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A pesquisa como subsídio de ensino

ARTIGOS

A pesquisa como subsídio de ensino

Dole Anderson

Diretor da Divisão de Pesquisas e Professor da Graduate School of Business Administration da Michigan State University, EUA

Gostaríamos de fazer algumas observações sobre a relação entre a pesquisa e o ensino de administração de empresas, considerando a pesquisa como um processo de ensino e não como um resultado final, seja em trabalhos acadêmicos publicados em revistas, seja como componente do sistema de informações administrativas dentro das empresas.

É ponto pacífico acreditarmos, em nossa disciplina, que a educação profissional não possa ser administrada isoladamente do mundo real da indústria e do comércio. Surgem, sempre, críticas contra o excesso de teoria e a falta de realidade nos cursos de administração de empresas. É um assunto que está sendo discutido sobretudo pelos empresários diretamente interessados no "produto" das escolas de administração de empresas.

Sabemos que a sala de aula não é o mundo real; e que o processo de ensino é, obviamente, uma abstração da realidade. Através de teorias, análises gerais e situações típicas, o aluno aprende resolvendo problemas que são sempre simplificados, seja por simulações de jogos de empresas, seja pelo método do caso e assim por diante. Mas parece claro que devemos introduzir no programa do aluno um contato com o mundo real, através de pesquisas. Muitos dizem que o estudante aprende com o professor e o professor aprende pesquisando. Porém, o aluno deve ter sempre o maior contato possível com o mundo real e uma das formas de consegui-lo é justamente a de tratar a pesquisa como subsídio ao ensino.

A pesquisa pode ser, ainda aqui, de dois tipos: de manipulação de dados secundários e de coleta de dados primários. Cremos que o aluno de administração deva, em primeiro lugar, saber onde achar dados econômico-financeiros sobre o seu país; e deva saber o que se faz com esses dados e entender suas limitações. Há, no Brasil, a publicação Quem é quem na economia brasileira!, que, em 1976, incluiu dados financeiros de 5.400 sociedades anônimas, classificadas em 76 setores industriais e comerciais. A nosso ver, o aluno de administração deveria ter uma certa familiaridade com essas entidades, sejam públicas ou privadas, estatais, nacionais ou multinacionais, indo além do que se obtém através das revistas e da propaganda. Esse livro, por exemplo, contém o faturamento anual, o patrimônio líquido, o lucro líquido, o número de empregados e vários outros índices, calculados com base nesses dados, para todas as empresas, classificadas, como dissemos, em 76 ramos diferentes.

O aluno deve, ainda, entender as ordens de tamanho, de magnitude, dessas empresas, sua concorrência e principalmente a estrutura econômica do setor em que operam, estabelecendo, por exemplo, a relação de concentração entre as maiores empresas do setor e o setor total. Isso pode ser facilmente conseguido com exercícios baseados num livro como o Quem é quem?

Além disso, o aluno deve sentir as dificuldades conceituais na elaboração de um trabalho desse tipo, como as definições de lucro líquido e patrimônio líquido. Ele deve ler os rodapés de todas as tabelas. Muitas vezes, sabemos que aquilo que é publicado tem caráter jornalístico e vem sem os asteriscos e rodapés do original. Mas o fato é que os dados do mundo real não são "puros". O aluno deveria entender, logo no início, que os dados reais têm seus asteriscos, seus rodapés, seus valores estimativos e ajustados. Normalmente, está a cargo do professor tomar a decisão de inclusão ou exclusão dos detalhes, da falta de dados e estimativas, etc. Mas o aluno, trabalhando com esses dados secundários, vai senti-los com suas limitações e "impurezas". O mesmo pode ser feito com os dados de centros de pesquisa e estatística, de centros da indústria e comércio, etc.

O aluno deveria saber onde encontrar esses dados. Na Universidade da Paraíba, em João Pessoa, onde atualmente me encontro, lecionando e trabalhando na implantação de um novo curso de mestrado, um mestrando, formado numa ótima escola de administração, perguntou-me, outro dia, onde poderia encontrar o índice do custo de vida no Brasil, sem saber que a revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, publica mensalmente esse e outros índices sobre a economia brasileira. O aluno não pode ignorar fontes de informações como essa.

Outro problema é o de trabalhar e participar na coleta de dados primários. E aqui, também, obviamente, temos um valor educacional importantíssimo para o aluno de administração. A possibilidade de colocar o aluno dentro de uma equipe, para a coleta de dados primários, através de entrevistas, questionários, estudos de potencial de mercado, estudos de comportamento do consumidor, etc, é da maior importância para que ele sinta a realidade do mundo dos negócios. Essas experiências, em nosso entender, devem fazer parte de um curso sobre princípios de pesquisa, mas têm de ir bem além dos problemas típicos e simplificados para os fins do ensino, que encontramos num curso dessa natureza. Em outras palavras, sabemos que o simulador de vôo é um ótimo método de treinamento, mas ninguém quer voar com um piloto treinado apenas no simulador. A mesma coisa ocorre com nossos alunos. Seria muito útil dar-lhes, além da simulação, a oportunidade de lidar com os dados e o mundo real.

Um exemplo da possibilidade de introduzir o aluno de mestrado na coleta de dados primários é o do curso da Escola de Engenharia da Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande, chamado "engenharia clínica". Foi introduzido há dois ou três anos atrás naquela universidade, baseado no modelo desenvolvido na Universidade da Califórnia, onde os alunos, nos últimos anos do curso de engenharia, estão fazendo seus estágios na clínica de engenharia. A palavra "clínica" foi escolhida, obviamente, para mostrar a relação com a educação do profissional do campo da medicina.

A idéia é aproveitar esse exemplo, e eu gostaria, nos próximos meses, na Paraíba, de tentar aplicá-la ao nosso ramo, no curso de administração de empresas, fazendo uma "administração clínica". Professor e um grupo de alunos reunir-se-iam para trabalhar no problema real de uma companhia ou repartição pública, onde houvesse um certo compromisso, por parte da empresa ou repartição de utilizar, se fosse possível e viável, os resultados de um projeto de pesquisa levado á cabo por essa equipe. No modelo de engenharia clínica em Campina Grande, a universidade está cobrando uma taxa relativamente baixa para fazer o levantamento de dados e apresentar a solução de problemas que a empresa está procurando resolver. A experiência tem sido ótima para o aluno e para o professor, porque os coloca numa situação de cooperação e não de oposição, permitindo um trabalho em conjunto para o mesmo fim, o de resolver um problema real de uma empresa real.

Num projeto de engenharia clínica desse tipo, a primeira etapa é a da elaboração do desenho do projeto e da proposta a ser apresentada para ser discutida e, finalmente, aceita pelo cliente. Um dos grandes valores dessa etapa é a elaboração do orçamento e do cronograma, alertando o aluno para esses aspectos da realidade do mundo empresarial.

A pesquisa acadêmica do professor pode levar longo tempo e todos sabemos de professores com projetos de duração lata. Estou conduzindo pessoalmente vários projetos que talvez nem mesmo venha a concluir. A pesquisa acadêmica não apresenta, portanto, as limitações duras de tempo e recursos que enfrenta o homem de negócios quando tem que tomar a decisão sobre a validade de se pesquisar um assunto, de se coletar dados, de se fazer um levantamento. Não enfrentamos essa espécie de injunção e, por isso mesmo, é muito útil a disciplina obtida pelo aluno na preparação de um projeto desse tipo, em que a primeira etapa é preparar o orçamento e o cronograma previstos para a apresentação de um relatório final escrito.

Minha experiência com esse tipo de pesquisa, no sentido de exercício para o aluno, tem sido muito feliz até agora, em João Pessoa. Alguns alunos, depois de manipularem dados reais, lerem os rodapés e analisarem um balanço, têm observados que "esse negócio é mais complicado do que eu pensava.". Outros ficam com dúvidas sobre os resultados, que não lhes parecem certos. Mas o melhor comentário é o do aluno dizendo: "Depois dessa pesquisa, tenho mais perguntas que respostas." Isso me agrada muito, porque foi sempre esta a minha definição de um bom professor: o profissional que, em seu trabalho, tem sempre mais perguntas que respostas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1977
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