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Bairros rurais paulistas

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Bairros rurais paulistas

Marisa Saenz Leme

Bairros Rurais Paulistas

Por Maria Isaura Pereira de Queiroz. Livraria Duas Cidades, 1973. 157 p.

Como parte dos estudos sobre a organização e funcionamento da sociedade rural paulista, Maria Isaura procura nesta obra desenvolver a concepção de bairro rural, através de pesquisas feitas em Taubaté, Leme, Paraibuna e Itapecirica.

As definições anteriores de bairro rural consideram-no como "unidade mínima de povoamento das áreas rurais paulistas"; seria "um grupo de habitat disperso", composto por pequenos proprietários ou parceiros, e que se constitui em torno de um núcleo, geralmente uma capela. Sobressaem nas suas características os elementos sociais e culturais, como a solidariedade, a ajuda mútua, expressas sobretudo no mutirão; o folclore, demonstrado principalmente nas festas religiosas, momentos de reunião de todas as famílias no núcleo central.

Ainda mais, os bairros rurais vêm sendo apontados como próprios da civilização caipira, que se desenvolveu nas áreas de povoamento mais antigo. Com uma economia tipicamente de subsistência, com necessidades mínimas de consumo, marginalizados da economia regional, estariam fadados a se desestruturarem e desaparecerem com o surgimento de empreendimentos agrícolas modernos. A proximidade de centros urbanos importantes seria outro fator para a desagregação das formas sociais e culturais próprias dos bairros.

É principalmente o plano da caracterização econômica que as pesquisas de Maria Isaura colocam em cheque. Num rápido apanhado, surgem realidades que não se coadunam com a inclusão necessária de elementos como economia de subsistência, margina lização econômica, povoamento antigo, necessidades mínimas de consumo, na conceítuação de bairros rurais.

Por sua vez, a análise das relações dos bairros com a sociedade global, que constitui uma das preocupações básicas da autora, permite nova visão sobre as influências recíprocas entre meio rural e urbano, que contestam a hipótese de desagregação frente à proximidade de centros mais desenvolvidos.

As pesquisas foram feitas em bairros rurais de quatro municípios. Cada um deles apresenta uma problemática particular:

1. Os dois bairros rurais estudados no município de Taubaté enquadram-se na conceituação clássica: extremamente pobres, com economia de subsistência, etc. Mas levanta-se uma contradição: o núcleo urbano do município passa por um rápido desenvolvimento industrial, tornando-se autônomo do meio rural. Entretanto os bairros, dele distantes apenas 16 km, em nada são alterados na sua estrutura tradicional por esta proximidade.

2. Taquari, bairro rural do município de Leme, constitui, a nosso ver, ó exemplo mais interessante. Embora composto por pequenos proprietários e parceiros, as suas produções principais (algodão e mandioca) destinam-se à comercialização. O bairro encontra-se em situação relativamente próspera, com hábitos de consumo modernizados; situa-se em região de colonização mais recente, tendo absorvido muitos imigrantes estrangeiros.

Mantém, todavia, as formas de ajuda mútua, reunião, festas sociais e religiosas, que caracterizam um bairro rural, em pleno funcionamento. Aliás, a modernização econômica leva a maior vitalidade dos componentes sociais e culturais: festas muito mais freqüentes, mais ricas, etc. Outro fator interessante é que os imigrantes, ao invés de inovarem a cultura caipira, foram nela integrados.

Ainda aqui temos uma situação em que a relativa prosperidade do bairro rural contrasta com o pouco desenvolvimento do núcleo urbano, que continua apêndice do meio rural. Economicamente, a zona rural liga-se diretamente com outros municípios mais importantes da região, tanto para a comercialização dos produtos quanto para a aquisição de maquinaria, insumos, etc, dispensando o núcleo urbano do município de Leme.

3. Para a autora, o exemplo de Paraibuna é um dos elementos importantes para a sua reconceituação de bairro rural: nos bairros pesquisados neste município encontra-se uma produção de leite que é voltada principalmente para a comercialização e "que é coletada diariamente pelos caminhões da Usina Vigor ou da Cooperativa de Laticínios, ambas sediadas em São José dos Campos". Temos aqui também um caso de integração econômica na região, passando por cima do núcleo urbano do município.

4. É apenas em Itapecirica que encontramos desestruturação e decadência dos bairros rurais. Aqui a autora nos dá uma síntese do processo econômico da área, concentrando a análise em dois bairros rurais: Palmeiras e Laranjeiras. Até a década de 1930, aproximadamente, a economia organizada à base da pequena propriedade, centrava-se numa policultura, cujos excedentes eram escoados para São Paulo. Entretanto o desenvolvimento da capital paulista, o aumento das suas necessidades, fez com que surgissem novas áreas abastecedoras de produtos agrícolas, o que levou a região a perder a sua antiga posição de supridora do mercado paulistano. Por esta época, a agricultura foi em grande parte substituída pela extração do carvão, o que levou a uma efêmera prosperidade. A extração do carvão desorganizou a economia até então típica da área.

Por sua vez, com o declínio da extração de carvão, os dois bairros reagiram diferentemente: Laranjeiras entrou em completa decadência e miséria; Palmeiras, ao contrário, com a abertura da 8R-2, integrou-se num novo tipo de estrutura de trabalho: os elementos do bairro empregam-se como choferes de caminhão, abrem vendas à beira da estrada; enfim, surgem novas perspectivas econômicas. Entretanto, da mesma forma que em Laranjeiras, o bairro rural entra em vias de extinção, pois as novas relações de trabalho não permitem a manutenção das formas associativas próprias.

Finalmente, conclui-se das pesquisas realizadas que o fundamental para a constituição e permanência de um bairro rural é a existência de determinadas formas de propriedade e de relações de trabalho - a pequena propriedade com base no trabalho familiar, contando ocasionalmente com a ajuda de alguns assalariados. Esta organização do trabalho é específica da camada social formada por sitiantes e roceiros, e leva à existência de formas sociais e culturais próprias. Este tipo de economia e de organização social pode desenvolver-se a qualquer momento, não sendo específico das áreas tradicionais.

Desta forma, elementos como economia de subsistência ou comercializada, maiores ou menores necessidades de consumo, etc, podem constituir-se em fatores para distinguir diferentes tipos de bairros rurais.

Acreditamos que, além desta nova conceituação dos bairros rurais, uma das contribuições mais importantes da obra é mostrar que eles podem ser integrados economicamente, desempenhando papel funcional na estrutura econômica mais geral, o que elimina a inevitabilidade de sua decadência, que constitui apenas tendência para certos casos.

Procuramos destacar aspectos que mais nos chamaram a atenção na obra, o que de modo algum esgota as várias contribuições que traz.

A comparação das concepções de vários autores sobre bairros rurais, o questionamento de certo tipo de divisão econômico-social do Estado de São Paulo, a exposição dos métodos utilizados nas pesquisas, a caracterização dos municípios em que se localizam os bairros estudados, bem como a descrição detalhada destes últimos, do seu funcionamento, das relações com os núcleos urbanos e regiões, são outras tantas contribuições a assinalar.

No entanto a obra parece-nos ser um tanto repetitiva nas análises e conclusões. No estudo de cada unidade pesquisada, repisam-se, de modo desnecessário, os pressupostos utilizados e as hipóteses que se vão formulando. As teses da autora, entretanto, contribuem para novas discussões sobre o bairro rural. Desta forma, a obra constitui mais uma contribuição à literatura existente e sua leitura é necessária para o estudo do problema do bairro rural.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1973
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