conflitos que podem parecer inevitáveis na prática, mas cuja análise aponta soluções perfeitamente exeqüíveis dos problemas que provocam.

Nessa análise lembramos que o assessor, pela posição que ocupa na estrutura da organização, geralmente está mais próximo da alta administração do que o pessoal de linha com o qual trabalha, tendo, em geral, trânsito fácil e rápido nos escalões mais altos.(1 1 ) KEITH DAVIES, Human Relations is Business, Nova Iorque: McGraw-Hill Book Co., Inc., 1957, pág. 92. ) Essa vantagem, por si, é suficiente para provocar retração dos administradores de linha, de um lado por ressentimento trazido pela interferência dos assessores, quando atuantes e presentes, e de outro por desconfiança gerada pela não interferência, quando distantes.

Além disso, o assessor, ao trabalhar, geralmente tem maior preocupação em ser lógico e objetivo do que o administrador de linha, que está sempre condicionado aos fatores técnicos e às variáveis humanas das situações de trabalho. O assessor está interessado em melhorar a produção e diminuir o custo e as despesas, pensando sempre mais em têrmos de números. O administrador de linha, por sua vez, leva em consideração as implicações humanas das decisões, relegando a segundo plano os dados puramente numéricos do problema. Dessas perspectivas diferentes decorrem muitos dos conflitos entre linha e assessoria.

O assessor tem, ainda, logo que inicia um trabalho, um efeito certo sôbre o pessoal de linha: o temor das modificações. A êsse temor pode acrescentar-se o de que algo de muito errado esteja para ser descoberto, com prejuízo certo para o pessoal de linha. É fácil, portanto, desenvolver resistência ao trabalho do assessor, atribuindo-se apenas à sua necessidade de justificar o tempo despendido no serviço qualquer modificação que proponhá.

Tais causas de conflitos, embora freqüentes, não são as únicas. Além delas, há outras, também importantes, que precisamos mencionar antes de passar à proposição de medidas corretivas dos problemas na relação linha-assessoria. (2 (2 ) MELVILLE DANTON, "Staff and Line Relationships - A Study of Conflicts", Human Relations in Administration, editado por Robert Dubin, Nova Iorque: Prentice-Hall, 1957, pág. 128. )

• Em primeiro lugar, por ser o assessor pessoa que aconselha e recomenda, sem poder para impor suas decisões, duas podem ser suas atitudes em relação aos administradores de linha: dependência subserviente e independência altiva. No primeiro caso o assessor se anula voluntàriamente, perdendo sua função qualquer significado; no segundo, êle não cede em nenhum ponto ao administrador de linha, sendo por êsse motivo contrariado ou ignorado.

• Em segundo lugar, por via de regra, o assessor é um técnico especializado, com curso universitário a dar-lhe um título pomposo e com a certeza de que muito tem a dar em esforço e ainda mais a receber em reconhecimento. O administrador de linha é, geralmente, homem da prática, promovido por conhecimentos adquiridos no trabalho. A diferença de nível e tipo de educação acaba provocando choques de opinião difíceis de vencer.

• Em terceiro lugar, há quase sempre diferença de idade entre o assessor e o administrador de linha, sendo o primeiro mais môço e, portanto, menos experiente. Dessa diferença surge fàcilmente a rejeição, por parte do administrador de linha, dos "palpites" do assessor. A situação pode ser agravada pela atitude impetuosa do assessor que julgue poder, na primeira tentativa, substituir por práticas racionais, os métodos obsoletos da velha administração.

• Em quarto lugar, ocorre sempre o sentimento dos administradores de linha de que os assessores são "mestres" em roubar-lhes parcelas cada vez maiores de autoridade, pois a incompreensão dos primeiros quanto à função de assessoria está mais baseada no receio de perda de autoridade do que na ignorância do papel que os assessôres desempenham.

• Em quinto lugar, o assessor, por somente aconselhar e planejar, não assume responsabilidade pelos resultados dos planos e sugestões que apresenta. A situação é propícia ao conflito, pois, a qualquer dificuldade, o assessor sempre pode assegurar que seus planos eram bons e que falharam por inépcia ou desinterêsse do administrador de linha; êste, por seu turno, asseverará que os planos eram impraticáveis e teóricos.

• Em sexto lugar, como a assessoria representa um custo bastante elevado para as emprêsas, não só em têrmos de despesas de operação como de salários pagos aos assessôres, há sempre a preocupação dos administradores de linha com os resultados financeiros da contribuição da assessoria. Essa preocupação origina nos assessôres a necessidade de apresentar idéias e sugestões, às vêzes triviais ou inócuas, e de exigir aprovação rápida de planos, mister em que se esquecem o tato e a persuasão.

• Por último, quando os assessôres não pertencem à organização, os administradores de linha podem adotar uma atitude que parta do pressuposto de que ninguém conhece a emprêsa quando a ela não pertence há certo tempo. Já os assessôres podem partir do pressuposto de que ninguém deve interferir em seus planos, sob pena de eivar de "vícios" as soluções e recomendações que tenham a propor. De qualquer forma, sua atitude pode ser a de despreocupação em relação ao futuro, já que irá depender dos administradores de linha a aplicação das soluções que proponham.

PREVENÇÃO E CORREÇÃO DOS CONFLITOS

A análise feita não esgota os problemas que podem ser encontrados nas relações entre administradores de linha e assessôres. Ela dá, todavia, boa idéia dos conflitos a serem enfrentados pela administração da emprêsa quando quer que necessite da colaboração de assessôres.

Da análise podemos extrair uma série de recomendações à alta administração, no sentido de que possa prevenir e corrigir os possíveis problemas, criando clima de maior compreensão entre linha e assessoria.

• A alta administração da empresa deve fazer com que os administradores de linha e os assessores compreendam claramente suas funções. Isso inclui informações sôbre até que ponto cada um pode chegar em suas atribuições e até onde o trabalho do assessor afetará pessoas ou departamentos na organização. Pudemos ver, pela série de conflitos apresentada, que está quase sempre presente nesses conflitos a falha de comunicação, quer pela falta de informações, quer pela interpretação errada de informações dadas. Com a comunicação adequada sôbre o papel do assessor na organização, os conflitos tenderão naturalmente a diminuir muito em intensidade e freqüência. Um ponto importante a lembrar é que a comunicação deve ser anterior a qualquer ação, pois certamente será mais difícil chegar a qualquer solução satisfatória depois de haver sentimentos pessoais envolvidos no caso.

• Ao administrador de linha a alta administração terá de lembrar que os assessores devem exercer sua ação racionalizadora com liberdade; e que não diminuem, com sugestões de modificações, a autoridade linear. Ao assessor a administração de cúpula lembrará que êle tem de "vender" suas idéias, persuadir e convencer, com paciência, sem precipitação e, principalmente, sem imposições baseadas em atitude de supremacia. A ambos a alta administração deverá lembrar que da conjunção de experiência e conhecimento teórico só podem resultar melhores soluções.

• A alta administração deve, também, tentar conseguir melhor coordenação entre a assessoria e a linha, possivelmente feita por um superior próximo e comum. Para a solução de dúvidas e diferenças essa instância coordenadora é importante.

• Ao assessor a alta administração deve dar um mínimo de experiência de supervisão, para que êle tenha idéia de como reage ao lidar com subordinados. Uma vez que a diferença entre níveis hierárquicos de assessôres e administradores de linha pode ser grande, é conveniente treinar no exercício da autoridade os assessôres, que assim terão melhores condições de tratar com os administradores de linha.

• Inicialmente, a alta administração deve exigir do administrador de linha e do assessor alguns conhecimentos de Sociologia Industrial, Psicologia Industrial e Relações Humanas. Quando possível, deve mesmo propiciar a ambos oportunidade de adquirir êsses conhecimentos em curso na própria emprêsa ou em escolas. A perspectiva dos problemas humanos, à luz dêsses conhecimentos, certamente será diferente e facilitará a solução dos problemas nas relações de autoridade.

Embora neste artigo tenhamos dado ênfase aos problemas e conflitos entre a linha e a assessoria, lembramos, como KEITH DAVIES, que os administradores de linha e os assessôres podem trabalhar bem em conjunto e que, quando isso ocorre, atingem melhor e mais facilmente os objetivos da emprêsa.(3 (3 ) KEITH DAVIES, op. cít., pág. 94. ) Sempre que os problemas possam ser identificados e solucionados pode-se melhorar a relação entre a linha e a assessoria. Dessa forma, cumpre-se plenamente um dos objetivos do estudo das Relações Humanas e propicia-se à organização oportunidade de mais eficientemente desempenhar suas funções.

BIBLIOGRAFIA

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  • ROBERT DUBIN, Human Relations in Administration, Nova Iorque: Prentice-Hall Inc., 1957.
  • BURLEIGH B. GARDNER e DAVID G. MOORE, Human Relations in Industry, Ilinóis: Richard D. Irwin, Inc., 1955.
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  • DALTON MCFARLAND, Management - Principles and Practices, Nova Iorque: The MacMillan Co., 1958.
  • WILLIAM H. NEWMAN, Administrative Action, Nova Iorque: Prentice-Hall Inc., 1957.
  • 1
    ) KEITH DAVIES,
    Human Relations is Business, Nova Iorque:
    McGraw-Hill Book Co., Inc., 1957, pág. 92.
  • (2
    ) MELVILLE DANTON,
    "Staff and Line Relationships - A Study of Conflicts", Human Relations in Administration, editado por Robert Dubin, Nova Iorque:
    Prentice-Hall, 1957, pág. 128.
  • (3
    ) KEITH DAVIES,
    op. cít., pág. 94.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1965
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