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O método do caso na política de empresa: uma experiência

ARTIGOS

O método do caso na política de empresa: uma experiência

Barto Roig

Professor do Instituto de Estudios Superiores de la Empresa (Iese), da Universidade de Navarra, Espanha

Como idéia central de nossa exposição, gostaríamos de abordar o que nos parece essencial na filosofía do Instituto de Estudios Superiores de la Empresa (Iese), da Universidade de Navarra, em Barcelona, Espanha, ou seja, a tentativa de educar ou ajudar na formação de homens que estão numa posição que poderíamos chamar de "vértice", na empresa, o que exige, naturalmente, uma metodologia especial.

O Iese se instituiu a partir desse objetivo e, embora se tenha expandido em outras direções, continua a trilhar o difícil terreno da educação, da transmissão de conhecimentos, do desenvolvimento de atitudes e capacidades inatas dos homens de topo das organizações.

Na Espanha, antes de 1958, já havia muitas instituições que se dedicavam à formação de administradores. Parecia, na época, que o mais importante para as instituições e as empresas fosse a formação de executivos que ocupassem cargos nas unidades de produção e fabricação e que o problema básico a ser atacado fosse o da produtividade. Pensava-se que todos tinham de trabalhar melhor, render mais, mas ninguém tinha percebido que aqueles que poderiam realizar esse fim e, aliás, também deveriam render mais, eram os homens de cúpula das empresas. A inovação do lese, em 1958, foi justamente a de reconhecer que esses homens deveriam mudar de mentalidade, que talvez não fosse apenas de aumento de produtividade que se necessitasse no país, mas também de outras coisas que só se alcançariam se esses homens tivessem mente mais ampla e visão para além do horizonte.

Acreditamos, ainda, que a característica inicial do Iese foi sua ênfase na abordagem "individual-normativa" dos problemas da empresa. Se é possível fazer uma classificação das matérias ou do conteúdo do ensino no âmbito comunitário, econômico, político e social de uma nação, deve-se fazê-lo segundo se parta de considerações descritivas ou normativas das situações, e segundo se tome como tema de análise o agregado ou o individual. Podemos imaginar, então, uma matriz de quatro grupos: primeiro, o descritivo do agregado, como o estudo da economia, da sociologia, da política, num âmbito, numa comunidade; o resultado desse agregado, a demanda agregada, os problemas políticos e sociais agregados; segundo, o normativo desse agregado, ou como fazer com que esse agregado ou sistema - que muitas vezes pode ser considerado um sistema de subsistemas - mude para melhor; como se pode avaliar sua situação em termos dos melhores indicadores: eficácia e justiça; que normas e políticas podemos adotar a fim de mudar esse sistema para uma situação melhor em termos de eficácia e justiça; terceiro, o descritivo individual, como, por exemplo, a teoria da firma, que tantos autores têm estudado; a descrição de seus elementos, fixando-se a atenção nas suas relações de causa e efeito; e, quarto, ver como se pode melhorar essa individualidade, essa instituição concreta.

O Iese aborda os problemas de uma comunidade formada por instituições que são, por sua vez, formadas por pessoas; considera fundamentais a pessoa e os instrumentos e recursos usados para atingir o desenvolvimento humano. A área de trabalho do Iese é, portanto, a do individual concreto, na dimensão normativa de procurarlhe uma melhoria.

No enfoque normativo, individual, estuda-se a empresa e, por extensão, outras instituições que tenham características similares. Podemos chamá-la de "política de empresa", se bem que Política de Empresa seja o título de uma disciplina de um departamento do Iese, e, por sua natureza, deve impregnar todo o nosso ensino.

Considerando-se que a principal tarefa dos homens de cúpula e, ainda mais, sua tarefa por antonomásia, seja a de política de empresa, a filosofia do Iese deve ser a de ensinar a esses homens o conteúdo dessa política. Devemos indagar, assim, o que é preciso desenvolver nesses homens, quais são as qualificações do político de empresa.

Em investigação iniciada no Iese, no Departamento de Política de Empresa, chegou-se à conclusão de que havia três grupos de qualificações necessárias: a) conhecimentos; b) atitudes; e c) um grupo que ainda devemos explorar com maior profundidade, mas que, por enquanto, temos chamado de "capacidades inatas", porque não são nem conhecimentos, nem atitudes.

Os conhecimentos se transmitem objetivamente; as atitudes se fazem dentro da pessoa; já as capacidades inatas nascem com a pessoa e podem ser desenvolvidas. No primeiro grupo, encontramos conhecimentos relacionados com a inteligência conceituai e conhecimentos relacionados com a inteligência prática. Os conhecimentos podem ser transmitidos diretamente. A compreensão do teorema de Pitágoras, por exemplo, exige a capacidade que está relacionada com a inteligência conceituai, pois ele só pode ser transmitido de uma forma: enunciando-o como está escrito no livro. Para a transmissão desses conhecimentos, são suficientes os métodos passivos, quer dizer, a explanação ou a leitura do texto em que aparecem e, portanto, é suficiente um professor que saiba dizer com ênfase adequada essas definições.

Porém, os políticos de empresa que necessitam ter a capacidade de captar conhecimentos de ordem conceituai e de ordem prática também necessitam desenvolver as aptidões que os moralistas poderiam chamar de virtudes intelectuais ou morais, quer dizer, aptidões que estão relacionadas com os valores - e aqui podem aparecer as ideologias -, com as crenças, com as preferências pessoais, com as tendências de cada um. Relacionadas com o esquema de valores, aparecem as aptidões operativas, que são a manifestação das preferências, as capacidades inatas, verdadeira "caixa de surpresas", com elementos de vários tipos.

A consideração desses três grupos de qualificações leva-nos, evidentemente, ao problema da metodologia. Logicamente, a metodologia para o tipo de formação que devemos dar aos homens de cúpula só pode ser ativa. E, dentre os métodos ativos, pensamos ter encontrado no método do caso o melhor; não o perfeito, mas, como dizia Churchül das democracias, o menos ruim que temos por enquanto. Nossa orientação atual é tentar superar as dificuldades que apresenta, tanto para o aluno, como para o professor, tornando-o adequado para a melhor habilitação dos homens de topo das empresas.

De nossa experiência com o método do caso, gostaríamos de citar duas facetas negativas que estamos tentando vencer. Em primeiro lugar, muitas vezes, os alunos não estudam o caso, não se empolgam o suficiente com ele, especialmente quando é longo - e o caso de política de empresa deve ser, por natureza, longo.

Em nossa opinião, o caso não pode ser minimizado, pois tem de descrever toda a realidade da situação. Quando o caso aborda uma técnica de direção, é útil não só desenvolver a técnica, mas também perceber os elementos políticos que podem desbaratar a vigência, a utilidade da técnica descrita. Assim, o professor de técnicas matemáticas para direção pode desenvolver um caso em toda a complexidade da árvore de decisões, mas, ao final, depois de apontar a decisão a tomar, deveria indagar se não há, na empresa, elementos políticos com que não se esteja contando e que devam ser considerados para a tomada das decisões reais. O mesmo pode acontecer com o professor de finanças, etc. Isso é lógico, porque, na prática, não há dúvida de que o diretor-geral pedirá ao assessor capaz de fazer a análise matemática que lhe dê os resultados matemáticos, ao assessor financeiro que lhe diga quais são os benefícios de três alternativas viáveis, para, depois, considerar outras razões, difíceis de quantificar.

Uma vez que a descrição da situação deve ser completa, os casos de política de empresa não podem ter menos de 20 páginas. E, como dissemos, o primeiro problema aqui pode ser o de um estudo insuficiente.

Outro dado negativo é a recusa do professor em desempenhar o papel que lhe cabe na condução do caso. O professor não pode ser ativo, incisivo: tem de esperar que os participantes cheguem à conclusão e, muitas vezes, deve terminar o caso arrostando a agressividade desses participantes. Isso é duro, arriscado, e pode levar o professor a fugir ao seu papel.

Um caso de 20 ou 30 páginas necessita muitas horas de estudo. O professor deve informá-lo claramente aos alunos, pois, se não o fizer, por receio de ter alunos muito bem preparados, acabará por não contar com uma discussão adequada. Lembre-se também que o caso que requer duas ou três horas de estudo do aluno pode requerer 20 horas do professor, pelo menos na primeira vez em que é ensinado. Mesmo para um caso já ensinado, poderão ser necessárias não menos de cinco horas, se se quiser reencontrar tudo o que já se descobriu nele.

Aliás, embora havendo estudado bem o caso, o que é interessante no método é que, se o professor soltar a classe como deve, esta sempre dará uma orientação original à análise. O professor sempre aprende, se efetivamente for audacioso o suficiente para dar Uberdade à discussão. Nossa experiência indica que quando executivos com mais de 10 anos de experiência debatem livremente o caso só pode ser enriquecido.

Ainda dentro da análise das dificuldades, lembraríamos que, do ponto de vista do aluno, embora o caso represente o melhor meio de aprendizado da política de empresa, uma dificuldade que se apresenta é a de que o aluno pode não chegar às conseqüências da análise, às dificuldades da ação e às várias alternativas dos processos de ação, ficando simplesmente no diagnóstico. De parte do professor, a dificuldade pode estar em sua tendência a dar modelos acadêmicos, a explicar sua experiência profissional e não entrar no mérito do caso propriamente dito.

Gostaríamos de falar agora de alguns remédios que estamos tentando aplicar para sanar ou, pelo menos, aliviar essas dificuldades. O primeiro está relacionado com aquilo que deve fazer um professor em nossa instituição, embora haja nela docentes de procedências distintas. Temos professores de procedência acadêmica, que fizeram o doutorado em Harvard ou nó Iese e, por conseguinte, têm pouca experiência administrativa; há professores que vêm, como no nosso caso, de um exercício profissional mais ou menos longo e que se dedicam agora em tempo integral ao magistério; e há outros que são diretores, políticos de empresa em exercício, têm suas empresas, ocupam posições de topo nessas empresas e, gostando do ensino, dedicam algumas horas por ano a uma determinada matéria, a um determinado "pacote" de casos.

Estes últimos já estão no pleno exercício da profissão e aquilo que ensinam é o que já fizeram; não têm de procurar conhecimentos nos livros, porque podem transmitir sua experiência e isso lhes dá autoridade suficiente. Nos demais grupos, há a obrigação de fazer consultoria, dé manter contato com a empresa de alguma forma. Dedicamos um quarto de nosso tempo à consultoria, não aos staffs, mas à alta direção das empresas. Isso é possível, no lese, graças à estreita vinculação de ex-alunos com a instituição e às oportunidades que surgem naturalmente nos programas de educação continuada e mesmo nos programas básicos que oferecemos. Transitar pela alta direção, seja como conselheiros permanentes, seja como metodólogos para realizar ou orientar mudanças na empresa, faz com que não percamos contato com os problemas da administração. Podemos dizer, então, que este é um recurso fundamental, tanto para o ensino, como para a pesquisa; estar na empresa permanentemente significa que podemos extrair casos e investigar sobre realidades concretas em toda a sua extensão.

A investigação mais importante que se está fazendo no Iese desenvolve-se no campo normativo individual, examinando-se detidamente a empresa e verificando-se como evolui. Dessa investigação é que o professor retira os dados para desenvolver adequadamente os casos. Sem consultoria, há a tendência a permanecer no cômodo, no acadêmico, que pode ser brilhante, mas é pouco eficaz, pois não visa ao objetivo que tentamos atingir.

Outro aspecto positivo, nesse sentido, é nosso programa de doutorado. Esse tem poucos alunos, com três anos de duração mínima e mais um ano para a apresentação de tese. O aluno desse programa tem de investigar em profundidade casos orientados pelo professor e isso facilita o desenvolvimento da metodologia.

Professores e alunos de nosso programa de doutorado têm presentes muitos casos, e não somente os casos estudados, que estão formalmente redigidos, mas também casos vividos pela consultoria que o aluno de doutorado deve realizar. Há, aí, material que pode ser aproveitado para a redação de casos.

A redação do caso deve, porém, ser feita pelo professor. O aluno, mesmo muito inteligente, com formação acadêmica e alguns anos de experiência, pouco pode ajudar nessa tarefa. Às vezes, nem mesmo o homem de cúpula, que está vivendo a experiência, serve para essa finalidade.

O caso deve ser sempre redigido em estilo atraente. Um caso chama a atenção como uma história de detetive: a maneira pela qual esteja redigida nos absorve. É óbvio, porém, que esse estilo não deve levar à perda de nível científico.

Outro aspecto a considerar na redação do caso é o da sua estrutura. O modelo americano tem uma estrutura em que se apresenta, na introdução de duas páginas, resumidamente, a situação; nas duas ou três páginas seguintes vai-se aos antecedentes, contando-se um pouco da história do caso, de como se chegou àquela situação; fornecem-se os dados quantitativos mais importantes que dimensionaram o caso, e, como, terceira parte, expõe-se mais alguma coisa sobre os problemas da situação a ser enfrentada pelo dirigente. Como anexo, aparece toda a documentação quantitativa, relevante e auxiliar. Ao descrever as situações, procura-se ir por áreas: o que acontece na produção, na comercialização, o que acontece com os homens, quem são, o que dizem; e, sobretudo, o que é mais importante e se percebe especialmente nos casos de Harvard, dá-se uma descrição simples e clara dos fatos; não se emitem opiniões, não se fazem comentários, apenas se descreve a situação.

A tendência latina é explicar demais, dar razões para os fatos, ligar as coisas; por isso, o caso adquire volume e acaba por conter informações que deveriam vir à luz na discussão.

Pode-se acrescentar que o caso deve conter toda a verdade e somente a verdade. Isso é muito difícil porque, na Espanha, os dirigentes e empresários, de início, interessam-se muito pelo caso, colaborando com dados e informações, mas, ao ler o primeiro rascunho, percebem que os fatos colocam em evidência aspectos positivos e negativos e passam a rejeitar a redação, tentando modificá-la, acrescentando soluções para os problemas detectados, por exemplo. Num país relativamente pequeno, outra dificuldade é a da identificação da empresa pelos leitores. Mudar nomes e cifras pode contornar essa situação, mas, às vezes, não inteiramente.

De qualquer forma, deve ser compreendido que a vida política da empresa se compõe de empresários que, com sua força, estão realizando algo e brilhando pela ação de suas virtudes e seus defeitos. Nós, intelectuais, estamos isentos da exibição de nossos defeitos, porque só escrevemos e só dizemos coisas muito interessantes e que todos possam aplaudir, podendo perfeitamente esconder nossas misérias. Mas, o homem de empresa não se esconde e não se pode esconder. Sua ação está ali, evidente, e ver essa realidade é o que há de interessante no caso.

Para sanar a falta de preparação do caso, temos realizado a experiência de motivar a leitura por meio de reuniões de grupos. Reuniões de trabalho antes das sessões plenárias podem alcançar o objetivo de preparação, sobretudo se os grupos forem bem escolhidos e houver dois ou três participantes que estejam interessados no caso e o estudem a fundo, comunicando aos demais o que estudaram Seria também adequado, parece-nos, usar um monitor que conhecesse bem o caso e pudesse levar os participantes a estudá-lo detidamente.

Para extrair do caso tudo aquilo que pode proporcionar, repetimos, é mister estudá-lo em profundidade, pois, do contrário, "mata-se" a discussão, encerrando-a com aquelas poucas conclusões esperadas pelo professor. Em geral, os alunos terão a impressão de que isso foi pura perda de tempo e que as conclusões poderiam ter sido alcançadas em 10 minutos e não em algumas horas.

Nossa experiência, especialmente no programa de mestrado, tem sido a de termos sessões prolongadas de debates, por uma tarde inteira, por exemplo. Como na metodologia do programa de mestrado um objetivo que se persegue é a formação de atitudes, tratamos, desde o começo, de orientar o aluno para que se sinta não como estudante, mas como participante de reuniões de trabalho, rompendo completamente com os padrões tradicionais de atitude estudantil. Nessa participação em reuniões de trabalho, temos tido muito bom resultado. Chega-se aí a uma profundidade de conhecimento do caso, com a modificação de atitude dos alunos para introduzir-se a fundo nos problemas.

Com essas observações, cremos ter exposto, em linhas gerais, a parte mais interessante da experiência de nossa instituição com a metodologia do caso no ensino da política da empresa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1977
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