Acessibilidade / Reportar erro

Análise do retorno dos investimentos socioambientais das empresas brasileiras

Análisis del retorno de las inversiones socioambientales de las empresas brasileñas

Analysis of the return on the social and environmental investments of brazilian companies

Resumos

Este estudo investiga a relação entre os investimentos uma relação de causalidade entre investimento social socioambientais e o desempenho financeiro das em-interno e desempenho financeiro, pois os investimenpresas brasileiras de 2001 a 2007. As regressões esti-tos sociais voltados para os empregados da empresa madas com base no modelo de efeitos fixos analisam têm um efeito positivo sobre a variável Return on a correlação entre as variáveis de desempenho socio-Assets (ROA). Essa conclusão está de acordo com os ambiental e financeiro, enquanto as estimações usando resultados obtidos por Laan e outros (2008), os quais modelos de variável instrumental analisam a relação indicam que investimentos realizados nas demandas de causalidade entre esses indicadores. Os resultados sociais de stakeholders primários (empregados, conrevelam uma correlação positiva entre investimento sumidores e investidores) contribuem para melhorar socioambiental e desempenho financeiro, sobretudo o desempenho financeiro, o que não acontece com o investimento social interno. Além disso, revelam investimentos voltados para stakeholders secundários.

Responsabilidade socioambiental; desempenho financeiro; desempenho socioambiental; endogeneidade; dados de painel


Este estudio averigua la relación entre las inversiones socioambientales y el desempeño financiero de las empresas brasileñas para el período de 2001 a 2007. Las regresiones estimadas con base en el modelo de efectos fijos analizan la correlación entre las variables de desempeño socioambiental y financiero, mientras que las estimaciones que usaran modelos de variable instrumental procuraran analizar la relación de causalidad entre eses indicadores. Los resultados muestran una correlación positiva entre inversión socioambiental y desempeño financiero, sobre todo la inversión social interna. Además, también indican una relación de casualidad entre inversión social interna y desempeño financiero, pues las inversiones sociales dirigidas a los empleados de la empresa tienen un efecto positivo sobre la variable Return on Assets (ROA). Esta conclusión está de acuerdo con los resultados obtenidos por Laan y otros (2008), los cuales indican que inversiones realizadas en las demandas sociales de stakeholders primarios (empleados, consumidores e inversores) contribuyen para mejorar el desempeño financiero, lo que no sucede con inversiones dirigidas para stakeholders secundários.

Responsabilidad socioambiental; desempeño financiero; desempeño socioambiental; endogeneidad; datos de panel


This paper investigates the correlation between firm's financial and social/environmental performance for Brazilian companies from 2001 to 2007, based on two types of panel data econometric models, which aim to analyze correlation and causality. The fixed effects model was used to estimate correlation, while a panel data IV model was used to investigate causality. The results show a positive correlation between corporate social/environmental and financial performance, mainly in the case of internal social investment, which is strongly positively correlated with the variable return on assets (ROA). The causality analysis also showed that the internal social investment has a positive and significant effect on ROA. This result is in accordance with those obtained by Laan et al (2008), which indicate that disregarding the wishes of the primary stakeholders (employees, consumers and investors) contributes negatively to performance measures.

Social; financial performance; social; endogeneity; panel data


ARTIGOS

Análise do retorno dos investimentos socioambientais das empresas brasileiras

Analysis of the return on the social and environmental investments of brazilian companies

Análisis del retorno de las inversiones socioambientales de las empresas brasileñas

Verônica Ines Fernandez OrellanoI; Silvia QuiotaII

IProfessora da Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil. veronica.orellano@fgv.br

IIMestre em Finanças e Economia Empresarial pela Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil. squiota@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo investiga a relação entre os investimentos uma relação de causalidade entre investimento social socioambientais e o desempenho financeiro das em-interno e desempenho financeiro, pois os investimenpresas brasileiras de 2001 a 2007. As regressões esti-tos sociais voltados para os empregados da empresa madas com base no modelo de efeitos fixos analisam têm um efeito positivo sobre a variável Return on a correlação entre as variáveis de desempenho socio-Assets (ROA). Essa conclusão está de acordo com os ambiental e financeiro, enquanto as estimações usando resultados obtidos por Laan e outros (2008), os quais modelos de variável instrumental analisam a relação indicam que investimentos realizados nas demandas de causalidade entre esses indicadores. Os resultados sociais de stakeholders primários (empregados, conrevelam uma correlação positiva entre investimento sumidores e investidores) contribuem para melhorar socioambiental e desempenho financeiro, sobretudo o desempenho financeiro, o que não acontece com o investimento social interno. Além disso, revelam investimentos voltados para stakeholders secundários.

Palavras-chave: Responsabilidade socioambiental, desempenho financeiro, desempenho socioambiental, endogeneidade, dados de painel.

ABSTRACT

This paper investigates the correlation between firm's financial and social/environmental performance for Brazilian companies from 2001 to 2007, based on two types of panel data econometric models, which aim to analyze correlation and causality. The fixed effects model was used to estimate correlation, while a panel data IV model was used to investigate causality. The results show a positive correlation between corporate social/environmental and financial performance, mainly in the case of internal social investment, which is strongly positively correlated with the variable return on assets (ROA). The causality analysis also showed that the internal social investment has a positive and significant effect on ROA. This result is in accordance with those obtained by Laan et al (2008), which indicate that disregarding the wishes of the primary stakeholders (employees, consumers and investors) contributes negatively to performance measures.

Keywords: Social/environmental responsibility, financial performance, social/environmental performance, endogeneity, panel data.

RESUMEN

Este estudio averigua la relación entre las inversiones socioambientales y el desempeño financiero de las empresas brasileñas para el período de 2001 a 2007. Las regresiones estimadas con base en el modelo de efectos fijos analizan la correlación entre las variables de desempeño socioambiental y financiero, mientras que las estimaciones que usaran modelos de variable instrumental procuraran analizar la relación de causalidad entre eses indicadores. Los resultados muestran una correlación positiva entre inversión socioambiental y desempeño financiero, sobre todo la inversión social interna. Además, también indican una relación de casualidad entre inversión social interna y desempeño financiero, pues las inversiones sociales dirigidas a los empleados de la empresa tienen un efecto positivo sobre la variable Return on Assets (ROA). Esta conclusión está de acuerdo con los resultados obtenidos por Laan y otros (2008), los cuales indican que inversiones realizadas en las demandas sociales de stakeholders primarios (empleados, consumidores e inversores) contribuyen para mejorar el desempeño financiero, lo que no sucede con inversiones dirigidas para stakeholders secundários.

Palabras clave: Responsabilidad socioambiental, desempeño financiero, desempeño socioambiental, endogeneidad, datos de panel.

INTRODUÇÃO

Os estudos relacionados ao tema da Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE) têm conquistado espaço no campo das pesquisas acadêmicas, por tratarem de um assunto em crescente evidência na sociedade em geral e na mídia. O interesse da sociedade nas questões sociais e ambientais sempre esteve presente, porém atribuía-se principalmente ao governo a responsabilidade pelo tratamento de tais problemas. Caberiam às políticas públicas a manutenção e preservação dos bens considerados públicos e a garantia dos direitos dos cidadãos.

A atuação do setor público, no entanto, não se mostrou suficiente para resolver os crescentes problemas de caráter social e ambiental. A partir da década de 1960, principalmente nos Estados Unidos, passa a ocorrer um movimento social por meio do surgimento de associações voluntárias, engajadas inicialmente em questões voltadas ao interesse público. Esse movimento deu origem ao que é conhecido atualmente como Organizações Não Governamentais (ONGs) sem fins lucrativos.

Nesse contexto, surge a questão sobre o que tem motivado as empresas a se engajarem também em iniciativas socioambientais. Essa dúvida abriu espaço para um amplo debate, onde os estudiosos colocam a sua visão a respeito do envolvimento das empresas em assuntos que, a princípio, seriam de responsabilidade do setor público. Para Friedman (1970), por exemplo, a gestão que persegue um retorno social ou ambiental é incompatível com o principal objetivo da empresa de maximização do retorno financeiro aos acionistas. Investimentos em ações socioambientais gerariam custos adicionais, resultando em uma redução do lucro.

Numa corrente mais otimista, surgem os argumentos que defendem que a agenda socioambiental pode trazer resultados positivos para as empresas. Para Porter (2002), as empresas reconhecem que iniciativas que geram valor para a sociedade ou para o meio ambiente podem trazer-lhes vantagem competitiva no longo prazo, apesar de que as razões exatas que levam as empresas a tomarem essas iniciativas ainda não são muito claras. Os otimistas com relação às práticas empresariais responsáveis argumentam que se, por um lado, existe a pressão dos acionistas para maiores lucros, do outro lado, existe a pressão dos demais stakeholders para que os lucros financeiros não sejam obtidos à custa do bem-estar social ou trazendo prejuízos ao meio ambiente.

Inserido no debate sobre as motivações das empresas para se engajarem em ações socioambientais, este trabalho tem como principal objetivo investigar se os investimentos em práticas socioambientais resultam em um maior retorno financeiro para as empresas que os realizam. Na literatura internacional, há vários estudos que procuraram analisar empiricamente a correlação entre o desempenho financeiro e o desempenho socioambiental das empresas. Este trabalho procura contribuir para esse debate por meio de um estudo empírico voltado ao mercado brasileiro. Assim como em alguns trabalhos internacionais, procura-se investigar não apenas a correlação, mas também a relação causal.

O artigo está organizado em seis seções além desta introdução. Na segunda seção, discute-se brevemente o conceito de RSE. Na terceira, apresentam-se alguns trabalhos empíricos (internacionais e nacionais) sobre a relação entre desempenho financeiro e socioambiental, destacando as principais variáveis usadas para medir esses desempenhos e as principais conclusões levantadas pelos autores com base nas hipóteses teóricas encontradas na literatura. Na quarta seção, são definidas as variáveis que foram utilizadas neste trabalho, e, nas duas seções seguintes, são apresentados os modelos econométricos e os resultados das estimações. Por fim, são destacadas as conclusões.

Vale notar que não foi reservada uma seção específica de resenha teórica sobre o assunto. As principais hipóteses teóricas levantadas na literatura sobre a relação entre desempenho financeiro e investimentos em ações socioambientais são discutidas ao longo da apresentação dos estudos empíricos, na terceira seção. Ao exporem seus resultados, esses trabalhos também discutem diferentes hipóteses teóricas.

O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL EMPRESARIAL

O conceito de RSE é bastante abrangente. Mesmo entre os muitos estudiosos do tema, não existe um consenso sobre como defini-lo de uma forma única e precisa. Apesar de se observar um envolvimento crescente das empresas nas questões socioambientais, os modelos adotados por cada empresa diferem consideravelmente conforme as motivações e estímulos que levam seus executivos a se engajarem nelas. Existem, no entanto, alguns aspectos comuns entre as várias definições de RSE. O principal deles é o que argumenta que a empresa deve aprimorar seu modelo de gestão no sentido de atingir múltiplos objetivos, não apenas financeiros, mas também não financeiros.

Segundo Ursini e Bruno (2005, p. 32) o Instituto Ethos define a RSE da seguinte forma: "Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais".

Para Holme e Watts (2000, p. 8), "Responsabilidade social corporativa é um compromisso contínuo das empresas para agir de forma ética e contribuir para o desenvolvimento econômico enquanto melhora a qualidade de vida da sua força de trabalho e suas famílias, bem como da comunidade local e da sociedade como um todo". McWilliams e Siegel (2001), por sua vez, definiram a responsabilidade social corporativa como um conjunto de ações que resultam em benefícios sociais futuros, sendo que tais ações não devem se limitar apenas a atender os requisitos legais.

O principal desafio para a adoção de um modelo de gestão inspirado nesses conceitos e valores diz respeito à forma como as decisões estratégicas podem ser tomadas, de modo a conciliar as expectativas dos stakeholders por uma gestão mais responsável e as expectativas dos shareholders pela maximização do retorno financeiro. Os mais céticos argumentam que, na tentativa de atender às pressões dos stakeholders, os executivos passam a dedicar excessivo tempo e dinheiro visando atingir os objetivos não financeiros, indo na direção oposta aos objetivos financeiros.

Neste debate, o que se pergunta é se a responsabilidade socioambiental das empresas é sustentável no longo prazo. Por um lado, a estratégia de se posicionar como um líder na questão socioambiental pode trazer vantagens competitivas às empresas, na medida em que o seu público de interesse, sejam os consumidores ou os investidores, se torne mais exigente e criterioso na escolha dos produtos e no destino do seu investimento. Por outro lado, não se pode ignorar um possível aumento expressivo de custos decorrente de investimentos socioambientais.

RELAÇÃO ENTRE DESEMPENHO FINANCEIRO E SOCIOAMBIENTAL: ALGUNS TRABALHOS EMPÍRICOS INTERNACIONAIS E PARA O BRASIL

Nos diversos estudos a respeito da relação entre desempenho financeiro e socioambiental, é possível observar um dilema comum para seleção dos indicadores de desempenho financeiro: a utilização de indicadores de mercado ou indicadores contábeis. Como indicador de mercado, Cochran e Wood (1984) utilizam o retorno ao investidor como uma medida de desempenho do ponto de vista dos acionistas, enquanto outros auto-res utilizam a variação do preço das ações, acrescentando os dividendos na composição desse indicador (ABBOTT e MONSEN, 1979).

No caso dos indicadores contábeis, os mais utilizados são as variáveis que refletem o desempenho financeiro como resultado das políticas de gestão interna. Tais indicadores são publicados nos relatórios contábeis de balanço patrimonial e demonstrativo de resultado do período. As variáveis mais utilizadas são: ROA, retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) e retorno sobre as vendas (ROS) (WADDOCK e GRAVES, 1997).

A crítica à utilização dos indicadores contábeis ressalta as diferenças dos procedimentos contábeis adotados por cada empresa, o que pode criar uma distorção nos resultados. McGuire e outros (1988) argumentam que os indicadores contábeis deveriam ser ajustados por alguma medida de risco e por características do setor da indústria. Outros estudos, no entanto, sugerem que o valor de mercado apresenta mais desvantagens, pelo fato de refletir as expectativas futuras dos investidores em relação ao desempenho da empresa (BREALEY e MEYERS, 2001), além do fato de que as empresas de capital fechado não possuem essa medida. De todo modo, várias pesquisas foram realizadas utilizando-se tanto os indicadores contábeis quanto os indicadores de mercado como medidas de desempenho financeiro, observando as limitações acima descritas.

Em relação aos indicadores de desempenho socioambiental, o desafio é ainda maior. A principal desafio para a realização das pesquisas sobre o tema é a não disponibilidade de dados que consigam capturar o desempenho do ponto de vista tanto qualitativo como quantitativo das ações de RSE praticadas. As pesquisas iniciais, realizadas principalmente nos Estados Unidos, utilizaram índices de reputação das empresas, que as classificavam de acordo com o seu desempenho em RSE por meio de uma nota com escala determinada. No estudo realizado por Cochran e Wood (1984), foi utilizado o índice de reputação criado por Moskowitz, cuja escala varia de 1, para as empresas com melhor desempenho, a 3, para as empresas com pior desempenho. O resultado desse estudo indicou que, dentro dos setores da indústria, as empresas com ativos mais novos tendem a ter um melhor desempenho em RSE, comparativamente às empresas com ativos mais antigos. Além disso, após controlar a idade dos ativos, os autores encontram evidências de correlação positiva entre desempenho financeiro e desempenho socioambiental.

No final da década de 1980, os estudos já passaram a contar com dados de melhor qualidade para avaliar o desempenho socioambiental das empresas. Um importante índice utilizado pelos pesquisadores atuais é o denominado FTSE KLD 400 Social Index (KLD400), elaborado pela empresa KLD Research & Analytics, Inc, que avalia o desempenho de 400 empresas nos critérios considerados relevantes para a RSE, como relação com a comunidade, diversidade, relação com os funcionários, direitos humanos, segurança e qualidade do produto, meio ambiente e governança corporativa – além de reprovar qualquer tipo de envolvimento das empresas com as indústrias nuclear, bélica ou de tabaco e com conflitos étnicos. Outra medida também bastante utilizada é a nota obtida no relatório anual de reputação empresarial publicada pela revista americana Fortune. Essa pesquisa avalia as maiores empresas do mundo em aproximadamente 25 setores da indústria, considerando seis critérios: saúde financeira, montante de investimento de longo prazo, utilização dos ativos, qualidade da gestão, utilização de talentos corporativos e responsabilidade social e ambiental.

McGuire e outros (1988) utilizaram o indicador publicado pela revista Fortune como medida de desempenho em RSE e procuraram analisar as correlações entre os indicadores socioambientais e os indicadores financeiros, tanto contemporaneamente como com defasagem temporal. Encontraram evidências de correlação positiva entre o indicador financeiro contábil ROA e o indicador de desempenho socioambiental, sendo que o mesmo não foi verificado para os demais indicadores financeiros contábeis e para os indicadores financeiros de mercado.

Esses autores também estenderam seu estudo para analisar uma possível relação causal entre os indicadores financeiros e os indicadores socioambientais, sendo os indicadores financeiros considerados como variáveis dependentes e os indicadores socioambientais como variáveis explicativas. Dois períodos foram considerados para o desempenho financeiro das empresas: 1977 a 1981 e 1982 a 1984. Para o primeiro período, os autores observaram que o desempenho socioambiental é um melhor previsor para os indicadores financeiros contábeis, particularmente para o indicador ROA, do que é para os indicadores financeiros de mercado. Já no segundo período, não foi encontrado efeito significativo das variáveis de desempenho socioambiental sobre o desempenho financeiro. Os autores concluem que não é possível afirmar que o desempenho socioambiental gera um impacto no desempenho financeiro no período subsequente.

Em estudo realizado por Waddock e Graves (1997), o índice KLD, descrito anteriormente, foi utilizado como indicador socioambiental, e os indicadores financeiros considerados foram o ROA, o ROE e o ROS. Dois modelos foram estimados, e, no primeiro, o indicador socioambiental do ano de 1990 foi a variável dependente, e os indicadores financeiros para o ano de 1989 foram as variáveis independentes. Essa estimação indicou a existência de correlação positiva e significante entre o desempenho financeiro em (t-1) e o desempenho socioambiental em (t). No segundo modelo, a regressão utilizou os indicadores financeiros para o ano de 1991 como variáveis dependentes e o indicador socioambiental para o ano de 1990 como variável independente. Mais uma vez, os autores encontraram evidências de relação positiva, pois foi observada correlação positiva e significante entre o desempenho socioambiental em (t-1) e o desempenho financeiro medido pelas variáveis ROA e ROS em (t). Para a variável ROE, os resultados não foram significativos.

Estudos mais recentes confirmam a hipótese de correlação positiva entre desempenho financeiro e desempenho socioambiental. No trabalho publicado por Laan e outros (2008), foram utilizados sete índices KLD desagregados (público interno, clientes, investidores, comunidade, diversidade, meio ambiente e direitos humanos) como medidas de desempenho socioambiental e os indicadores financeiros ROA e lucro por ação (LPA), ambos indicadores contábeis, como medidas de desempenho financeiro. Os dados coletados compreendem o período de 1997 a 2002, e os resultados indicam que investimentos realizados nas demandas sociais de stakeholders primários (empregados, consumidores e investidores) contribuem para melhorar o desempenho financeiro, não acontecendo o mesmo quando os investimentos visam atender às demandas dos stakeholders secundários. Além disso, os resultados revelam que o efeito positivo de um bom desempenho social no desempenho financeiro é menos intenso que o efeito negativo de um mau desempenho social.

Beurden e Gossling (2008) realizaram uma revisão da literatura sobre o tema. Visando a uma análise consistente dos trabalhos, os autores selecionaram apenas aqueles que utilizaram como indicadores de desempenho socioambiental questões sociais, ações sociais ou indicadores de reputação, e indicadores contábeis como variáveis de desempenho financeiro. No total, foram analisados 34 trabalhos, entre os quais 23 sugerem a existência de correlação positiva entre desempenho financeiro e desempenho socioambiental. Nove apresentaram resultados estatisticamentes não significantes e dois sugerem que o desempenho financeiro está negativamente relacionado ao desempenho socioambiental. Assim sendo, de um modo geral, os estudos sugerem que há correlação positiva e significante entre o desempenho financeiro e o desempenho socioambiental das empresas. Contudo, os trabalhos não permitem inferências seguras sobre relações causais.

As duas possíveis direções de causalidade foram classificadas por Waddock e Graves (1997) como: "Disponibilidade de Recursos" e "Boa Gestão". A primeira refere-se à ideia de que um bom desempenho financeiro gera recursos excedentes que podem ser utilizados em investimentos socioambientais. A direção de causalidade, nesse caso, é o desempenho financeiro como estimador ou previsor do desempenho socioambiental. Já a teoria da "Boa Gestão" sugere que boas práticas gerenciais, aplicadas no formato de responsabilidade socioambiental, melhoram o relacionamento da empresa com seus stakeholders, e que essa melhoria resultaria em um melhor desempenho financeiro. Waddock e Graves citam, por exemplo, investimentos para a melhoria da política de Recursos Humanos, gerando aumento da produtividade como resultado da maior motivação dos funcionários. Já McGuire e outros (1988) citam a melhoria da reputação e imagem da empresa, o que pode melhorar o acesso às fontes de capital.

As duas categorias de relação causal ("Disponibilidade de Recursos" e "Boa Gestão") podem criar um ciclo virtuoso ou relação circular, em que o excesso de recursos excedentes promove a adoção de boas práticas gerenciais que, por sua vez, resultam em melhor desempenho financeiro, gerando novamente excesso de recursos. Nos modelos econométricos mais simples, essa relação circular pode acarretar um problema de simultaneidade entre as variáveis independentes e a variável dependente, denominado endogeneidade, que dificulta a estimação do real efeito de uma variável sobre a outra, pois gera estimadores viesados das relações causais. Waddock e Graves (1997) reconhecem essa limitação no seu trabalho.

É importante ressaltar que, do ponto de vista teórico, não há consenso na literatura a respeito da relação entre investimentos socioambientais e desempenho financeiro. Até mesmo uma correlação negativa poderia ocorrer, pelo fato de a empresa perder vantagem competitiva quando investimentos em ações socioambientais provocam uma elevação na estrutura de custos, com gastos não despendidos pelos concorrentes. Essa elevação de custos teria um impacto direto e negativo no lucro da empresa (WADDOCK e GRAVES, 1997).

Por fim, no que se refere aos estudos nacionais sobre o tema, o primeiro trabalho baseado em uma amostra de empresas é o de Borba (2006). Para medir o desempenho socioambiental, foi utilizado o Indicador de Desempenho Social Corporativo (IDSC), cujo valor foi calculado com base em uma metodologia desenvolvida pelo próprio autor, com os os dados dos balanços sociais divulgados pelas empresas. Borba (2006) analisa, por regressão linear, a relação entre as variáveis de desempenho socioambiental e desempenho financeiro, tanto no mesmo ano quanto com defasagem temporal, considerando as duas direções possíveis de causalidade. Segundo os resultados desse estudo, não há evidência quanto à existência de uma relação positiva entre o desempenho financeiro e o desempenho socioambiental. O autor cita, no entanto, algumas restrições do modelo, como o tamanho da amostra e a presença de problemas de endogeneidade, que podem ser considerados como fatores limitantes da pesquisa.

Outro estudo, realizado por Cesar e Silva (2008), procurou investigar a relação entre o desempenho financeiro e o desempenho socioambiental com base na análise de empresas de capital aberto listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O autor utilizou o método de regressão em painel com efeito fixo, sendo as variáveis dependentes os indicadores contábeis de ROA e ROE, e as variáveis independentes os indicadores de investimento social interno, externo e em ações ambientais. Os testes realizados para verificar um possível impacto dos investimentos socioambientais no período (t) no desempenho financeiro no período seguinte (t+1) não evidenciaram nenhuma relação significante. O autor apontou o tamanho da amostra como a principal limitação da pesquisa.

Tupy (2008) também realizou estudo sobre o tema, investigando empresas cujas ações compõem diferentes índices da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Ao comparar empresas com práticas sociais e de preservação ambiental (Índice de Sustentabilidade – ISE) com empresas que não se enquadram nos critérios de seleção sobre práticas sociais e ambientais (IBR-X), o autor conclui que as empresas do ISE agregaram mais valor econômico em relação ao ativo total do que as empresas do IBR-X. Porém, ao realizar uma análise de regressão linear, o autor não encontrou correlações significativas entre a adoção de práticas sociais e de preservação ambiental e o desempenho financeiro.

Borba (2006), Cesar e Silva (2008) e Tupy (2008) realizaram análises de regressão e testaram correlações, porém não investigaram com maior rigor as questões relacionadas à direção de causalidade.

Este trabalho visa contribuir para a continuidade dos estudos empíricos anteriormente realizados para o Brasil, principalmente no que se refere à análise das relações de causalidade entre as variáveis de desempenho socioambiental e desempenho financeiro. Isso será feito baseado na estimação de modelos de variável instrumental, que dão um tratamento especial ao problema da endogeneidade descrito anteriormente.

DADOS E DEFINIÇÕES DAS VARIÁVEIS DO MODELO EMPÍRICO

Para este trabalho, foi organizada uma base de dados com as empresas que publicaram seus balanços sociais entre os anos de 2001 e 2007, que possuem capital aberto e que estão listadas na Bovespa. Assim como no estudo realizado por Cesar e Silva (2008), como indicadores socioambientais, foram utilizados os dados extraídos dos balanços sociais das empresas e disponibilizados no banco de dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

O modelo de mensuração do desempenho socioambiental do Ibase é baseado em indicadores qualitativos e quantitativos. São 43 indicadores quantitativos e oito indicadores qualitativos no total, organizados em sete categorias: base de cálculo, indicadores sociais internos, indicadores sociais externos, indicadores ambientais, indicadores do corpo funcional, informações relevantes quanto ao exercício da cidadania empresarial e outras informações.

Para o modelo econométrico estimado neste trabalho, foram consideradas como variáveis indicativas de desempenho socioambiental os investimentos sociais internos e externos e os investimentos em meio ambiente. Nos investimentos sociais internos, são considerados os encargos sociais compulsórios e os demais benefícios ou encargos sociais concedidos aos funcionários – como alimentação, previdência privada, saúde, segurança e medicina no trabalho, educação, cultura, capacitação profissional e creches ou auxílio-creche – além dos bônus concedidos como participação nos lucros. Neste trabalho, a participação nos lucros foi excluída desse indicador, por se tratar de um benefício claramente determinado de maneira simultânea ao desempenho financeiro da firma. A hipótese que se quer investigar é se os benefícios concedidos aumentam a satisfação dos trabalhadores e sua produtividade, aumentando os lucros. A inclusão dos bônus entre os benefícios dificultaria essa análise, dada a relação direta entre estes e o lucro da empresa.

Os indicadores sociais externos representam os investimentos voluntários realizados pelas empresas para as comunidades externas (TORRES e MANSUR, 2008). Tais investimentos foram classificados nas seguintes categorias: educação, cultura, saúde e saneamento, habitação, esporte, lazer e diversão, creches, alimentação, combate à fome e segurança alimentar.

Por fim, os indicadores ambientais representam os gastos empresariais em ações que visam mitigar os problemas ambientais (TORRES e MANSUR, 2008), extensivamente discutidos no contexto das mudanças climáticas. Esse indicador capta os investimentos ambientais relacionados ao processo de produção da empresa e também os investimentos em programas e projetos ambientais externos.

A amostra final é composta por 44 empresas, listadas abaixo, no quadro 1, para o período de 2001 a 2007, totalizando 279 observações, uma vez que nem todas as empresas possuem dados para os sete anos, sendo o painel desbalanceado. As variáveis de investimentos sociais internos, externos e em meio ambiente foram utilizadas como uma proxy indicativa de responsabilidade socioambiental empresarial, já que não há, no Brasil, um índice pronto disponível para o público que considere tanto critérios quantitativos como qualitativos para esse desempenho.


Como indicadores financeiros, foram utilizados os dados contábeis e de valor de mercado publicados por essas empresas e disponibilizados para o público em geral, extraídos da base de dados da Economática. Em relação aos indicadores contábeis, foram utilizados dois daqueles mais frequentemente usados, destacados na terceira seção: (i) o ROA, que corresponde ao lucro líquido dividido pelo total de ativos; e (ii) o ROE, que corresponde ao lucro líquido dividido pelo patrimônio líquido.

Para medir o desempenho financeiro das empresas pelo seu valor de mercado, foi utilizado o indicador Q de Tobin, que é o valor de mercado da empresa dividido pelo custo de reposição dos seus ativos (ou seja, dividido pelo total de ativos).

Conforme sugerido pela pesquisa de Cesar e Silva (2008), foram utilizadas como variáveis de controle o nível de endividamento de longo prazo dividido pelo total dos ativos e também o nível de endividamento de longo prazo dividido pelo patrimônio líquido. Ambas as variáveis representam uma medida de risco.

Vale notar que os modelos utilizados nas estimações (o modelo de efeitos fixos e o modelo GMM-Sys) já controlam todas as características das empresas que são fixas ao longo do tempo, como a classificação setorial, que incorpora todas as características das empresas que são ligadas ao seu setor de atividade.

METODOLOGIA ECONOMÉTRICA

Os modelos estimados foram definidos com o objetivo de realizar, primeiramente, uma análise de correlação e, em seguida, uma análise de causalidade. Para isso, foi utilizado, primeiramente, o modelo de efeitos fixos, assim como em Cesar e Silva (2008) – que, conforme já foi destacado, controla todas as características das empresas que são fixas no tempo. Com isso, se um determinado setor da economia tiver, por alguma razão, melhor desempenho financeiro médio e, ao mesmo tempo, melhor atuação em políticas de responsabilidade socioambiental, isso não distorcerá a relação estimada entre as variáveis de desempenho financeiro e responsabilidade socioambiental.

A equação estimada com base no modelo de efeitos é apresentada a seguir.

Especificação 1: Equação estimada pelo modelo de efeitos fixos

DFit = β1InvIntit + β2InvMeioAmbit + β3InvExtit + β4InvIntit-1 + β5InvMeioAmbit-1 + β6InvExtit-1 + β7DivLP1it + δ1Dt + εit

onde DFit corresponde à variável de desempenho financeiro da empresa i no ano t, que pode ser a variável ROA, ROE ou Q de Tobin, InvIntit corresponde ao investimento social interno da empresa i no ano t, InvMeioAmbit corresponde ao investimento em ações ambientais da empresa i no ano t, InvExtit corresponde ao investimento social externo da empresa i no ano t, DivLP1it corresponde ao endividamento de longo prazo dividido pelo patrimônio líquido para a empresa i no ano t e, finalmente, Dt corresponde a um vetor com seis variáveis binárias indicativas de anos (dummies de ano). Todas essas variáveis (exceto as comumente usadas dummies de ano) foram explicadas na quarta seção, mas vale ressaltar que as variáveis de desempenho socioambiental também foram ponderadas pelo tamanho da empresa, medido pelo total de ativos.

A inclusão de defasagem temporal de um período para as variáveis de investimento em ações socioambientais decorre da ideia de que os possíveis efeitos benéficos desse tipo de investimento não são imediatos. Contudo, ao menos duas críticas podem ser feitas a essa especificação. Uma delas é que os possíveis efeitos benéficos de práticas socioambientais da firma podem demorar mais de um ano para serem desfrutados. A impossibilidade de testar esses efeitos de longo prazo é uma limitação imposta pelo fato de o período observado ser de apenas sete anos. Quando as observações cobrirem um período mais longo, será possível realizar estudos que envolvam defasagens maiores.

A segunda crítica possível corresponde ao problema de endogeneidade decorrente da relação circular entre desempenho financeiro e socioambiental, descrito na terceira seção. O simples controle dos efeitos fixos não resolve esse problema. Assim sendo, num segundo passo, a equação de interesse também foi estimada com base em um modelo que dá tratamento a esse problema de endogeneidade quando do uso de variáveis instrumentais, conhecido como System Generalized Method of Moments Model (modelo GMM_Sys). Esse modelo foi proposto por Blundell e Bond (1998) como uma extensão do modelo de Arellano e Bond (1991), que usa as defasagens das próprias variáveis do modelo como variáveis instrumentais.

A equação estimada com base no modelo GMM_ Sys é apresentada a seguir.

Especificação 2: Equação estimada com base no modelo GMM_Sys

DFit = β0 + β1DFit-1 + β2InvIntit + β3InvMeioAmbit + β4InvExtit + β5InvIntit-1 + β6InvMeioAmbit-1 + β7IntExtit-1 + β8DicLP1it + εit

Nessa equação, os símbolos usados para representar as variáveis dependentes e independentes são os mesmos da equação anterior, estimada com base no modelo de efeitos fixos. As duas equações são praticamente iguais, mas nessa última é incluída uma defasagem da variável dependente do lado direito da equação, para controlar a autocorrelação desta. Além disso, não aparecem as variáveis dummies de ano, pois não foi possível incluí-las nessas estimações. Dado o uso de defasagens como variáveis instrumentais, a inclusão das dummies de ano gera problemas de multicolinearidade.

Como já foi dito, o principal ganho de se estimar o modelo GMM_Sys é o tratamento do problema de endogeneidade gerado pela relação circular entre desempenho financeiro e desempenho em ações socioambientais. Além disso, assim como no modelo de efeitos fixos, o modelo GMM_Sys controla características fixas não observáveis específicas de cada empresa. Com tudo isso, os parâmetros estimados com base nesse modelo, quando são significantes, sinalizam uma relação de causalidade entre as variáveis independentes e a variável dependente, e não apenas uma correlação.

Assim sendo, a estimação desse modelo visa testar a hipótese denominada por Waddock e Graves (1997) como teoria da "Boa Gestão", citada anteriormente neste artigo. Essa teoria sugere que boas práticas gerenciais, aplicadas no formato de responsabilidade socioambiental, melhoram o relacionamento da empresa com seus stakeholders, e que essa melhoria resultaria em um melhor desempenho financeiro. Ao controlar o problema da endogeneidade acima mencionado, busca-se garantir que uma relação positiva encontrada entre investimentos socioambientais e desempenho financeiro decorra desse processo de boa gestão.

A estimação do modelo GMM_Sys, no entanto, não está isenta de problemas. Como coloca Roodman (2009), apesar de o modelo GMM_Sys ter se tornado cada vez mais popular, o uso de muitas defasagens como variáveis instrumentais também pode gerar estimadores viesados dos parâmetros se essas defasagens tiverem correlação fraca com a variável endógena. Isto é, na tentativa de contornar o problema da endogeneidade, outros problemas podem aparecer. Nesse sentido, duas das recomendações de Roodman (2009) são de que as estimações sejam repetidas usando diferentes conjuntos de variáveis instrumentais, e que o número de defasagens usadas como instrumentos não seja grande. Neste trabalho, procurou-se seguir essas recomendações, e, para cada uma das três variáveis dependentes consideradas, foram apresentadas três estimações do modelo GMM_Sys, usando três conjuntos diferentes de variáveis instrumentais em que foram incluídas poucas defasagens como instrumentos. Essa conduta corresponde a um teste de robustez dos resultados, pois os coeficientes estimados com base no modelo GMM_Sys não devem alterar-se substancialmente com a mudança do conjunto de variáveis instrumentais. Quando ocorre uma alteração visível dos parâmetros estimados, isso indica que as estimações pelo modelo GMM_Sys também não podem ser consideradas confiáveis.

RESULTADOS

Este capítulo apresenta os resultados obtidos pela estimação dos modelos econométricos descritos na seção anterior, para cada uma das três variáveis dependentes consideradas: ROA, ROE e o valor de mercado medido pelo Q de Tobin. Conforme já foi destacado, a estimação pelo modelo GMM_Sys foi realizada usando três especificações diferentes em termos da escolha das defasagens a serem usadas como variáveis instrumentais. Como será visto, apenas as estimações relativas à variável dependente ROA apresentaram resultados robustos para as diferentes especificações do modelo GMM_Sys, sendo que os resultados apontam para uma relação de causalidade entre o investimento social interno da empresa em (t-1) e o desempenho financeiro medido pela variável ROA em (t).

Os resultados são apresentados em quatro subseções. As três primeiras dizem respeito a cada uma das variáveis dependentes consideradas e a última compara os resultados obtidos com os resultados de Cesar e Silva (2008).

Resultados relativos à variável Retorno sobre o Ativo (ROA)

A Tabela 1, apresenta os resultados relativos aos modelos estimados para a variável dependente ROA.

O resultado da regressão pelo modelo de efeitos fixos indica que há correlação positiva e significativa entre o investimento social interno em (t-1) e em (t) e o indicador de desempenho financeiro ROA em (t). Os demais indicadores de desempenho socioambiental apresentaram correlações positivas com o indicador ROA, porém não significantes, tanto em (t) quanto em (t-1).

O indicador de endividamento de longo prazo sobre o patrimônio líquido apresentou sempre, conforme esperado, coeficiente negativo, tanto para o modelo de efeitos fixos quanto para as três estimações do modelo GMM_Sys.

As estimações pelo modelo GMM_Sys têm o objetivo de principal de testar a existência de relação causal entre desempenho socioambiental e desempenho financeiro, com o uso de variáveis instrumentais. As três especificações do modelo GMM_Sys indicam, consistentemente, que há um efeito positivo e estatisticamente significante do investimento social interno em (t-1) sobre o indicador de desempenho financeiro ROA em (t). Nenhuma outra variável de desempenho socioambiental apresentou um coeficiente sempre significativo e com o mesmo sinal para as três especificações alternativas do modelo GMM. Assim sendo, o resultado robusto em termos de causalidade é que os gastos sociais voltados para os empregados da empresa tendem a melhorar o desempenho desta, sendo que esse resultado positivo se faz notar num período relativamente curto, que é o de um ano.

Essa constatação é consistente com as teorias de salário-eficiência, que argumentam que as empresas podem obter melhores resultados econômicos ao oferecerem aos seus funcionários salários com valores superiores aos salários estabelecidos pelo mercado. Além disso, essa constatação está de acordo com os resultados obtidos por Laan e outros (2008), que indicam que investimentos realizados nas demandas sociais de stakeholders primários (empregados, consumidores e investidores) contribuem para melhorar o desempenho financeiro.

A medida de investimento social interno utilizada neste estudo é composta pelos benefícios oferecidos aos funcionários, não incluindo o salário nominal e a participação nos lucros. Contudo, os benefícios compõem, direta ou indiretamente, a renda paga pela empresa ao funcionário e podem, portanto, ser incorporados ao conceito de salário-eficiência.

Resultados relativos à variável Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE)

A Tabela 2, a seguir, apresenta os resultados relativos aos modelos estimados para a variável dependente ROE.

Assim como foi observado para a variável ROA, no modelo de efeitos fixos, observa-se que o investimento social interno tem uma correlação positiva e significativa, tanto em (t-1) quanto em (t), com o desempenho financeiro medido pela variável ROE em (t). Essa relação positiva mantém-se nas três estimações realizadas com base no modelo GMM_Sys, tanto em (t-1) quanto em (t), contudo, para a variável ROE, os coeficientes perdem significância estatística. Assim sendo, os resultados obtidos para a variável dependente ROE não contradizem os resultados obtidos para a variável dependente ROA, mas os resultados relativos a essa última são mais fortes e conclusivos.

Também em consonância com os resultados obtidos para a variável ROA, quase todos os demais indicadores de desempenho socioambiental apresentaram correlações positivas com o indicador ROE no modelo de efeitos fixos, tanto em (t) quanto em (t-1), porém não significantes. A única exceção é o investimento social externo em (t-1), em que o coeficiente estimado, não significante, é negativo.

O indicador de risco representado pelo endividamento de longo prazo sobre o patrimônio líquido apresentou, mais uma vez, conforme esperado, coeficiente negativo e significativo tanto para o modelo de efeitos fixos quanto para as três estimações do modelo GMM_Sys.

Resultados relativos à variável dependente Valor de Mercado (Q de Tobin)

A Tabela 3, a seguir, apresenta os resultados relativos aos modelos estimados para a variável dependente Valor de Mercado (Q de Tobin).

Para a variável dependente Q de Tobin, não foi possível obter três estimações do modelo GMM_Sys com testes de especificação satisfatórios (autocorrelação de segunda ordem e teste de sobreidentificação de Hansen). Além disso, nenhuma variável de desempenho socioambiental apresentou um coeficiente significativo para as duas especificações alternativas do modelo GMM_Sys, sendo que, em alguns casos, os sinais encontrados são contrários. Por fim, o coeficiente associado à variável endividamento de longo prazo sobre o patrimônio líquido, que foi negativo e estatisticamente significativo em todas as estimações anteriores, perdeu a significância estatística. Assim sendo, pode-se afirmar que as estimações com a variável dependente Q de Tobin apresentaram resultados menos robustos que as estimações realizadas com os indicadores contábeis ROA e ROE, no sentido de se observar menor coerência entre as diferentes especificações e com relação ao que seria esperado. Por esse motivo, considerou-se arriscado fazer inferências sobre a relação entre investimentos socioambientais e desempenho econômico com base nesse modelo.

CONCLUSÕES

Este trabalho procurou ampliar o conhecimento sobre o tema da RSE no Brasil, com base em um estudo econométrico observando dados disponibilizados pelo Ibase. Essas informações permitiram a construção de um painel de 44 empresas para o período 2001-2007.

Observou-se uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre o investimento social interno das empresas em um determinado ano e os indicadores financeiros contábeis ROA e ROE nesse mesmo ano e no ano seguinte. Além disso, foram encontradas fortes evidências de que essa não é uma simples correlação, mas sim uma relação de causalidade. Isto é, foi constatado que o investimento social voltado para dentro da empresa tem um impacto positivo no desempenho financeiro desta no ano seguinte, medido pela variável ROA. Esse resultado corrobora a argumentação teórica do salário-eficiência, baseada na ideia de que funcionários bem-remunerados e motivados contribuem para o aumento da produtividade, gerando um aumento do lucro. Além disso, esse resultado traz uma novidade com relação a trabalhos empíricos realizados anteriormente para o Brasil, como os de Borba (2006), Cesar e Silva (2008) e Tupy (2008), uma vez que esses autores não encontraram correlações estatisticamente significativas entre variáveis de desempenho socioambiental e desempenho econômico.

Com relação às demais variáveis de desempenho socioambiental investigadas neste estudo, como o investimento social externo e o investimento em ações ambientalmente responsáveis, não foi encontrado nenhum resultado claro de que estas tenham um efeito sobre medidas de desempenho financeiro, pelo menos não no curto prazo. Assim, constata-se que os resultados deste estudo estão de acordo com aqueles obtidos por Laan e outros (2008), os quais concluem que investimentos realizados nas demandas sociais de stakeholders primários (empregados, consumidores e investidores) contribuem para melhorar o desempenho financeiro, não acontecendo o mesmo quando os investimentos visam atender às demandas dos stakeholders secundários.

Pode-se dizer, então, que os resultados deste estudo corroboram, ao menos em parte, a teoria denominada por Waddock e Graves (1997) como teoria da "Boa Gestão", a qual sugere que boas práticas gerenciais, aplicadas no formato de responsabilidade socioambiental, melhoram o relacionamento da empresa com seus stakeholders, e que essa melhoria resultaria em um melhor desempenho financeiro. Entretanto, este estudo indica que apenas a melhoria do relacionamento com stakeholders primários tem o efeito previsto teoricamente.

A principal limitação enfrentada por este trabalho refere-se à reduzida quantidade de empresas que disponibilizam dados sobre o desempenho socioambiental e, principalmente, o curto período para o qual há dados disponíveis. Em função da limitação do período da amostra, não foi possível fazer inferências sobre a relação entre investimentos socioambientais e o desempenho financeiro das empresas no longo prazo. À medida que as questões socioambientais passem a ganhar maior importância na sociedade, espera-se que novos indicadores socioambientais das empresas sejam disponibilizados, gerando séries mais longas e auxiliando futuras investigações sobre a relação de longo prazo entre desempenho socioambiental e desempenho financeiro das empresas no Brasil.

Recebido em 11.03.2011

Aprovado em 01.08.2011

Avaliado pelo sistema double blind review

Editor Científico: Tales Andreassi

  • ABBOTT, W. F; MONSEN, R. J. On the measurement of corporate social responsibility: self-reported disclosures as a method of measuring corporate social involvement. The Academy of Management Journal, v. 22, n. 3, p. 501-515, 1979.
  • ARELLANO, M; BOND, S. Some tests of specification for panel data: Monte Carlo evidence and an application to employment equations. The Review of Economic Studies, v. 58, n. 2, p. 277-297, 1991.
  • BEURDEN, P. V; GOSSLING T. The worth of values: a literature review on the relation between corporate social and financial performance. Journal of Business Ethics, v. 82, n. 2, p. 407-424, 2008.
  • BLUNDELL, R; BOND, S. Initial conditions and moment restrictions in dynamic panel data models. Journal of Econometrics, v. 87, n. 1, p. 115-143, 1998.
  • BORBA, P. R. T. Relação entre desempenho social corporativo e desempenho financeiro de empresas no Brasil. In: Encontro NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 30, 2006, Salvador. Anais Salvador: ANPAD, 2006.
  • BREALEY, R. A; MEYERS, S. C; MARCUS, A. J. Fundamentals of corporate finance 3rd. ed. Boston: McGraw-Hill, 2001. Section 1.
  • CESAR, J. F; SILVA JR., A. A relação entre a responsabilidade social e ambiental com o desempenho financeiro: um estudo empírico na Bovespa no período de 1999 a 2006. In: Encontro da ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO em ciências contábeis, 2, 2008, Salvador. Anais Salvador: ANPCONT, 2008.
  • COCHRAN, P. L; WOOD, R. A. Corporate social responsibility and financial performance. The Academy of Management Journal, v. 27, n. 1, p. 42-56, 1984.
  • FRIEDMAN, M. The social responsibility of business is to increase its profits. New York Times. New York, p. 32, 13.09.1970.
  • GITMAN, L. J. Princípios da administração financeira 10. ed. São Paulo: Editora Pearson Addison Wesley, 2004.
  • GOODPASTER, K. E; MATTHEWS JR, J. B. Can a corporate have a conscience? Harvard Business Review, v. 60, n. 1, p. 132-141, 1982.
  • HOLME, R; WATTS, P. Corporate social responsibility: making good business sense. World Business Concil for Sustainable Development Publication, p. 8, 01.01.2000.
  • JENSEN, M. C. Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Journal of Applied Corporate Finance, v. 22, n. 1, p. 32-42, 2010.
  • LAAN, G. V. D; EES, H. V; WITTELOOSTUIJIN, A. V. Corporate social and financial performance: an extended stakeholder theory, and empirical test with accounting measures. Journal of Business Ethics, v. 79, n. 3, p. 299-310, 2008.
  • LOBATO, D. M. e outros. Estratégia de empresas 9. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
  • MCGUIRE, J. B; SUNDGREN, A; SCHNEEWEIS, T. Corporate social responsibility and firm financial performance. The Academy of Management Journal, v. 31, n. 4, p. 854872, 1988.
  • MCWILLIANS, A; SIEGEL, D. Corporate social responsibility: a theory of the firm perspective. The Academy of Management Review, v. 26, n. 1, p. 117-127, 2001.
  • PORTER, M. E. The competitive advantage of corporate philanthropy. Harvard Business Review, v. 80, n. 12, p. 56, 2002.
  • ROODMAN, D. A note on the theme of too many instruments. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, v. 71, n. 1, p. 135, 2009.
  • TORRES, C; MANSUR, C. Balanço social, dez anos: o desafio da transparência. Rio de Janeiro: Ibase, 2008.
  • TUPY, O. Investimentos em meio ambiente, responsabilidade social e desempenho econômico-financeiro de empresas no Brasil. Revista de Estudos Politécnicos, v. VI, n. 10, p. 73-86, 2008.
  • URSINI, T. R; BRUNO, G. O. A gestão para a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. Revista da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT), p. 32, 2005.
  • WADDOCK, S. A; GRAVES, S. B. The corporate social performance-financial performance link. Strategic Management Journal, v. 18, n. 4, p. 303-319, 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Out 2011

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2011
  • Aceito
    01 Ago 2011
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br