ARTIGOS
Absorção de mão-de-obra e modernização da agricultura no Brasil*
Walter Chaves Marim
Professor de teoria econômica da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP; mestre em administração, com área de concentração em economia aplicada à administração, pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é tentar conciliar duas posições consideradas antagônicas por muitos estudiosos que se referem à modernização da agricultura e à absorção de mão-de-obra pelo setor agrícola.
Em muitos países, atualmente subdesenvolvidos, a maioria de sua população encontra-se no setor agrícola; e grande parte de sua população economicamente ativa está desempregada e subempregada. Para que estes países possam alcançar a condição de pleno emprego seriam necessárias taxas muito elevadas de industrialização para absorverem todo aquele contingente de mão-de-obra. Esta situação não é típica de alguns países, mas pode-se generalizá-la na maior parte do mundo. Atualmente, a maioria da população mundial vive em países subdesenvolvidos, e a maioria da população mundial depende da agricultura para subsistir. O rápido incremento da população nestes países agrava ainda mais o problema. De que maneira poderão resolver esta questão? Como conseguirão equilibrar o crescimento econômico com o crescimento demográfico dentro de uma distribuição equitativa de renda?
A idéia generalizada é de que a tecnificação e a capitalização agrícolas permitem produzir quantidades crescentes de alimentos, fibras e outras matérias-primas com um número cada vez mais reduzido de trabalhadores agrícolas. Como a expansão da indústria e dos serviços se faz em ritmo mais acelerado, a participação deste setor na economia torna-se cada vez menos expressiva.
O nível de desemprego nos países subdesenvolvidos tem-se tornado uma preocupação geral não só dos economistas, como também dos dirigentes políticos. Suas preocupações estão voltadas para a execução de programas destinados à melhoria deste angustiante problema socioeconómico. Apesar dos esforços de diversos países em desenvolvimento, a situação é tão grave como antes. Esta situação não se traduz num baixo crescimento econômico destas nações, pois as regiões de diversas partes do mundo em desenvolvimento apresentam taxas de crescimento de seus PIB provavelmente superiores às das regiões hoje desenvolvidas quando apresentavam o mesmo estágio de desenvolvimento, mas sim, numa maneira de difundir os benefícios criados pelo crescimento a toda população do país.
Apesar do substancial aumento de renda per capita que muitos países menos desenvolvidos alcançaram nestas últimas décadas, observa-se que a maior parte desta renda está concentrada entre a minoria; apesar de que tais taxas de crescimento tenham sido particularmente elevadas, os grupos mais pobres pouco se beneficiaram, tanto em termos absolutos como em termos relativos.
O problema não é essencialmente o da adoção de uma política que elimine a distorção na distribuição da renda nestes países, mas o da adoção de um plano de desenvolvimento que proporcione a esta população empregos produtivos com o objetivo de eliminar a pobreza reinante dando condições de sobrevivência ao menos dentro dos padrões mínimos indispensáveis a todo ser humano. O problema da desigualdade na distribuição de renda deverá ser automaticamente amenizado quando toda a população estiver produtivamente ocupada. Somente com a escassez de mão-de-obra poder-se-á corrigir as disparidades na distribuição de renda.
Pela experiência brasileira pode-se provar que a relação crescimento de renda e criação de emprego foi insuficiente para resolver o problema da distribuição; pelo contrário, a distribuição de renda tomou-se cada vez mais regressiva no Brasil.
As bases do atual "modelo de desenvolvimento brasileiro" foram lançadas no período 57/62, permitindo a entrada de grandes empresas multinacionais, manutenção de elevada taxa de crescimento e alto índice de concentração de renda.
Após o período de recessão 1962/67, o reconhecimento da necessidade de ampliação de nossas exportações foi considerado um fator importante, pois, além de suprir as necessidades de divisas e permitir o maior aproveitamento da capacidade instalada na indústria elas proporcionariam condições adicionais para um crescimento acelerado das atividades industriais e atingir escalas de produção mais elevadas. Seria, então, a continuação do Modelo de Substituição de Importações com, ao mesmo tempo, a abertura para o mercado internacional. Como a participação dos produtos das indústrias dinâmicas (produtoras de bens de consumo duráveis) em nossa pauta de exportação tem crescido pouco, são as indústrias tradicionais (produtoras de bens de consumo não-duráveis) que têm atendido aos apelos do Governo à sua ampliação. O crescimento industrial brasileiro não está ligado às exportações, pois tem sido relativamente pequena a participação das indústrias dinâmicas na obtenção de divisas. Em 1974, os itens material de transporte; máquinas e aparelhos elétricos; caldeiras, máquinas, aparelho de instrumentos mecânicos representaram apenas 6,5% do total de nossas exportações.
Por outro lado, as empresas multinacionais ao produzirem bens de consumo para o mercado interno têm gerado demanda complementar por bens intermediários e bens de capital importados e conseqüentes pressões sobre o balanço de pagamentos. Para aliviar as pressões do balanço de pagamentos, incentivos são oferecidos aos banqueiros e empresários internacionais para uma canalização cada vez mais intensiva de divisas para nossa economia.
Sendo a acumulação de capital função do excedente econômico, são as indústrias dinâmicas ou as grandes empresas multinacionais que controlam grande parte desta acumulação, sendo, portanto, responsáveis pela alta taxa de crescimento da economia brasileira. O capital não é homogêneo e, obviamente, não pode ser dirigido a outros setores produtivos da economia. Ele pertence a um setor altamente produtivo e de rentabilidade elevada. Se houver ameaças, por parte do Governo, de reduzir o índice de lucratividade destas empresas, elas responderão com uma queda nos investimentos. O crescimento da economia brasileira está, em grande parte, condicionado aos interesses dos capitalistas internacionais. Mas não é somente o perigo na retração dos investimentos a ameaça que se faz ao atual "modelo brasileiro". Ele vê-se ameaçado, também, por uma futura saturação no mercado consumidor de produtos de luxo. A crise econômica que ocorreu no início da década passada poderá repetir-se e talvez em proporções mais desastrosas. A abertura que houve no mercado consumidor com a ascensão dos tecnoburocratas aos poderes econômico-político, a partir de 1964, não tomou o modelo, indefinidamente, auto-sustentável, isto é, sem tendências à estagnação. Esta distribuição de renda no topo da pirâmide mantém considerável percentagem da população do País marginalizada do processo de desenvolvimento econômico. Há necessidade de um processo redistributivista mais intensivo com conseqüentes alterações na estrutura da demanda e mudanças de "valor" no processo produtivo. As indústrias tradicionais de hoje passariam a ditar as taxas de crescimento da economia; ou seja, passariam a ser as indústrias "dinâmicas". Haveria uma inversão de valores: a estrutura da oferta estaria condicionada à estrutura da demanda.
A análise do "modelo brasileiro de desenvolvimento econômico" nos mostra uma política de desenvolvimento voltada para um setor extraordinariamente dinâmico e pouco absorvedor de mão-de-obra com conseqüências desagradáveis para o sistema: desemprego e concentração de renda.
Eis o impasse: desenvolver esforços no sentido de elevar a economia à condição de pleno emprego ou utilizar "modelo de desenvolvimento econômico" que satisfaça os desejos de consumo sofisticado.
2. O PROBLEMA DO DESEMPREGO NO BRASIL
Pode-se definir um processo de desenvolvimento econômico como aquele que se caracteriza pela transição contínua da força de trabalho do setor tradicional da economia para o setor capitalista, como no conhecido modelo de Arthur Lewis.1 Para Lewis, essa passagem de mão-de-obra pode-se dar pela movimentação física intersetorial, como no caso do movimento migratório do setor primário tradicional para o setor secundário, ou, simplesmente, pela elevação dos níveis de produtividade no setor tradicional, transformando-o, conseqüentemente, num setor moderno da economia. Ambos os casos são acompanhados por um processo de acumulação de capital e expansão de mercados. Assim, teríamos a eliminação do setor tradicional, abolindo, portanto, o dualismo estrutural da economia.
Na realidade brasileira, ocorreu o primeiro caso, ou seja, a transferência contínua de mão-de-obra do setor rural para o urbano, gerando desemprego crescente, em virtude da reduzida absorção de mão-de-obra pelo setor secundário, considerada, proporcionalmente, uma das mais baixas do mundo.
Observa-se pela tabela 1 a importante participação do nosso produto industrial em relação ao PIB. Esta participação chega a percentagens típicas de países desenvolvidos (em 1971, conforme dados da FGV, esta participação alcançou 32,1%) e a participação da mão-de-obra empregada no setor em relação ao total de mão-de-obra ocupada na economia alcançou taxa irrisória. Enquanto os países desenvolvidos apresentam taxas de participação semelhantes entre produto secundário/PIB e emprego no setor secundário/população ocupada, o Brasil apresenta um acentuado desequilíbrio.
No período 1950/1960 a taxa de absorção da população economicamente ativa pelo setor secundário foi de apenas 10% em relação ao crescimento da população economicamente ativa total (o setor secundário absorveu somente 600 mil pessoas, para um incremento de 5.500 mil). Para o período 1960/1970 a situação melhorou consideravelmente, chegando a aproximadamente 32% do total do acréscimo no período. É plenamente justificada pela grande dinamização do processo de industrialização no período 1967/1970 e acentuada participação da indústria de construção. A participação da indústria de transformação em relação à população economicamente ativa passou de 7,2 em 1940 para 10,9% em 1970, e em termos absolutos isto significa, aproximadamente, um acréscimo de apenas 2 milhões de pessoas.
Os fenômenos do desemprego e do subemprego urbano podem ser atribuídos às migrações rurais-urbanas, que se têm processado de maneira relativamente intensiva no período do processo de industrialização brasileira, criando uma acelerada taxa de urbanização em ritmo bastante superior ao da própria industrialização.
Se levarmos em consideração como população urbana somente aquela em aglomerações superiores a 5 mil habitantes, notamos que, atualmente, metade da população brasileira vive no setor rural.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios a taxa de desemprego declarado no Brasil é relativamente baixa (tabela 2). É tão baixa que somente os países plenamente desenvolvidos têm condições de exibila. Então, qual a situação real do Brasil? Poderíamos medir a taxa de participação, ou seja, a participação percentual da população economicamente ativa em relação à população total e compará-la em países desenvolvidos. Para os anos de 1940, 1950, 1960 e 1970, a taxa de participação foi, respectivamente, de 35, 33, 32 e 31%. Em termos internacionais, esta taxa de participação é muito baixa, já que há países em que ela chega a quase 50%. É baixa até mesmo em relação aos padrões da América Latina, apesar de nossa pirâmide etária contribuir parcialmente para este achatamento, pois mesmo aí chega a cerca de 35%, no período de 1950 a 1965.
Quais as causas que poderiam justificar esta baixa taxa de desemprego declarado no Brasil? Sem dúvida alguma, a causa mais importante a ser considerada é o grande desempenho do setor terciário em absorver mão-de-obra; grande parte dos indivíduos encontra trabalho com facilidade em atividades como: lavador de carros nas ruas, guardador de carros, engraxates, vendedores de frutas e de outros diversos produtos ambulantes e diversas outras formas de "biscate" que lhes proporcionam remuneração abaixo do desejável para atender ao mínimo de subsistência. Desta maneira pode-se ter reduzido o desemprego declarado e ter aumentado consideravelmente o desemprego disfarçado (termo empregado por Joan Robinson, ainda durante a depressão dos anos 30, para descrever as atividades daqueles que tendo perdido empregos de alta produtividade e remuneração aceitavam trabalhos inferiores, gerahnente de forma autônoma, como alternativas ao desemprego completo)2 urbano.
Para efeito comparativo vamos apresentar as taxas de desemprego declarado de mão-de-obra no setor não-agrícola referentes aos anos de 1968 (terceiro trimestre) e 1972 (quarto trimestre) em relação à força de trabalho não-agrícola, de acordo com os dados de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD).
Observa-se que no período considerado houve uma queda acentuada na taxa de desemprego declarado para todas as regiões, com exceção da região I.
Dois técnicos do IPEA, Q'Brien e Salm,3 utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), estimaram o subemprego no Brasil numa tentativa de apurar com maior cuidado a subutilização da força de trabalho não-agrícola. Os autores incluíram no estudo uma categoria adicional e chamaram de "subemprego visível". Esta categoria inclui aquelas pessoas que trabalham em tempo parcial (menos de 40 horas por semana) quando prefeririam trabalhar em tempo integral, e mais aquelas que normalmente trabalham em tempo integral, mas que por ocasião da pesquisa ocupavam-se em tempo parcial por "motivos econômicos".4 Desta maneira não só estavam disponíveis para o trabalho aquelas pessoas que se declararam desempregadas como também aquelas que constam com tempos disponíveis para exercerem outra atividade.5
Utilizando o método de O"Brien e Salm, vamos levantar as taxas de desemprego declarado e subemprego visível para os anos de 1968 (terceiro trimestre) e 1972 (quarto trimestre) em relação à força de trabalho não-agrícola.
O confronto entre os dados de 1968 e 1972 revela razoável diferença. A queda verificou-se não somente para o desemprego declarado como também para o subemprego visível, com exceção da região I. Tal desempenho justifica-se pelo acelerado processo de industrialização do período e pelas grandes obras de infra-estrutura. Mesmo para a região V, que inclui os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, onde as taxas de desemprego declarado e subemprego visível alcançavam 18% da força de trabalho não-agrícola em 1968, no período comparado caíram para 12,5%. Esta redução percentual poderia ser atribuída à crescente oferta de emprego pelo setor industrial? O surto de industrialização do período parece-nos muito tímido em termos de absorção de mão-de-obra quando comparado com a volumosa taxa de desemprego e subemprego desta região. Outros fatores devem ter contribuído para esta redução. Dentre eles, o mais expressivo foi a grande seca verificada no Nordeste, em 1970. A evasão de mão-de-obra não se verificou somente para os estados do Sul, como também para os estados do Norte, em razão do apressamento da construção da rodovia Transamazônica e também devido à construção de outras obras de infra-estrutura que faziam parte do plano de emprego levado pelo Governo na região, a fim de absorver todo aquele excedente de mão-de-obra, liberado pelo setor de subsistência e que se aglomerava nos centros urbanos, gerando, inclusive, um princípio de comoção social. Apesar de o salário pago ser relativamente baixo (girava em tomo de 70 e 80% do salário mínimo da região), esta política teve resultado satisfatório uma vez que conseguiu amenizar o problema, como mostram as tabelas 4 e 5.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a própria mobilização de mão-de-obra dentro de região. No período 1970/1972, as atividades não-agrícolas da região V aumentaram em 5% a mão-de-obra empregada enquanto as atividades agrícolas apresentaram um incremento de 20%.
Para a região III (compreende os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), a queda das taxas de desemprego declarado mais subemprego visível de 12,1% para 7,4% da força de trabalho não-agrícola pode ser explicada pela crescente participação do setor agrícola na absorção de mão-de-obra. No período 1968/1972 as ocupações em atividades não-agrícolas evoluíram de 3.043 mil para 3.172 mil pessoas ocupadas, enquanto o total de empregos no setor agrícola, no mesmo período, passou de 3.082 mil para 3.895 mil pessoas empregadas.
Além do "subemprego visível" O"Brien e Salm fizeram uma estimativa do "desemprego disfarçado" levando em consideração o nível de renda das pessoas incluídas no grupo "empregadores e trabalhadores por conta própria". Nesta estimativa está implícita que a remuneração é um indicador razoável de produtividade e que a baixa produtividade decorre da subutilização da força de trabalho.
Tabela 6 Brasil: desemprego disfarçado não-agrícola - 1968 - 3.o trimestre (% dos empregadores e trabalhadores por conta própria que ganham até Cr$ 49,99* mensais, em relação ao total de empregadores e trabalhadores por conta própria).
Utilizando este método, vamos comparar a participação dos "empregadores e trabalhadores por conta própria" que ganham até meio salário mínimo em relação ao total de empregadores e trabalhadores por conta própria referente aos anos de 1968 (terceiro trimestre) e 1972 (quarto trimestre).
Ao analisar as tabelas 6 e 7, observa-se que é substancialmente crescente a participação da mão-de-obra subocupada nas atividades não-agrícolas para as regiões comparadas. Como o setor secundário tem apresentado uma taxa de absorção de mão-de-obra muito pequena em relação à demanda de emprego total, como conseqüência cresce assustadoramente a participação relativa da mão-de-obra subocupada no setor terciário, de 23,4% do total de empregadores e trabalhadores por conta própria em 1968, para 27,7% em 1972.
Dando seqüência ao modelo de O"Brien e Salm, vamos determinar conjuntamente as taxas de desemprego declarado, subemprego visível e desemprego disfarçado em relação ao setor não-agrícola para os anos de 1968 (terceiro trimestre) e 1972 (quarto trimestre). Uma vez que as cifras de "desemprego disfarçado" não podem ser simplesmente somadas às de "subemprego visível", levando ao perigo de contagem dupla, pois uma pessoa pode estar percebendo, mensalmente, uma remuneração abaixo de meio salário mínimo e ao mesmo tempo seu trabalho estar sendo utilizado parcialmente. Para resolver este problema os autores adotaram o artifício de supor que todos os "trabalhadores por conta própria" em tempo parcial recebiam menos de meio salário mínimo ao mês, e só acrescentaram às suas estimativas uma cifra correspondente a "desemprego disfarçado" quando havia um saldo positivo depois de subtraídos das cifras de "empregadores e trabalhadores por conta própria" que tinham até meio salário mínimo ao mês os valores correspondentes a essa mesma categoria nos ocupados em tempo parcial.
Apesar de ter reduzido o percentual total (de 13,6 para 11,9%) nos períodos considerados, a situação não é animadora, pois em termos absolutos são aproximadamente 2.300 mil pessoas desempregadas, subempregadas e com remuneração até 50% do salário mínimo vigente na região, para uma força de trabalho não-agrícola de quase 19 milhões de pessoas.
Seria interessante assinalar que segundo a PNAD, para o quarto trimestre de 1972, 7 milhões de pessoas nas atividades agrícolas e não-agrícolas gostariam de trabalhar em tempo integral recebendo salário mínimo.
A redução percentual do contingente de mão-de-obra no setor agrícola através das correntes migratórias tem aumentado consideravelmente as pressões demográficas nos centros urbanos, fazendo com que os investimentos em infra-estrutura tornem-se cada vez mais acentuados, pois grande parte da poupança governamental é canalizada para este setor e, por ser insuficiente, canalizam-se ainda poupanças do exterior acelerando fortemente as dividas externas do País.
O crescimento demográfico à taxa de 2,9% ao ano, como o verificado na última década, significa que a demanda de jovens no mercado de trabalho deverá crescer a ritmo idêntico. Como o crescimento da ocupação rural está-se processando a uma taxa de 0,7% (última década) ao ano e o aumento do emprego industrial é decepcionantemente pequeno (exceção feita à indústria de construção que cresceu a ritmos elevados, gerando um milhão de novos empregos no período 1960/1970), são os serviços urbanos que estão sendo chamados a absorver, a níveis de subocupação e baixa produtividade, a maior parte da população que atinge a idade de trabalho, uma vez que, nas duas últimas décadas os centros urbanos mantêm um ritmo de crescimento de aproximadamente 6%, anualmente.
3. CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
Em termos de tendência, a evolução da produção de toda a agricultura foi satisfatória para a última década, apesar de os anos de 1963, 1964, 1966 e 1970 terem sido afetados por fortes adversidades climáticas e conseqüente redução na produção total de nossas lavouras. Estas quedas na produção das lavouras reduziram o produto total da agricultura.
Com relação à importação de produtos da agricultura, podemos notar um leve incremento no período considerado (tabela 10), com exceção de 1973/74 em que houve um comportamento anormal, devido à participação expressiva de cereais. O caso do trigo, o produto agrícola importado de mais alto valor, reflete a expansão do consumo e a dificuldade da produção nacional em substituir este produto em nossa pauta de importação. Entre 1960 e 1974, a participação dos produtos agrícolas no total das importações apresentou, percentualmente, tendência declinante.
Por outro lado, a exportação de produtos de toda a agricultura mostrou evolução acentuadamente positiva para o período em análise. A forte predominância dos produtos da agricultura no total das exportações brasileiras persistiu por todo o período, apesar de apresentarem participação relativa declinante. Em 1960, esta participação girava em torno de 90% e em 1973 era aproximadamente 80%. No transcurso da segunda metade da década passada, o percentual tendeu a declinar à medida que produtos de origem extrativo-mineral e produtos industriais foram sendo incorporados à pauta das exportações.
Apesar deste forte incremento, em valores absolutos, em nossas exportações deve-se notar que o Brasil ainda ocupa posição bastante modesta no comércio internacional (quando comparada com alguns países desenvolvidos). À exceção dos produtos tradicionais, o Brasil participou, no período em análise, com menos de 1% das exportações totais de todos os demais produtos de sua pauta no mercado internacional, percentual este extremamente reduzido em face do potencial produtivo da nossa agricultura.
Os dados referentes ao crescimento dos produtos disponíveis para o mercado interno (produto total da agricultura mais importações menos exportações), quando comparados ao crescimento populacional no período 1960/1974, indicam certa intranqüilidade, porque o incremento no produto disponível para o mercado interno esteve bem abaixo do incremento populacional. Isto simplesmente nos informa que a disponibilidade interna per capita está em declínio, como nos mostra a tabela 11.
Com o acentuado crescimento de nossas exportações, observa-se que a produção destinada à exportação é a principal responsável pelo crescimento deste setor.
Como se pode notar, a queda na disponibilidade interna per capita, tanto para produtos alimentícios quanto para matéria-prima, é uma realidade incontestável.6
Durante este período a agricultura brasileira perdeu acentuada importância relativa, em termos de renda, em relação ao PNB. Apesar de a agricultura apresentar durante o processo de desenvolvimento perda de sua importância relativa, em termos de renda e de população empregada, em conseqüência do conhecido fenômeno "declínio secular da agricultura", esta perda de importância está além daquilo que a economia pode sustentar.
O processo de modernização da agricultura brasileira deve ser encarado com maior seriedade pelos governantes, pois se hoje não temos uma escassez generalizada de diversos produtos é devido, exclusivamente, à liderança de seus preços na corrida inflacionária, gerando real perda de poder aquisitivo para grande parte da população de menor poder aquisitivo.
Por que a elevação dos preços dos produtos agrícolas não tem funcionado como estímulo para a elevação da oferta no mercado interno? Como veremos, o aumento da produtividade do setor como um todo tem sido insignificante (com exceção de alguns produtos de exportação). Uma vez muito baixo o índice de produtividade da agricultura brasileira, quando comparado com outros países, o aumento da oferta tem-se processado basicamente através da incorporação de novas terras ao cultivo. Esta incorporação de novas terras ao cultivo traz consigo inúmeros problemas: investimento de infra-estrutura em estradas, armazéns e meios de transporte; deslocamento de populações e expansão de assistência técnica e financeira, além da inevitável supervalorização das terras, elevando de maneira acentuada os custos de produção.
Nestes últimos cinco anos, em virtude dos preços em ascendência dos produtos agrícolas, as terras de melhor qualidade foram disputadas numa corrida que contou com a participação de agricultores tradicionais, que procuravam ampliar suas lavouras, depois que determinados produtos alcançaram altos preços, e de investidores desiludidos com as aplicações na Bolsa de Valores.
Considerável aumento na oferta de alimentos só poderá ser realizado por meio de aumento da produtividade, mediante uso de fertilizantes, eliminação de acidentes geográficos, execução de obras de drenagem e irrigação, sementes geneticamente preparadas, pessoal técnico e capital.
4. A BAIXA PRODUTIVIDADE DO SETOR AGRÍCOLA E A DETERIORAÇÃO DOS SALÁRIOS
A baixa produtividade do setor agrícola brasileiro é uma realidade incontestável. Como vimos, a expansão da oferta de produtos agrícolas tem-se dado a taxas muito baixas não acompanhando nem mesmo o crescimento vegetativo da população. Este crescimento teria de ser muito elevado, pois além de cobrir a demanda proveniente de crescimento populacional deveria cobrir ainda aquela referente ao grau de subalimentação de grande parte da população, desde que seu preço se compatibilizasse com os baixos níveis de renda das camadas menos favorecidas.
Pela comparação entre a área total com lavouras e o valor real da produção de todas as culturas verifica-se que para o período 1959/1963 e 1968/1972 enquanto o valor da produção agrícola cresceu em 30% a área total incorporada ao cultivo cresceu em 32%. Esta comparação prova que a relação produto/área tem sido mais ou menos constante; poderíamos afirmar, também, que a relação produto/área é o melhor indicador como medida de índice de produtividade. Enquanto o índice para a área total com lavouras evoluiu de 100 para 132, no período considerado, o índice do valor real da produção de todas as culturas evoluiu de 100 para 130.
No Brasil, o arroz ocupa, entre todas as lavouras, o primeiro lugar, em relação ao valor da produção, suplantando as culturas do café, milho e cana, que ocupam o segundo, terceiro e quarto lugares, respectivamente. Com referência à área cultivada, a cultura do arroz só perde o primeiro lugar para a cultura do milho, ocupando a segunda colocação.
No período 1959/63, 3.179 mil hectares destinavam-se à cultura do arroz, representando 11,6% da área total cultivada com lavouras. No período 1959/63 a 1968/72 a área destinada ao cultivo do arroz foi ampliada em 49%, enquanto o valor real de sua produção foi acrescido em apenas 11%. Lamentavelmente, este é o comportamento do cultivo do mais importante produto agrícola brasileiro, cuja cultura reveste-se de caráter prioritário, pois constitui-se num alimento básico para o consumo de nossa população.
O rendimento médio (kg/área) da cultura do arroz no Brasil é muito baixo em relação a diversos países.7 Este fato ocorre devido à incorporação de novas áreas de menor fertilidade ao processo produtivo. A incorporação de novas áreas menos produtivas é a solução encontrada pelos agricultores brasileiros para ampliação da produção, gerando, conseqüentemente, menor remuneração aos fatores de produção, principalmente da mão-de-obra empregada no cultivo destes produtos.
Para o trigo, cacau, cana-de-açúcar, batata inglesa, mandioca e banana, conseguiu-se aumentar o índice de produtividade destes produtos na década passada; passou por um nível estacionário a produtividade do milho, laranja e amendoim; entretanto, para as culturas como café, arroz, feijão e algodão, a produtividade caiu. Esses produtos, em conjunto, somam mais de 90% do valor da produção agrícola total.
Estes dados refletem muito bem a causa da fuga de mão-de-obra do setor agrícola para o setor não-agrícola: baixa remuneração do fator trabalho como conseqüência da queda da produtividade média do setor. Este afluxo de mão-de-obra para o setor urbano tem provocado declínio na produtividade média do setor serviços. Como a política governamental tem sido voltada para a criação do maior número possível de empregos urbanos, os reajustes salariais nestes últimos 10 anos têm sido inferiores (com exceção de 1975) aos índices inflacionários mais os índices de produtividade provocando uma queda no custo de mão-de-obra por volume de produção, concomitantemente a um aumento dos lucros das empresas, ampliando de maneira satisfatória os investimentos no País.
O problema fundamental da economia brasileira é a oferta elástica de emprego em virtude de baixa produtividade da mão-de-obra no setor agrícola. Este excedente na oferta de emprego tem proporcionado subsídios a uma política de achatamento dos níveis reais salariais para as classes menos favorecidas. Evidentemente, o problema do Brasil diante da modernização para melhoria da produtividade não é de fácil solução, apesar de os mercados interno e externo apresentarem perspectivas crescentes de capacidade de absorção, uma vez que possamos produzir com índices de produtividade em condições competitivas.
Uma comparação entre a evolução histórica dos salários e a evolução do custo de vida mostra-nos uma real perda de poder aquisitivo de grande parte da população brasileira. Tal perda de poder aquisitivo gera como conseqüência o atrofiamento de um potencial mercado consumidor tanto para produtos agrícolas como para produtos industriais. Com relação aos produtos agrícolas o efeito é duplo: queda dos salários e aumento excessivo dos preços dos produtos agrícolas devido à redução do índices de produtividade dos alimentos básicos.
Pela tabela 12, observa-se a disparidade entre o crescimento dó salário mínimo médio nominal e o crescimento dos preços dos produtos agrícolas, mostrando a real perda de poder aquisitivo de mais de 50% da população com atividades remuneradas.
Com relação ao preço dos produtos industriais o comportamento foi mais ou menos semelhante. Na realidade, esta comparação é desprezível pois a parcela da renda desta faixa da população destinada ao consumo de produtos industrializados é irrisória.
5. MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E ABSORÇÃO DE MÃO-DE-OBRA
A nossa tese central é de que dado o baixo desempenho do setor industrial como absorvedor de mão-de-obra no decorrer do período do processo de substituição de importações e durante o período de acelerada industrialização (a partir de 1967), toma-se necessário uma política de emprego objetivando eliminar as distorções8 criadas pelo "modelo de desenvolvimento econômico brasileiro". Uma vez que a maior percentagem da população economicamente ativa no Brasil encontra-se no setor agrícola, pertence a este setor a responsabilidade de dar os primeiros passos no sentido de eliminar as distorções verificadas.
Não se trata, obviamente, de canalizar o excedente de mão-de-obra dos centros urbanos para o setor rural. A palavra "absorvedor" está sendo empregada no sentido de proporcionar ao setor agrícola condições de reduzir, de maneira acentuada, o expressivo movimento migratório, em direção aos centros urbanos, verificado nas últimas décadas, através de aumento da produtividade, e, conseqüentemente, melhor remuneração à mão-de-obra empregada no setor. Por pressuposto, não se pode deixar de lado o progresso tecnológico e um elevado índice de modernização será necessário, procurando conciliar os interesses individuais dos agricultores com as necessidades da comunidade, seguindo uma política mais seletiva e oportuna de mecanização e aplicando programas de incremento do emprego a nível regional.
Apesar de o Brasil contar com mais de 40% de sua população no setor rural, não significa que toda aquela população esteja empregada de forma produtiva e integrada no sistema de mercado. A economia de subsistência ainda assume proporções consideráveis, notadamente nos estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A situação toma-se mais crítica quando notamos que tem aumentado consideravelmente tanto a existência de maquinarias e de outros tipos de equipamentos como seu grau de utilização indiscriminada na agricultura, fazendo com que o setor continue a desempenhar seu papel histórico de liberador de mão-de-obra.
A característica histórica do comportamento do setor agrícola tem sido a da incorporação de novas terras, inclusive menos férteis, ao processo produtivo com a necessidade de maiores investimentos à incorporação destas terras para prepará-las de forma razoavelmente produtiva, elevando, em conseqüência, os custos de produção e comercialização dos produtos. Além do mais, os investimentos em máquinas e equipamentos pelo setor têm-se tomado cada vez mais sensíveis e a mão-de-obra liberada pela agricultura não tem encontrado ocupação satisfatória nas atividades absorventes dos centros urbanos, o que tende a agravar a situação social da população urbana marginal.
Ao efetuarmos investimentos de capital, mecanizando as tarefas agrícolas e eliminando a mão-de-obra, e o pessoal assim liberado não encontrando ocupação nas atividades absorventes, estamos desperdiçando o escasso capital da coletividade, e aumentando os custos fixos do setor. Deve-se levar em conta que modernização é diferente de mecanização; enquanto a primeira visa aumento na produção, a segunda visa substituição do fator de produção trabalho; a primeira implica um aumento da relação produto/terra e a segunda implica um aumento da relação produto/homem, sendo que ambas as implicações são distintas. À escolha dos métodos para aumentar a produtividade não deve ser deixada exclusivamente ao jogo dos interesses particulares, quando a capacidade absorvedora de mão-de-obra do setor não-agrícola é insuficiente, conforme o fator prevalecente no Brasil. É necessário, então, dar preferência àquelas formas de tecnologia que elevem a produtividade e conseqüente aumento da renda do setor .através da utilização intensiva de mão-de-obra, do que fazê-lo através de investimentos poupadores de mão-de-obra.
O descompasso entre o desenvolvimento econômico brasileiro e a taxa de absorção de mão-de-obra pelo setor secundário é sensível. Este descompasso é característica da utilização de diversos níveis tecnológicos entre setores; esta ausência de uniformidade nos níveis tecnológicos verifica-se até no mesmo setor como é o caso da agricultura brasileira. Temos regiões agrícolas empregando alto nível tecnológico, adotando técnicas modernas recomendadas pelos centros experimentais e de pesquisa, incluindo-se desde as máquinas mais avançadas tecnicamente até adubos químicos e demais insumos que caracterizam a agricultura moderna, e temos, também, agricultores utilizando técnicas produtivas das mais rudimentares, tão rudimentares que a adição de mais um fator de produção (o trabalho) conduz a uma produtividade marginal zero. É o caso típico de uma agricultura de subsistência.
O acelerado crescimento da produtividade poderá proporcionar empregos mais produtivos à população, e pelo aumento da produtividade do setor conseguir-se-iam reduções reais nos preços dos alimentos. O aumento da produção seria absorvido pela expansão de nossas exportações e pelo aumento do consumo interno mediante as elasticidades preço e renda da demanda destes produtos. O aumento do consumo por meio da elasticidade-preço dá demanda seria devolver ao trabalhador brasileiro a sua capacidade anterior de poder aquisitivo deteriorada em conseqüência da liderança dos preços dos produtos agrícolas na corrida inflacionaria. Este efeito passaria a funcionar como agente distribuidor, pois beneficiaria aquela faixa de população de menor poder aquisitivo. O efeito elasticidade-renda da demanda de produtos agrícolas deverá ocorrer num estágio mais avançado, uma vez que toda a população economicamente ativa esteja empregada de forma produtiva, a escassez de mão-de-obra deverá generalizar-se e, em conseqüência, os salários reais deverão aumentar, forçando a abertura do mercado consumidor interno não somente para produtos agrícolas como também para produtos industrializados.
A argumentação normal admite adicionalmente que modernização é praticamente sinônimo de mecanização em detrimento do nível de emprego. Mas, na verdade, modernização significa utilização de técnicas produtivas mais eficientes que a tradicional, tais como: uso de fertilizantes e defensivos, uso de sementes selecionadas e geneticamente preparadas às características ecológicas das diversas regiões, uso intensivo e não extensivo da terra etc. Ainda, a mecanização poupadora de mão-de-obra não é aplicável a qualquer tipo de cultura agrícola, seja pela natureza do produto, seja pela natureza do terreno. A mecanização, quando poupadora de mão-de-obra, deveria ser adotada justamente naquelas regiões em que a mão-de-obra tende a ser escassa e não abundante, o que significa que sua adoção é, antes de tudo, função da necessidade de preencher com máquinas a sua falta.
A utilização de inovações técnicas na agricultura está ligada à utilização de capital no setor. Somente por meio de inversões de capital pode-se melhorar a produtividade do setor agrícola, dependendo essa melhoria do nível de técnica que está associada a cada tipo de inversão.
Estevam Strauss,9 técnico das Nações Unidas, classifica as inversões na agricultura em três grupos:
1. inversões sociais em educação, capacitação e pesquisas. Tais inversões melhoram a produtividade do setor agrícola através de educação e da aprendizagem do agricultor - que terá assim condições de utilizar mais racionalmente os recursos disponíveis - da organização mais eficiente da produção, da rotação de solos e culturas etc.
2. inversões em fertilizantes, inseticidas, sementes selecionadas etc.
3. inversões em bens de produção, tais como arados, tratores, obras de irrigação, drenagem, cercas etc.
Dos três grupos, o primeiro não implica maiores gastos diretos dos agricultores, pois, na maioria dos casos, as inversões sociais estão nas mãos do Estado, enquanto os outros dois tipos derivam de gastos diretos efetuados pelos agricultores. A intensidade dos gastos em tais tipos de inversões é que irá determinar o grau de utilização de inovações tecnológicas na agricultura.
Basicamente, o primeiro tipo de técnica - ou seja, os investimentos em sementes selecionadas, fertilizantes, inseticidas etc. - tende a melhorar o rendimento da terra, sem, entretanto, deslocar os empregados. São técnicas que visam aumento da produtividade da terra.
O segundo tipo - investimentos em bens de produção (como tratores, máquinas agrícolas, arados, ceifadeiras etc.) - tem o poder de substituir mão-de-obra: são técnicas desenvolvidas com essa finalidade, em centros onde existem problemas de suprimento adequado de trabalhadores. São técnicas mecânicas que exigem grande dispêndio de capital fixo e que aumentam consideravelmente os custos fixos do setor.
Pode-se, portanto, classificar esses dois tipos de técnicas como poupadoras de mão-de-obra e de terra.
Sempre que a modernização implicar o uso de fertilizantes, sementes selecionadas, etc, ao contrário de gerar desemprego, sua adoção implica a necessidade de maior absorção de mão-de-obra em todas as fases da cultura - do preparo da terra ao condicionamento da colheita. Isto se dá pelo fato de ser necessário certa quantidade de homens para operar as máquinas polvilhadeiras de inseticidas, espalhar o adubo, efetuar o plantio com as sementes selecionadas etc.
O alcance de elevados índices de produtividade no setor agrícola não está necessariamente condicionado a qualquer regra de proporcionalidade entre população total e população rural de uma região. O uso indiscriminado de uma tecnologia intensiva de capital leva a um falso aumento de produtividade: eleva-se a produção por homem e deve-se lembrar que foi adicionado ao processo produtivo outro fator de produção (capital). Na realidade, a utilização desta tecnologia está conduzindo a uma substituição do fator de produção mão-de-obra pelo capital. Este aumento da produtividade de mão-de-obra em função da substituição de fator de produção não traz "consideráveis" aumentos de salários, já que se mantém no sistema oferta elástica de mão-de-obra. O aumento da produtividade deve ser visto sob a crescente relação produto/área. O aumento desta relação reflete o grau de modernização da agricultura.
O aumento da relação produto/área depende fundamentalmente de variáveis como qualidades de sementes, utilização de fertilizantes, grau de educação da mão-de-obra empregada no setor agrícola, irrigação etc. O incremento na relação área/homem empregado depende fundamentalmente da mecanização agrícola. Se se eleva o grau de mecanização da economia não significa, necessariamente, que haverá um incremento na relação produto/área, por ser esta relação muito pouco sensível ao nível de mecanização. Em resumo, teríamos duas formas de elevar a produção por homem, dependendo da tecnologia que se utilize. Ou investir em tecnologia que aumente a produção por unidade/área (sementes, fertilizantes, educação, irrigação etc), ou investir em mecanização na agricultura, fazendo com que cada homem cultive uma quantidade de terra maior, ainda que a produtividade por hectare não cresça.
A utilização de uma ou outra tecnologia depende da disponibilidade relativa dos fatores utilizados no processo produtivo. Basicamente, vamos encontrar dois fatores que ditam a tecnologia a ser utilizada. Muitos dos países que possuem uma alta relação produto/área são países que têm a terra como fator estritamente escasso, como Japão, China e Coréia, e, por outro lado, com uma abundância relativa de mão-de-obra bastante grande. Esses países tiveram que desenvolver tecnologia de aumento da produção agrícola que utilizasse um fator abundante, que seria a mão-de-obra, e poupasse o fator escasso, que seria o fator terra. A tecnologia que foi induzida para poder aumentar a produtividade da agricultura nesses países foi exatamente a tecnologia poupadora de terra.
No entanto temos países, como os Estados Unidos, a Nova Zelândia e a Austrália, onde existe abundância relativa de terra e escassez relativa de mão-de-obra, alcançando nível de mecanização bastante elevado. Mesmo sendo países com abundância relativa de terra, possuem alta relação produto/área.
A difusão e a adoção de tecnologia moderna dependem de uma série de fatores: facilidade de crédito, capacidade gerencial dos empresários agrícolas e disponibilidade de conhecimentos técnicos e de recursos materiais dos agricultores. São estes fatores imprescindíveis ao processo de modernização da agricultura de qualquer país em fase de desenvolvimento. Quais os canais que deverão ser utilizados pelo Governo no sentido de eliminar estas barreiras? Evidentemente, só poderão ser eliminadas pela utilização intensiva e eficiente dos institutos de pesquisas (como: orientação técnica, suprimento de bens de produção, prestação de serviços, fiscalização e controle), crédito agrícola, assistência, educação etc.
A modernização da agricultura pode-se constituir num instrumental extremamente valioso no sentido de corrigir os desequilíbrios regionais e promover um desenvolvimento econômico harmônico. Deve funcionar, também, como instrumental valioso na distribuição de renda com conseqüente incorporação ao mercado interno consumidor do homem do campo, hoje marginalizado do processo de desenvolvimento econômico, pois um setor agrícola forte será capaz de formar a base para o crescimento auto-sustentável pela indução a um grande segmento da indústria que lhe supra as necessidades de bens de produção e insumos às indústrias de bens de consumo para que forneçam à população rural as utilidades que se tornam indispensáveis no nosso tempo. Para que se possa alcançar este objetivo, há necessidade de aumento da produção através do aumento de produtividade, que poderá ser alcançado com a modernização dos meios e instrumentos de produção. Quanto maior a produtividade do setor, maior será o poder aquisitivo, maior o mercado para os produtos não-agrícolas, maior a taxa de crescimento do emprego urbano.
6. O CRESCIMENTO DA DEMANDA DE PRODUTOS AGRÍCOLAS
O modelo "clássico" de desenvolvimento econômico baseado na hipótese de que a expansão do setor capitalista geraria uma absorção crescente de mão-de-obra excedente do setor agrícola tradicional a níveis mais elevados de salários foi incompatível com a realidade brasileira. Temos, hoje, excedente de mão-de-obra e em conseqüência níveis de salários muito baixos. A oferta de mão-de-obra mantém-se elástica nas zonas rurais e o desemprego e o subemprego são marcantes nos centros urbanos, pois a taxa de crescimento do emprego no setor secundário está muito aquém da taxa de crescimento dos centros urbanos, isto porque não existe uma relação proporcional entre crescimento da produção e crescimento do emprego. Se tal relação existisse o emprego na indústria manufatureira estaria crescendo em tomo de 15% ao ano. Esta relação não existe em conseqüência da adoção de processos produtivos mais evoluídos tecnicamente e pouco absorvedores de mão-de-obra. A própria indústria manufatureira comporta-se como agente desempregador ao substituir a capacidade instalada por processos produtivos mais modernos e mais eficientes.
O resultado desta excessiva tecnificação caracterizou-se pelo restrito mercado consumidor, pois, em 1972, mais de 50% da população ocupada do País ganhavam até um salário mínimo mensal. Apesar de o mercado consumidor brasileiro ser relativamente pequeno, em termos absolutos é bastante expressivo. Conseqüentemente, a aceleração do progresso econômico tem-se dado num processo de diversificação de produtos para as classes mais favorecidas ao invés da difusão dos produtos existentes.
Enquanto os salários das classes trabalhadoras menos favorecidas têm sido flexíveis para baixo (caracterizando-se por uma excessiva perda de poder aquisitivo), os salários dos trabalhadores qualificados têm apresentado crescimentos reais acentuados fazendo com que o "diferencial salarial" entre os dois níveis de qualificação torne-se ainda mais evidente.
Por que este achatamento nos níveis salariais dos trabalhadores menos qualificados? O seu único objetivo seria o da contenção da espiral inflacionária ou tal política estaria ligada a um programa de emprego? Seria desnecessário uma política de achatamento salarial dos trabalhadores menos qualificados, para contenção de uma inflação de demanda, uma vez que o poder aquisitivo desta faixa de população estaria voltado para aquisição de bens de consumo ao nível de sobrevivência. O máximo que poderia ser feito seria a estagnação destes salários. Parece que esta política de declínio da taxa salarial do trabalhador estava voltada, realmente, para um "programa de emprego", pois a taxa de desemprego caiu, mas o emprego disfarçado aumentou, no período 1968/1972.
Diante desta política salarial dois "mercados consumidores" específicos foram criados: o primeiro, constituído pela minoria, beneficiada pela concentração de renda e consumidora de produtos industrializados, permitindo uma aceleração na taxa de crescimento do PIB e o segundo, constituído pela maioria, não participando do mercado de produtos industrializados e conseqüentemente alheios aos benefícios criados pelo "modelo de desenvolvimento econômico brasileiro".
Vários estudiosos têm apresentado sugestões para o problema de desemprego no Brasil. Evidentemente, o problema não se prende, exclusivamente, ao desemprego, pois acreditamos ser o subemprego e o emprego disfarçado os maiores problemas porque são estes os fatores limitativos do mercado consumidor interno, gerando baixo poder aquisitivo para a maioria da população.
Na realidade, o setor agrícola nunca proporcionou um mercado em expansão para os produtos não-agrícolas. Um aumento da produtividade do setor agrícola iria gerar salários mais elevados em virtude de uma utilização mais produtiva da mão-de-obra, criando, assim, um mercado para compra de bens do setor não-agrícola.
O atrofiado mercado consumidor interno não só de produtos industrializados mas, também, de produtos agrícolas é uma conseqüência dos baixos salários da maior parte da população ocupada no País. A ampliação das classes médias urbana e rural constitui, hoje, uma necessidade imperiosa para a aceleração do processo de industrialização e criação de economias de escala.
A dinamização da produção de diversas culturas proporcionará ao País economia de divisas (como o caso de trigo) e maiores entradas de divisas (como o milho, arroz, soja, cacau, mate, frutas, açúcar etc), mediante um esforço de aumento de produtividade do setor, gerando poder competitivo no mercado internacional e ampliando as oportunidades de empregos mais produtivos na economia. A ampliação das oportunidades de empregos mais produtivos na economia é o fator mais relevante para a dinamização do mercado consumidor interno para produtos industrializados e produtos agrícolas.
A insuficiência de mercado consumidor foi conseqüência de uma política voltada, em potencial, para a dinamização do parque industrial altamente absorvedor de capital e pouco absorvedor de mão-de-obra, deixando ao completo abandono uma política de aumento de produtividade e criação de uma eficiente infra-estrutura de comercialização e modernização do setor agrícola.
Não se pode negar a notória exclusão das massas rurais e grande parte da população urbana do mercado de produtos manufaturados e que dentro das condições prevalecentes dificilmente a industrialização brasileira poderá alcançar elevados índices de produtividade através de criação de economia de escalas para ter condição de competição, sem protecionismo, no mercado internacional.
A expansão da procura é o fator expressivo e inerente à aceleração do nível de atividade econômica para os diversos setores do sistema. Daí a necessidade de se manter em nível crescente a capacidade de poder aquisitivo da massa populacional.
7. VIABILIDADE DA MODERNIZAÇÃO - UMA DISCUSSÃO DA TESE DE R. M. PAIVA10
Paiva reconhece a necessidade de modernização do setor agrícola, mas estabelece algumas restrições quanto à difusão do processo:
"O processo de modernização está preso a um mecanismo de autocontrole, pois os elementos de desestímulo (quedas nos preços do produto e dos fatores) são criados pelo próprio crescimento da modernização (endógenos ao processo); existe um limite ou "grau máximo" na difusão da modernização, imposta pelo mecanismo de auto-controle; a difusão da modernização, após alcançar o grau máximo, fica basicamente na dependência do crescimento do setor não-agrícola."11
Sua análise desenvolve-se num campo de competição entre as vantagens e desvantagens da"utilização de técnicas modernas versus técnicas tradicionais. "Havendo difusão de tecnologia moderna, ocorre aumento de produção, queda de preços dos produtos (os produtos exportáveis constituem um caso especial, pois seus preços, sendo estabelecidos pelo mercado externo, não sofrem queda) e, posteriormente, com maior difusão, queda também de preços dos fatores tradicionais (mão-de-obra e terra); ao ocorrer a queda dos preços dos produtos, a vantagem da tecnologia moderna toma-se menor; e, a seguir, ao ocorrer também a queda dos preços dos fatores tradicionais, a vantagem da tecnologia moderna toma-se ainda menor, podendo mesmo tomar-se desvantajosa."12
"Apesar das quedas de preços dos produtos e dos fatores tradicionais, que fazem com que a técnica moderna tome-se economicamente menos vantajosa (ou desvantajosa) em relação à tradicional, tem-se um "freio" ou desestímulo do processo, uma vez que se reduz o número de agricultores interessados em modernizar."13
"Face a esses elementos, toma-se forçoso reconhecer que a difusão da modernização não pode processar-se livremente pelos agricultores. Se o crescimento da produção e da força de trabalho na agricultura estão de certo modo presos ao crescimento do setor não-agrícola, a difusão da modernização (com aumento de produção e redução de mão-de-obra) não poderá deixar de estar também presa ao desenvolvimento desse setor."14
Quanto à participação no mercado internacional, Paiva acredita que "os produtos de exportação oferecem melhores possibilidades para a ampla modernização do setor agrícola dos países em desenvolvimento. Esses produtos estão menos sujeitos ao mecanismo de autocontrole, pois seus preços não caem com a difusão da modernização e o aumento de produções (considerando a ação individual de um país pequeno exportador). Pode-se, assim, ampliar a modernização sem prejudicar o nível de renda dos agricultores que se modernizam."15
"Não é fácil, porém, incrementar as exportações agrícolas. Os preços no mercado internacional refletem a eficiência de produção dos principais países exportadores que, em geral, são países economicamente desenvolvidos e com agricultura altamente produtiva. É o caso dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e outros, que dispõem de um eficiente setor industrial capaz de fornecer insumos modernos a baixo custo e de uma infra-estrutura comercial que permite colocar seus produtos no mercado a preços baixos."16
Após a apreciação das hipóteses básicas de Paiva, vamos tecer alguns comentários a respeito daqueles fatores que consideramos de caráter primordial. O primeiro deles seria o que se refere ao problema da absorção da mão-de-obra pelo setor agrícola. Paiva salienta o processo histórico de liberação de mão-de-obra como fator critico que impede o processo de modernização, pois "a capacidade desse setor de absorver os acréscimos da produção agrícola e os excedentes de mão-de-obra rural toma-se, em certo momento, o elemento controlador da difusão da nova tecnologia".17
O problema da absorção de mão-de-obra, para o caso brasileiro, vem associado a dois outros problemas que se referem à estrutura agrária e à demanda de produtos agrícolas, tanto nos centros urbanos quanto na zona rural. Devido ao esforço de generalização que Paiva apresenta no seu modelo (deveria ser aplicado a qualquer país subdesenvolvido), ele se torna parcial e estático quando adaptado à nossa economia.
A modernização da agricultura brasileira deve ser analisada dentro de um processo dinâmico e integrado. À medida que se introduz o mecanismo dê autocontrole e queda dos salários no setor agrícola a análise toma-se parcial, pois está-se considerando de maneira independente o setor. Na realidade, o setor agrícola está integrado a outros setores produtivos e conjuntamente formam o sistema. Quando ocorre um aumento de renda no setor agrícola esta população passa a consumir mais, não somente produtos agrícolas como também produtos industrializados. E uma vez que tenhamos uma estrutura produtiva industrial que satisfaça as necessidades de consumo desta população ao seu nível de renda, estamos dinamizando o setor industrial tradicional e conseqüentemente a taxa de crescimento de emprego na zona urbana, devido a um potencial mercado consumidor, se levarmos em consideração que, em 1972, 52% da população economicamente ativa do País recebem até um salário mínimo18 mensal e que grande parte desta percentagem encontra-se nas zonas rurais. Ainda mais, o forte aumento da produtividade agrícola engendrará massa substancial de recursos a serem utilizados na ampliação do emprego urbano.
Esses incrementos na renda não se destinam somente ao consumo de bens industrializados, mas também ao consumo de produtos alimentícios se levarmos em consideração a insuficiência alimentar não somente qualitativa como também quantitativa de grande parte de nossa população. Portanto, as elasticidades renda e preço não devem ser tão baixas como afirma Paiva, principalmente quando constatamos que a disponibilidade interna per capita de produtos da agricultura apresentou acentuado declínio no período 1960/74. Este acentuado declínio prova que a agricultura mostrou-se impotente na manutenção de uma oferta de produtos a níveis de preços compatíveis com o nível de remuneração de grande parte da população economicamente ativa. A liderança do índice de preços dos produtos agrícolas tem sido notória, principalmente nos últimos anos. Esta liderança do índice de preços dos produtos agrícolas gerou sensível perda de poder aquisitivo para aquela faixa de população de menor remuneração.
Esta análise seria válida mesmo para países que mantivessem uma estrutura equitativa da distribuição da terra. Para a economia brasileira ela se mantém reforçada, uma vez que existe excessiva concentração de terra. Para o último Censo, as propriedades com menos de 10ha absorviam 40% da mão-de-obra empregada no setor e detinham apenas 3% da área ocupada por estabelecimentos. Para todos os grupos de estabelecimentos com áreas superiores a 10ha houve queda na participação relativa da absorção de mão-de-obra, no período entre 1950/1970. Existe, portanto, uma correlação inversa entre tamanho do estabelecimento e absorção de mão-de-obra. Quanto maior o estabelecimento menos mão-de-obra, percentualmente, ele absorve. Esta correlação inversa mostra-nos a utilização intensiva de técnicas de capital nos médios e grandes estabelecimentos em substituição à mão-de-obra.
Dada esta estrutura da propriedade da terra, parece-nos bastante difícil a incidência do mecanismo de autocontrole em virtude de um acelerado processo de modernização. Poderíamos dividir em dois grandes grupos a estrutura da propriedade da terra, ou seja, os estabelecimentos com menos de 10ha e os estabelecimentos com mais de 10ha e verificar os resultados posteriores à modernização. Havendo um aumento de produtividade, por área, igual a 100% para o primeiro grupo (estabelecimentos com menos de 10ha) o produto total irá aumentar em taxa percentual relativamente baixa, pois este grupo detém apenas 3% da área ocupada e, por outro lado, 40% da mão-de-obra empregada do setor se beneficiariam de maneira sensível. Para o segundo grupo (estabelecimentos com mais de 10ha), que reflete uma substancial área cultivada modernizada, além de acelerar o processo de modernização para os estabelecimentos restantes, deve-se eliminar os incentivos para utilização de máquinas e equipamentos substituidores de mão-de-obra nas regiões onde esta seja abundante. Desta maneira, a difusão da modernização para o segundo grupo não geraria incrementos violentos no produto total e os acréscimos no produto total decorrentes da difusão da modernização seriam absorvidos pela expansão do mercado consumidor interno e por maior volume nas exportações, em decorrência da redução nos preços.
Quanto ao mercado internacional, nossa pauta de exportações poderá ser amplamente diversificada, levando-se em consideração as perspectivas favoráveis da demanda de diversos produtos. Evidentemente, tal expansão só poderá ser realizada a níveis de produtividade bastante elevados, pois são os países desenvolvidos os maiores concorrentes neste mercado. É este mais um fator estimulante para a difusão do processo de modernização e uma grande fonte geradora de emprego.
Referências bibliográficas
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Ago 2013 -
Data do Fascículo
Out 1976