Acessibilidade / Reportar erro

Cooperação tecnológica em empresas mineiras de biotecnologia

Resumos

Esse artigo analisa o processo de formação e desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais cooperativos, que visam a pesquisa e o desenvolvimento de produtos em empresas de base biotecnológica. Partindo do referencial teórico sobre alianças estratégicas e do contexto da biotecnologia, são analisadas as atividades de cooperação de duas empresas mineiras. Os resultados obtidos evidenciam que a incapacidade de realização de determinadas atividades é o principal motivo que leva as empresas a buscarem uma aliança com outras organizações. O contrato e a confiança desenvolvidos entre os parceiros são apontados como os principais mecanismos de controle existentes nas relações. No caso das empresas analisadas, os problemas surgidos no decorrer das interações têm sido resolvidos por negociação e diálogo, em detrimento das medidas legais. Dada a importância do desenvolvimento tecnológico para as empresas em questão, a cooperação tem sido apontada como um diferencial estratégico dessas organizações.

Cooperação; biotecnologia; relacionamento interorganizacional; pesquisa e desenvolvimento; tecnologia


This article analyzes the process of formation and development of cooperative interorganizational relationships for research and development of products in biotechnological organizations. Cooperation activities of two firms from the Brazilian state of Minas Gerais are analyzed within a theoretical framework about strategic alliances and biotechnology. Findings point out to as the main reason for these organizations to cooperate their incapacity to perform certain activities. The principal control mechanism used in the relations is the formal contract and trust. Interaction problems have been solved by negotiation and dialogue instead of legal litigation. Considering the importance of the technological development for the organizations studied, cooperation became a strategic difference for them.

Cooperation; biotechnology; interoganizational relationship; research and development; technology


ARTIGOS

Cooperação tecnológica em empresas mineiras de biotecnologia

Cleverson Renan da CunhaI; Marlene Catarina de Oliveira Lopes MeloII

IUnivali

IIFaculdade Novos Horizontes

RESUMO

Esse artigo analisa o processo de formação e desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais cooperativos, que visam a pesquisa e o desenvolvimento de produtos em empresas de base biotecnológica. Partindo do referencial teórico sobre alianças estratégicas e do contexto da biotecnologia, são analisadas as atividades de cooperação de duas empresas mineiras. Os resultados obtidos evidenciam que a incapacidade de realização de determinadas atividades é o principal motivo que leva as empresas a buscarem uma aliança com outras organizações. O contrato e a confiança desenvolvidos entre os parceiros são apontados como os principais mecanismos de controle existentes nas relações. No caso das empresas analisadas, os problemas surgidos no decorrer das interações têm sido resolvidos por negociação e diálogo, em detrimento das medidas legais. Dada a importância do desenvolvimento tecnológico para as empresas em questão, a cooperação tem sido apontada como um diferencial estratégico dessas organizações.

Palavras-chave: Cooperação, biotecnologia, relacionamento interorganizacional, pesquisa e desenvolvimento, tecnologia.

ABSTRACT

This article analyzes the process of formation and development of cooperative interorganizational relationships for research and development of products in biotechnological organizations. Cooperation activities of two firms from the Brazilian state of Minas Gerais are analyzed within a theoretical framework about strategic alliances and biotechnology. Findings point out to as the main reason for these organizations to cooperate their incapacity to perform certain activities. The principal control mechanism used in the relations is the formal contract and trust. Interaction problems have been solved by negotiation and dialogue instead of legal litigation. Considering the importance of the technological development for the organizations studied, cooperation became a strategic difference for them.

Key words: Cooperation, biotechnology, interoganizational relationship, research and development, technology.

INTRODUÇÃO

As mudanças percebidas nos diversos setores da sociedade contemporânea têm criado necessidades e oportunidades para o desenvolvimento e a intensificação das relações entre as organizações e seus ambientes técnicos e institucionais (Kondra e Hinings, 1998), visando a consecução de seus objetivos (Aldrich, 1979; Powell, 1990; Child e Möllering, 2001). A adoção de novas estruturas organizacionais - desde a formação de equipes e redes intra-organizacionais até alianças e redes de empresas - parece indicar a adequação das organizações a esse novo ambiente (Nohria, 1992).

As alterações apresentadas anteriormente são ainda mais nítidas se considerarmos as empresas que fazem uso intensivo de tecnologia e conhecimento, como a indústria aeroespacial, de tecnologia de informação e de biotecnologia (Stuart, 1998). Como salienta Dodgson (1993), as atividades tecnológicas usam, de forma intensa, processos associativos no desempenho de suas atividades, principalmente quando desenvolvem atividades de pesquisa e desenvolvimento. Sendo o Brasil um dos maiores detentores da biodiversidade, segue-se que o cenário para a biotecnologia no país é promissor (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002). Isso torna o setor, além de importante para a economia, também útil para compreender a dinâmica das relações interorganizacionais, dadas suas necessidades intrínsecas de cooperação (Stuart, 1998; Powell, 1999; Fundação Biominas, 2001). Salienta-se que, apesar da importância e do potencial de expansão no Brasil da biotecnologia empresarial, são poucas as pesquisas desenvolvidas para a compreensão da dinâmica organizacional do setor (Fundação Biominas, 2001), o que torna relevante a execução de trabalhos com essa finalidade.

Dessa forma, busca-se com o presente artigo compreender o processo de formação e desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais cooperativos de empresas de biotecnologia que se dedicam à área de saúde humana, por meio do estudo de caso de duas organizações mineiras que implementam suas estratégias de pesquisa e desenvolvimento tecnológico por meio de parcerias. O primeiro caso trata de uma empresa incubada na Fundação Biominas, e o segundo aborda a primeira empresa brasileira de biotecnologia a ser cotada em bolsa de valores.

Na próxima seção serão analisados os relacionamentos cooperativos e o processo de formação e desenvolvimento das alianças, com ênfase nas idéias de Ring e Van de Ven (1994). Em seguida serão discutidas algumas características do campo da biotecnologia, envolvendo questões econômicas, sociais, políticas e financeiras. Nos procedimentos metodológicos são apresentados os objetivos específicos, as fontes, os métodos de coleta e análise dos dados. Os casos estudados serão descritos, destacando-se a dinâmica da pesquisa e do desenvolvimento de produtos e serviços. Finalmente, serão apresentadas a análise dos casos e as conclusões da pesquisa.

REFERENCIAL TEÓRICO

Relacionamentos cooperativos e alianças

Segundo Powell (1990), as grandes hierarquias integradas verticalmente vêm se mostrado ineficientes para a governança num ambiente turbulento e rico em conhecimento. O desenvolvimento de relacionamentos cooperativos entre empresas tem sido necessário, em grande parte, devido a essas pressões ambientais.

Para Gulati (2001), as empresas têm percebido cada vez mais as alianças como um veículo por meio do qual podem crescer e se expandir. Uma das características desse novo momento é o aumento da diversidade das alianças interorganizacionais, inclusive os objetivos para entrar em alianças, a nacionalidade dos parceiros e as estruturas formais usadas para organizar os parceiros. Pode-se definir aliança como uma iniciativa voluntária e cooperativa entre firmas, que envolve trocas, compartilhamento ou desenvolvimento de produtos e/ou serviços em conjunto, podendo incluir contribuições de capital, tecnologia, bens específicos (Gulati, 1998) ou conhecimento (Dodgson, 1993). Powers (2001) afirma que esses relacionamentos interorganizacionais são usados com freqüência para reduzir riscos e aumentar o acesso a recursos críticos e informações, tão necessários num ambiente competitivo, acarretando a proliferação sem precedentes de alianças e outras formas de relacionamento interfirmas (Gulati, 1998).

Para Ring e Van de Ven (1994), apesar dos diversos estudos sobre cooperação, pouca atenção tem sido dedicada ao desenvolvimento das alianças, em detrimento das propriedades estruturais ou das condições antecedentes. Para esses autores, os relacionamentos interorganizacionais cooperativos devem ser vistos como mecanismos socialmente constituídos para ação coletiva, sendo constantemente formados e reestruturados pelas ações e pelas interpretações simbólicas das partes envolvidas.

A importância de analisar as alianças como um processo é que os agentes das firmas precisam conhecer não só as condições de investimentos, mas também os tipos de estrutura de governança requeridos para um relacionamento. A maneira de esses agentes negociarem, executarem e modificarem os termos de um relacionamento influenciará fortemente o julgamento das partes. Se as ações tomadas no relacionamento forem eqüitativas e eficientes, influenciarão a continuação ou o término (em caso contrário) do relacionamento (Ring e Van de Ven, 1994).

Nessa abordagem, os estágios de negociação, de compromisso e execução se dão numa seqüência repetitiva e referenciada pela busca da eficiência e eqüidade. No estágio da negociação, as partes desenvolvem expectativas em conjunto sobre suas motivações, possíveis investimentos e incertezas percebidas da parte do negócio que elas querem empreender conjuntamente. Nesse momento, o foco está no processo de barganha formal e no processo psicossocial de formação do senso comum.

No estágio de compromissos, são determinadas as obrigações e normas que orientarão os futuros relacionamentos. Nesse ponto, os termos e as estruturas de governança são estabelecidos, dependendo dos riscos a serem enfrentados. No estágio da execução, os compromissos e as regras de ação são implementados. As partes dão ordens a seus funcionários, compram materiais e aplicam outros procedimentos administrativos.

Nos relacionamentos organizacionais, a plena conexão entre os parceiros é raramente realizada de uma única vez, pois é fruto da interação contínua, o que permite que cada membro da aliança compreenda os outros. À medida que o relacionamento se desenvolve, também se amplia o nível de compreensão e de confiança, tornando-se mais confortável lidar com as incertezas que surgem na aliança. Portanto, para Doz e Hamel (2000), uma aliança talvez seja mais bem concebida como um relacionamento evolutivo, pontuado por uma série de comprometimentos, etapas e trocas explicitamente negociadas e implicitamente aceitas ao longo do tempo. Nesse sentido, a colaboração acontece quando um parceiro demonstra confiança no outro e possibilita oportunidades para se mostrar confiável, favorecendo inclusive o desenvolvimento de um ciclo de aprendizagem virtuoso. Essas características se tornam ainda mais relevantes num campo organizacional tão dinâmico e dependente de inovação como o da biotecnologia.

A biotecnologia e seu contexto

A biotecnologia tem sido alvo de grandes discussões no seio da sociedade contemporânea. Sob um aspecto ela tem sido vista como uma das grandes conquistas da humanidade, que está permitindo que os horizontes da qualidade de vida sejam ampliados. Entretanto, há também a percepção de que ela pode ser assustadora por abordar questões e valores culturais tradicionais, como, por exemplo, o controle da vida, a clonagem humana e a criação de novos organismos em laboratório (Trigueiro, 2002, p. 140).

Uma definição de biotecnologia comumente aceita é apresentada por Bull, Holt e Lilly (1982). Os autores propõem que seja entendida como a aplicação dos princípios da ciência e da engenharia ao tratamento das matérias por agentes biológicos na produção de bens e serviços, abrangendo as tecnologias de fermentação, a cultura de microorganismos, a cultura de tecidos animais e vegetais, a tecnologia enzimática, além da manipulação genética (Anciães e Cassiolato, 1985).

Segundo Trigueiro (2002, p. 17), "a biotecnologia moderna, diferente da tradicional, emerge como trama complexa de relações técnicas sociais, econômicas, políticas, éticas e institucionais demandando um esforço transdisciplinar e interinstitucional para seu desenvolvimento". Para o autor, a biotecnologia possui duas dimensões, a científica e a tecnológica. Na primeira, a nova biotecnologia consiste num conjunto articulado de programas de pesquisas básicas - biologia molecular, bioquímica, microbiologia, genética - sendo desenvolvidos, fundamentalmente, nas universidades e instituições acadêmicas. Na segunda, o desafio é de transformar os projetos de bancada em aplicações industriais e comerciais.

Essas duas dimensões coexistem e se complementam. No Brasil, a primeira dimensão tem realizado grandes avanços, como o seqüenciamento genérico do amarelinho ou o programa do genoma da cana. Mas o país ainda apresenta grande déficit quando se trata da aplicação industrial das descobertas e dos avanços conseguidos nas pesquisas.

Dentre as diferenciações percebidas no campo da biotecnologia, algumas têm recebido destaque dos pesquisadores quanto às questões econômicas, sociais, políticas, tecnológicas e éticas. As atividades necessárias à descoberta, produção, aprovação e comercialização dos produtos biotecnológicos normalmente envolvem altos custos financeiros e econômicos, como, por exemplo, para a equipagem dos laboratórios, a formação e manutenção de recursos humanos, os custos dos testes parametrizados e sistemáticos necessários, e a pesquisa até o lançamento do produto final.

Ao "risco econômico", decorrente de investimentos em pesquisas que podem não trazer o retorno previsto, deve ser associado um "risco social", relacionado aos eventuais impactos provenientes da reação da sociedade diante dos produtos lançados comercialmente (Trigueiro, 2002). Esse segundo tipo de risco faz com que o setor seja altamente controlado tanto pela sociedade, por meio de organizações não-governamentais, como por agências governamentais. As pesquisas, que em alguns casos precisam de autorização prévia, são monitoradas, como no caso dos laboratórios, testes, introdução no mercado e impactos ambientais.

O longo prazo necessário para a maturação dos investimentos é também um marco distintivo desse campo. A elaboração de um novo medicamento, por exemplo, dificilmente se dá num prazo inferior a 10 anos, mas um único projeto bem-sucedido pode ser suficiente para cobrir os custos de outros projetos, proporcionando alto retorno de investimentos, que em grande parte são passíveis de ser patenteados.

Além do tempo necessário para o retorno, o foco das atividades das empresas de biotecnologia tende a mudar, com a maturidade do empreendimento, da orientação à pesquisa e desenvolvimento para um negócio baseado em produtos para o mercado, que, por sua vez, trarão faturamento e valor para os acionistas (Grupp e Gaines-Ross, 2002). Isso obriga as empresas a desenvolver vários tipos de competência além da pesquisa, segundo o ciclo de vida do empreendimento. Quando uma empresa atinge um nível mais elevado de sofisticação no uso da biotecnologia, não necessariamente fortalece as empresas próximas, os fornecedores e os clientes. Seu avanço passa a requerer uma inserção em uma rede de relações mais complexa cujo núcleo está noutra região ou mesmo noutro país, o que exige a formação de novas redes de colaboração.

A natureza do relacionamento Estado-empresa é outro fator importante para o campo da biotecnologia. Os interesses das indústrias coincidem com as próprias definições governamentais dos interesses nacionais, existindo, em muitos casos, lobbies para diminuir a entrada de novos atores, seja por meio de regulamentação ou por outras exigências. Além disso, existem algumas doenças emergentes e reemergentes que só ocorrem na faixa tropical, e, pelo perfil da doença e de sua incidência, esses investimentos são pouco atrativos para as multinacionais, sendo necessários investimentos governamentais.

Outro ponto que merece destaque é que, devido à dinâmica da indústria biotecnológica, os mecanismos convencionais de financiamento e gestão estratégica de projetos não são flexíveis, adaptáveis e rápidos o suficiente para dar respostas adequadas a um meio de produção tão específico. Sendo as atividades da biotecnologia formadas basicamente por laboratórios e pesquisadores testando novos produtos ou processos, seu potencial reside em desenvolver algo novo e de sucesso, cujo lançamento seja possível, ainda que se celebre uma aliança com outra empresa que o faça, exigindo, assim, competências bem distintas das anteriores.

Outra característica básica da bioindústria é a comercialização de capital intelectual por meio de redes interorganizacionais (Powell, Koput e Smith-Doerr, 1996). Nessas redes não apenas se transfere conhecimento, mas reputação e possibilidade de participação em novas alianças. A reputação se torna altamente dependente da habilidade da companhia em executar a gestão do negócio, assim como o trabalho de bancada. Dessa forma, a avaliação não é realizada somente no campo financeiro e em dados estatísticos, como os pedidos de patentes. As companhias também são analisadas pela combinação de seus produtos, pelas vendas e pela força de seus canais de distribuição, além de pela capacidade de desenvolvimento tecnológico, o que evidencia a importância estratégica da formação de alianças para a consecução dos objetivos organizacionais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a verificação empírica do problema foram escolhidas duas empresas mineiras de biotecnologia, que realizam esse tipo de atividade de forma cooperada. Buscou-se identificar o padrão de relacionamento presente nessas relações considerando: a) as atividades realizadas em conjunto; b) a motivação da formação do relacionamento; c) a periodicidade do relacionamento; d) o tempo do relacionamento; e) os mecanismos de controle existentes; f) os tipos de problemas identificados nos relacionamentos; e g) as formas de resolução dos problemas.

A pesquisa é de natureza exploratória. Isso significa que é necessário familiarizar-se com o fenômeno do qual se deseja obter conhecimentos adicionais (Selltiz, et al., 1987; Yin, 2001), apoiando-se numa abordagem de um ou poucos objetos sociais para que se possa ampliar o conhecimento a respeito deles (Gil, 1989). A perspectiva de análise é seccional, centrada numa análise multinível, como sugerido por Auster (1994). A amostra foi não probabilística, tendo sido escolhida por acessibilidade e por tipicidade, isto é, foram escolhidos os relacionamentos que o pesquisador considerou representativos da população-alvo (Richardson, et al., 1999).

Após realizar diversas entrevistas, consultas a periódicos e sites sobre o tema, foram escolhidas duas organizações que, além de apresentar as condições mínimas estabelecidas para a pesquisa, são referências no desenvolvimento de técnicas biotecnológicas no Brasil. Como forma de garantir a privacidade, os nomes das empresas foram alterados. Nessas empresas foram ouvidos informantes responsáveis pela definição e gerenciamento do envolvimento da empresa com seus parceiros, com a finalidade de descrever as relações que sua empresa mantém com a organização parceira.

A coleta de dados foi realizada em duas etapas. Na primeira, o destaque foi para o setor de biotecnologia; na segunda, foram analisados os relacionamentos interorganizacionais. As principais fontes de informações foram as entrevistas em profundidade, a análise bibliográfica e a análise documental de comunicações, memorandos, documentos administrativos, relatórios, artigos de jornais e revistas, buscando-se a convergência de várias fontes de evidências para a compreensão do fenômeno (Miles e Huberman, 1996; Yin, 2001).

Pelo fato de os construtos de interesse, que são normalmente estudados nas relações interorganizacionais, serem de difícil observação, o uso de informantes-chave é indicado nesse nível de análise. Então, foram escolhidos em cada organização, sempre que possível, informantes dos níveis estratégico e tático, que tinham informações sobre o relacionamento interorganizacional em questão.

A análise dos dados foi realizada de forma processual, como proposta por Miles e Huberman (1996), partindo da coleta de dados, seguida de sua apresentação, até culminar na redução dos dados, para a elaboração da conclusão, sempre num processo dinâmico. Os dados secundários foram analisados qualitativamente, com o uso da técnica de análise documental, visando "descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos" (Richardson et al., 1999, p. 39). Os dados primários também foram analisados de forma qualitativa, porém com o uso do método de análise de conteúdo das entrevistas gravadas e transcritas (Bardin, 1977; Selltiz, et al., 1987).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estudo de caso I

A primeira empresa analisada, denominada Bio-Diagnósticos, atua em pesquisa e desenvolvimento de kits para diagnósticos em saúde humana. Sua história está intimamente ligada ao seu fundador, médico, doutor em bioquímica, pesquisador e professor aposentado. Ela surgiu no início da década de 1990 como um spin-off da UFMG, mas somente em 1997, com sua incubação na Biominas, é que começou a tomar as feições de hoje. Outro fato significante ocorreu em 2000, com a formação da nova composição acionária devido à venda de parte da empresa para uma organização paulista que era parceira na comercialização de seus produtos e que permitiu o aumento da produção, a elaboração de novos kits e o atendimento a todo o mercado nacional. Apesar de ter ultrapassado o prazo normal de incubação, a empresa ainda continua nas dependências da incubadora pela inexistência de um parque tecnológico na região.

Os produtos da BioDiagnósticos são desenvolvidos com tecnologia própria, e atualmente se baseiam em duas plataformas: os diagnósticos bioquímicos e os imunodiagnósticos. A primeira foi desenvolvida internacionalmente nas décadas de 1960 e 1970, e se baseia em reações químicas. Esse método é utilizado para diagnósticos mais simples, como o da glicose, creatinina e colesterol. Os produtos resultantes são de baixo valor agregado e custo reduzido, sendo amplamente utilizados no Brasil, principalmente por laboratórios menores. A segunda objetiva produzir testes para detectar anticorpos, antígenos ou linfócitos para o diagnóstico de infecções, de doenças autoimunes, de processos alérgicos ou neoplásicos, e também para a detecção/quantificação de hormônios ou drogas. Ela foi implementada em 2001 com base em pesquisas internas, sendo a primeira empresa da América Latina a produzir kits de diagnóstico pela metodologia Elisa e na determinação do antígeno prostático específico (PSA).

Pesquisa e desenvolvimento

O setor de diagnósticos laboratoriais no Brasil é composto por diversos tipos de empresas. Em relação a pesquisa e desenvolvimento, a maioria dessas empresas não é produtora de conhecimento, utiliza apenas tecnologias desenvolvidas por outras empresas. Basicamente são quatro os tipos de empresas nesse setor. O primeiro são as multinacionais que trabalham com tecnologia de ponta mas não fazem pesquisas nem produção no Brasil. Elas oferecem produtos em grandes quantidades e também produtos de alto valor agregado, como os equipamentos para análise automatizada usando a bioinformática. O segundo grupo é formado pelos importadores, que adquirem os produtos em grandes quantidades e fazem o fracionamento e a comercialização desses produtos. Um terceiro tipo de empresa são as que fazem a produção no Brasil, mas que não desenvolvem tecnologia. Trabalham com diagnósticos bioquímicos de baixo desenvolvimento tecnológico, com base em conhecimento de domínio público. Finalmente, o quarto grupo, bem mais reduzido, é formado por empresas que desenvolvem a pesquisa, a produção e a comercialização dos seus produtos. Esse é o caso da Bio-Diagnósticos.

Segundo o informante, o conhecimento utilizado pela maioria das empresas para a elaboração de seus produtos não é proveniente da interação entre pesquisadores e empresas, mas de uma leitura simples de publicações que na época não era também muito reservado. Com a evolução da tecnologia e da concorrência, os pesquisadores começaram a registrar patentes, o que levou as empresas que fazem uso desse tipo de conhecimento a ficarem atrasadas tecnologicamente, vendendo produtos de baixo valor agregado. De forma geral, as empresas do setor, em vez de serem empresas de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia, passaram a ser empresas com ação comercial forte, com ampla rede de distribuição, mas com recursos humanos e tecnológicos insuficientes.

Diferentemente, a BioDiagnósticos adota estratégia baseada em desenvolvimento constante de produtos cuja principal fonte de inovação tem sido a pesquisa interna. Recentemente algumas parcerias começaram a ser desenvolvidas, sendo que a primeira já resultou no lançamento de um produto em abril de 2004 e no pedido de patente internacional, realizada com pesquisadores do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. Trata-se de um kit de diagnóstico para a identificação da contaminação da toxoplasmose, doença infecciosa causada pelo protozoário Toxoplasma Gondii, que tem o gato como seu hospedeiro definitivo.

Outra cooperação está em fase de negociação, agora com o Instituto Butantã/USP, cujo objeto da cooperação é o lançamento de um kit para o diagnóstico da rubéola baseado na metodologia Elisa (enzime-linked inmuno-sorbent assay). Além desses relacionamentos, existem outros, informais, voltados para a resolução de problemas isolados, principalmente resultantes da interação pesquisador-pesquisador.

Segundo o presidente, a estratégia de desenvolvimento cooperado tende a aumentar sua importância dentro da empresa nos próximos anos com o lançamento de outras plataformas tecnológicas. Segundo sua percepção, a estratégia adotada atualmente está defasada com relação a outros países, e para ele essa tecnologia mais avançada chegará inevitavelmente ao Brasil.

Além das pesquisas para o domínio tecnológico de outra plataforma, a empresa está trabalhando na exploração de outros produtos com base na tecnologia Elisa. No último ano foram lançados diversos novos kits, e a previsão é que para 2004 a empresa tenha 22 itens do seu portfólio oriundos dessa tecnologia. O intuito é ampliar o grupo de pesquisa para o desenvolvimento de produtos e processos estratégicos para a empresa no futuro. Essa estratégia já começou a ser implantada com a contratação de mais um pesquisador.

Para o informante, a interação entre empresas no que se refere a pesquisa e desenvolvimento é praticamente nula, pois faltam pessoas nas empresas para articular tecnicamente essa interação. Ele afirmou que isso não existe porque as empresas não possuem pesquisa e desenvolvimento com inovação, nem mesmo incremental. O informante até exemplifica seu relacionamento com outra empresa: "Tenho até uma relação razoável com outra empresa que é líder no segmento de mercado, e a gente já ensaiou algumas conversas exatamente nesse sentido: o que a gente pode fazer juntos? Nunca passamos dos preâmbulos. Nunca realizamos nada juntos". Isso faz com que a empresa realize parcerias com as universidades, que possuem mais experiência em acordos cooperativos, apesar de todos os problemas desse tipo de cooperação.

Dentro da incubadora o relacionamento com outras empresas também é incipiente e limitado a questões administrativas. Segundo o diretor presidente da Biominas, a falta de integração para o desenvolvimento do negócio é comum, e quando existe é superficial, não contempla o compartilhamento de conhecimento tecnológico, e os pesquisadores raramente discutem sobre seus produtos ou suas pesquisas. Para o diretor, um dos motivos da falta de cooperação é a diferença existente entre as empresas, pois, apesar de serem do campo da biotecnologia, suas necessidades são bem distintas.

Estudo de caso II

A BioVacinas S.A. é uma empresa farmacêutica de capital nacional que se dedica a pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços de base biotecnológica. Ela é resultante de um processo de cisão ocorrido no ano de 2001, em que a estrutura industrial e a marca foram vendidas para uma empresa farmacêutica dinamarquesa por U$ 31,7 milhões. Os laboratórios e a gestão da patente da insulina recombinante ficaram com a BioVacinas.

Em 2004 a BioVacinas se encontrava em fase préoperacional, com sede em Belo Horizonte e com o centro de pesquisas em Montes Claros, ambos pólos de biotecnologia de Minas Gerais. Atualmente, o principal negócio da empresa é a exploração da plataforma tecnológica de produção de proteínas recombinantes - insulina, hormônio de crescimento e calcitonina - por meio de licenciamento da tecnologia, de produção por meio de terceiros e alianças com outras empresas. O primeiro produto resultante dessa plataforma foi a insulina, e outros estão em fase de elaboração.

Além dessa plataforma, a BioVacinas é detentora da tecnologia para a produção da primeira vacina contra a leishmaniose. Pesquisadores da UFMG idealizaram a vacina, cujo processo de produção foi desenvolvido pelos cientistas da BioVacinas. O uso do produto para fins terapêuticos (no tratamento da doença) já foi aprovado pelo Ministério da Saúde. Porém, seu uso como forma profilática (prevenção à doença) está em avaliação clínica por outros centros de pesquisa, sob supervisão da Organização Mundial de Saúde.

Além do licenciamento da tecnologia para outros países, faz parte da estratégia da empresa a produção de insulina humana recombinante por meio de fábricas de terceiros ou a produção própria para o ano de 2007, podendo os investimentos chegar a U$ 80 milhões. O licenciamento da tecnologia está em negociação com algumas empresas, e a perspectiva é que seja fechado o primeiro acordo ainda este ano.

Os relacionamentos interorganizacionais cooperativos

No modelo de negócio da BioVacinas, o estabelecimento de parcerias sempre esteve presente, mesmo antes da cisão, influenciado pelo ambiente acadêmico em que está inserida e pela necessidade constante de trocas de informações e aprimoramento tecnológico. De acordo com o gerente de Desenvolvimento de Negócios, o estabelecimento de uma relação de confiança baseado na ética sempre foi um princípio do negócio, que inclui alianças com fornecedores, clientes, agentes, distribuidores, concorrentes e universidades.

A BioVacinas realiza três tipos de parcerias, a saber: a) para o desenvolvimento tecnológico; b) para a transferência de tecnologia; e c) com agentes que trabalhavam para a empresa antes da cisão em diversas partes do mundo. A primeira parceria é a mais importante. Ela é construída com base, principalmente, em relacionamentos interpessoais, em que o conhecimento e a reputação são pontos fortes. Esse tipo de rede não se encontra definida num papel, é virtual, sendo construída e reconstruída ao longo do tempo, segundo os diversos interesses que vão surgindo.

Essa rede apresenta múltiplos atores, com diferentes especializações. Dentre eles estão os centros de pesquisas de universidades, empresas, institutos de pesquisas, clientes, fornecedores e amigos. Mais do que rede de empresas, é uma rede de pessoas. Pelo fato de essa rede não existir no papel e pela impossibilidade de sua definição, ela depende muito da confiança entre seus membros, conforme o depoimento do diretor de Tecnologia:

Temos um bom relacionamento com a Unb, que tem um relacionamento importante com a Universidade de Manchester que tem um relacionamento com a empresa fornecedora de equipamentos, que tem uma série de clientes que são universidades e outras empresas. Temos relacionamento com fornecedores de tanques ou de fermentadores que conhecem pessoas que são boas em microbiologia e assim vai. Essa é uma rede de inovação importante, e nós nos orgulhamos de tê-la construída.

Segundo o gerente de Desenvolvimento de Negócios, a empresa se relaciona com diversas outras, e com a maioria não possui contrato formal. Para ele, esse fato tende a levar à criação de um sentimento de reciprocidade com as empresas. Por exemplo, quando se tem outra necessidade que transcende o contratado, fica mais fácil conseguir esse tipo de ajuda.

A empresa atua em diversas partes do mundo, mas possui uma equipe relativamente pequena se considerado o seu mercado. Para complementar sua ação, ela faz uso de uma extensa rede de agentes desenvolvida pelos diretores na época, que trabalhavam na empresa antes da cisão e que atuam como fornecedores de informações e acesso não apenas a novos mercados como também a outras parcerias. Uma das características percebidas nas entrevistas é a estratégia da empresa de trabalhar a longo prazo em relação às parcerias e acordos, privilegiando o relacionamento passado e sua perspectiva de continuação, principalmente com os agentes que dão acompanhamento aos clientes e fornecem informações sobre o mercado e os concorrentes.

Na área de transferência de tecnologia, as informações obtidas nos levam a crer que a BioVacinas concentra o desenvolvimento de acordos formais com organizações em vez de pessoas isoladas, pois as primeiras, segundo eles, teriam menos a perder. As abordagens realizadas com pessoas físicas foram feitas em duas ocasiões, sem muito sucesso.

Um dos principais vínculos da BioVacinas para a pesquisa e o desenvolvimento é com instituições públicas de pesquisa, como as universidades. No entanto, o diretor de Tecnologia afirmou que esse tipo de parceria no Brasil, apesar das contribuições, tem apresentado algumas dificuldades. A principal é fruto das características das instituições públicas, cuja influência faz com que haja mudança ou perda de interesse por parte do pesquisador pelas idéias originais do projeto. Para ele a estrutura e o funcionamento dos órgãos ligados às instituições públicas dificulta o desenvolvimento do relacionamento e da confiança, como, por exemplo, a falta de definição de autoridade.

Outro ponto importante é a desmotivação dos pesquisadores por problemas internos, tanto pelo jogo de interesses presente nesse tipo de organização quanto pelas disfunções burocráticas. Aliado a isso, às vezes o pesquisador aceita participar do relacionamento por motivos financeiros de curto prazo para em seguida abandonar o projeto. Para ele também é diferente o compromisso de uma empresa com a universidade, resultante não apenas de uma questão individual, mas também institucional, por falta de mecanismos eficientes de organização e controle.

Um dos principais motivos para a formação de alianças é a necessidade de complementação técnica, tão necessária no tipo de negócio baseado no uso intensivo de conhecimento avançado como a biotecnologia. Por se tratar de uma atividade extremamente dinâmica e arriscada, nem o contrato nem a confiança são capazes de garantir estabilidade ao relacionamento. Cada parceria é realizada de forma especial, não sendo possível identificar um padrão específico de relacionamento. As análises das entrevistas e de documentos indicam que a confiança e o contrato desempenham papéis complementares nos relacionamentos da BioVacinas com seus parceiros. O objetivo do contrato é definir o terreno do relacionamento, estabelecendo inclusive algum tipo de punição, multa, ou algo nesse sentido. No entanto, segundo a experiência do gerente de Desenvolvimento de Negócios, um contrato, por mais bem elaborado que seja, não garante o relacionamento quando uma das partes tem má-fé.

Quando existem dificuldades no cumprimento de cláusulas contratuais, a resolução via justiça não tem sido adotada regularmente. De acordo com os informantes, tem sido usado o diálogo, e quando ele não resolve o relacionamento, tende a ser descartado. Segundo o gerente de Desenvolvimento de Negócios, um dos motivos está na complexidade imposta pelo fato de a justiça não se restringir ao Brasil. Em outros países a resolução via essa instituição é muito complicada e, segundo ele, não vale a pena.

O negócio da BioVacinas envolve algumas especificidades presentes em outras empresas de biotecnologia. Dentre essas, recebe destaque a dificuldade de gestão do capital intelectual e tecnológico. Segundo o gerente de desenvolvimento de negócios,

[...] é diferente você discutir um assunto comercial de tecnologia. O comercial é um produto, técnico, eu pego e mando amostras, você vai discutir o certificado de análise, especificando por que é ou não dessa forma. Com a tecnologia isso não é possível. Isso dificulta não só os aspectos internos como também o relacionamento com os parceiros atuais e outros possíveis.

Outra característica importante destacada pelos informantes é que no campo da biotecnologia "a gente pode sonhar! Sonhar em resolver muitos problemas". Pelo fato de a empresa trabalhar com tecnologia de ponta, na fronteira do conhecimento, a cada momento surgem novas soluções, como, por exemplo, o Projeto Genoma, que abre caminhos para novas descobertas.

Segundo os informantes, o negócio da BioVacinas envolve riscos mais elevados do que uma fábrica comum, pois o que eles oferecem atualmente é apenas a tecnologia, o processo de produzir enzimas recombinantes. Para eles, é difícil para uma empresa pagar milhões de dólares por um conhecimento que não se sabe se possibilitará a produção, permanecendo a indagação sobre seu custo e possível lucratividade. Nesse contexto, em que o dimensionamento das variáveis é complexo, a confiança se torna ainda mais preponderante.

O uso da mesma linguagem, o conhecimento anterior da pessoa ou organização, o apadrinhamento ou referências tendem a oferecer um local propício para o desenvolvimento do relacionamento, mas não são suficientes. Para o diretor de tecnologia, no campo da biotecnologia a amizade e a empatia são importantes, mas não decisivas.

Para os informantes, se a empresa possui um relacionamento de longo prazo, compartilhando sonhos, linguagem e interesses convergentes, fica mais fácil perceber os resultados futuros e conseqüentemente tomar decisões mais rápidas. Se há confiança, também está presente a crença nas informações passadas, não sendo necessário confirmar todos os dados, o que faz com que a decisão torne a transcorrer num clima mais agradável e mais rápido.

ANÁLISE DOS DADOS

As relações interorganizacionais têm sido apontadas como um caminho imprescindível para o desenvolvimento tecnológico, principalmente num contexto permeado por incertezas e que exige domínio de conhecimento de fronteira, como é o caso da biotecnologia.

Os principais problemas decorrentes do desenvolvimento tecnológico cooperado destacados pelas empresas se concentram na dificuldade de gerenciar o conhecimento inerente às atividades de pesquisa e no cumprimento de prazos, que muitas vezes não podem ser determinados a priori, como, por exemplo, numa pesquisa que necessita do resultado de uma cultura inédita de microorganismos feita no laboratório. Como não existe outro parâmetro para sua comparação, é impossível estabelecer o tempo de conclusão da pesquisa de forma adequada. No entanto, em muitos casos esses tempos são estimados, mas na prática não podem ser cumpridos por motivos alheios à vontade dos pesquisadores.

Quanto aos instrumentos para resolução de problemas, em todos os casos a negociação e o diálogo foram indicados como os principais. Isso pode ser explicado por duas vertentes. A primeira é que em nossa sociedade não é bem visto o embate frontal de idéias, muito menos de desavenças, resultado de nossas heranças históricas. A segunda vertente se refere ao interesse em continuar o relacionamento, que parece ser ainda mais importante no contexto da biotecnologia, uma vez que, para conseguir os resultados esperados, os relacionamentos necessitam de grande tempo de maturação. Assim, a conversa e a argumentação em defesa de seus interesses permitem não apenas a transposição das dificuldades, como alimenta as variáveis que dão suporte ao aperfeiçoamento da aliança. Isso confirma a opinião de Giddens (1996) de que, na sociedade contemporânea, o diálogo deve perpassar as atividades do cotidiano humano, propiciando discussões necessárias à definição da confiança ativa, na medida em que se espera que os agentes sociais promovam a renovação de responsabilidade pessoal e social em relação aos outros, constituindo o exercício da alteridade.

A seleção do parceiro para o desenvolvimento tecnológico recebe cuidado especial de todas as empresas analisadas. Leva-se em consideração a reputação, experiências passadas, a capacidade da empresa em realizar seus objetivos, acordos empreendidos com outras empresas e identificação da capacidade técnica, visando identificar parceiros que possam responder às expectativas da empresa.

As empresas pesquisadas possuem, nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, diferencial competitivo, o que as leva a considerar esse assunto de forma estratégica. No entanto, as duas empresas destacaram que atualmente não possuem tantas cooperações nessa área como esperam para o futuro. A existência da vontade e necessidade de aprimorar as relações de parceria e elevar seu número é também uma forma de evidenciar a importância da confiança nesses relacionamentos.

Quanto às atividades realizadas em conjunto, foram percebidos dois grupos distintos. O primeiro se concentra na transferência de tecnologia. Esse tipo de relacionamento é mais facilmente definido em contrato, mas devido aos elevados custos envolvidos e pela complexidade da operação, a confiança foi identificada como primordial para a existência do acordo. O segundo grupo é das relações entre empresas ou grupos de pesquisa, quase sempre acompanhados por acordos formais, em que o relacionamento entre pessoas possui papel preponderante. Os respondentes afirmaram que nesse caso a confiança se torna o principal mecanismo de coordenação dos relacionamentos.

A motivação principal para a formação dos relacionamentos é a complementação técnica. Ela é muito necessária em atividades que envolvem conhecimentos aprofundados e variados como a produção de medicamentos, seja na redução do prazo para lançamento de produtos ou pela incapacidade de domínio das várias técnicas.

A periodicidade dos relacionamentos não obedece a nenhum padrão específico. Quando o processo de desenvolvimento pode ser desmembrado em etapas estanques, tende a ocorrer de forma pontual no início e na entrega dos resultados e nos diversos pontos de controle e acompanhamento estabelecidos no cronograma. No caso das transferências tecnológicas, as interações se estabelecem na medida do necessário à transmissão de conhecimentos e à resolução dos problemas identificados.

O contrato foi indicado como o mais importante mecanismo de controle e redução de risco existente nos relacionamentos. Somente num relacionamento em que as relações pessoais são fortes, o contrato não foi evidenciado. Nas demais, mesmo existindo a confiança, o contrato esteve presente como norteador dos relacionamentos.

A BioVacinas tem parte significativa dos seus resultados na área de desenvolvimento tecnológico oriundos de parcerias, o que evidencia a importância desses relacionamentos para a empresa. Para a Bio-Diagnósticos, as parcerias visando desenvolvimento são algo recente, mas já apresentam resultados expressivos, culminando inclusive no pedido de uma patente internacional. Foi possível perceber nas entrevistas que todas as empresas continuam pensando nas parcerias como instrumentos para inovação nos próximos anos.

Os mecanismos de controle social ainda não são tão relevantes para as empresas estudadas, por participarem de um campo organizacional ainda em construção e por estarem em um país em que não há um sistema legal eficiente para os interesses desse tipo de negócio, que necessita de agilidade e definições claras. O contrato formal tem sido usado por todas as empresas inclusive como forma de compensar a falta de outros tipos de controle, como uma associação empresarial forte.

A parceria tende a se desenvolver de forma mais rápida se já tiver havido algum relacionamento prévio positivo entre os participantes da aliança no momento inicial do relacionamento. Dessa forma, há um aumento de troca de informações, além de mais facilidades na resolução de problemas. Para as empresas envolvidas, isso evidencia a importância de participar de redes e outros tipos de parceria, mesmo que seja apenas para se tornarem conhecidas ou descobrir parceiros para novos empreendimentos cooperados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de todos os problemas inerentes ao relacionamento cooperativo e dos riscos que eles possam oferecer, as alianças têm sido adotadas como uma das principais estratégias de desenvolvimento tecnológico pelas empresas pesquisadas. Isso implica tanto a necessidade do aprimoramento de competências que permitam às empresas tornar-se interessantes para possíveis parceiros, como também a criação de mecanismos gerenciais que permitam aos executivos administrar não apenas os processos internos como também seus relacionamentos interorganizacionais.

Os casos estudados evidenciam que os processos colaborativos e a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico ainda são temas que merecem maior atenção. Além das dificuldades inerentes à gestão operacional, as empresas pesquisadas sentem o impacto da falta de políticas públicas em ciência e tecnologia que possam incentivar investimentos de longo prazo e facilitar a cooperação interorganizacional, como acontece nos países centrais.

Assim, o entendimento da cooperação de forma processual pode ser um caminho útil para aprimorar o relacionamento entre as organizações e, conseqüentemente, a maximização de seus resultados. Nesse sentido, a confiança entre os parceiros tende a criar condições para o aprimoramento das alianças, uma vez que para se chegar à fase de negociação é necessária a existência de algum nível de confiança entre os parceiros, pois, se não, o relacionamento tende a nem existir.

Quanto mais experiências positivas estiverem presentes nessa relação, maior tende a ser a segurança para utilizar a confiança como instrumento para a redução de riscos em situações futuras. Quando se trata de questões facilmente identificadas e quantificáveis, ou com alto nível de risco, a confiança tende a ceder lugar ao contrato como instrumento para a condução do relacionamento. Analisando os casos, é possível perceber que, quando a confiança já foi estabelecida, as negociações transcorrem mais facilmente, devido à maior troca de informações. Destacou-se anteriormente que se podem compartilhar mais os dados e explanar as situações e os problemas para o parceiro, facilitando inclusive a tomada de decisão.

Na execução do desenvolvimento tecnológico em si, realizado por meio de pesquisas práticas, testes e simulações, a confiança e a importância do relacionamento tendem a acelerar essa etapa como também a diminuir os custos de controle e inspeção, independentemente de sua origem. Nessa fase, paralelamente à confiança, as inspeções nos laboratórios e as apresentações de resultados parciais consistentes tendem a aprimorar o sentimento de confiabilidade no parceiro, realimentando constantemente esse relacionamento, ao mesmo tempo em que diminuem os controles formais. Essa fase foi destacada como a mais importante para a continuidade dos relacionamentos e também como um momento para testar o nível de confiança no parceiro.

Desde a década de 1980, a literatura sobre o tema vem destacando a importância das parcerias nesse tipo de organização. No Brasil isso ainda é recente, e, segundo as empresas pesquisadas, a tendência é o aumento desse tipo de relacionamento, o que evidencia a necessidade da realização de nossos estudos com outras empresas do campo da biotecnologia.

Artigo recebido em 23.08.2004.

Aprovado em 18.07.2005.

Cleverson Renan da Cunha

Professor do mestrado em Administração e do mestrado em Turismo e Hotelaria da Universidade Vale do Itajaí - UNIVALI. Doutor em Administração pela UFMG. Interesses de pesquisa nas áreas de alianças estratégias, relações interorganizacionais, confiança e redes de empresas.

E-mail: cleverson.cunha@gmail.com

Endereço: Rua Des. Pedro Silva, 2100, ap. 205, bloco B, Coqueiros, Florianópolis - SC, 88080-700.

Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo

Professora titular aposentada da UFMG-CEPEAD/CAD e vice-diretora da Faculdade Novos Horizontes. Doutora em Ciências das Organizações pela Universite de Paris IX (Paris-Dauphine), U.P. IX, França. Interesses de pesquisa nas áreas de gerência, gerência feminina, relações de poder e de gênero, confiança, liderança e relações de trabalho.

E-mail: lenemelo@unihorizontes.br

Endereço: Rua Alvarenga Peixoto, 1270, Carmo, Belo Horizonte - MG, 30180-121.

  • ALDRICH, H. Organizations and Environments Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1979.
  • ANCIÃES, W.; CASSIOLATO, J. E. Biotecnologia: seus impactos no setor industrial Brasília: CNPQ, 1985.
  • AUSTER, E. R. Macro and strategic perspectives on interorganizational linkages: a comparative analysis and review with suggestions for reorientation. In: SHRIVASTAVA, P.; HUFF, A.; DUTTON, J. (Eds.). Advances in Strategic Management. Greenwich, CT: JAI Press. v. 10B, p. 3-40.
  • BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70, 1977.
  • BULL, A. T.; HOLT, G.; LILLY, M. D. Biotecnologie: tendence et perspectives internationales OCDE, 1982.
  • CHILD, J.; MÖLLERING, G. The development of organizational trust in the Chinese business context 2001 (mimeo).
  • DODGSON, M. Learning, trust and technological collaboration. Human Relations, v. 46, n. 1, p. 77-95, 1993.
  • DOZ, Y. L; HAMEL, G. A vantagem das alianças: a arte de criar valor através de parcerias São Paulo: Qualitimark, 2000.
  • FUNDAÇÃO BIOMINAS. Parque nacional de empresas de biotecnologia Belo Horizonte: Fundação Biominas, 2001.
  • GIDDENS, A. Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical São Paulo: Unesp, 1996.
  • GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social São Paulo: Atlas, 1989.
  • GRUPP, R. W.; GAINES-ROSS, L. Reputation management in the biotechnology industry. Journal of Commercial Biotechnology, v. 9, n. 1, p. 17-26, 2002.
  • GULATI, R. Alliance Stages and Cycles Evanston, IL: Kellogg School of Management, 2001 (mimeo).
  • GULATI, R. The architecture of cooperation: managing coordination costs and appropriation concerns in strategic alliances. Administrative Science Quarterly, v. 43, n. 4, p. 781-815, 1998.
  • KONDRA, A. Z.; HININGS, C. R. Organizational diversity and change in institutional theory. Organizational Studies, v. 19, n. 5, p. 743-67, 1998.
  • MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Qualitative data analysis: an expanded sourcebook. 2. ed. London: Sage, 1994.
  • MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Programa de biotecnologia e recursos genéticos: definição de metas Brasília: MCT, 2002.
  • NOHRIA, N. Is a network perspective a useful way of studying organizations? In: NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. (Ed.). Networks and Organizations: Structure, Form, and Action Boston: Harvard Business School Press, 1992. p. 1-22.
  • POWELL, W. W. Neither market, nor hierarchy: network forms of organization. In: STAW, M.; CUMMINGS, L. L. Research in organizational behavior Greenwich, CT: JAI Press Inc., 1990.
  • POWELL, W. W. The social construction of an organizational field: the case of biotechnology. International Journal of Biotechnology, v. 1, p. 42-66, 1999.
  • POWELL, W. W.; KOPUT, K. W.; SMITH-DOERR, L. Interorganizational collaboration and the locus of innovation: networks of learning in biotechnology. Administrative Science Quarterly, vol. 41, n. 1, p. 116-145, 1996.
  • POWERS, J. G. The formation of interorganizational relationships and the development of trust Albany, NY, 2001. Tese (doutorado em Administração) - School of Information Science and Polity, University of New York.
  • RICHARDSON, R. et al. Pesquisa social: métodos e técnicas São Paulo: Atlas, 1999.
  • RING, P. S.; VAN de VEN, A. H. Developmental process of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, v. 19, p. 90-118, 1994.
  • SELLTIZ, C. et al. Metodologia de pesquisa nas relações sociais São Paulo: EPU, 1987.
  • STUART, T. E. Network positions and propensities to collaborate: an investigation of strategic alliance formation in a high-technology industry. Administrative Science Quarterly, v. 43, n. 3, p. 668-699, 1998.
  • TRIGUEIRO, M. G. S. O clone de Prometeu - Biotecnologia no Brasil: abordagem para avaliação Brasília: UnB, 2002.
  • YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos Porto Alegre: Bookman, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    18 Jul 2005
  • Recebido
    23 Ago 2004
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br