Acessibilidade / Reportar erro

Homo sociologicus: ensaio sobre a historia, o significado e a crítica da categoria de papel social

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Homo sociologicus: ensaio sobre a historia, o significado e a crítica da categoria de papel social

HOMO SOCIOLOGICUS: ENSAIO SOBRE A HISTORIA, O SIGNIFICADO E A CRÍTICA DA CATEGORIA DE PAPEL SOCIAL. Por RALF DAHRENDORF. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1969, 115 páginas, NCr$ 9,00.

Há poucos sociólogos que conseguem combinar clareza, precisão e elegância quando escrevem. RALF DAHRENDORF consegue. E isto é importante porque serve para destruir o mito do estilo sociológico alemão, alimentado pelas más traduções e por homens como TALCOTT PARSOM, segundo o qual todo alemão, para ser sociólogo, precisa escrever em um estilo obscuro, impreciso e deselegante.

Há poucos, muito poucos sociólogos contemporâneos que conseguem escrever sobre problemas centrais da disciplina e adicionar algum conhecimento novo. O que se tem escrito sobre o conceito de papel social ilustra bem tal proposição.

Papel social não só é o conceito central da sociologia. É, também, algo sobre o qual todo sociólogo escreve ou pretende escrever. E por isso mesmo, a literatura sobre o conceito é enorme e, em muitos casos, inútil. O trabalho de DAHRENDORF não se encontra nesta última categoria.

Homo Sociologicus pode ser colocado ao lado dos outros dois textos clássicos sobre o conceito de papel social: o de LINTON, por ser pioneiro e o de GRON por ser a discussão mais completa e sistemática sobre o assunto.

Creio que o ensaio de DAHRENDORF ficará na história da sociologia por aquilo que possui de mistificador. Quero sugerir aqui um paradoxo muito comum na sociologia (e talvez nas outras ciências) cuja formulação escrita desconheço. A grandeza de um trabalho científico genial pode residir naquilo que êle possui de errado. E, muitas vezes, o erro persiste, ainda que todas as provas empíricas demonstrem o contrário. HEGEL é tão - ou mais - conhecido pelos seus erros idealistas como pelas suas verdades metodológicas. E nem todo HEGEL possui seu MANN, na sociologia.

No Homo Sociologicus, DAHRENDORF comete a falácia hegeliana. Não pretendo, entretanto, ser o MANN de DAHRENDORF . É necessário, entretanto, que se entenda a mistificação de homo sociologicus. Para seu autor, existe o indivíduo e a sociedade. O homo sociologicus surge como mediador entre esses dois fenômenos, ou seja, nas próprias palavras do autor "no ponto de intersecção entre indivíduo e sociedade encontra-se o homo sociologicus, o homem enquanto portador de papéis sociais preformados. O indivíduo é constituído pelos seus papéis sociais, mas estes são por sua vez o fato irritante da sociedade" (p. 41 e 42). Na medida em que DAHRENDORF define o indivíduo como uma combinação de papéis, êle evita a falácia. Mas, DAHRENDORF fica irritado por esta definição. E aqui surge todo o seu idealismo. Vejam: "Por trás de todos os papéis, pessoas e máscaras, permanece o ator como algo específico, não afetado por estes. Não são essenciais a êle. Somente quando deles se desvincula, o ator se torna êle mesmo" (p. 44).

Para DAHRENDORF, portanto, existe um ser essencial, denominado indivíduo, que é o verdadeiro objeto de sociologia. Como, entretanto, esse indivíduo é sempre portador de papéis e estes não são essenciais ao indivíduo e como indivíduo não se manifesta independentemente dos papéis que possui, a única forma de se estudar o ser essencial (indivíduo) é através de uns atributos não essenciais (papéis). Os papéis sociais do indivíduo passam, assim, a ser um obstáculo ao conhecimento do ser essencial e, conseqüentemente, são irritantes.

Suponhamos, entretanto, que o verdadeiro objeto da sociologia não seja o indivíduo (ser essencial) despido de seus papéis mas que seja, isto sim, o ator que desempenha papéis. A existência ou não de um ser essencial seria, neste caso, irrelevante para a sociologia. Para o sociólogo, o indivíduo seria o ator em ação. Neste caso, nada haveria de irritante pois o paradoxo proposto por DAHRENDORF estaria resolvido.

E creio que bem resolvido.

Afinal de contas, nunca é demais repetir para aqueles que, como DAHRENDORF, acreditam no ser essencial, a sociologia não pretende solucionai" o mistério humano desvendando o ser essencial. Ela pretende apenas, como qualquer outra ciência, compreender uma parte do mundo empírico - no caso, o homem enquanto ser existencial, ou seja, o ator de papéis.

Entretanto, apesar disso ou talvez por isso mesmo, o ensaio de DAHRENDORF é capaz de ficar em pé por si só, dispensando especialmente a introdução de VAMIRCH CHACON que não é válida, nem lúcida e por que não dizer não se insere no contexto.

MANOEL TOSTA BERLINCK

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1970
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br