RESUMO
A grande quantidade de novos produtos lançados pelas empresas como condição para serem competitivas pode desencadear a ocorrência de canibalismos. Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados de um estudo de múltiplos casos realizado na indústria alimentícia brasileira, que buscou conhecer as conseqüências e as práticas em relação a essa prática. Verificou-se que a pressão dos consumidores e da concorrência são fatores que estimulam sua ocorrência; a política de marcas e de novos produtos contribuem para sua ocorrência; e as atividades relativas ao composto de marketing podem ser utilizadas para administrá-lo.
PALAVRAS-CHAVE:
Canibalismo; Novos produtos; Indústria alimentícia
ABSTRACT
The great number of new products launched by companies in order to be competitive can lead to cannibalism. This paper aims at presenting the results of a research related to the consequences and to the practices of cannibalism within eleven Brazilian food industry. The research illustrate the following results: customers and competition are factors that stimulate the occurrence of cannibalism; brands and new products policies contribute to occurrence of cannibalism; and the marketing mix components can be used to handle the cannibalism.
KEYWORDS:
Cannibalism; New products; Food industry
1 INTRODUÇÃO
Entre as estratégias empresariais de organizações competitivas pode-se destacar o contínuo desenvolvimento e lançamento de novos produtos, o que ocorre tanto pela necessidade de substituição de um produto que já não proporciona benefícios importantes a seu público-alvo e à empresa, como pela necessidade de estender ou de criar novas linhas de produtos e marcas em razão da percepção de uma oportunidade de mercado que possibilite majorar os resultados.
No Brasil, segundo a empresa de consultoria IndicatorI 1 Dados informados por solicitação do pesquisador pelo site <www.indicator.com.br>, em março de 1999. , em 1995 foram lançados cerca de 5,4 mil novos produtos, o dobro em relação a 1991, sendo que metade desses eram produtos alimentícios.
Não obstante a importância da introdução de novos produtos no mercado, essa prática pode proporcionar às empresas rendimentos decrescentes, fato denominado pela literatura de marketing de canibalismo.
Os autores Kotler (1998:389-390)KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1998., Semenik e Bamossy (1996:271)SEMENIK, R. J.; BAMOSSY, G. J. Princípios de marketing. São Paulo: Makron Books, 1996. , Ries e Trout (1997:81)RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira, 1997., Boone e Kurtz (1998:273)BOONE, L. E., KURTZ, D. L. Marketing contemporâneo. Rio de Janeiro: LTC, 1998. e Wind (1982:317)WIND, Y. Product policy: concepts, methods, and strategy. Menlo Park: Addison-Wesley, 1982., entre outros, alertam sobre os riscos de canibalismos que podem ocorrer quando do lançamento de novos produtos. Embora esses autores acreditem que o canibalismo seja uma disfunção que pode desviar as empresas do alcance de seus objetivos, sendo, portanto, considerado um problema que deve ser controlado, pouco abordam suas causas, conseqüências ou suas relações com variáveis de marketing.
Em vista da pouca discussão acerca do canibalismo em marketing e de sua relevância para o meio empresarial, haja vista as restrições e as possibilidades dele decorrentes, este trabalho apresenta a teoria relativa ao assunto e os resultados de um estudo de múltiplos casos realizado na indústria alimentícia brasileira, que buscou conhecer principalmente sua gestão e suas conseqüências.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ESTRATÉGIA DE MARKETING E NOVOS PRODUTOS2 2 Os autores agradecem a importante contribuição do Prof. Dr. Dilson Gabriel dos Santos para a elaboração desta parte.
Entre as preocupações das empresas em proporcionarem satisfação superior a seus clientes e consumidores está a constante adaptação e inovação em seus produtos. Para Pessemier (1982:14-15)PESSEMIER, E. A. Product management: strategy and organization. New York: John, Wiley &Sons, 1982., a capacidade da empresa em atender o consumidor e assim gerar resultados positivos depende de como ela gere a inovação e o processo de desenvolvimento de novos produtos.
São inúmeras as razões que motivam as empresas a desenvolver e lançar novos produtos, entre as quais:
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diluir o risco por diversos produtos (não depender só de um ou poucos produtos);
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garantir a permanência da empresa no mercado, substituindo produtos já defasados por novos;
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fazer a empresa crescer com a adição de novos produtos;
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melhorar os resultados da empresa pela utilização das capacidades ociosas de produção, comercialização ou administração, obtendo sinergias;
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obter vantagem competitiva com novos produtos tecnologicamente mais avançados;
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estar em dia com o desenvolvimento tecnológico do setor, não deixando oportunidades para que outros inovem.
Se, por um lado, lançar novos produtos é essencial para o crescimento e o desenvolvimento das empresas, por outro, tem-se caracterizado como atividade de elevado risco. De acordo com Wind, Mahajan e Bayless, citados por Urban (1993:3-4)URBAN, G. L.; HAUSER, J. R. Design and marketing of new products. New Jersey: Prentice-Hall, 1993., um estudo conduzido pelo Marketing Science Institute de Cambridge apontou que 25% das vendas das empresas pesquisadas provinham de produtos lançados nos três anos anteriores, o que ilustra a importância de introduzir novos produtos. Porém, grande parcela dos novos produtos fracassa pelas mais diversas razões. Clancy e Shulman, citados por Kotler (1998:276)KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1998., afirmam que, no segmento de bens de consumo embalados, a taxa de insucesso é estimada em cerca de 80%, o que representa perdas significativas para as organizações, tanto de recursos financeiros investidos como de tempo e problemas com a imagem da empresa no mercado.
No entanto, ressalte-se que essa taxa de insucesso não é constante e pode variar segundo o setor de atuação da empresa, o tipo de novo produto que está sendo lançado e os cuidados que a empresa teve em seu lançamento.
2.1.1 O que é um novo produto?
Apesar das diversas classificações possíveis para caracterizar um novo produto, pode-se dizer que existem um conceito amplo e um restrito, conforme Akel Sobrinho e Schmidt expõem (1985:85)AKEL SOBRINHO, Z.; SCHMIDT, A. R. Práticas de marketing no desenvolvimento e lançamento de produtos de consumo. Revista de Administração, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 85-90, out.-dez. 1985.:
[...] o conceito mais amplo é o de que novo produto seja qualquer tipo de inovação ou aprimoramento no composto de produtos da empresa; o conceito mais restrito e específico é o de que novo produto seja apenas aquele inédito, totalmente novo e original.
Da forma mais ampla, como é habitualmente considerado pela literatura de marketing, um novo produto pode assumir um dos seguintes tipos, dependendo da novidade da inovação para a empresa e para o mercado (CRAWFORD, 1997CRAWFORD, C. M. New products management. New York: McGraw-Hill, 1996.: 9; KOTLER, 1998KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1998.:275):
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Simples melhorias e/ou revisões em produtos ou linhas de produtos já existentes, incluindo ações para reduções de custos. Enquadram-se nesta categoria: melhoria do desempenho de produtos existentes; alterações em produtos que elevam a percepção de valor entre os clientes/consumidores; alterações em produtos que reduzam custos, mantendo o mesmo desempenho.
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Reposicionamentos no mercado. Compreendem os produtos existentes que passam a ser oferecidos para outros mercados ou segmentos de mercados.
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Novos produtos ou novas linhas de produtos para a empresa, mas já existentes no mercado. Abrangem novos produtos que venham a completar a linha de produtos da empresa, como novos sabores, novo tamanho de embalagem etc.
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Novos produtos ou novas linhas não existentes no mercado, mas já existentes em outros. Incluem novos produtos não existentes no mercado de atuação da empresa, mas que já existem em outros mercados.
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Produtos ou linhas de produtos totalmente novos no mundo. Trata-se de produtos efetivamente novos para o mundo, ou seja, são idéias originais que são transformadas em produtos pela primeira vez.
2.2 O CANIBALISMO ENTRE PRODUTOS
Segundo Boone e Kurtz (1998:273)BOONE, L. E., KURTZ, D. L. Marketing contemporâneo. Rio de Janeiro: LTC, 1998., a canibalização ocorre quando um novo produto se apodera das vendas de um ou mais produtos da mesma linha. Hesket, citado por Kerin et al. (1978:26)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978., afirma que a canibalização de produtos pode ser definida como “o processo pelo qual um novo produto ganha uma parte das suas vendas pelo desvio destas de um produto já existente”. Uma outra definição, bastante similar às anteriores, é a apresentada por Traylor (1986:70)TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986., para quem o “canibalismo ocorre quando as vendas de um dos produtos de uma empresa reduz as vendas de outro produto dela mesma”.
Há, segundo Traylor (1986:70)TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986., duas formas de enxergar o canibalismo: com visão orientada para o produto, que ocorre quando uma empresa oferece dois ou mais itens semelhantes em termos técnicos, e com visão orientada para o mercado, que ocorre quando dois ou mais itens de uma mesma empresa concorrem em um mesmo segmento de mercado. A segunda forma parece mais consistente, pois, pela primeira, como exemplo, os refrigerantes Coca-Cola e Sprite - ambos produzidos pela empresa Coca-Cola - podem ser considerados produtos significativamente diferentes, pois o segundo tem como base uma fruta (limão) e o primeiro uma composição denominada cola. Porém, como estão no segmento de refrigerantes, considera-se que existe a possibilidade de ocorrência de canibalismo.
Pode-se observar o canibalismo em suas diferentes formas de ocorrência nos quatro desenhos apresentados a seguir. Ressalte-se que, para uma adequada compreensão dos Desenhos 1, 2, 3 e 4, deve-se entender por produto concorrente o somatório dos produtos de empresas concorrentes e por produto antigo os produtos que compõem o portfólio da empresa que está introduzindo o novo produto. Os círculos representam as vendas dos produtos (sem escala de valores, de forma apenas a ilustrar as idéias descritas), e as intersecções entre produto concorrente e produto antigo devem ser entendidas como parte do mercado de atuação flutuante para ambos, ou seja, sofre maior influência de atividades promocionais, atingindo principalmente os consumidores que possuem pouca fidelidade em relação a determinada marca (TRAYLOR, 1986TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986.:71).
O desenho 1 apresenta um novo produto introduzido pela empresa que canibalizou o produto antigo na mesma proporção em que aumentaram as vendas do novo produto. É a forma mais devastadora de canibalismo, pois não há acréscimos nas vendas, porém pode ser tolerado se o novo produto for mais rentável que o antigo - que poderá vir a ser substituído, posteriormente.
No desenho 2, pode-se visualizar um canibalismo com menor intensidade que o apresentado no Desenho 1, pois o produto novo canibalizou parte do produto antigo (podendo ocorrer em maior ou menor grau) e criou uma expansão no mercado de atuação da empresa.
Uma terceira possibilidade de canibalismo, apresentada no desenho 3, é sua ocorrência em parte do produto antigo, parte do produto concorrente (de outra empresa) e, além disso, criar uma expansão no mercado de atuação. É uma situação de maior risco que a anterior, tendo-se em vista que o novo produto pode sofrer, inclusive, um contra-ataque da concorrência, já que ela está sendo atingida.
Uma quarta possibilidade que se percebe a partir do entendimento dos esquemas anteriores é apresentado no desenho 4, no qual pode-se visualizar um canibalismo que age sobre a empresa dona do novo produto e sobre a concorrência, sem haver expansão do mercado consumidor, apresentando-se, portanto, como uma situação de maior risco que a anterior, uma vez que a empresa não pode contar com a expansão do mercado para subsidiar seu projeto.
Levando em consideração a discussão anterior, nota-se que a única variável sensível à ocorrência de canibalismo é a receita das vendas. Todavia há necessidade de incluir outros fatores, além das vendas, no conceito de canibalismo, pois atualmente outras variáveis de resultados de marketing são, também, em maior ou menor grau importantes. Assim, definimos canibalismo como uma apropriação que um novo produto faz, de parte ou do todo da receita das vendas, do volume das vendas (quantidade), da participação relativa no mercado de atuação, dos lucros, dos espaços destinado pelos canais de distribuição, e/ou da fidelidade dos consumidores, que normalmente ocorrem a um produto já existente, da mesma empresa.
Esse conceito, mais amplo e completo, busca contribuir para que as organizações realizem ações para uma adequada gestão do canibalismo, pois leva em conta as principais variáveis de resultado do processo de marketing.
De maneira mais concisa, pode-se entender que o canibalismo diz respeito à transferência de resultados de marketing entre produtos de uma mesma empresa.
2.2.1 Causas do canibalismo
Kerin et al. (1978:26)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978. nos recorda que as vendas de um novo produto são provenientes de uma ou mais das seguintes fontes: novos consumidores, consumidores de produtos similares de empresas concorrentes e consumidores de produtos similares da própria empresa. Esta última fonte é a que desencadeia a ocorrência de canibalismo.
Ainda segundo o mesmo autor, “a origem teórica do canibalismo de produto pode ter sido traçada pela teoria da elasticidade cruzada da demanda” (KERIN et al., 1978KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978.:25-26). A elasticidade cruzada da demanda é uma medida da sensibilidade da demanda de um produto a variações no preço de outro produto, dada pela relação entre a variação da quantidade demandada de um bem e a variação percentual no preço de outro bem, permanecendo constantes todos os outros fatores que exercem influência sobre eles (VASCONCELLOS e OLIVEIRA, 1996VASCONCELLOS, M. A. S. de; OLIVEIRA, R. G. de. Microeconomia. São Paulo: Atlas, 1996.). Assim, percebe-se que quanto mais dois produtos tendem a ser considerados substitutos perfeitos, ou seja, quanto mais aproxima-se de ser constante a taxa marginal de substituição3 3 A taxa marginal de substituição é uma medida que determina a quantidade da mercadoria da qual um consumidor estaria disposto a desistir para obter uma quantidade maior de unidades de outro produto. Quando essa é constante, significa que um consumidor está disposto a desistir de determinada quantidade de um produto em detrimento da mesma quantidade de outro produto (VASCONCELLOS e OLIVEIRA, 1996). de um pelo outro, maior é a probabilidade de ocorrência de canibalismo, quando esses produtos pertencem a uma mesma empresa.
De acordo com Copulsky (1976:105)COPULSKY, W. Cannibalism in the market place. Journal of Marketing, New York, v. 40, n. 5, p. 103-105, Oct. 1976., “canibalismo resulta de uma identificação muito íntima entre um novo produto e produtos mais antigos e mercados já estabelecidos da empresa”. Ou seja, a relação entre o canibalismo e a segmentação parece estreitar à medida que aumenta a intensidade de sua utilização, pois as similaridades entre produtos tendem a aumentar. Também partilham dessa idéia Winter (1979:103)WINTER, F. W. A Cost-benefit approach to market segmentation. Journal of Marketing, v. 43, n. 4, p. 103-111, Autumn 1979. e Traylor (1986:70)TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986., que afirmam que a segmentação de determinado mercado pode ser tanto agregativa como desagregativa - o que pode ocorrer quando se atende muitos segmentos, pois esses podem ter grande similaridade quanto ao composto de marketing, dificultando a diferenciação e criando confusão para os consumidores, aumentando-se, assim, a probabilidade de ocorrência de canibalismo.
Hooley e Saunders (1996:237)HOOLEY, G. J.; SAUNDERS, John. Posicionamento competitivo: como estabelecer e manter uma estratégia de marketing no mercado. São Paulo: Makron Books, 1996. explicam que:
tanto a segmentação quanto o posicionamento são meios de aumentar a nitidez de um quadro que mostra como os clientes podem ser agrupados em um mercado e como estes clientes agrupam os produtos e serviços oferecidos.
Percebe-se, assim, que, para efeitos do canibalismo, o posicionamento deve ser utilizado em conjunto com a segmentação, pois, definido o segmento de mercado em que se pretende atuar, deve-se encontrar um espaço, em relação aos concorrentes e a outros produtos da própria empresa, para o novo produto ocupar, diminuindo-se, com isso, a probabilidade de sua ocorrência.
Em decorrência, pode-se entender que a política de produtos e de marcas contribui significativamente para a ocorrência ou não de canibalismo, pois suas decisões devem ser consoantes à similaridade entre os produtos trabalhados pela empresa e/ou à posição pretendida no mercado.
Kerin et al. (1978:27)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978. observaram a existência de ocorrências bastante comuns nas organizações, que podem causar canibalismos sem benefícios. Note-se que essas ocorrências são, normalmente, ligadas às decisões dos gestores das empresas, entre as quais o mesmo autor cita:
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pressão para o desenvolvimento de novos produtos;
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preocupação em desenvolver uma linha de produtos muito ampla, com o objetivo de dominar a participação de mercado de determinada categoria de produto;
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posicionamento inadequado de novos produtos;
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excessiva segmentação do mercado, podendo resultar em segmentos que tenham demanda por atributos de produto muito semelhantes;
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esforço promocional agressivo voltado para o novo produto e descuido com os antigos.
O que se pode observar de comum nessas diferentes práticas é que todas elas são geradas pelo ambiente interno das empresas. Ou seja, embora possa haver pressões de seu ambiente externo, é o ambiente interno que determina quais estratégias devem ser formuladas e postas em prática, podendo haver, portanto, controle por parte da empresa.
2.3 ADMINISTRANDO O CANIBALISMO
Segundo Kerin et al. (1978:30)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978., é possível identificar o potencial canibalismo ainda no estágio de desenvolvimento do novo produto, desde que ele seja examinado pela abordagem de seu uso final. Ou seja, quanto mais o uso final do novo produto ou benefício oferecido se parecer com o de outros produtos de uma mesma empresa, tanto maior será a possibilidade de ocorrência do canibalismo. Porém o mesmo autor considera que a melhor forma de avaliar a possível ocorrência de canibalismo é realizando testes de mercado, pois dessa forma pode-se, ainda, avaliar a relação do novo produto com os demais de outras empresas, o comportamento do consumidor em relação a ele e a possibilidade de expansão ou não do mercado (KERIN et al., 1978KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978.:31).
A principal estratégia para evitar a ocorrência do canibalismo é apresentar produtos a segmentos de mercados bem definidos, com posicionamentos adequados (TRAYLOR, 1986TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986.:73; COPULSKY, 1976COPULSKY, W. Cannibalism in the market place. Journal of Marketing, New York, v. 40, n. 5, p. 103-105, Oct. 1976.:105).
Ressalte-se que, não obstante o canibalismo ser apresentado comumente por diversos autores de marketing como um problema, uma disfunção que deve ser evitada, Kerin et al. (1978:27)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978. e Traylor (1986:70-71)TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986. afirmam que em algumas situações o canibalismo pode vir a ser necessário, podendo inclusive ser utilizado como um instrumento gerencial de marketing. As situações são apresentadas a seguir (TRAYLOR:70-71):
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Aumentar o valor de mercado da empresa. Com um composto de produto maior, consegue-se maior estabilidade no fluxo de caixa em virtude de a empresa não ficar tão dependente de um único segmento de mercado ou produto. Assim, havendo diminuição dos riscos da empresa, seu valor de mercado se eleva.
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Estimular os administradores. O canibalismo pode ser necessário em empresas que têm gerentes de produtos relativamente autônomos, pois aumenta a concorrência interna - o que deve contribuir positivamente para a organização como um todo.
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Mudar a linha de produto. O canibalismo pode ser utilizado como ferramenta para possibilitar a introdução de um novo produto num mesmo segmento de mercado já trabalhado por uma empresa, visando o aumento de sua participação de mercado pela substituição de produtos obsoletos, defasados ou que não vêm proporcionando os resultados esperados/planejados.
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Aumentar o lucro. Embora as empresas possam preferir que não haja canibalismo, esse pode ser aceitável se elevar o lucro da organização. Isso pode ser conseguido se o novo produto não traz com prejuízo para a empresa, tendo em vista sua receita e custo total, podendo-se, inclusive, ter uma situação conforme apresentada no Desenho 2.
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Marketing competitivo. Uma outra situação em que o canibalismo pode ser tolerado ocorre quando existem objetivos de combater ou atacar concorrentes, pois, com o lançamento de novos produtos, as organizações podem obter mais espaço nos pontos-de-venda, ocupando aquele que poderia ser destinado a uma empresa concorrente.
Para efeitos deste trabalho, denominou-se canibalismo planejado ou intencional quando ele faz parte de uma estratégia organizacional, e canibalismo casual quando ele ocorre de maneira não planejada.
Ressalte-se que quando ocorrer o canibalismo casual, ou mesmo quando uma empresa decidir por se utilizar do canibalismo como um instrumento gerencial de marketing, as perdas nos lucros dos produtos antigos da empresa devem ser consideradas como custos dos novos produtos (KERIN et al., 1978KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978.:2829). Além disso, para aferir os reais benefícios obtidos com os novos produtos, é necessário que também outras variáveis de resultado de marketing sejam levadas em conta, conforme já descrito.
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
3.1 OJETIVOS
Em vista do fato de não terem sido encontrados estudos empíricos relativos ao canibalismo em marketing, a pesquisa realizada teve por objetivo principal verificar a consonância entre a prática e a teoria apresentada a seu respeito. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
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verificar as condições de mercado e da concorrência, quando da ocorrência de canibalismo;
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verificar as políticas de marcas e de novos produtos, quando da ocorrência de canibalismo;
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averiguar os impactos da ocorrência de canibalismo;
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conhecer procedimentos passíveis de uso com vistas a evitar, controlar ou estimular o canibalismo.
3.2 TIPO DE PESQUISA
Apesar de não terem sido encontrados estudos recentes e empíricos sobre o assunto em questão, os objetivos propostos e a finalidade do presente artigo indicaram como mais apropriada uma pesquisa do tipo descritiva, que foi realizada por meio do estudo de casos múltiplos (VERGARA, 1998VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 1998.:45; YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.:33).
Ressalte-se que, muito embora o estudo de caso seja comumente apresentado como um método de pesquisa específico para estudos exploratórios, Yin (2001:23)YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001. esclarece que estudos descritivos e causais também podem ser realizados por meio dessa técnica. Para esse autor, isso é possível porque a forma de coleta de dados deve adaptar-se aos objetivos e às especificidades de cada estudo. Acrescenta, ainda, que, quando utilizado o método do estudo de caso, o objetivo do pesquisador é realizar generalização analítica e não estatística.
A realização de um estudo de múltiplos casos deveu-se à majoração das possibilidades analíticas e ao fato de que “as provas resultantes de casos múltiplos são consideradas mais convincentes, e o estudo global é visto, por conseguinte, como sendo mais robusto” (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.:68).
3.3 DEFINIÇÃO DO SETOR, DOS CASOS E DO PÚBLICO-ALVO PESQUISADO
O setor escolhido para a realização da pesquisa foi o alimentício, representado por indústrias de grande porte. Essa decisão se deveu a seu dinamismo no que tange ao lançamento de novos produtos, conforme apresentado na introdução deste artigo, e em razão da percepção dos pesquisadores de que a ocorrência de canibalismo é um fato constante nesse setor.
Levando em conta as limitações dos pesquisadores e o propósito da pesquisa, definiu-se que apenas grandes indústrias alimentícias com sede administrativa na Região Metropolitana de São Paulo seriam pesquisadas. Assim, foram selecionadas 19 empresas por meio do ordenamento publicado pela revista Exame edição especial Maiores e Melhores de 1999, dentre as quais 11 foram pesquisadas. Os motivos que impossibilitaram a coleta de dados nas demais empresas selecionadas foram:
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recusa da empresa/da pessoa em conceder a entrevista;
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dificuldades de marcar a entrevista no espaço de tempo preestabelecido para a realização da pesquisa de campo, em virtude dos compromissos da pessoa a ser entrevistada.
Definiu-se como público-alvo da pesquisa os responsáveis por atividades de marketing de cada uma das empresas selecionadas.
Dessa forma, para a definição dos casos estudados utilizou-se amostragem não probabilística, tanto do tipo intencional como do tipo por conveniência (MATTAR, 1998MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 1998. v. 1.:268; 272).
3.4 FORMA DE ANÁLISE DOS CASOS
Somente após a análise é que os resultados do trabalho podem ser comunicados, pois todas as possibilidades de entendimento acerca do que foi estudado devem ter sido exaustivamente consideradas.
Segundo Yin (2001:131)YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001., quando se utiliza a técnica de estudo de caso, “a análise dos dados consiste em examinar, categorizar, classificar em tabelas ou, do contrário, recombinar as evidências tendo em vista proposições iniciais de um estudo”.
Em razão de não terem sido definidas hipóteses, realizou-se uma análise descritiva-interpretativa dos casos, em um primeiro momento de forma individualizada e, posteriormente, de forma agrupada, a fim de comunicar melhor os resultados encontrados.
A análise realizada buscou continuamente correspondência com a teoria apresentada, para que pudesse reforçar ou questionar informações obtidas por meio da revisão da literatura sobre o assunto em questão, haja vista a não concepção de hipóteses teóricas que buscassem antever respostas ao problema de pesquisa exposto (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.:134).
3.5 CONTEÚDO DO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Composto de questões abertas e semi-abertas, o instrumento possuía duas partes: a primeira direcionada à caracterização da empresa, e a segunda à apresentação de um caso de ocorrência de canibalismo quando do lançamento de um novo produto.
Também na segunda parte, questionou-se sobre como o mercado se apresentava quando do lançamento do novo produto (crescente, estável ou decrescente), sobre a lucratividade do novo produto em relação ao antigo (maior, igual ou menor), sobre a atuação da concorrência (outras empresas) em relação ao novo produto da empresa (alta, média ou baixa) e sobre a política de marca (extensão de marca ou nova marca) e de novo produto adotada (extensão de linha ou nova linha). Questionou-se, ainda, sobre os impactos nas variáveis de resultado de marketing apresentadas no conceito de canibalismo proposto (o qual lhes foi apresentado), bem como os procedimentos que foram ou poderiam ter sido utilizados para geri-lo.
3.6 OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA
As empresas que compuseram a população foram convidadas uma a uma a participar do estudo, por meio de cartas e telefonemas às pessoas que deveriam ser entrevistadas.
A pesquisa foi realizada com a aplicação de um questionário estruturado em entrevistas pessoais, as quais foram gravadas, com a concessão da pessoa entrevistada, com o objetivo de reduzir o tempo das entrevistas e aproveitar melhor as informações fornecidas.
Foram entrevistados 11 profissionais responsáveis por atividades de marketing das empresas pesquisadas, sendo um de cada empresa. Para que a segunda parte do instrumento fosse contemplada, solicitou-se a cada um dos entrevistados que citassem dois produtos: um já existente e um recente lançamento que o canibalizara. A escolha do caso a ser relatado ficou a critério dos entrevistados, com a condição de que fosse recente (menos de dois anos) e tivesse causado impacto significativo nos resultados de marketing, considerando o conceito de canibalismo proposto neste trabalho.
Não foram analisados documentos das empresas pesquisadas, mas foi solicitado a cada um dos profissionais entrevistados que considerassem fatos reais para a construção das respostas, buscando minimizar uma das fraquezas da utilização da entrevista pessoal como fonte do método estudo de caso, a tendenciosidade (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.:114).
As entrevistas foram realizadas pelo primeiro autor do presente trabalho.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA
Em razão da grande quantidade de casos pesquisados, tendo-se em vista a natureza e a proposta do estudo, e a técnica de pesquisa utilizada, optou-se por apresentar os resultados de maneira agrupada, conforme será observado. No entanto, como forma de minimizar as perdas de informações relevantes, deuse destaque àquelas consideradas como mais contributivas para os objetivos do presente trabalho.
Dos 11 casos de canibalismo pesquisados, oito não tinham intenção de que o novo produto canibalizasse algum produto antigo, configurando-se canibalismos casuais. Assim, nos casos pesquisados, o canibalismo foi menos utilizado como uma ferramenta de marketing em relação a sua ocorrência casual.
4.1 PERFIL DAS EMPRESAS PESQUISADAS E CARGOS DOS ENTREVISTADOS
Como forma de apresentar as empresas pesquisadas foi elaborado um breve perfil, apresentado no Quadro 1, uma vez que lhes foi assegurado anonimato. Também por esse motivo, elas são identificadas por números que vão de I a II.
4.2 SITUAÇÃO DO MERCADO E INTENSIDADE DA CONCORRÊNCIA
A fim de conhecer o cenário quando da ocorrência de canibalismo, perguntou-se sobre a situação de mercado e sobre a intensidade da concorrência na ocasião do fato. Os resultados estão expostos nos Quadros 2 e 3.
Quando do lançamento dos novos produtos, seus respectivos mercados eram crescentes para oito dos 11 casos pesquisados, estável para dois e decrescente para um. Observa-se que, assim, quando determinado mercado está em crescimento, as empresas se sentiram mais estimuladas a lançar novos produtos, tendo em vista a possibilidade de majorar seus ganhos com menores investimentos, já que havia menor necessidade de desenvolver ou estimular fortemente o mercado.
Em três dos 11 casos, os concorrentes não lançaram produtos similares, em sete deles a concorrência já possuía produtos similares e, em um deles, a concorrência demorou a lançar um produto similar.
Tal constatação pode indicar que, em virtude da pressão dos concorrentes e do mercado ter se apresentado crescente na maioria dos casos, tanto os novos como os antigos produtos não tiveram a sustentação necessária das atividades de marketing, ou os novos não foram adequadamente desenvolvidos (deixando, por exemplo, de contemplar fases importantes do processo de desenvolvimento de novos produtos).
4.3 TIPOS DE NOVOS PRODUTOS E POLÍTICAS DE MARCAS
A fim de verificar possíveis contribuições das políticas de produto e de marca para a ocorrência de canibalismo, perguntou-se quais foram as utilizadas nos casos relatados.
No Quadro 4 são apresentadas as freqüências observadas.
Pode-se perceber, ao analisar o Quadro 4, que os resultados são condizentes com o estado da arte, pois em nove dos 11 casos de canibalismo relatados, o novo produto era uma extensão de linha, ou seja, tinha um relacionamento muito próximo com o antigo em termos de semelhança. Os produtos novos e antigos apresentavam a mesma marca em sete dos 11 casos. A extensão da marca em linhas já trabalhadas lidera as estratégias adotadas com cinco dos 11 casos, enquanto apenas dois dos 11 casos foram extensões de marca para categorias diferentes.
Embora se possa acreditar que a política de marca por si só não seja um fator determinante da ocorrência de canibalismo, por ser muitas vezes decorrente do relacionamento entre os produtos que estão sendo trabalhados, há necessidade de estudar especificamente o assunto, pois a marca é uma variável de marketing passível de utilização para contribuir nos processos de segmentação e posicionamento de produtos. Assim, produtos com marca, preço e outros atributos diferentes podem vir a minimizar ou evitar a ocorrência de canibalismo, ainda que pertencentes a uma mesma linha.
4.4 IMPACTOS DA OCORRÊNCIA DE CANIBALISMO E ATITUDES TOMADAS
Considerando-se as variáveis contidas no conceito de canibalismo proposto, buscou-se averiguar o impacto do canibalismo sobre cada uma delas, conforme apresentado a seguir.
A descrição e a análise das implicações dos canibalismos relatados foi realizada de maneira subdividida: casos de canibalismo casual e casos de canibalismo intencional. Essa subdivisão busca facilitar a compreensão dos impactos ocorridos, uma vez que as estratégias utilizadas pelas empresas nas diferentes situações possuíam objetivos distintos.
4.4.1 Canibalismo casual
Das oito empresas que apresentaram casos de canibalismo casual, sete tiveram queda no faturamento do produto antigo. Em seis dessas sete, a queda no faturamento foi menos que proporcional ao crescimento do faturamento do novo produto e, em uma delas, a queda foi proporcional.
Houve queda no volume das vendas do produto antigo em seis dos oito casos, sendo que em todos eles a queda foi menos que proporcional ao crescimento do volume das vendas do produto novo.
Houve queda na participação de mercado do produto existente em seis dos oito casos de ocorrência de canibalismo casual. Dentre esses seis casos, a queda foi menos que proporcional ao crescimento da participação do novo produto e, em uma delas, a queda foi proporcional, apresentando uma substituição equivalente.
O lucro obtido pelo produto antigo apresentou queda em quatro dentre as oito empresas, e uma delas não pôde responder à questão. Para três dentre essas quatro, a queda foi menos que proporcional ao crescimento do lucro do novo produto, e para uma delas, foi mais que proporcional.
Em relação ao espaço destinado pelos pontos-de-venda para os produtos novos e antigos, para cinco das oito empresas, houve diminuição para o produto antigo após a introdução do novo. Para todas elas, a diminuição foi menos que proporcional ao crescimento do espaço destinado ao novo produto. Ou seja, o espaço total destinado aos dois produtos (novo e antigo) foi maior que o espaço que era destinado apenas ao produto antigo.
Das oito empresas, sete verificaram queda na fidelidade dos consumidores em relação ao produto antigo, sendo que dessas, seis afirmaram que a queda foi menos que proporcional ao crescimento em relação ao novo produto, e uma afirmou que a queda foi mais que proporcional. Nota-se que houve aumento real de consumidores para a maioria das empresas pesquisadas, com apenas uma exceção, que perdeu consumidores.
No Quadro 5 são apresentadas as informações supracitadas de maneira agrupada, a fim de permitir melhor visualização.
Das oito empresas que relataram casos de canibalismo casual, seis não realizaram qualquer procedimento específico quando de sua ocorrência, e duas reforçaram as ações promocionais sobre os produtos antigos.
As duas empresas que tomaram providências para corrigir o curso dos novos produtos obtiveram êxito com o reforço de ações promocionais sobre os produtos antigos - o que indica a necessidade de as empresas não deixarem os produtos antigos sem apoio de tais ações, caso não queiram substituí-lo, pois tal medida se apresentou como atividade eficaz. Porém se faz necessário ressaltar que as ações promocionais, embora de fundamental importância ao longo de toda a vida de um produto, podem, após a fase da introdução, servir para aumentar momentaneamente as vendas, podendo a empresa ficar obrigada a realizá-las continuamente se quiser mantê-las em um patamar superior ao existente antes de suas utilizações. Assim, as ações promocionais devem ser combinadas com outras atividades com a finalidade de proporcionar ganhos reais e mais duradouros.
Em todos os casos, as empresas esperavam que o produto antigo fosse canibalizado pelo novo. Em quatro verificou-se que o canibalismo ocorreu conforme o previsto, em duas ocorreu de forma mais intensa do que o previsto, e em uma menos intensa do que o previsto (uma empresa não respondeu à questão). Assim, pode-se notar que o canibalismo é um evento conhecido e considerado em termos de percepção quando do lançamento de um novo produto. Porém, como se averiguou até então, sua utilização como ferramenta de marketing ou seu planejamento é bastante restrito.
O canibalismo pouco intenso sofrido pela grande maioria das empresas pesquisadas em relação às diversas variáveis levadas em conta indica que, apesar de sua ocorrência, houve mais ganhos do que perdas. Porém há que se recordar que seus recursos não foram otimizados, pois, por menos intenso que seja um processo de canibalização, há desagregação de resultados dos produtos antigos. Assim, parece mais adequado levar o canibalismo em consideração quando do planejamento e desenvolvimento de novos produtos, realizando-se ações que o minimizem e, preferencialmente, que o evitem, caso ele não seja um objetivo específico a ser alcançado.
4.4.2 Canibalismo intencional
São apresentados a seguir os três casos de canibalismo intencional relatados por três das 11 empresas pesquisadas.
Nos três casos houve, em relação ao produto antigo:
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queda no faturamento menos que proporcional ao crescimento do faturamento do novo produto;
-
queda no volume das vendas menos que proporcional ao crescimento do volume das vendas do novo produto;
-
queda na participação menos que proporcional ao crescimento da participação do novo produto.
Apenas uma empresa apresentou queda no lucro obtido com o produto antigo, o que se deu com intensidade menos que proporcional ao crescimento do lucro do novo produto. Duas das empresas tiveram os espaços destinados pelos pontos-de-venda aos produtos antigos diminuídos em razão do lançamento do novo produto, sendo que em um dos casos essa diminuição foi menos que proporcional e no outro proporcional ao aumento do espaço destinado ao novo produto. E duas das empresas verificaram queda da fidelidade dos consumidores em relação ao produto antigo, sendo que em um dos casos essa queda foi menos que proporcional e no outro proporcional ao aumento de fidelidade em relação aos novos produtos.
Nos três casos, os novos produtos eram mais lucrativos que os canibalizados. Assim, para as três empresas, o canibalismo deveria agregar valor à organização como um todo, sendo que em uma delas havia a intenção de substituição do produto antigo, não tendo obtido êxito no prazo estimado.
Para duas das três empresas o canibalismo ocorreu com menor intensidade que a prevista e para uma conforme a prevista.
Não se notaram, portanto, diferenças significativas entre os níveis de canibalismos ocorridos nos casos em que havia e em que não havia intenção de que ele ocorresse, até porque não foram realizadas ações de marketing específicas para estimular a ocorrência de canibalismo nos casos em que havia essa intenção.
Em vista das informações apresentadas, o planejamento do processo de canibalização coloca-se como desafio às empresas e ao meio acadêmico, uma vez que sua inobservância pode dificultar procedimentos e a realização de outros planos e o alcance dos objetivos que as organizações possuem.
4.5 SUGESTÕES PARA O CONTROLE DO CANIBALISMO
Independentemente das ações efetivamente realizadas para o controle do canibalismo, perguntou-se sobre possíveis práticas que poderiam contribuir para sua gestão, de acordo com a experiência e percepção dos entrevistados.
As sugestões realizadas pelas 11 empresas pesquisadas como medidas para controlar ou evitar a ocorrência de canibalismo podem ser observadas no Quadro 6. Os 11 profissionais pesquisados ofereceram, no total, 23 sugestões.
Nota-se que a estratégia que as empresas pesquisadas mais acreditam que possa contribuir para o controle do canibalismo é a promoção dos produtos antigos - aqueles que estivessem sendo ou apresentassem alta probabilidade de ser canibalizados.
Ressalte-se que todas as empresas pesquisadas disseram acompanhar o processo por meio dos relatórios gerenciais sobre os quais tomam decisões, que contêm dados sobre as vendas (em valor monetário e volume) de grupo ou itens de produto, participação relativa de mercado - de produtos da empresa e da concorrência -, lucro e lucratividade. E uma entre as 11 empresas costumava coletar continuamente a opinião dos vendedores acerca do que ocorria no mercado - o que parece uma estratégia bastante significativa, pois, enquanto os relatórios gerenciais apresentam dados e informações estáticas e referentes ao passado, a equipe de vendas está em contínuo contato com o mercado, podendo, inclusive, captar dados que, normalmente, não integram tais relatórios, como atributos de produtos de outras empresas e a forma e o local de exposição deles e de seus próprios produtos.
Nota-se que as sugestões apresentadas são consistentes com o estado da arte, muito embora, conforme observado, poucas ações sejam efetivamente realizadas, o que se coloca como uma incógnita a ser solucionada em futuros estudos.
5 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
5.1 CONCLUSÕES
O desenvolvimento e lançamento de novos produtos são condições essenciais às empresas que pretendem se destacar em seus mercados e sobreviver ao longo do tempo. Porém uma questão importante a ser considerada para a otimização dos recursos empregados nessa estratégia é o canibalismo.
O canibalismo pode tanto ser uma disfunção, que desagrega valor quando ocorre de maneira casual, como uma estratégia de marketing, que pode ser utilizada para elevar os resultados da empresa e/ou substituir produtos já existentes, à medida que permite minimizar o impacto que pode ser causado pela repentina descontinuação de produtos, ou ainda promover a concorrência interna nas organizações.
Os casos pesquisados e apresentados neste trabalho retrataram predominantemente o canibalismo como um fato desagregador de valor nas empresas pesquisadas, porém seu uso como estratégia de marketing foi observado. As preocupações amenas em relação a sua ocorrência devem-se ao fato de que essa desagregação de valor foi, em geral, menos que proporcional ao valor agregado pelo novo produto à empresa.
Em termos comparativos entre os casos de canibalismo casual e os de canibalismo intencional acerca das variáveis de resultado de marketing (faturamento, lucro, volume, pontos-de-venda e fidelidade dos consumidores), não foram verificadas diferenças significativas.
Embora o canibalismo seja um fato conhecido pelas empresas pesquisadas e formas para controlá-lo consonantes com o estado da arte tenham sido sugeridas pelos entrevistados, pouco se fez nesse sentido, segundo os resultados apresentados. Isso pode se dever tanto às pressões do mercado e da concorrência como ao não dimensionamento das perdas ocasionadas pelo canibalismo, encobertas pelos ganhos em termos gerais.
Tanto a semelhança entre os produtos, aferida por meio do tipo de novo produto e da política de marca adotada, como as pressões sofridas por parte dos consumidores e da concorrência apresentaram-se como potencializadoras do canibalismo, uma vez que na grande maioria dos casos o mercado era crescente - e, portanto, era oportuno introduzir novos produtos - e a concorrência considerada alta.
Com o objetivo de otimizar os recursos empregados pelas organizações no que tange ao processo de marketing, especialmente ao lançamento de novos produtos, entende-se que ele e as demais estratégias formuladas devem procurar evitar a canibalização de produtos antigos, a não ser que esse processo tenha sido cuidadosamente planejado - com metas de intensidade e tempo, e com claras ações para alcançá-la.
5.2 LIMITAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
Em razão da natureza do estudo não foi possível generalizar os resultados encontrados. Assim, recomenda-se a realização de outros trabalhos acerca do canibalismo entre produtos, nos mais diversos setores de atividade econômica, tanto por se ter verificado a falta de gestão proativa do processo como pela pequena quantidade de estudos específicos existente acerca do assunto. Ressalte-se que apenas os trabalhos de Copulsky (1976)COPULSKY, W. Cannibalism in the market place. Journal of Marketing, New York, v. 40, n. 5, p. 103-105, Oct. 1976., Kerin et al. (1978)KERIN, R. A. et al. Cannibalism and new product development. Business Horizons, Greenwich, v. 21, n. 5, p. 25-31, Oct. 1978. e Traylor (1986)TRAYLOR, M. B. Cannibalism in multibrand firms. Journal of Consumer Marketing, Santa Barbara, v. 3, n. 2, p. 69-75, Spring 1986. abordaram especificamente o assunto canibalismo entre produtos, muito embora tenham sido verificados os principais periódicos acadêmico-científicos brasileiros (Revista de Administração/USP, Revista de Administração de Empresas/FGV e Revista de Administração Contemporânea/Anpad) e diversos periódicos estrangeiros acessíveis pelo sistema ProQuest Direct.
Outra limitação diz respeito ao método utilizado para a realização dos estudos de caso: entrevista pessoal. Embora tenha sido possível coletar percepções e experiências, os fatos relatados podem ter sido viesados, sendo, portanto, prudente a utilização de fontes documentais nos próximos trabalhos que versarem sobre o assunto, a fim de aumentarem a confiabilidade.
Recomenda-se, por fim, a realização de estudos específicos que abordem os níveis suportáveis de canibalismo em diversas situações reais de mercado, bem como o planejamento de um processo de canibalização.
-
1
Dados informados por solicitação do pesquisador pelo site <www.indicator.com.br>, em março de 1999.
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2
Os autores agradecem a importante contribuição do Prof. Dr. Dilson Gabriel dos Santos para a elaboração desta parte.
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3
A taxa marginal de substituição é uma medida que determina a quantidade da mercadoria da qual um consumidor estaria disposto a desistir para obter uma quantidade maior de unidades de outro produto. Quando essa é constante, significa que um consumidor está disposto a desistir de determinada quantidade de um produto em detrimento da mesma quantidade de outro produto (VASCONCELLOS e OLIVEIRA, 1996VASCONCELLOS, M. A. S. de; OLIVEIRA, R. G. de. Microeconomia. São Paulo: Atlas, 1996.).
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- BOONE, L. E., KURTZ, D. L. Marketing contemporâneo Rio de Janeiro: LTC, 1998.
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- YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jan 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Feb 2004
Histórico
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Recebido
10 Mar 2004 -
Aceito
23 Ago 2004