COMENTÁRIO
Para uma hierarquia menos escalonada* * Traduzido do original em espanhol por Geni Goldschmidt.
André van Dam
Economista e planejador de empresas
No "Salão da Fama" da Universidade de Nova Iorque exibem-se aproximadamente 100 retratos de grandes líderes; artistas, ctérigos, cientistas, educadores, militares e presidentes. Nenhum empresário, nenhum banqueiro. Poucos homens célebres que trabalharam no setor privado são indicados como filantropos ou inventores. Ao que parece, não se pode pretender ser um bom administrador e um líder socialmente respeitado ao mesmo tempo.
Essa mentalidade deverá modificar-se, juntamente com os sete pilares da empresa: crescimento, trabalho duro, lealdade, autoridade gerencial, propriedade privada, fueros e tecnologia.
Até agora, crescimento e sucesso empresarial têm sido sinônimos. Assim como a bicicleta, a empresa tem que se mover para a frente para manter o equilíbrio. Não é o movimento para diante que está em jogo, mas a direção, velocidade e motivação do crescimento. Estimulada pela inflação persistente, a administração usará a qualidade do crescimento como um objetivo empresarial em vez da mera quantidade.
O trabalho duro, ao estilo da antiga ética protestante de trabalho, está sendo substituído por uma valorização do trabalho em si mesmo. A alta direção não pode continuar sempre induzindo - pela publicidade de massa - milhões de pessoas a darem-se ao luxo de realizar seus mais caros caprichos e ao mesmo tempo - dentro da organização - cantar louvores às virtudes do trabalho intenso e da economia.
Os cientistas sociais explicam as razões por que diminui a lealdade a todas as instituições, da família à Igreja e do partido politico à empresa. Os jovens querem crer naquilo que a alta direção da empresa aponta, e não se'pode pretender que sacrifiquem o melhor de suas vidas em aras de acionistas desconhecidos. A administração também sabe disso.
A autoridade de um administrador, portanto, não pode ser atributo de uma função ou de um título. Ela se baseará numa atitude morai e numa perspectiva. Pouco importará que a gerência seja paternalista ou particípacíonista, desde que haja boa comunicação entre os níveis da hierarquia e do poder.
O mundo procura um equilíbrio entre os direitos de propriedade e os direitos nao-materiais (justiça, liberdade etc). Existe uma dependência recíproca entre os depositários dos destinos da empresa, inclusive os proprietários, operários, empregados, fornecedores, clientes e a comunidade em geral. Os limites entre eles, com certeza, se tornarão menos nítidos na década de 80.
O excedente das receitas sobre as despesas poupança, lucro ou impostos - é condição sinequa non para um futuro desejável. Os lucros continuam sendo uma medida vital da eficiência, subordinada, no entanto, ao compromisso social da empresa. A alta direção tem que produzir lucros, por razões de interesse público, que no final das contas é o interesse privado.
A empresa tem sido o instrumento do avanço quantitativo na tecnologia. Seu custo social é enorme e continua subindo. A alta direção dá-se conta de que não pode converter a vida num tráfego de técnicas se elas não oferecem ao homem um propósito e um destino. Já começou a busca de uma tecnologia social na qual o homem seja o fim e não o meio.
1. NAS SOMBRAS DO AMANHÃ
Com esta citação de meu grande compatriota, o filósofo Johan Huizinga, creio que a mudança das metas da administração já é visível. Um exemplo deve bastar.
No número de maio/junho de 1975 da Harvard Business Review, os editores convidaram seus 160 mil leitores - em sua maioria executivos - a dar sua idéia sobre o que será nossa sociedade em 1985. Os leitores podiam escolher entre duas ideologias dominantes que os editores resumiam assim:
A ideologia 1 percebe a comunidade como o total de seus indivíduos. Prevalece a ética do trabalho protestante, sem perspectiva de descansoou atenuantes. A luta pela vida e a sobrevivência do mais apto continuam sendo os traços dominantes. Os direitos de propriedade são sagrados. Também o é o mecanismo de mercado, que reflete a supremacia dos gostos do consumidor na distribuição dos recursos globais. Nesta ideologia, quanto menos governo, melhor. A competência reina em todos os estratos da sociedade.
A ideologia 2 deposita sua confiança na vida comunitária, no trabalho em equipe e nas aspirações do homem por sua auto-realização de acordo com seu ambiente. Os direitos não-materiais têm precedência sobre os de propriedade. Um enfoque criativo do trabalho, que o associa com o ócio, serve ao indivíduo e à comunidade. O governo regula os objetivos sociais e coordena as necessidades públicas com as privadas, assegurando o direito individual ao trabalho, à renda, à saúde e à educação.
No número de novembro/dezembro de 1975, foram publicados os resultados da pesquisa. É altamente significativo que, enquanto que só l/3 dos leitores prefira a ideologia 2, 2/3 prevêem que essa ideologia prevalecerá em 1985. As sombras de 1985, sem dúvida, projetam-se sobre as salas da diretoria das empresas de hoje.
2. O NÓ DA QUESTÃO
Podem as decisões administrativas adequadas equivaler a decisões sociais adequadas? Essa é a pergunta crucial. O Prof. Milton Friedman, da Escola de Economia de Chicago, considera que a incomparável contribuição da empresa ao bemestar social é o espírito de lucro. Dessa perspectiva, o fato da alta administração dedicar-se a outras ações, que não as necessárias para elevar ao máximo o rendimento de seu investimento, constituiria uma ruptura da confiança dos proprietários.
No entanto, na década de 80, a sociedade baixará seu nível de tolerância a esse tipo de celibato social e intelectual da empresa. A administração - acredito - procurará uma espécie de equilíbrio entre a empresa e o ambiente. Na revista Record da "Conference Board" de setembro de 1975, o Sr. G.R. Prout, da Whirlpool Corporation, chega até a prever que a administração estará satisfeita com seu novo papel na sociedade.
É uma questão de escolha. A administração pode resistir aos esforços crescentes da persuasão moral para que a política ou a economia ditem definitivamente uma solução, como no caso da crise energética. Inversamente, a administração pode inventar seu futuro compromisso com a sociedade. Não é somente questão de perspectiva, mas também de passar o tempo.
Por exemplo, o executivo mais importante de uma empresa química fez esta declaração: "Nada há de moralmente mau na decisão de uma companhia internacional fabricar em qualquer parte do mundo que resulte a mais econômica para seu 67 produto." Segundo os cânones de 1985, os critérios econômicos não terão mais precedência sobre os critérios sociais, pol íticos etc. Isto se reflete claramente, por exemplo, no projeto "RIO " (Reviewing the International Order), que o Clube de Roma encomendou a um grupo de 20 cientistas importantes presididos pelo Prof. Jan Tinbergen, Prêmio Nobel.
As administrações, portanto, em 1985, admitirão a dependência recíproca de seu ambiente, o que o Dr. Carl Madden, economista-chefe da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, chama de visão totalizadora. Em meu ensaio1 1 What if the arrow were pointing in the wrong direction? In: Man management and the future, publicado por Nive, van Alkemadelaan 700, Haya, Holand. isso se traduz em quatro estratégias administrativas inter-relacionadas: a) cooperação entre empresas competidoras; b) relações simbióticas entre os setores privado e público; c) administração consultiva; d) igualmente importante, um programa pragmático de compromisso com a sociedade. Tudo gira em torno da premissa básica de que a empresa privada pode trabalhar de forma compensatória no interesse público, como o público perceberá em 1980.
3. DO CONCEITO À AÇÃO
Para que os administradores com os pés na terra não considerem o que foi dito anteriormente como o sonho de um futurólogo em sua torre de marfim, escolho quatro áreas em que a alta administração pode demonstrar rapidamente seu genuíno interesse pelas tarefas sociais. Elas são, por ordem de impacto: emprego, tecnologia, publicidade e lucros.
Em seu livro Small is beautiful (O pequeno é belo), publicado por Blond e Briggs de Londres, em 1973, o Dr. E.F. Schumacher antecipa que ô homem se converterá no fim e não no meio do processo econômico. Desse ângulo, as pessoas chegarão a ser consideradas como um ativo e não como um custo. Isto pode ser uma mudança revolucionária. Pode necessitar de sangue, suor e lágrimas, já que atualmente não a aceitam nem os governos, nem a alta direção das empresas, nem os sindicatos, segundo atesta o desemprego maciço e as nações ricas da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
A década de 80 não terá lugar para processos que requeiram de um homem ou mulher parafusar duas mil vezes uma máquina, ou amarrar cinco mil salsichas ou pregar oito mil botões de camisa por dia, todo dia, ano após ano. Segundo as estatísticas, essas tarefas de menor importância existem excessivamente na indústria manufatureira. Só podem excitara mente e congelar o coração de quem observa e contrastar amargamente com o interesse e a satisfação do artesão.
A década de 80 também nos ensinará que os benefícios materiais podem fazer com que o homem tolere o trabalho, mas não podem torná-lo mais humano. As tarefas serão mais variadas ou mais interessantes ou, se isso for possível, serão executadas em equipe. A interação humana gradualmente substituirá a "cadeia", intoleravelmente desagradável e alienante. Assim o demonstra a fábrica da Volvo em Kalmar, descrita no número de verão de The Futurist. A quilômetros de distância do taylorismo.
A administração será desafiada a computar o custo social e ecológico das decisões econômicas e sobretudo das inovações técnicas. Poderá decidir, por exemplo, estabelecer fábricas onde o ambiente humano as tolere melhor.
A decisão crucial seguramente virá para a área dos recursos escassos, contaminadores ou que significam desperdício. A administração, assim como a maior parte do público, deposita sua confiança na capacidade da ciência e da tecnologia para produzir recursos em substituição aos que escasseiam ou são raros e para encontrar processos alternativos aos ecologicamente prejudiciais. Mas ainda os recursos não-contaminadores e reproduzíveis podem ser questionados, quando usados em processos e produtos que conduzem a uma mobilidade excessiva, a coisas efêmeras e a uma economia de desperdício.
A tecnologia social precisará da cooperação na pesquisa e desenvolvimento. Isso exigirá relações simbióticas dos governos com as empresas privadas. É a escolha extrema entre o possível e o desejável.
A futura atitude da alta direção da empresa na sociedade se refletirá parcialmente em sua publicidade. Numa época em que os países da OCDE gastam US$ 40 bilhões anuais em publicidade e dirigem uma média de 600 mensagens publicitárias por dia ao consumidor, todo papel que desempenha a publicidade precisa ser redefinido.
A publicidade exerce grande influência, não só sobre as necessidades e aspirações materiais, mas também sobre os níveis morais e estéticos. Surgirão questões como a ética de fazer publicidade de um produto nocivo ou serviço supérfluo, ou o uso do nu para anunciar roupa, comida e viagens. A invasão da intimidade, a exibição de películas publicitárias para adultos, pela TV, em horários permitidos às crianças também colocam problemas éticos.
O cerne da atitude da alta administração relativamente à publicidade está na força de persuasão desta para influenciar os estilos de vida, fazendo que cada um queira viver tão bem quanto seus vizinhos. O mais recente informe da Fundação Dag Hammarskjõld (What now?) reflete a tomada de consciência de que a sociedade está preparada para estilos de vida mais simples. Uma recente carta mensal do Royai Bank of Canada indica esse rumo. Se a publicidade é um poderoso instrumento a empurrar as pessoas na busca insaciável do materialismo mais crasso, também pode ser um instrumento adequado para despertar a consciência social. Pode ser que cheguemos a 1985 antes que a alta administração empresarial possa decidi-lo.
Fica ainda pendente uma pergunta espinhosa: poderá a administração elevar sua ética ecológica e social - no emprego, tecnologia e publicidade - e manter um adequado nível de lucro? A resposta é afirmativa, sempre que os lucros trabalhem para todos os dependentes (entendendo-se por tais todos os que têm interesse no bom andamento da empresa: clientes, donos, fornecedores e trabalhadores).
4. A IMAGEM DO FUTURO ADMINISTRADOR
Não é fácil descrever o administrador que conduzirá sua empresa para esses objetivos sociais. Podemos imaginá-lo como um humanista, filósofo e forte dirigente natural. Ele criará o clima necessário para que os valores se transformem em objetivos e a ética em realidade.
O futuro administrador deve ser capaz de integrar os objetivos individuais - que podem chocar-se com os da empresa - com os fins coletivos, e de relacionar o imediato com as metas a longo prazo. Deve ter um olho no ambiente e outro na organização e ver em profundidade, de maneira totalizadora. Ele deve estar bem consciente de que o público, dentro e fora de sua organização, tacitamente se dá conta de que sua administração vai além dos limites da empresa.
Tal conceito liquida a cadeia vertical de mando. Palpita na sociedade o desejo de participação maior e mais antecipada, ou pelo menos de consulta. Os jovens, e também os menos jovens, exigem que a administração responda às pressões sociais e de outras naturezas. Isso não significa que a democracia florescerá dentro da organização. Significa, simplesmente, que ao começar a década de 80, a administração reconhecerá o efeito terapêutico da consulta genuína.
Ainda assim, a administração pode estar relutante em abandonar o porto seguro da hierarquia vertical. No entanto ser flexível não implica perda de agilidade nem a dispersão do poder para além dos limites estabelecidos pelas empresas. Uma hierarquia menos escalonada poderia ter mais coesão do que uma hierarquia vertical.
Isso chegará a se realizar? Só posso responder citando o autor francês Pierre Corneille, que estimula seus leitores a "adivinhar se podem escolher ou se se atrevem".
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Ago 2013 -
Data do Fascículo
Ago 1976