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Apresentação

III TEMA - PEQUENA E MÉDIA EMPRESA

Apresentação

As dificuldades gerenciais e os problemas de sobrevivência das pequenas e medias empresas (PME) tomaram-se temas preferidos de pronunciamentos de autoridades econômicas, empresários e pesquisadores acadêmicos.

Enfatiza-se sua importância no processo de crescimento econômico, pela função de geradoras de emprego e, assim, de distribuidoras de salários e renda. A contribuição das PME à economia pode ser analisada também sob o ângulo deformação e treinamento da mão-de-obra, de viveiro para a emergência de talentos empresariais e o surgimento de inovações secundárias ou incrementais, a niveis das empresas.

Contudo, apesar desses aspectos altamente favoráveis para as respectivas economias nacionais, as PME apresentam uma característica negativa: segundo estimativas diversas, metade das PME fracassou durante os primeiros cinco anos de sua existência, e até 90% encerram suas atividades antes de Completar 10 anos.

Como explicara alta rotatividade das pequenas empresas, apesar de toda sorte de programas e diretrizes de apoio financeiro e gerencial por parte do poder público?

Diante da tendência à concentração de capital observada em todos os países de economia capitalista e que resulta em ampla difusão de sistemas de produção em grandes unidades, com equipamentos e tecnologia capital-intensivos, seria possível apostar na sobrevivência das PME, supostamente menos eficiente? Por outro lado, quais as chances de sobrevivência dessas empresas, quando obrigadas a concorrer, num mesmo mercado, com oligopólios ou conglomerados? E, finalmente, quais as medidas mais eficazes a serem adotadas pelo poder público, a fim de se assegurarem condições de funcionamento, com certa margem de lucratividade, às PME?

Encontramos uma chave para o aparente paradoxo do desaparecimento e ressurgimento constante de PME na análise da difusão desigual do progresso técnico intra e intersetorial que resulta - além da hierarquia do desenvolvimento tecnológico manifesto na dicotomia de setores "tradicionais" e "dinâmicos" - em diferenças significativas no processo de acumulação. O desenvolvimento e a expansão de grandes unidades produtivas, de tecnologia e, portanto, de acumulação intensiva, criam condições para a persistência e eventual expansão de setores de acumulação extensiva, caracterizada pela presença de numerosas PME. Estas, em seus esforços de sobrevivência, dependem menos de facilidades de crédito do que da estrutura do mercado intra-setorial, ou seja, da presença ou ausência de grupos oligopólicos que estabelecem um conjunto de relações de dominação/subordinação, e de dependência ou complementaridade com relação às pequenas unidades.

Assim, com o desaparecimento de PME tradicionais de tipo artesanal, substituídas pelos oligopólios e conglomerados, surgem novas PME, modernas e capital-intensivas, porém subordinadas e controladas pelo grande capital.

O modelo de acumulação baseado na expansão dos conglomerados, em escala, internacionalizando a produção, o comércio e as finanças, produz também a subordinação dás PME ao grande capital, sobretudo rios ramos dinâmicos da economia. As PME que não tentarem adaptar-se ao ritmo mais dinâmico do sistema tendem a desaparecer, enquanto as sobreviventes se transformam, mudando suas estruturas organizacionais, tecnologia, localização e natureza de seus produtos. Na estrutura da produção emergente na segunda metade do século XX, as PME são reduzidas a funções dependentes e subordinadas, numa hierarquia rígida e constantemente reforçada pela acumulação de capital, em escala mundial. E na apreensão da dinâmica do capital, em seus movimentos de centralização e dispersão, que sé tomam compreensíveis os fenômenos de surgimento, desaparecimento, dissolução e reaparecimento das pequenas e médias unidades produtivas. O perído pós-guerra foi extremamente propicio ao reerguimento da economia capitalista, realizado sob o comando de poderosos conglomerados, perfeitamente entrosados com as PME, a eles subordinadas e dependentes. A dependência e a subordinação das PME alem de resultarem pagamento de salários mais baixos de seus empregados e, portanto, em transferência de valor adicionado aos conglomerados subcontratantes - refletem-se também nas relações políticas. A maioria dás entidades representativas das - PME é politicamente pouco expressiva, limitando-se em -suas reivindicações a clamar por mais créditos e mais proteção por parte do Estado. O - problema da sobrevivência das PME não é colocado - como o da capacidade de resistência e luta contra á grande empresa. Ao contrário, reivindicando mais proteção e barreiras à entrada de potenciais concorrentes, as PME procuram, através de sua associação, mesmo dependentes e subordinadas ao grande capital, obter taxai de lucro extraordinário.

Na fase de recessão econômica, em face das dificuldades para alterar as linhas de produtos, máquinas e equipamentos, sem acesso a recursos financeiros de vulto e sem garantias de mercado, as PME, através de suas entidades representativas, tendem a manifestar um apoio quase que incondicional às pretensões do grande capital, acompanhado de um antagonismo virulento e militante às reivindicações econômicas e políticas dos trabalhadores.

Os trabalhos que integram esta coletânea foram apresentados na VII Reunião Anual da Anpad, realizada em setembro de 1983, e versam sobre alguns dos aspectos e problemas das PME, complexos intrincados, na conjuntura atuai da economia brasileira.

O primeiro ensaio, intitulado Acumulação de capital, internacionalização da economia é pequenas empresas, procura apreender os movimentos contraditórios do capital que, no processo de acumulação e sua reprodução, cria e destrói, simultaneamente pequenas unidades produtivas. Dai resulta a instabilidade e insegurança das PME, das quais uma alta percentagem sucumbe nos primeiros anos de existência.

Entretanto, a difusão desigual das inovações tecnológicas, entre empresas de tamanho e potencial diferentes, permite contrabalançar a tendência ao desaparecimento das PME, que acabam sendo atraída para a órbita das grandes empresas, o que reflete um dualismo tecnológico e uma clara relação de dominação-subordinação.

A dependência e a subordinação das PME 'em relação às grandes empresas refletem-se, também, nas relações políticas, entre as empresas e o Estado.

Os empresários das PME, contrariamente às expectativas do senso comum, manifestam um apoio quase incondicional às reivindicações do grande capital, por mais proteção, crédito e outros privilégios, enquanto ostentam uni antagonismo virulento às organizações sindicais e políticas dos trabalhadores.

O segundo texto - Acesso à propriedade, família e herança (formação e reprodução da pequena burguesia têxtil em São Paulo - procura reconstruir através da analise da história da implantação da indústria têxtil no país e de material empírico obtido em pesquisa sobre PME do ramo têxtil, o processo deformação do empresariado empenhado na produção e comércio de tecidos e roupas.

Focalizando as condições histórico-estruturais em que essas empresas iniciaram suas trajetórias, aponta para a importância dos fatores sócio-culturais - a origem étnica, a posição social da família; o nível de instrução Como parte do Capital cultural do empresário na determinação do sucesso ou fracasso do empreendimento.

Examina, também, o processo de sucessão, envolvendo a transmissão da empresa aos herdeiros, precedida por uma longa fase de aprendizagem e percurso profissional dos mesmos, na empresa.

Na seqüência do trabalho formula-se a hipótese sobre a importância dos laços e relações de parentesco, freqüentemente reforçados por lealdade étnica e/ou religiosa, para assegurar a continuidade e sobrevivência do negócio, mesmo em épocas de recessão e crise econômica.

O terceiro trabalho - intitulado As mudanças na importância de fatores de localização percebida pelos empresários de empresas têxteis e de confecções: os casos de Natal e Fortaleza - de caráter eminentemente empírico, procura destacara localização das empresas industriais como fator importante para sua prosperidade e sucesso. Analisando O papel do poder público como estimulador e orientador da localização de empreendimentos industriais, lançando mão de uma variada gama de incentivos e subsídios, o trabalho visa a formulação de recomendações para uma política econômica e administrativa capaz de contribuir para o fortalecimento do setor têxtil no Nordeste.

O último trabalho da série - As micro e pequenas empresas: uma revisão da literatura de marketing e os critérios para caracterizá-las - representa um esforço de revisão crítica da literatura sobre PME, nos seus aspectos e problemas de marketing.

Apontando inicialmente, para a importância das PME na geração de empregos e,pór outro lado, sua vulnerabilidade expressa pelos números crescentes de concordatas e falências, os autores procuram relacionar o desempenho dessas empresas, tanto com a conjuntura econômica geral, quanto ao comportamento gerencial dos empresários, mormente na área de marketing.

Dada a escassez de estudos sobre o marketing das PME, os autores concluem sobre as necessidade de ampliar e aprofundar as pesquisas nessa área, o que viria a beneficiar; inclusive, os programas oficiais de financiamento e apoio às PME.

Longe de esgotar a pauta de assuntos e problemas ligados às PME e sua função na economia brasileira, os quatro estudos que se seguem - produtos de pesquisas realizadas em diversos centros de pesquisa do país - deixam patente a necessidade de se ampliar a pesquisa sobre pequenas unidades produtivas nas escolas de administração, até agora excessivamente preocupadas com a formação de gerentes e executivos destinados às grandes organizações

Henrique Rattner

Da EAESP/FGV; da FEA/USP (coordenador do grupo)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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