ESPECIAL
Aprendendo com o "Ohnoísmo" (produção flexível em massa): lições para o Brasil
José Roberto Ferro
Professor Assistente do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos e Visiting Scholar do Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, USA
RESUMO
O "Ohnoísmo" superou o fordismo-taylorismo como filosofia e método de produção industrial e vem se transformando no paradigma dominante mundialmente. Embora inúmeras empresas no Brasil tenham iniciado o processo de mudança em direção a esse novo sistema, persistem ainda inúmeras interpretações incorretas a seu respeito. Apresentamos as características fundamentais do "Ohnoísmo", algumas das principais confusões que se fazem a seu respeito e sugerimos alguns passos básicos a serem seguidos para a implantação desse novo sistema.
Palavras-chaves: "Ohnoísmo", Sistema de Produção Toyota, Administração da Produção Industrial, Sistema Japonês de Produção.
ABSTRACT
"Ohnoism" has overcome foráism-taylorism as an industrial production method and philosophy and has become the worldwide dominant paradigm. Many companies in Brazil have started the change process towards this new system, but many incorrect views about it still prevail. In this paper we present "Ohnoism" basic features, some of its most important misinterpretations and suggest some basic steps to be followed upon implementing this new system.
Key words: Ohnoism, Toyota Production System, industrial production management, Japanese production system, JIT, KANBAN, KAYSEN, flexible production.
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INTRODUÇÃO
Os métodos de produção japoneses revolucionaram a indústria e transformaram-se, na década de 80, no modo dominante de administrar a produção nos países industrialmente mais avançados.
Os níveis de produtividade e qualidade atingidos por inúmeros setores da indústria japonesa, como aço, navios, máquinas e equipamentos, automóveis, televisores, eletrodomésticos, semi-condutores etc. deram uma vantagem competitiva substancial aos produtores nipônicos1 1 . A vantagem japonesa no setor automobilístico é registrada por KRAFCICK.J. & MACDUFFIE, J. P. Explaining High Performance Manufacturing; the international Automotive Assembly Plant Study. Apresentado no III Policy Forum, International Motor Vehicle Program, MIT. México, 1989. . Uma das principais causas do notável desempenho econômico do Japão nos anos 70 e 80 baseia-se em seu extraordinário avanço nos processos de produção industrial. A Toyota, maior empresa japonesa do setor automobilístico, foi a responsável pelo desenvolvimento desses novos princípios e filosofia de produção que estamos chamando de "Ohnoísmo"2 2 . Termo originalmente definido por WOMACK, J. "A Post-National Auto Industry by Year 2000". The JAMA Forum, 8(1), 1989. .
No Brasil, são inúmeras as empresas que têm introduzido algumas das técnicas e métodos japoneses. Muitas têm conseguido excelentes resultados. Entretanto, freqüentemente esse processo tem assumido a forma do contágio de uma nova doença, que se pega sem saber direito como e por que. Implantam-se essas novas técnicas de produção porque se ouviu falar, porque uma concorrente está usando ou porque um consultor conseguiu convencer de suas maravilhas. Muitas vezes desconhecem-se os princípios básicos, a filosofia e as técnicas desse novo paradigma de produção.
Neste trabalho, procuro, inicialmente, esclarecer o surgimento do "ohnoísmo" ou Sistema de Produção Toyota (SFT) e apresentar suas principais características. Em seguida, procuro apontar alguns equívocos que se fazem a seu respeito no Brasil e sugerir alguns passos que se elevem tomar na sua implantação.
ORIGENS DO "OHNOÍSMO"
A Toyota foi criada em 1918, produzindo, inicialmente, máquinas têxteis. Antes da II Guerra, produzia caminhões a partir de um esforço próprio de engenharia e desenvolvimento combinado com cópias e imitações de produtos importados. Esse esforço continuou após a guerra, com o desenvolvimento de automóveis a partir de adaptações de modelos europeus, adequados às condições do mercado japonês. Em virtude das reduzidas dimensões desse mercado, a empresa preferiu não imitar o esquema americano fordista de reduzir custos a partir do aumento da escala de produção e procurou, alternativamente, produzir com eficiência pequenas quantidades de diferentes modelos.
O "Ohnoísmo" ou Sistema de Produção Toyota (SFT), como é estruturado atualmente, surgiu logo após a II Guerra Mundial. Demorou mais de 25 anos, de 1945 até 1972, para assumir a sua forma presente. A produtividade da Toyota tem sido a mais alta da indústria automobilística mundial desde a metade dos anos 603 3 . CUSUMANO, M. The Japanese Automobile Industry - Technology and Management at Nissan and Toyota. Cambridge, Ma., Council on East Asian Studies, Cambridge, Harvard University Press, 1985. .
Nunca houve uma forte ênfase em tecnologia. Ao contrário de outras empresas como a Nissan, a segunda maior empresa japonesa e a quarta do mundo no setor automobilístico, que iniciou seu processo de robotização ainda nos anos 60, os robôs só foram introduzidos na Toyota quando se tornaram fáceis e rápidos de programar, permitindo sua incorporação dentro do esquema da produção flexível.
Algumas condições peculiares permitiram à Toyota experimentar - com seus inovadores métodos de produção, como sua localização em uma zona rural distante das grandes cidades; com uma mão-de-obra jovem, todas as suas dez plantas japonesas e seus principais fornecedores concentrados em um só local (Toyota City) - um clima de cooperação entre funcionários e administração em uma empresa que, embora profissionalizada, procurou manter algumas características de empresa familiar, colocando vários membros da família Toyota em altos cargos na empresa.
O principal responsável pela introdução do sistema Toyota foi Taiichi Ohno (1912-), um engenheiro de produção sem diploma universitário. Começou sua carreira na Toyota em 1943, depois de ter passado quase dez anos trabalhando em empresa têxtil do grupo Toyota.
No início de sua carreira, Ohno procurou aprender, com os manuais disponíveis, principalmente norte-americanos, administração da produção, mas resolveu deixá-los de lado para aprender diretamente na própria produção. Em suas inovações pioneiras, contou com a colaboração de inúmeras outras pessoas, da própria Toyota e de outras empresas.
Era um admirador do fordismo original por sua capacidade de produzir em fluxo, mas criticava-o pelo volume excessivo de estoques que criava e pela incapacidade de produzir uma diversidade de modelos. Ohno afirmou que "se Henry Ford estivesse vivo, teria feito como eu"4 4 .OHNO, T. Toyota Production System. Cambridge, Ma., Productivity Press, 1988. . Acreditava que seria possível combinar a estratégia da General Motors pós-Sloan de produzir uma grande diversidade de modelos, adotando o esquema em fluxo do fordismo original, só que sem estoques em processo. Além disso queria recuperar a tradição do trabalho artesanal de englobar cabeça e mãos no processo produtivo, que havia sido destruída pelo sistema taylorista-fordista. Ohno conseguiu tudo isso.
Suas inovações foram introduzidas gradualmente nas seções de usinagem e montagem para posteriormente atingir as seções de prensas, forjaria e fundição, contando sempre com o apoio da alta administração e tendo a cooperação dos trabalhadores. A habilidade política de Ohno permitiu-lhe negociar com os sindicatos a introdução do novo sistema e, mesmo sem conseguir apoio, foi capaz de evitar fortes resistências. Talvez tenha ajudado o fato de ele ter sido diretor do sindicato por um ano.
O impacto do "Ohnoísmo" tem sido notável. Disseminou-se, inicialmente, para os fornecedores da Toyota e, depois, foi copiado por empresas japonesas de outros setores. Transformou-se no modo dominante de conceber a moderna produção industrial.
DIFUSÃO MUNDIAL DO "OHNOÍSMO"
Na década de 80, o "Ohnoísmo" expandiu-se rapidamente para diversos países industrializados da Europa e Estados Unidos, cujas empresas nacionais foram obrigadas a reconhecer sua superioridade técnica. Alguns exemplos da indústria automobilística mundial podem ser dados de modo a apontar a extensão da difusão do ''Ohnoísmo". A Ford lançou no final da década de 70 um programa interno de mudança organizacional chamado After Japan onde procurava aprender e disseminar os métodos japoneses de produção, contando com o apoio da Mazda, a terceira maior empresa japonesa do setor automobilístico.
Os resultados desse programa têm sido excelentes, possibilitando significativas melhorias em produtividade e qualidade. Atualmente, a Ford vem aumentando sua participação no mercado mundial e tem tido uma elevada lucratividade graças à rapidez com que se transformou.
A General Motors (GM), ainda a maior empresa do mundo, estabeleceu uma joint-venture com a Toyota chamada NUMMI (New United Motor Manufactnring Incorporated), em 1983, onde as partes entraram com 50% do capital. A produção seria realizada em antiga planta da GM em Fremont, na Califórnia, de tecnologia tradicional, com um histórico de problemas trabalhistas, de elevado absenteísmo e de baixa qualidade. O produto era um subcompacto baseado no bem-sucedido Corolla da Toyota e a administração seria feita sob total responsabilidade da Toyota. Os resultados foram surpreendentes. A planta conseguiu os níveis mais elevados de produtividade e qualidade da corporação e apenas um pouco abaixo dos níveis obtidos no Japão em plantas semelhantes. Ao mesmo tempo, inúmeras outras plantas da GM gastavam bilhões de dólares na modernização através da mais moderna tecnologia disponível, acreditando que alta tecnologia seria sinônimo de maior eficiência. Os resultados obtidos por essa estratégia de automação massiva não se compararam com os de NUMMI, que acabou se tornando uma planta-modelo para toda a corporação, tendo seus métodos difundidos amplamente.
As empresas japonesas que se instalaram nos EUA na década de 80 (Honda, Toyota, Mitsubishi, Mazda e Nissan) têm conseguido excelentes resultados na transferência de seus métodos e práticas de administração, tendo, em geral, obtido melhores níveis de produtividade e qualidade que suas concorrentes norte-americanas5 5 . KRAFCICK, J. & MACDUFFIE, J. P. Op. cit. A transferência das plantas japonesas para os EUA é discutida com detalhe em SHIMADA, H.& MACDUFFIE, J. P. Industrial Relations and 'Humanware'; Japanese Investments in the U.S. Canadá, trabalho apresentado no I Policy Forum, International Motor Vehicle Program, MIT, 1989. .
A Europa encontra-se um pouco mais atrasada nesse processo. A Volkswagen e a Fiat, as maiores empresas européias, após as dificuldades encontradas por sua estratégia de automação massiva, em geral "rígida", buscaram aproximar-se gradativamente dos métodos japoneses no final da década de 80. Na França, a Renault procurou reproduzir quase integralmente os métodos japoneses e PSA (Peugeot-Citroen) têm adotado esse padrão de organização da produção com significativas adaptações.
As empresas suecas SAAB e Volvo também vêm introduzindo algumas mudanças, embora a tradição dos grupos semi-autônomos ainda esteja muito forte. As novas plantas próximas de serem inauguradas (Volvo-Uddevalla e SAAB-Malmo) avançam ainda mais alguns dos princípios desenvolvidos pioneiramente na década de 70, em certo sentido em direção contrária a algumas das preocupações do "Ohnoísmo" como, por exemplo, os ciclos de tempo cada vez mais longos e criação de folgas no processo de produção. As plantas das empresas norte-americanas (Ford e GM) e as japonesas (Nissan, Honda-Rover) implantadas na Europa, em geral, estão mais avançadas.
Também em alguns países em desenvolvimento, os métodos japoneses vêm sendo introduzidos com sucesso. No norte do México (Hermosillo), a Ford tem uma das plantas mais modernas do mundo em tecnologia (por exemplo, cerca de 100 robôs de última geração pára solda apenas) e a organização da produção segue totalmente o padrão japonês, tendo sido implantada pela Mazda. Os trabalhadores mexicanos adaptaram-se muito bem ao sistema de produção, graças ao intensivo treinamento a que foram submetidos e há atualmente uma mistura de gerentes norteamericanos e mexicanos. Os japoneses apenas acompanharam sua introdução. Na Coréia do Sul, a empresa local Hyundai vem obtendo relativo sucesso com sua política agressiva de exportações para os EUA, em parte, graças ao apoio gerencial e tecnológico da Mitsubishi.
CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DO "OHNOÍSMO"
O "Ohnoísmo" ou Sistema de Produção Toyota (SPT) é, ao mesmo tempo, extremamente simples e extremamente complexo. Os detalhes são tão importantes quanto sua essência. Consiste tanto de princípios e métodos consolidados mas, muitas vezes, esquecidos, como também de profundas mudanças de valores, atitudes, filosofia e técnicas de produção. Combina e integra com sucesso um sistema de produção inovador com novas formas de gestão de recursos humanos6 6 . Entre outros trabalhos descritivos do sistema, ver MONDEN, Y. Toyota Production System. Norcross, Ga., Industrial Engineering and Management Press, 1987, ; SUZAKI, K. The New Manufacturing Challenge. New York, The Free Press, 1987; KRAFCICK, J. "Triumph of the Lean Production System". Sloan Management Review, Fall, 1988; e SUGIMORI, Y. et alii. "Toyota Production System and Kanban System; Materialization of Just in Time and Respect-for-human System". International Journal of Production Research, 75(6), 1977. . Os três alicerces do "Ohnoísmo" são Just in time (JIT). Muda e Kaisen (ver figura 1), que se apoiam e se reforçam mutuamente.
Just in Time. É o coração do sistema. É um sistema sincronizado de produção em fluxo sem estoques. Significa que as partes certas necessárias devem chegar na hora certa e somente na quantidade necessária. Pensa a produção ao contrário, do fim para o começo. A linha de montagem final é, na verdade, o ponto de partida na concepção toyotista, regulando e balanceando o sistema, definindo as necessidades de materiais para os processos anteriores. O operador vai até o processo anterior pegar apenas o material e peças necessários.
Evita que os problemas sejam escondidos. Eles vêm à tona e têm que ser resolvidos imediatamente de modo a evitar danos maiores. Daí exigir 100% de qualidade no processo, obrigando-se a fazer certo da primeira vez. Reduz o tempo total de produção, reduz as necessidades de espaço físico e possibilita aumentar a flexibilidade.
O kanban é o sistema de informação que aciona e controla a produção, definindo através de um simples cartão a quantidade a ser produzida do tipo de peça e componente determinado. Ao mesmo tempo, dá instruções de trabalho, controla visualmente o volume de produção, previne o excesso de produção e indica os problemas. E a forma de conectar uma seção à outra. Nada deve ser produzido ou retirado sem o kanban. Sua simplicidade esconde sua mágica. Um simples pedaço de papel contém um volume enorme de informações confiáveis, atualizadas e importantes.
Os trabalhadores cruzam os braços se não tiverem nada para produzir. Param a linha se algum problema ocorrer. Isso cria embaraços e, ao tornar o problema visível a todos, obriga sua resolução. "Uma linha de produção que não pára ou é perfeita, ou tem enormes problemas", afirmou Ohno.
Muda. Significa eliminar totalmente desperdícios de materiais, pessoal, movimentos, peças defeituosas, transportes desnecessários, esperas, produzir além do necessário etc. O principal estímulo da redução de desperdícios é o próprio JIT. Por exemplo, produzir além do necessário, um dos piores desperdícios, cria estoques supérfluos, espaço físico desnecessário, custos financeiros extras, papelada a mais, pessoal extra para controle, mais confusão etc. A obsessão e agressividade com que Ohno busca eliminar todas as atividades que não adicionam valor superaram os esforços de Henry Ford e Frederick Taylor.
A ênfase em produtividade torna o processo de contratação de um novo funcionário muito rigoroso, devendo sua justificação ser extremamente convincente de que a nova pessoa vai fazer algo que não pode ser feito por outra já empregada.
Os métodos de trabalho são analisados cuidadosamente, de modo a serem otimizados, evitando movimentos desnecessários. A simplificação do trabalho é fundamental para garantir a sincronização, facilitando o aprendizado dos trabalhadores e a rotação entre as diferentes tarefas, permitindo que os operadores tenham mais facilidade de ver e possam sugerir as melhorias possíveis.
A simples distinção entre tempo de máquina e tempo de trabalho do operador implicou em uma série de decorrências, como a múltipla operação de máquinas e os dispositivos de controle automático de parar a máquina quando a produção se encerrava, na medida em que o operador não precisa simplesmente ficar monitorando a máquina. Um trabalhador que esteja olhando a máquina funcionar, para intervir só no caso de algum problema, é considerado um desperdício a ser evitado.
Andar não é considerado sinônimo de trabalhar. Uma movimentação desnecessária para pegar uma ferramenta situada em lugar não adequado deve ser evitada. Os sistemas de movimentação de materiais, a disposição de ferramentas etc. devem facilitar o trabalho. A ergonomia é levada a sério, de modo a não causar esforços físicos inúteis.
Talvez o desperdício mais importante que o sistema reduziu tenha sido o das capacidades intelectuais dos trabalhadores, subutilizada nos sistemas de produção anteriores.
Kaisen. É o melhoramento contínuo da produtividade e qualidade. Ohno afirmou que o melhoramento é eterno e infinito. Por melhor que possa parecer uma situação, ela pode sempre ser melhorada. E deve. Esse princípio deve estar presente no dia a dia da administração, sendo responsabilidade de todos, embora alguns programas especiais, como Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), planos de sugestões individuais etc, tenham a responsabilidade pelo desenvolvimento dessas melhorias. A atitude da administração deve favorecer constante aprendizado e ser receptiva às mudanças e sugestões.
A Toyota foi a segunda empresa no Japão a adotar um programa de Círculos de Controle de Qualidade, em 1962, e tem tido um enorme sucesso em termos de participação, número e qualidade das sugestões, medido pela porcentagem de implementação e pelos resultados econômicos alcançados.
As outras características do SPT, algumas decorrentes dessas citadas e outras parcialmente independentes, são:
Flexibilidade. O SPT é um sistema de produção extremamente flexível, sendo capaz de atender rapidamente às flutuações do mercado. As dimensões dessa flexibilidade podem ser visualizadas na figura 2.
a) tecnologia e administração do espaço. Devem-se evitar equipamentos fixos e especializados em favor de equipamentos que tenham utilidade geral e versatilidade. O layout funcional é substituído pelo celular, com o agrupamento de diferentes máquinas a partir da seqüência de produção, facilitando transportes, utilizando melhor a força de trabalho com um operador cuidando de mais de uma máquina, evitando estoques, facilitando a produção de lotes pequenos, estimulando a comunicação entre os trabalhadores e aproveitando melhor o espaço. Novas tecnologias como robôs e máquinas-ferramentas de comando numérico devem ser flexíveis, de modo a serem fácil e rapidamente programadas para acomodar as mudanças constantes da linha de produtos.
b) nivelamento e seqüência da produção. A linha de montagem ideal é aquela que produz muitos modelos diferentes e pequena variância no volume de produção. O seqüenciamento da linha de produção garante um modelo diferente em seguida do outro. Por exemplo, em uma linha, a seqüência A-B-C-A-B-C-A-BC é melhor do que A-A-A-B-B-B-C-C-C. Assim, se uma empresa tem um volume de produção de 100.000 unidades por mês de três produtos diferentes com a seguinte distribuição (50.000 de x e 25.000 de y e z), a programação da produção diária seria feita de tal modo que, supondo 20 dias no mês, 2.500 x e 1.250 y e z seriam produzidos, balanceada a linha da seguinte forma (x y x z x y x z). Se houver uma redução de demanda, para esse esquema é mais fácil ajustar do que se fossem produzidas, em duas semanas, todas as unidades x, uma semana para y e outra para z. Não se acumulam estoques, a programação da produção pode ser mais facilmente mudada, no dia anterior se for o caso, economiza-se espaço porque se pode ter uma linha ao invés de duas e não se requerem tantos supervisores.
Combinada com isso, tem-se a rápida troca de ferramentas e moldes. Na metade dos anos 50, a troca de moldes na Toyota demorava de 2 a 3 horas; chegou a 15 minutos em 1962. No final dos anos 60, reduziu-se para três minutos. Algumas inovações tecnológicas facilitam essa melhoria, como a padronização dos moldes, a redução do tamanho dos equipamentos (exemplo: prensas maiores), carrinhos para o transporte dos moldes, métodos de otimização das trocas etc.
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c) trabalhadores qualificados e flexíveis (shojinka). Não deve haver rígidas especializações de tarefas e os trabalhadores devem fazer o máximo possível de rodízio entre as diferentes tarefas. Deve haver muito treinamento e qualificação. Assim, além de conhecer bem diferentes tipos de máquinas e tarefas, o operador deve ser responsável pela qualidade, manutenção corretiva, limpeza e transporte de materiais.
d) organização flexível minimizando os conflitos entre fronteiras. Muitas vezes, os conflitos entre departamentos diferentes de uma mesma empresa são tão ou mais significativos do que entre os diferentes níveis hierárquicos. Para que o SPT funcione efetivamente, torna-se necessária muita cooperação entre os diferentes departamentos envolvidos como CQ, manutenção, métodos e processos, os diferentes setores da produção etc.
Uma das conseqüências mais visíveis desse princípio é, por exemplo, a organização de equipes conjuntas de pessoal de produção e projeto do produto, para o desenvolvimento de novos modelos que levem em conta a manufaturabilidade, resultando em ciclos de desenvolvimento de produtos mais curtos e em produtos muito mais fáceis de fabricar, com mais partes em comum, reduzindo ou facilitando operações de montagem.
Recursos Humanos. Apesar de todas as inovações e revoluções tecnológicas trazidas pelo SPT, sem dúvida sua força fundamental encontra-se na qualidade e motivação do pessoal. O aproveitamento da potencialidade humana em todos os seus níveis é um dos grandes méritos do sistema. A ênfase é no trabalho em grupo e na cooperação. Algumas características da relação de trabalho no Japão favorecem o maior envolvimento dos funcionários. A estabilidade no emprego nas grandes empresas tem tanto um sentido moral como econômico, retendo trabalhadores que desenvolveram um elevado grau de conhecimento sobre as operações específicas da empresa.
A ascensão na carreira é lenta, baseada em tempo de serviço, e promoções são definidas cuidadosamente baseadas em uma avaliação minuciosa do desempenho individual em um período longo, no qual se acompanham não apenas a produtividade no trabalho mas, também, participação, criatividade, assiduidade etc. O recrutamento é baseado mais em habilidades sociais de convivência, capacidade de adaptação ao trabalho em grupo e atitude com relação ao aprendizado, do que propriamente em conhecimento técnico.
O treinamento é extensivo, realizado no próprio local de trabalho porque é na produção que efetivamente se aprende.? Comumente, engenheiros recém-contratados passam um ano desempenhando tarefas manuais, trabalhando em todas as fases do processo produtivo para, posteriormente, por exemplo, trabalhar no desenvolvimento de novos produtos; ou então, um economista contratado pode passar meses manobrando uma empilhadeira antes de ir trabalhar com custos.
A estrutura de cargos é extremamente vaga, sem tarefas rigorosa ou rigidamente definidas, com demarcações genéricas, facilitando as constantes transferências de posições. Os salários não são vinculados diretamente à estrutura de cargos e são definidos pelo tempo de serviço, pelo nível educacional e pelo status da posição, além de bônus individuais e da companhia. Não há discriminação entre horistas e mensalistas, sendo todos mensalistas. Os sindicatos por empresa tendem a colaborar com a administração. Os benefícios adicionais como esporte, lazer, casa na empresa, empréstimo financeiro para casa própria, hospital, cooperativa de consumo, clube de campo, fazem parte de um conjunto de práticas paternalistas que tratam o funcionário de uma forma "integral", reforçando sua identificação com a empresa.
Qualidade. A própria estrutura do sistema JIT obriga a produzir com qualidade. Assume-se que o operador é responsável pela qualidade de sua produção. Foram incorporadas inúmeras técnicas de Controle Estatístico de Qualidade, basicamente desenvolvidas por norte-americanos e simplificadas de modo a poderem ser compreendidas e manipuladas pelos operadores da produção. Os gráficos de Controle Estatístico do Processo (CEP) ao lado de cada máquina são preenchidos e analisados pelos operadores, que podem tomar várias decisões, caso algum problema ocorra. Outro conceito importante foi estender a preocupação com qualidade para todas as fases do processo, chegando até os fornecedores, de um lado, e de outro, a procurar produzir de acordo com o desejo do consumidor (Controle Total de Qualidade). Assim, as atividades de controle de qualidade abrangem da pesquisa de mercado até o desenvolvimento de produtos, passam pela produção e vão até o desenvolvimento dos fornecedores.
No chão da fábrica, os dispositivos bakayoke funcionam como sensores das máquinas, detectando disfunções; são capazes de identificar partes faltantes e montagens erradas, de parar automaticamente as máquinas e de garantir assim, a qualidade do processo. A inexistência de área de reparo no final das linhas é uma indicação da expectativa de se produzir seus defeitos e é uma das evidências mais fortes da falta de problemas de qualidade em uma linha, não exigindo retrabalho. Nas fábricas da Toyota, praticamente inexistem áreas de reparo no final da linha.
Tecnologia. A constatação de que os tipos de máquinas e equipamentos têm embutidos determinados conceitos e pressupostos a respeito do processo produtivo foi uma importante descoberta do SPT Ohno não acredita que as tecnologias sofisticadas sejam necessariamente melhores. Presume, por exemplo, que os computadores, embora muito importantes, produzem mais informações do que o ser humano pode assimilar, devendo sua utilização ser cuidadosa, pois pode eventualmente causar mais problemas do que resolvê-los. Um dos exemplos mais evidentes são a simplicidade, clareza, facilidade de operação e baixo custo do kanban em oposição à complexidade, dificuldade de alimentação e uso, e alto custo do MRP (Planejamento das Necessidades de Materiais), ambos tendo objetivos semelhantes. Ohno procura a harmonia da tecnologia com o homem e da máquina com o processo produtivo, que é mais importante do que a sofisticação. Alta tecnologia e alta velocidade tendem a gerar capacidade ociosa e desperdício. Manter máquinas antigas funcionando, de acordo com ele, seria, muitas vezes, melhor do que comprar novas.
Trabalho padronizado. Os ciclos de trabalho, o tempo para cada operação, tendem a ser bastante reduzidos e a seqüência de trabalho definida através da utilização das tradicionais técnicas de tempos e métodos. A diferença é que seu desenvolvimento tende a ser feito em conjunto com os trabalhadores, com muitas tentativas e modificações, sempre sujeito a melhorias dentro do princípio do kaisen. A padronização do trabalho torna possível manter o mesmo nível de produtividade e qualidade independente do operador individual, balanceando as linhas e evitando os estoques em processo. Facilita o aprendizado, tornando possível a múltipla qualificação dos trabalhadores. A monotonia que os ciclos reduzidos trazem é compensada com as freqüentes mudanças e a ampliação das tarefas. E fundamental para garantir o fluxo contínuo da produção e facilita a introdução de inovações tecnológicas. O melhoramento do trabalho é mais importante do que o melhoramento em tecnologia.
Comunicação e controle visual. O SPT parte de premissas completamente diferentes em termos de sistemas de comunicação e informação. Por exemplo, que adianta a engenharia de produção ter os mais exaustivos estudos de tempos e métodos se eles não estão disponíveis no chão da fábrica onde eles são importantes e se são difíceis de entender pelo pessoal da produção? Para evitar isso, procura-se aumentar ao máximo o volume de informações acerca do processo produtivo disponíveis diretamente ao operador. Diagramas de todo o processo produtivo são colocados em locais de fácil acesso. Os principais elementos que definem o trabalho (o ciclo de tempo, a seqüência de trabalho, as partes e ferramentas utilizadas e o estoque padrão) são colocados o mais próximo possível do local de trabalho, esquematizados de forma que o operador veja e entenda sem dificuldades. Um quadro indicando as diferentes tarefas requeridas em um determinado setor e as qualificações de cada trabalhador mostra as possibilidades de rotação de tarefas, assim como sugere as necessidades de treinamento. O Controle Estatístico de Processo realizado em cada máquina ou fase do processo com o auxílio de quadros fáceis de "ler" expõe o nível de qualidade do processo e facilita a tomada de decisão. O próprio kanban é a materialização mais evidente dessa idéia. Na linha de montagem, cada carro traz cartões dizendo quais são as submontagens necessárias. E fácil de o operador ver. Os objetivos de produção, os níveis de qualidade atingidos etc. devem ser visíveis a todos. Ao final da linha de produção, um placar, mostrando o quanto foi produzido até o momento, mantém os funcionários informados sobre o andamento da produção e dos níveis de qualidade. As luzes (andon) em cada máquina e nas linhas de produção, indicando se a produção está normal (verde) ou irregular (vermelha), também fazem parte desse conceito. Procura-se ainda aumentar o volume de informações aos funcionários, através de mecanismos formais, como reuniões ou palestras rápidas diárias ou então sempre que surge algum problema. O aumento do volume de informações disponíveis facilita a resolução de problemas por aqueles que estão envolvidos diretamente com a produção.
Sistema de movimentação de materiais. É uma das formas de reforçar o funcionamento do sistema JIT. Pequenas caçambas onde só cabem o material e peças necessários (para que espaço para 200 peças, quando, efetivamente, só vão ou só devem ser transportadas 20?) podem ser transformadas elas próprias em kanban pois quando estão vazias e em determinada posição (viradas ao contrário, por exemplo) é sinal de que está na hora de um trabalhador levá-las à estação seguinte.
Manutenção. As máquinas não podem parar sem colocar em risco o sistema, dado o elevado grau de interdependência de todo o processo. Os operadores são treinados com princípios básicos de manutenção para poder desempenhar atividades corretivas, sem precisar chamar pessoal especializado. Procura-se, assim, garantir o máximo de autonomia ao próprio operador para resolver os problemas de manutenção corretiva. De qualquer maneira, uma excepcional manutenção preventiva também é imperativa.
Limpeza e arrumação. São responsabilidades de todos. Os trabalhadores são responsáveis por suas próprias áreas de trabalho. A fábrica deve ser bem iluminada e limpa. As ferramentas devem estar guardadas apropriadamente. Não apenas porque as pessoas se sentem melhor mas, também, porque facilita a administração da produção, livrar-se de "lixos" dos mais diferentes tipos. Especial atenção é dada para organização dos estoques, sendo freqüente a marcação, no chão, dos locais que devem ser usados para eles, o que constitui mais uma pressão para sua redução. Para facilitar a política de comunicação visual e do kanban na linha de montagem e de visualização das luzes, a fábrica deve estar limpa e organizada. Uma boa iluminação também facilita o controle de qualidade.
Relação com fornecedores. Ao contrário do fordismo tradicional, que procurava aumentar ao máximo os níveis de integração vertical, o SPT trabalha com um alto nível de subcontratação externa. Em parte por razões históricas - porque a Toyota não tinha recursos financeiros para verticalizar -, a empresa desenvolveu uma rede de fornecedores em torno de Toyota City, muitos dos quais têm participação acionária da Toyota. A relação com esses fornecedores tem sido de apoio técnico, cooperação e confiança. Aliás, as relações com os distribuidores seguem os mesmos princípios. Os fornecedores começaram a entregar JIT apenas depois que a Toyota conseguiu implantá-lo em todas as suas unidades internas. Atualmente, os fornecedores entregam peças diretamente à linha, tendo sua qualidade assegurada, sem a necessidade de inspeções prévias antes de chegar à linha porque sabe-se que o material não tem defeitos. As entregas são múltiplas durante um mesmo dia.
Cultura organizacional. Uma das mais fundamentais mudanças requeridas por esse sistema é a de valores e de cultura. Assumem-se diferentes concepções a respeito da natureza e do relacionamento humano, muitas delas derivadas da própria cultura japonesa. Procura-se estabelecer relações de confiança e responsabilidade. Os trabalhadores devem ter sua dignidade respeitada e suas opiniões consideradas. Devem ser informados ao máximo do que ocorre na organização. Deve-se estimular seu aprendizado constante e não se deve temer cometer erros. A simplicidade deve estar presente em todas as atividades. Cooperação e ajuda mútua devem ocorrer entre todos os membros da organização. Distâncias sociais e diferenças de status precisam ser diminuídas. A administração precisa descer do pedestal em que acredita estar e aproximar-se dos problemas cotidianos da produção. Menos ênfase nos indivíduos e mais nos grupos e nas relações. Há uma tendência a se criarem estruturas organizacionais achatadas, com equipes de trabalho autogeridas e responsáveis pela maioria das atividades diretas e indiretas na produção, staff reduzido e alta administração preocupada com planejamento a longo prazo e decisões estratégicas. A organização deve procurar desenvolver-se sempre e manter-se flexível, inovadora e dinâmica.
Resolução de problemas. Deve-se sempre perguntar por quê cinco vezes, de modo a poder chegar à raiz dos problemas, evitando-se assumir posições precipitadas e incorretas. Deve-se evitar a atitude de procurar os culpados e enfatizar uma perspectiva construtiva de resolver conjuntamente o problema. A ênfase deve ser na ação. É mais uma forma de reduzir desperdícios. Um dispositivo custando $200,00 pode ser inicialmente justificado porque substitui um trabalhador, mas quando se analisa melhor e se chega à conclusão de que mudando a seqüência de trabalho se obtém o mesmo resultado, então, esse investimento é supérfluo. Não se deve deixar levar pelas aparências e pelas primeiras impressões. Segundo Ohno, a administração tem uma parcela de mágica (ninjutsu); e com treinamento, competência e criatividade é possível resolver problemas que parecem insuperáveis a princípio.
A Figura 3 registra esses elementos do sistema "Ohnoísta" de produção.
Os grandes méritos do SPT são mostrar que é possível produzir em massa, com eficiência, lotes pequenos com altos níveis de produtividade e qualidade. Entretanto, é um sistema bastante frágil, essencialmente porque depende da cooperação dos trabalhadores e porque qualquer erro (peça defeituosa, equipamento com problema, emissão de ordem errada, trabalhadores não cooperativos) tem repercussões enormes sobre todo o sistema produtivo.
A figura 4 ilustra as diferenças que existem entre os conceitos básicos tradicionais e os conceitos "Ohnoístas" a partir de uma comparação entre dois layouts hipotéticos de uma planta automobilística. Note-se a diminuição dos estoques intermediários, a inexistência de áreas de reparo, o fluxo de materiais mais pulverizado e a administração junto ao processo produtivo.
ALGUMAS CONFUSÕES A RESPEITO DO "OHNOÍSMO" NO BRASIL
A introdução e disseminação do "Ohnoísmo" no Brasil vem ocorrendo principalmente a partir do início da década de 807 7 . Exemplos da introdução do "ohnoísmo" no Brasil são dados por SALERNO, M. "Produção, Trabalho e Participação: CCQ e Kanban numa nova imigração japonesa". In: FLEURY, M. T. L. & FISCHER, R. M. (orgs.) Processo e Relações de trabalho no Brasil. São Paulo, Atlas, 1985; FERRO, J.R. Strategic Alternatives for the Brazilian Motor Vehicle Industry. México, trabalho apresentado no III Policy Forum, International Motor Vehicle Program, MIT. Especificamente sobre CCQ ver TOLEDO, J. C. Qualidade e Controle de Qualidade. São Paulo, Atlas 1986. Uma avaliação crítica é feita em SUGO, A. O mito do sistema administrativo japonês. São Paulo, Dissertação de Mestrado, EAESP/FGV, 1985. . Embora muitas empresas tenham tido bastante sucesso com os novos métodos, ainda persistem muitas concepções inapropriadas a respeito desse sistema. Vamos citar algumas delas.
1) O SPT é o sistema kanban. Não. Como vimos, é apenas uma parte do sistema. Freqüentemente , imagina-se ser possível introduzir simplesmente o kanban sem ter a noção da produção como um fluxo contínuo e sincronizado e da globabilidade e inter-relação das mudanças.
2) O SPT é um programa de suprimentos. Não. Não significa jogar nas costas dos fornecedores a responsabilidade pelos estoques. Na verdade, o envolvimento dos fornecedores entregando JIT ocorre em fases posteriores do processo. Muda-se o esquema de relacionamento fornecedor-cliente com mais cooperação, proximidade, comunicação. Os fornecedores também devem trabalhar com JIT interno e só entregar JIT quando estiverem preparados tecnicamente, produzindo com qualidade e nos prazos certos.
3) O objetivo principal do SPT é a redução de estoques. Não. A redução dos estoques é apenas uma das conseqüências do TIT, possível com a sincronização da produção. Em qualquer circunstância, é possível reduzir uma significativa parcela dos estoques apenas com, por exemplo, limpeza. Entretanto, sem a sincronização da produção, a possível redução de estoques fica muito limitada em seus potenciais benefícios.
4) Um programa de CCQ é um bom começo. Não. Talvez seja melhor até dizer que é o contrário. No Brasil, assim como na Europa e nos EUA, os Círculos assumiram uma centralidade que eles efetivamente não têm dentro da concepção japonesa, talvez por serem fáceis de implementar, causarem um impacto favorável, ao menos no início, e aparentemente não custarem muito. Entretanto, sem as mudanças nas práticas de produção e, principalmente, sem as mudanças culturais, tendem a se esvaziar ou a se tornar um programa com resultados muito limitados, mantidos artificialmente graças a muito esforço da administração. Pouco adianta introduzir o esquema, se os trabalhadores não têm preparo técnico, se os supervisores e gerentes não estão abertos à participação, se as possibilidades de subir na hierarquia para reclamar com um nível superior não existem. A dinâmica simbólica da participação em organizações mostra que os supervisores, com freqüência, têm medo de receber sugestões. Em alguns casos, acreditam simplesmente que elas sejam uma obrigação sua e não dos trabalhadores. Em outros, temem que elas sejam consideradas invasivas por outros departamentos que elas possam eventualmente afetar. Assim, seguram ou dificultam, muitas vezes inconscientemente, o encaminhamento das sugestões, por medo de perderem seu prestígio ou posição. O trabalhador desmotiva-se e não participa mais.
O esquema de sugestões e participação, nas mais diferentes formas, não é novidade. Henry Ford já adotava um esquema parecido, embora limitado. Porém, quando se tratam os trabalhadores como estúpidos no dia a dia do trabalho, como pedir e esperar sugestões deles? Os CCQs não são os grandes responsáveis pelo sucesso do "Ohnoísmo", embora tenham uma contribuição importante. Afinal, a teoria administrativa ainda não conseguiu chegar a resultados conclusivos sobre as relações entre participação e produtividade.
As empresas que já começaram com CCQs puderam perceber a sua potencialidade, mas também devem ter detectado a necessidade de fazer inúmeras mudanças de valores para que ó programa efetive plenamente esse seu potencial.
5) Não dá para aplicar no Brasil porque é quase uma "religião". A cultura brasileira não é adequada. Só funciona no Japão. Não. Já são inúmeras as evidências das possibilidades de aplicação universal do "Ohnoísmo". Embora algumas características culturais japonesas tenham ajudado a definir parâmetros significativos do sistema, ele tem sido utilizado com sucesso em outros países, com empresas japonesas e de outras nacionalidades. No Brasil, os muitos casos bem-sucedidos de empresas japonesas, norte-americanas e nacionais mostram que não há nenhuma barreira cultural intransponível, embora muitas adaptações possam ser necessárias.
6) Não dá para aplicar no Brasil porque nossa tecnologia é muito atrasada. Não. Um dos maiores méritos do "Ohnoísmo" é reconhecidamente introduzir tecnologias simples, de modo a aproveitar todo seu potencial.
São possíveis inúmeras melhorias sem grandes inovações tecnológicas. As tecnologias mais sofisticadas, quando introduzidas corretamente, podem, todavia, contribuir muito para melhorar a produtividade e qualidade.
7) Os trabalhadores brasileiros não estão predispostos a cooperar. Não. A capacidade de trabalho, a vontade e disposição de aprender, a capacidade criativa e de adaptação ("jeitinho"), a flexibilidade e o interesse da mão-de-obra, apesar dos baixos níveis de escolaridade formal, constituem um dos grandes possíveis potencializadores do "Ohnoísmo" no Brasil. Entretanto, os sindicatos parecem não ter percebido ainda que a estabilidade no emprego e os aumentos dos salários dependem muito de uma melhoria da competitividade e da eficiência das empresas.
8) A mão-de-obra no Brasil é muito barata e há muito desemprego, não havendo necessidade da introdução desse sistema. Não. Esse é o mais grave dos equívocos. Os empresários tendem, muitas vezes, a ver o número de funcionários como sinônimo da grandeza do seu empreendimento ou, então, simplesmente não estão muito preocupados com produtividade, preferindo outras formas de garantir sua lucratividade. As autoridades governamentais e os acadêmicos tendem a assumir que seja socialmente justo ter um número elevado de funcionários, mesmo em excesso, de modo a maximizar o emprego.
A existência de mão-de-obra supérflua é uma violência contra a própria mão-de-obra, que se acostuma a fazer muito pouco, quando tem potencial para fazer mais. Para a empresa, além de ser um ônus em si, aumentando custos fixos desnecessariamente, causa inúmeros problemas adicionais: fica-se procurando alguma coisa para eles fazerem, o que acaba consumindo material e criando estoques supérfluos, assim como aumentando as necessidades de pessoal de supervisão, e desviando sua atenção de problemas mais importantes.
Os baixos salários não devem ser um desestímulo à busca de maior produtividade. Na época em que Ohno introduzia seu sistema, a mão-de-obra no Japão era das mais baratas do mundo industrializado, alguns até afirmando que essa era a principal vantagem competitiva do Japão. A indústria automobilística coreana tem um nível de produtividade próximo ao da japonesa e acima do da maioria das empresas européias, embora o nível salarial dos trabalhadores naquele país, mesmo subindo recentemente, seja baixo (25% do dos salários nos EUA). O aumento da eficiência é uma das formas de se poder incrementar os salários reais e o poder de consumo dos trabalhadores.
9) É fácil introduzir o SPT. Não. A introdução do sistema pode significar paradas embaraçosas na produção, queda na qualidade, gerentes e trabalhadores zangados, elevação das tensões e conflitos etc. E os resultados não são necessariamente imediatos.
APRENDENDO COM O "OHNOÍSMO". COMO IMPLANTÁ-LO?
Afinal, com todas as dificuldades levantadas, por que a indústria brasileira deve se preocupar com o "Ohnoísmo"? Porque, se quisermos ter uma indústria competitiva na década de 90, impedindo que aumente a distância entre nós e os países industrialmente avançados, restam poucas alternativas. E a disseminação das mais avançadas técnicas de produção é vital para o desenvolvimento econômico.
Algumas precauções devem ser consideradas na sua implementação. Deve-se ter o cuidado de não introduzir apenas alguns elementos do sistema, e levar em conta a sua inter-relação. O fundamental é sempre introduzi-lo criticamente, aperfeiçoando-o, adaptando-o às condições locais, sem seguir receitas rígidas, embora procurando manter firmemente os princípios básicos. Não é um projeto com término definido. E um processo que não acaba, que continua e que a cada momento traz novas decorrências e dificuldades. Algumas ações que sugerimos para sua implantação são as seguintes:
a) inicialmente, a alta administração deve compreender totalmente as implicações do novo sistema, além de apoiar decisivamente as mudanças;
b) mudar a cultura organizacional e as relações com os funcionários: aumentar a cooperação, as responsabilidades, a qualificação, facilitar e estimular o trabalho em equipe, tanto nas relações entre os níveis verticais quanto, e talvez, principalmente, nas relações horizontais dos diferentes setores; mudar a mentalidade sobre a produção (exemplo: parece mais fácil, lógico e racional produzir em grandes lotes); todos os funcionários devem conhecer os princípios básicos do novo sistema;
c) estabelecer um plano de longo prazo; deve-se analisá-lo cuidadosamente antes de o implantar, ponderando-se todas as conseqüências, dificuldades, custos etc; deve-se evitar ser simplesmente "contagiado", sentindo-se na obrigação de implantar; a análise das próprias restrições e deficiências deve ser feita de modo a se ficar absolutamente convencido das vantagens de tal transformação;
d) implementar as mudanças, quer sejam de layout, movimentação de materiais, planejamento e programação da produção, padronização do trabalho, sistemas de informações etc; não tentar fazer tudo de uma vez, mas não esquecer que é um sistema integrado.
A chave é a preparação e conscientização adequada do pessoal, de alto a baixo da organização. Deve-se procurar começar em áreas menores, onde haja maior interesse e motivação, menor resistência a mudanças, bom clima etc. Ao ser tomada a decisão, firme propósito e decisão da administração são fundamentais para se superarem as dificuldades que fatalmente advirão. O próprio pessoal da organização pode introduzir as mudanças, sem necessariamente contar com auxílio externo especializado. Para tanto, basta constituir uma pequena equipe de pessoas criativas, inovadoras, comunicativas e competentes, de diferentes setores e níveis hierárquicos.
Os maiores obstáculos são a falta de interesse da alta administração com uma mentalidade especuladora, conservadora e imediatista. Isso pode ser mortal para a empresa e para o país no médio e longo prazo, apesar de eventualmente garantir lucros no curto prazo.
As mudanças de atitudes, valores e cultura não são fáceis de se fazer, como à primeira vista se possa imaginar, em virtude de desconfianças históricas entre administração e trabalhadores, valores nacionais enraizados - como a manutenção de extremas distâncias sociais e de poder, em organizações muito hierarquizadas materialmente, através de disparidades salariais alarmantes e, simbolicamente, através de mecanismos de seleção e exclusão social. Os sindicatos, ao lutarem contra essas injustiças, muitas vezes, acabaram se transformando em antiadministração, por princípio, dificultando o diálogo e as mudanças.
Os trabalhadores, acostumados a um determinado esquema de tratamento, também podem desconfiar, acreditando ser mais um "truque" da administração para aumentar a exploração. Além disso, podem ter dificuldades de entender alguns princípios operacionais como, por exemplo, que produzir mais não é necessariamente melhor. O aumento de responsabilidades e de tarefas pode ser uma carga difícil de suportar para trabalhadores mais velhos, já acostumados a um determinado padrão de trabalho. O treinamento é capaz, na maioria das vezes, de resolver esses problemas.
Os gerentes, supervisores e engenheiros têm sido historicamente arrogantes e, muitas vezes, não querem ou temem mudar suas práticas. Há uma tendência dos especialistas em serem impacientes com aqueles que só sabem fazer e nem sempre sabem porquê. Por sua vez, os engenheiros devem desenvolver mais uma atitude de "por a mão na massa" e ajudar os que sabem fazer a entender melhor o que estão fazendo, revalorizando a experiência prática.
Acontecimentos contextuais podem causar um curto-circuito no processo de introdução como, por exemplo, recessões econômicas obrigando a empresa a fazer demissões. O aumento da eficiência e da produtividade não pode significar demissões mas, sim, reaproveitamento da mão-de-obra em outras atividades. Aparentemente, os melhores resultados com o SPT têm sido encontrados em empresas de produção em massa, principalmente com linhas diversificadas de produtos, embora os princípios sejam suficientemente genéricos e possam ser utilizados em todas as organizações, independentemente de tamanho, processo ou produto.
O "Ohnoísmo" transformou-se no sistema de produção classe mundial, sendo adotado pelas empresas industriais que pretendem sobreviver e crescer nas próximas décadas. Ao aprendermos com ele, devemos fazer como os japoneses fizeram com o fordismo. Devemos imitar inovando. Se o Brasil quiser desenvolver uma indústria moderna e competitiva, é fundamental adotar o mais rapidamente possível esse novo sistema de produção.
- 1. A vantagem japonesa no setor automobilístico é registrada por KRAFCICK.J. & MACDUFFIE, J. P. Explaining High Performance Manufacturing; the international Automotive Assembly Plant Study. Apresentado no III Policy Forum, International Motor Vehicle Program, MIT. México, 1989.
- 2. Termo originalmente definido por WOMACK, J. "A Post-National Auto Industry by Year 2000". The JAMA Forum, 8(1), 1989.
- 3. CUSUMANO, M. The Japanese Automobile Industry - Technology and Management at Nissan and Toyota. Cambridge, Ma., Council on East Asian Studies, Cambridge, Harvard University Press, 1985.
- 4.OHNO, T. Toyota Production System. Cambridge, Ma., Productivity Press, 1988.
- 6. Entre outros trabalhos descritivos do sistema, ver MONDEN, Y. Toyota Production System. Norcross, Ga., Industrial Engineering and Management Press, 1987,
- ; SUZAKI, K. The New Manufacturing Challenge. New York, The Free Press, 1987;
- KRAFCICK, J. "Triumph of the Lean Production System". Sloan Management Review, Fall, 1988;
- e SUGIMORI, Y. et alii. "Toyota Production System and Kanban System; Materialization of Just in Time and Respect-for-human System". International Journal of Production Research, 75(6), 1977.
- 7. Exemplos da introdução do "ohnoísmo" no Brasil são dados por SALERNO, M. "Produção, Trabalho e Participação: CCQ e Kanban numa nova imigração japonesa". In: FLEURY, M. T. L. & FISCHER, R. M. (orgs.) Processo e Relações de trabalho no Brasil. São Paulo, Atlas, 1985; FERRO, J.R. Strategic Alternatives for the Brazilian Motor Vehicle Industry. México, trabalho apresentado no III Policy Forum, International Motor Vehicle Program, MIT.
- Especificamente sobre CCQ ver TOLEDO, J. C. Qualidade e Controle de Qualidade. São Paulo, Atlas 1986.
- Uma avaliação crítica é feita em SUGO, A. O mito do sistema administrativo japonês São Paulo, Dissertação de Mestrado, EAESP/FGV, 1985.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Set 1990