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ANÁLISE EMPÍRICA DOS FATORES QUE POSSIBILITARAM ENTRADAS NA INDÚSTRIA DE CIMENTO BRASILEIRA

EMPIRICAL ANALYSIS OF THE DETERMINANTS OF ENTRY IN THE BRAZILIAN CEMENT INDUSTRY

ANÁLISIS EMPÍRICO DE LOS FACTORES QUE PERMITIERON ENTRADAS EN LA INDUSTRIA DE CEMENTO BRASILEÑA

A indústria de cimento é um exemplo clássico de uma indústria concentrada-homogênea, onde a entrada é difícil. Ainda assim, ocorreu um aumento no número de entrantes na indústria de cimento brasileira nos últimos anos. O objetivo do presente estudo é identificar os principais fatores que impactaram as decisões de entrada regionais no mercado de cimento brasileiro, no período de 2003 a 2012. Outro objetivo é explorar possíveis causas para as firmas incumbentes dessas regiões terem decidido acomodar essas novas entradas. Outros estudos que analisaram a indústria de cimento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244., 2010Zeidan, R., & Resende, M. (2010). Colusão ótima com monitoramento imperfeito: teste do modelo de Abreu-Pearce-Stachetti para os mercados brasileiros regionais de cimento. Economia Aplicada, 14(1), 41-50.; La Cour & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.) não focaram as entradas. O presente estudo se integra à literatura acadêmica sobre o comportamento de firmas brasileiras em estruturas de mercado concentradas ao focar a análise da ocorrência de entradas nesses mercados. Os principais fatores considerados são: consumo, crescimento do consumo, custo de transporte, número de empresas atuantes, número de fábricas e características regionais no período entre 2003 e 2012. Um modelo logit é utilizado para estimar o impacto desses fatores nas probabilidades de entrada e expansão das incumbentes. Uma análise exploratória baseada em discussão de casos também é realizada na tentativa de explicar o comportamento das incumbentes. Os resultados indicam que, além das características regionais, um alto nível de consumo corrente e uma menor concentração de mercado - medida pelo número de firmas atuantes ou de fábricas existentes por região - são as condições que mais significativamente favo- recem a ocorrência de entradas. As decisões de expansão das incumbentes, por sua vez, são mais fortemente correlacionadas com o potencial de crescimento de consumo, permitindo que a entrada ocorra em regiões brasileiras com alto nível de consumo corrente mas baixo potencial de crescimento.

Estratégias de entrada; Estratégias das incumbentes; Indústria de cimento; Competição espacial; Concentração


ABSTRACT

The cement industry is a classic example of a concentrated-homogeneous industry, where entry is difficult. Despite that, there was an increase in the number of entrants in the Brazilian cement industry in recent years. The purpose of the present work is to identify the main factors that impacted regional entry decisions in the Brazilian cement market from 2003 to 2012. Another purpose is to explore possible causes for the incumbents' decision to accommodate new entry in these regions. Other studies that analyze the cement industry (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244., 2010Zeidan, R., & Resende, M. (2010). Colusão ótima com monitoramento imperfeito: teste do modelo de Abreu-Pearce-Stachetti para os mercados brasileiros regionais de cimento. Economia Aplicada, 14(1), 41-50.; La Cour & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.), have not been focused on entry. The present work adds to the academic literature the behavior of Brazilian firms in concentrated market structures by focusing on and analisis of the entry in these markets. The main considered factors are: consumption, consumption growth, transportation cost, number of active firms, number of plants, and regional characteristics, in the period from 2003 to 2012. A logit model is used to estimate the impact of these factors on the likelihood of entry and incumbents' expansion. An exploratory analysis based on case discussion is also conducted on an attempt to explain the incumbents' behavior. The results indicate that in addition to regional characteristics, a high level of consumption, and a low market concentration - measured by the number of active firms or the number of existing plants by region - are the conditions that most significantly favor entry. The incumbents' expansion decision, on the other hand, is most strongly correlated with the potential for consumption growth, allowing entry to occur in the Brazilian regions with high levels of consumption but low levels of growth.

Entry strategies; Incumbent's strategies; Cement industry; Spatial competition; Concentration

RESUMEN

La industria del cemento es un ejemplo clásico de una industria concentrada homogénea, donde la entrada es difícil. Aún así, ocurrió un aumento en el número de entrantes en la industria de cemento brasileña en los últimos años. El objetivo de este estudio es identificar los factores claves que impactaron las decisiones de entradas regionales en el mercado de cemento de Brasil entre 2003 y 2012. Otro objetivo es explorar las posibles causas de las empresas establecidas en estas regiones que han decidido dar cabida a estas nuevas entradas. Otros estudios que analizaron la industria del cemento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244., 2010Zeidan, R., & Resende, M. (2010). Colusão ótima com monitoramento imperfeito: teste do modelo de Abreu-Pearce-Stachetti para os mercados brasileiros regionais de cimento. Economia Aplicada, 14(1), 41-50.; La Cour & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.), no se centraron en las entradas. Este estudio se suma a la literatura académica sobre el comportamiento de las empresas brasileñas en las estructuras de mercado concentradas para centrarse en el análisis de los registros de eventos en estos mercados. Los principales factores considerados son: el consumo, el crecimiento del consumo, el costo de transporte, el número de empresas operadoras, el número de fábricas, y las características regionales en el período entre 2003 y 2012. Un modelo logit se utiliza para estimar el impacto de estos factores en las probabilidades de ingreso de entrantes y de expansión de los operadores tradicionales. Un análisis exploratorio basado en la discusión de los casos también se realiza en un intento de explicar el comportamiento de los operadores tradicionales. Los resultados indican que, además de características regionales, un alto nivel de consumo corriente, y una menor concentración de mercado - se mide por el número de empresas activas o número de fábricas existentes por región - son las condiciones que favorecen más significativamente los ingresos de entrantes. Las decisiones de expansión de los operadores tradicionales, por otro lado, están más fuertemente correlacionadas con el potencial de crecimiento del consumo, lo que permite que el ingreso de entrantes se produzca en las regiones brasileñas con alto consumo corriente, pero bajo potencial de crecimiento.

Estrategias de entrada; Estrategias de operadores tradicionales; Industria del cemento; La competencia espacial; Concentración

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o país vivenciou um significativo aumento do mercado de cimento. Enquanto, em 2003, o consumo registrado no país foi de 34,9 milhões de toneladas do produto, em 2012 registrou-se consumo de 69,3 milhões de toneladas, o que significa um crescimento de 99% nesses dez anos (Câmara Brasileira da Indústria da Construção [Cbic], 2015Câmara Brasileira da Indústria da Construção (2015). Cimento, consumo, produção e valores de materiais de construção. Recuperado em 13 novembro, 2015, de http://www.cbicdados.com.br/menu/ materiais-de-construcao/cimento.
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).

Dado que se trata de uma indústria concentrada-homogênea (Porter, 1986Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus.; Silva, 1988Silva, W. (1988). Estratégia competitiva: uma ampliação do modelo de Porter. Revista de Administração de Empresas, 28(2), 33-41.), como as indústrias de minérios e do aço, espera-se que a indústria de cimento possua, como uma das suas principais características, a presença de elevadas barreiras à entrada. Nesse sentido, esperar-se-ia que esse aumento de consumo no mercado de cimento seria suprido por uma expansão da oferta das empresas já existentes no mercado ("as incumbentes"). As incumbentes poderiam atender a esse crescimento do consumo utilizando sua capacidade ociosa ou, se necessário, aumentando sua capacidade, ao mesmo tempo que deveriam desestimular a entrada de novos concorrentes (Harrigan, 1981Harrigan, K. R. (1981). Barriers to entry and competitive strategies. Strategic Management Journal, 2(4), 395-412.).

No Brasil, a indústria do cimento vem sofrendo um processo de reestruturação desde o final dos anos 1990. Houve um aumento no grau de concentração e integração vertical, bem como uma maior participação de grupos estrangeiros no mercado brasileiro (Monteiro, 2010Monteiro, C. D. B. (2010). Advocacia da concorrência em atividades de normalização no Brasil. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental, 9(2), 7-25.). Controle de concentrações é uma das preocupações do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Parte da responsabilidade do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é apreciar se determinada concentração de empresas pode causar efeitos danosos à concorrência. Os efeitos danosos decorrem de um eventual exercício de poder de mercado pela empresa concentrada, podendo resultar, entre outros, em aumento abusivo de preços (Matias-Pereira, 2004Matias-Pereira, J. (2004). Defesa da concorrência e regulação econômica no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, 5(1), 36-55.). A conduta das empresas no setor de cimento tem sido tradicionalmente pesquisada em diversos países, inclusive no Brasil (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244.; La Cour & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.).

Em 2014, o Cade confirmou a condenação de seis empresas do setor de cimento (Votorantim Cimentos S. A., Holcim do Brasil S. A., InterCement, Cimpor Cimentos do Brasil Ltda., Itabira Agro Industrial S. A e Companhia de Cimento Itambé), estipulando uma multa de R$ 3,1 bilhões pela formação de cartel ("Fines are confirmed by Cade in cartel case", 2014). Segundo o Cade, as empresas combinavam preços, dividiam o mercado e clientes e criavam medidas para impedir a entrada de novos concorrentes no mercado de cimento (Goy, 2014Goy, L. (2014). Cade condena cimenteiras a pagar R$ 3,1 bi em multas e vender ativos. Recuperado em 13 novembro, 2015, de http://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN0E901L20140529.
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). Todavia, independentemente de possíveis medidas adotadas para impedir a entrada de novos concorrentes, verificou-se um aumento significativo no número de empresas de cimento que atuam em cada uma das regiões brasileiras (Sindicato Nacional da Indústria de Cimento [Snic], 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.).

O presente estudo investiga quais são alguns dos fatores que mais significativamente impactaram a decisão de entrada de firmas em novas regiões no mercado de cimento brasileiro, entre os anos de 2003 a 2012, e explora possíveis causas para as firmas incumbentes dessas regiões terem decidido acomodar essas novas entradas, em vez de combatê-las. Esse fenômeno pode ter ocorrido em razão de algumas particularidades da indústria de cimento, caracterizada por um tipo de competição conhecida na literatura como "competição espacial".

A competição espacial está relacionada à necessidade de produzir cimento próximo ao mercado consumidor e à fonte de matéria-prima (calcário), por causa dos elevados custos de transporte, criando, dessa forma, mercados que competem regionalmente (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; McBride, 1983McBride, M. E. (1983). Spatial competition and vertical integration: cement and concrete revisited. The American Economic Review, 73(5), 1011-1022.). Essa competição regional faz que a entrada de novas empresas em localidades onde já há produção de cimento nem sempre seja impedida pelas empresas incumbentes dessas localidades (Johnson & Parkman, 1983Johnson, R. N., & Parkman, A. (1983). Spatial monopoly, non-zero profits and entry deterrence: the case of cement. The Review of Economics and Statistics, 65(3), 431-439.).

Os principais fatores considerados neste estudo como possíveis candidatos a impactar a decisão de entrada de firmas em novas regiões no mercado de cimento brasileiro são: consumo, crescimento do consumo, custo de transporte, número de empresas atuantes, número de fábricas e características regionais no período entre 2003 e 2012. Esses fatores foram escolhidos com base em estudos anteriores. O consumo de cimento regional já foi utilizado em estudos anteriores sobre a indústria de cimento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.), além de ter sido demonstrado por Justman (1994)Justman, M. (1994). The effect of local demand on industry location. The Review of Economics and Statistics, 76(4), 742-753. como possuindo efeitos significativos na decisão de localização de uma firma. O custo de transporte e características regionais derivam do fato de a indústria de cimento ser caracterizada por uma competição espacial (McBride, 1983McBride, M. E. (1983). Spatial competition and vertical integration: cement and concrete revisited. The American Economic Review, 73(5), 1011-1022.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.). O número de empresas atuantes na região ou o número de fábricas são dados usualmente utilizados para mensurar a concentração de mercado, medida que tradicionalmente impacta as decisões de entrada (Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244.; Mankiw, 2015Mankiw, N. (2015). Principles of microeconomics (7th ed.). Stanford: Cengage Learning.).

Já para desenvolver uma teoria sobre o comportamento das incumbentes, suas estratégias de expansão e elucidar por que tais empresas optaram por não reagir ou tentar impedir a entrada desses novos entrantes, utilizaram-se uma análise empírica semelhante à utilizada para as entrantes e uma análise exploratória do comportamento de três das principais empresas incumbentes. É hipótese dos autores que os mesmos fatores escolhidos como possíveis candidatos a impactar a decisão de entrada de firmas em novas regiões no mercado de cimento brasileiro são aqueles que também irão impactar as decisões das incumbentes.

Justifica-se a relevância do estudo por se tratar de um importante setor da economia brasileira, a indústria de cimento, e pela decisão de 2014 do Cade de condenar seis empresas desse setor pela formação de cartel. O fato de ter ocorrido entradas não significa que esse setor não praticava um comportamento de cartel, como foi condenado pelo Cade. Apenas torna mais interessante, do ponto de vista acadêmico, compreender os fatores que incentivaram essas entradas e as decisões das incumbentes de acomodação, já que é uma tarefa árdua ser um novo entrante nesse mercado. Diversos autores estudaram a indústria de cimento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244., 2010Zeidan, R., & Resende, M. (2010). Colusão ótima com monitoramento imperfeito: teste do modelo de Abreu-Pearce-Stachetti para os mercados brasileiros regionais de cimento. Economia Aplicada, 14(1), 41-50.; La Cour, & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.), em sua maioria tentando inferir sobre a conduta das empresas no setor ou descrevendo a presença de uma competição regional. Em especial, Salvo (2010)Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350. analisa empiricamente a indústria de cimento brasileira e ressalta a importância de considerar as ameaças de potenciais entrantes quando se analisa a presença de poder de mercado em uma indústria. Mas esse autor não estuda especificamente o comportamento das entrantes. Ao explicar os fatores que impactaram a ocorrência de entradas no mercado de cimento e possíveis causas para acomodação dessas entradas pelas empresas incumbentes, o presente estudo avança o conhecimento sobre comportamento de firmas brasileiras em estruturas de mercado concentradas.

Vale destacar ainda que os resultados encontrados aqui podem permitir que outras empresas que gostariam de atuar em setores caraterizados classicamente por altas barreiras à entrada compreendam algumas das condições que podem permitir ou favorecer a entrada, mesmo nesses ambientes áridos, e usem os resultados encontrados neste estudo como possíveis diretrizes na formação de suas estratégias de entrada nesses mercados.

Além deste texto introdutório, esteo artigo contém cinco seções. Na seção 2, expõe-se a teoria que embasa o estudo. A seção 3 descreve sucintamente a indústria de cimento no Brasil. A seção 4 apresenta as hipóteses da pesquisa, a metodologia utilizada e uma descrição dos dados. Na seção 5, analisam-se os principais resultados empíricos e de caráter exploratório baseados em discussões de casos. A última seção aponta as conclusões, indica as limitações do presente estudo e sugere temas para pesquisas futuras.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção, apresentam-se as teorias sobre a importância da entrada na determinação da estrutura de mercado, diversas formas de barrar a entrada de novos concorrentes, além de possíveis estratégias que as empresas incumbentes podem adotar caso a entrada venha ocorrer. Em seguida, será discutido especificamente o caso da indústria de cimento como um exemplo clássico de um mercado caracterizado por altas barreiras à entrada.

2.1 ESTRUTURA DE MERCADO E BARREIRAS À ENTRADA

A estrutura de um mercado é caracterizada, entre outros aspectos, pelo número de empresas incumbentes que concorrem entre si e pelo número de empresas entrantes ou potenciais entrantes em um mercado. A estrutura de um mercado influencia no preço de equilíbrio do produto, na oferta de equilíbrio do produto e no bem-estar econômico dos consumidores (Mankiw, 2015Mankiw, N. (2015). Principles of microeconomics (7th ed.). Stanford: Cengage Learning.).

Entre os possíveis efeitos, para os consumidores, da entrada de uma nova empresa em um determinado mercado, destacam-se a redução dos preços de equilíbrio, o aumento da oferta dos produtos e a melhoria na qualidade geral dos produtos. De forma geral, a entrada é benéfica para os consumidores. Mas geralmente é danosa para as firmas que já atuavam no mercado. Por exemplo, Ahn e Shin (2012)Ahn, I., & Shin, H. (2012). Domestic welfare effects of the entry of a foreign firm. Journal of Economic Development, 37(2), 35-57. discutem o efeito da entrada de uma firma estrangeira no bem-estar social doméstico. Se, por um lado, os consumidores ganham com o aumento da competição e redução dos preços, as firmas domésticas, por outro, reduzem as vendas e os lucros. Os autores encontram as condições em que entradas de firmas estrangeiras são benéficas para a sociedade como um todo.

Já nos mercados em que a competição é menos intensa e o número de entradas é baixo ou nulo, como nos casos de monopólios ou cartéis, pode ocorrer uma perda de bem-estar econômico, caracterizada por preços elevados e oferta insuficiente do produto desejado. Embora essa situação seja ruim para os consumidores, as firmas incumbentes geralmente se beneficiam da concentração, mantendo elevadas fatias de mercado e recebendo margens acima daquelas praticadas em ambientes competitivos (Porter, 1990Porter, M. (1990, March-April). The competitive advantage of nations. Harvard Business Review, 73-91. ). Crettez e Fagart (2009)Crettez, B., & Fagart, M. (2009). Does entry improve welfare? A general equilibrium approach to competition policy. Journal of Economics, 98(2), 97-118. abordam situações em que o aumento do número de firmas em um determinado setor não necessariamente eleva o bem-estar social.

As primeiras empresas que entram em um novo mercado ("as pioneiras") costumam ser capazes de manter uma elevada participação do mercado. Essa vantagem se deve, em parte, à facilidade de acesso às melhores fontes de matéria-prima e aos melhores canais de distribuição que podem levar à liderança de mercado (Kerin, Varadarajan, & Peterson, 1992Kerin, R., Varadarajan, P., & Peterson, R. (1992). First-mover advantage: a synthesis, conceptual framework and research prepositions. Journal of Marketing, 56, 33-52.). Mas tornar-se uma das primeiras firmas a entrar em um mercado também envolve riscos elevados, por conta especialmente da incerteza da demanda (Boulding & Christen, 2003Boulding, W., & Christen, M. (2003). Sustainable pioneering advantage? Profit implications of market entry order. Marketing Science, 22(3), 371-392.). Ainda que haja um custo de oportunidade relacionado à entrada tardia que implica normalmente uma participação de mercado mais baixa (Lilien & Yoon, 1990Lilien, G., & Yoon, E. (1990). The timing of competitive market entry: an exploratory study of new industrial products. Management Science, 36(5), 568-585.), as novas entrantes podem reverter esse custo por meio de uma boa estratégia de posicionamento da marca, resultante de investimentos em marketing e publicidade, por meio do desenvolvimento de um produto superior ou da prática de um preço menor que o dos concorrentes mais antigos (Urban, Carter, Gaskin, & Mucha, 1986Urban, G., Carter, T., Gaskin, S., & Mucha, Z. (1986). Market share rewards to pioneering brands: an empirical analysis and strategic implications. Management Science, 32(6), 645-659.). Vários estudos seguintes ao trabalho de Urban et al. (1986)Urban, G., Carter, T., Gaskin, S., & Mucha, Z. (1986). Market share rewards to pioneering brands: an empirical analysis and strategic implications. Management Science, 32(6), 645-659. tentaram generalizar a existência de uma correlação negativa entre ordem de entrada e fatia de mercado. Entretanto, muitos encontraram casos em que as entrantes tardias se tornaram líderes de mercado. Por exemplo, Cavusgil, Deligonul e Calantone (2011Cavusgil, E., Deligonul, Z. S., & Calantone, R. (2011). Late entrant over-the-counter and Rx market entry strategies: an investigation in the pharmaceutical industry. International Journal of Pharma-ceutical and Healthcare Marketing, 5(2), 79-98.) exploraram a dinâmica do mercado e as questões estratégicas que contribuíram para o sucesso dos entrantes tardios nos mercados de medicamentos prescritos e de venda livre. De forma mais geral, Wilkie e Johnson (2014)Wilkie, D. C., & Johnson, L. W. (2014). Is there a negative relationship between the order-of-brand entry and market share? Marketing Letters, 1-12. Recuperado em 23 março, 2014, de http://dsc.doi.org/10.1007/s11002-014-93448.
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demonstraram empiricamente situações nas quais a relação negativa entre ordem de entrada e fatia de mercado não se mantém. Portanto, a noção de que ser a firma pioneira em um mercado é sinônimo de uma posição dominante não é tão simples como parece. Esses novos estudos apontam para a importância das ações estratégicas tanto do ponto de vista das firmas pioneiras como das entrantes tardias para a manutenção e o aumento de suas fatias de mercado.

Como estratégia para manutenção de suas participações no mercado, as incumbentes tentam erguer barreiras às entrantes (Robinson, 1988Robinson, W. (1988). Sources of marketing pioneer advantages: the case of industrial goods industry. Journal of Marketing Research, 25(1), 87-94.; Parry & Bass, 1990Parry, M., & Bass, F. (1990). When to lead or follow? It depends. Marketing Letters, 1(3), 187-198.). Barreiras à entrada são quaisquer fatores que inibem a atuação de novas empresas em um mercado. Tais barreiras podem ser governamentais, como a existência de monopólio estatal e regime de patentes mal definido (Grabowski & Vernon, 1986Grabowski, H., & Vernon, J. (1986). Longer patents for lower imitations barriers: the 1984 Drug Act. The American Economic Review, 76(2), 195-198.), ou econômicas, como a necessidade de uma escala mínima para produção, elevada necessidade de capital, histórico agressivo de corte de preços e manutenção da capacidade ociosa, entre outras (Porter, 1979Porter, M. (1979). The structure within industries and companies' performance. The Review ofEconomics and Statistics, 61(2), 214-227.).

Existe uma forte relação entre estruturas de mercado e barreiras à entrada (Silva, 1988Silva, W. (1988). Estratégia competitiva: uma ampliação do modelo de Porter. Revista de Administração de Empresas, 28(2), 33-41.). As indústrias competitivas caracterizam-se pela existência de poucas barreiras à entrada (Bain, 1956Bain J. (1956). Barriers to new competition. Cambridge: Harvard University Press.). Já as indústrias concentradas normalmente possuem elevadas barreiras à entrada. Bain (1956)Bain J. (1956). Barriers to new competition. Cambridge: Harvard University Press. foi o pioneiro no conceito de barreiras à entrada. Vários estudos seguiram o artigo original de Bain (1956) para descrever os diferentes tipos de barreira à entrada. Karakaya e Parayitam (2013)Karakaya, F., & Parayitam, S. (2013). Barriers to entry and firm performance: a proposed model and curvilinear relationships. Journal of Strategic Marketing, 21(1), 25-47. destacam algumas das principais barreiras à entrada estudadas na literatura: vantagens de custos das firmas incumbentes sobre as entrantes, requerimentos de capital, vantagens de diferenciação dos produtos pelas firmas incumbentes, acesso pelas incumbentes aos principais canais de distribuição, custo de troca pelos novos produtos pelos consumidores e regulações governamentais. A necessidade de capital é uma barreira à entrada porque a receita das empresas entrantes é, geralmente, inferior à das incumbentes, enquanto os gastos correntes são, geralmente, mais elevados. Isso ocorre porque, em geral, as empresas incumbentes possuem maior escala de produção, contratos com fornecedores em melhores condições, maior capacidade de financiamento de estoques e de capital de giro, melhor organização administrativa e maior grau de maturidade tecnológica (Harrigan, 1981Harrigan, K. R. (1981). Barriers to entry and competitive strategies. Strategic Management Journal, 2(4), 395-412.). A necessidade de uma escala mínima para a produção é outra possibilidade de barreira à entrada. Quanto maior for essa escala mínima, maior será a barreira à entrada (Lieberman, 1987Lieberman, M. (1987). Excess capacity as a barrier to entry: an empirical appraisal. The Journal of Industrial Economics, 35(4), 607-627.). Como exemplos de indústrias concentradas, podemos citar as indústrias de bens de capital e de produtos químicos industriais (Porter, 1986Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus.; Silva, 1988Silva, W. (1988). Estratégia competitiva: uma ampliação do modelo de Porter. Revista de Administração de Empresas, 28(2), 33-41.).

Um subgrupo das indústrias concentradas, o das indústrias concentradas-homogêneas, possui como principais barreiras à entrada a elevada necessidade de capital, a escala mínima, a manutenção de capacidade ociosa e o controle de acesso sobre matéria-prima (fonte). Como exemplos de indústrias concentradas-homogêneas, temos a indústria de cimento, siderúrgica e mineração, muito concentradas, porém com produtos pouco diferenciados (Porter, 1986Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus.; Silva, 1988Silva, W. (1988). Estratégia competitiva: uma ampliação do modelo de Porter. Revista de Administração de Empresas, 28(2), 33-41.).

Alguns trabalhos analisaram as estratégias de entradas em diferentes setores brasileiros. Schröder (2012)Schröder, B. (2012). Práticas restritivas, barreiras à entrada e concorrência no mercado brasileiro de exibição cinematográfica. Revista Brasileira de Economia, 66(1), 49-77. analisou os efeitos de entrantes no mercado brasileiro de exibição cinematográfica sobre o ambiente competitivo e, em particular,

o modo como a entrada afeta as firmas incumbentes. De acordo com o autor, a presença de custos fixos crescentes sugere não apenas a existência de barreiras à entrada para uma segunda firma exibidora em mercados monopolizados, mas também que as firmas competem em outras dimensões que não em preços (por exemplo, propaganda, eventos promocionais ou localização), sobretudo em mercados locais. Já Moita e Guerra (2011)Moita, R., & Guerra, A. (2011). Entradas e bandeiras: estratégia de interiorização das cadeias de fast-food. Revista de Administração de Empresas, 52(1), 85-98. analisaram a estratégia de entrada de firmas da indústria de fast-food brasileira em novos mercados. Segundo os autores, uma vez que uma firma entra em um mercado inexplorado, as demais tendem a também entrar nesse mercado. A hipótese do artigo é que há uma incerteza quanto ao potencial de um mercado, e a entrada de uma firma sinaliza que esse potencial é elevado. Sampaio e Sampaio (2013)Sampaio, R. M., & Sampaio, L. M. (2013). Competição entre postos de gasolina em pequenos municípios brasileiros: uma análise a partir de um modelo de entrada empírico. Economia Apli-cada, 17(4), 579-598., usando um modelo empírico de entrada, investigaram o grau de competição em mercados locais de postos de gasolina no Brasil. Entre outros resultados, os autores constataram que as características demográficas de um mercado, como população, produto interno bruto (PIB) per capita e frota de veículos, têm um efeito importante e positivo na lucratividade dos postos e na propensão de potencias proprietários de postos em entrar em um mercado. Diferentemente desses trabalhos que investigaram entradas em mercados em que é possível algum grau de diferenciação e competição (ainda que apenas em alguns locais), o presente trabalho investiga os fatores que impactam as decisões de entrada em um ambiente classicamente classificado como concentrado-homogêneo. Não abordamos aqui, entretanto, possíveis estratégias que facilitem a entrada nesses mercados, como o uso de propaganda, eventos promocionais, alianças com as incumbentes, como fez Schröder (2012)Schröder, B. (2012). Práticas restritivas, barreiras à entrada e concorrência no mercado brasileiro de exibição cinematográfica. Revista Brasileira de Economia, 66(1), 49-77..

2.2 ESTRATÉGIAS DAS INCUMBENTES DE REAÇÃO À ENTRADA

As empresas incumbentes podem adotar diversos tipos de estratégia para criar barreiras adicionais às entradas, além de possíveis barreiras naturais preexistentes, tais como barreiras governamentais ou oriundas da natureza do negócio. Um exemplo é o uso pela empresa incumbente de uma estratégia de corte de preços, reduzindo temporariamente sua margem de lucro e dando início a uma guerra de preços. Essa prática induz as empresas entrantes a agir da mesma forma, reduzindo sua lucratividade de tal forma que pode até mesmo forçar a saída da empresa do mercado. A incumbente pode ainda usar propaganda ou a introdução de novos produtos para limitar ou deter entradas (Thomas, 1999Thomas, L. A. (1999). Incumbent firms' response to entry: price, advertising, and new product introduction. International Journal of Industrial Organization, 17(4), 527-555.; Smiley & Ravid, 1983Smiley, R., & Ravid, S. (1983). The importance of being first: learning price and strategy. The Quarterly Journal of Economics, 98(2), 353-362.).

Outra prática usada pelas empresas incumbentes é a manutenção de capacidade ociosa. Nesse caso, as empresas incumbentes expandem a capacidade de produção para além da demanda corrente, o que lhes permite colocar, de forma mais rápida, maiores quantidades de um determinado produto no mercado quando a demanda aumentar. Dessa forma, elas reduzem o custo médio e o preço, e tornam o ambiente de negócios mais hostil para as empresas entrantes (Bulow, Geanakoplos, & Klemperer, 1985Bulow, J., Geanakoplos, J., & Klemperer, P. (1985). Holding idle capacity to deter entry. The Econo-mic Journal, 95, 178-182.).

A empresa incumbente pode ainda realizar integração vertical para trás ou para frente, para, por exemplo, obter acesso mais fácil e mais barato às fontes de matérias primas na tentativa de reduzir custos e aumentar a eficiência (Scherer, 1970Scherer, F. (1970). Industrial market structure and economic performance. Chicago: Rand-McNally.; Porter, 1986Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus.). Nota-se que um pequeno grau de integração vertical pode ser benéfico para os consumidores por aumentar o grau de eficiência das firmas incumbentes, apesar do efeito danoso de redução da competição (Loertscher & Reisinger, 2014Loertscher, S., & Reisinger, M. (2014). Market structure and the competitive effects of vertical integration. Rand Journal of Economics, 45(3), 471-494.).

Em indústrias com maior nível de concentração, as empresas incumbentes detêm conhecimento acumulado sobre processos produtivos, o que lhes permite operar com custos inferiores aos das entrantes, como ocorre em fábricas de cimento, que reduzem o consumo de combustível por meio de coprocessamento (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES], 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.). Nesse tipo de indústria, as empresas incumbentes também podem ampliar a capacidade instalada, planejar a capacidade ociosa ou intensificar o uso dos ativos, antecipando o crescimento do mercado e desencorajando a entrada de concorrentes por causa do risco de sobreoferta do produto (Harrigan, 1981Harrigan, K. R. (1981). Barriers to entry and competitive strategies. Strategic Management Journal, 2(4), 395-412.).

No caso das indústrias com maior nível de diferenciação dos produtos, o poder das incumbentes de criar barreiras à entrada é menor, pois a entrante pode tentar se diferenciar para competir menos "de frente" com a incumbente. Entretanto, a diferenciação por si só pode ser vista como outro exemplo de barreira à entrada. Nesse caso, a empresa incumbente oferece produtos ou serviços com elevado grau de tecnologia, o que torna suas marcas únicas, por estarem associadas com sofisticação ou com baixo custo, tornando difícil para a empresa entrante

o estabelecimento de concorrência naquela indústria. As empresas incumbentes podem ainda aumentar os gastos com publicidade e promoção de vendas ou introduzir várias marcas para competir dentro do próprio conjunto de produtos da empresa, o que aumenta o custo para outras empresas que pretendem entrar no mercado (Karakaya & Parayitam, 2013Karakaya, F., & Parayitam, S. (2013). Barriers to entry and firm performance: a proposed model and curvilinear relationships. Journal of Strategic Marketing, 21(1), 25-47.; Schmalensee, 1983Schmalensee, R. (1983). Advertising and entry deterrence: an exploratory model. Journal of Political Economy, 91(4), 636-653.). Como exemplo, há as empresas multimarcas de produtos de higiene que oferecem uma variada gama de produtos, investem alto em publicidade e, assim, inibem os competidores de oferecer cada produto separadamente (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.). Nesse tipo de indústria, destaca-se também a segmentação por faixa de idade, sexo, renda, preço e área geográfica. Isso facilita a reação à entrada de empresas em mercados estratificados por nichos. Outro exemplo é a indústria automobilística, na qual as empresas incumbentes criam modelos diversos para as mais variadas classes sociais (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.).

2.3 A INDÚSTRIA DE CIMENTO COMO UM EXEMPLO CLÁSSICO DE UM MERCADO CARACTERIZADO POR ALTAS BARREIRAS À ENTRADA

A indústria de cimento é do tipo concentrado-homogêneo, caracterizada por elevado grau de concentração, ou seja, poucas empresas e fortes barreiras à entrada, cujo produto tem baixo grau de substituição (Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244.; La Cour & Møllgaard, 2003La Cour, L. F., & Møllgaard, P. (2003). Market domination: tests applied to the Danish cement industry. European Journal of Law and Economics, 14, 99-127.). Entre as barreiras desse mercado, destaca-se a escala mínima de produção, ou seja, a quantidade mínima produzida necessária para que o custo médio por tonelada de cimento seja menor que o preço médio (Lieberman, 1987Lieberman, M. (1987). Excess capacity as a barrier to entry: an empirical appraisal. The Journal of Industrial Economics, 35(4), 607-627.).

A viabilidade do projeto de instalação de uma nova fábrica de cimento passa, evidentemente, pelos custos de construção da fábrica. Quanto mais elevados forem esses custos, maiores serão as barreiras à entrada (Ryan, 2012Ryan, S. P. (2012). The costs of environmental regulation in a concentrated industry. Econometrica, 80(3), 1019-1061.; Harrigan, 1981Harrigan, K. R. (1981). Barriers to entry and competitive strategies. Strategic Management Journal, 2(4), 395-412.). Conforme Ryan (2012)Ryan, S. P. (2012). The costs of environmental regulation in a concentrated industry. Econometrica, 80(3), 1019-1061. ressalta, esses custos podem ser incrementados por uma regulamentação ambiental mais rígida. Adicionalmente, as empresas de cimento devem se preocupar ativamente com a localização de seus investimentos, em virtude dos elevados custos de transporte, os quais levam os mercados a competir regionalmente em um fenômeno denominado "competição espacial" (Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; McBride, 1983McBride, M. E. (1983). Spatial competition and vertical integration: cement and concrete revisited. The American Economic Review, 73(5), 1011-1022.). Esse fenômeno, pesquisado entre empresas brasileiras, também é conhecido como "efeito gravitacional" (Salvo, 2010). As empresas desejam se localizar próximas aos seus consumidores para reduzir os custos de transporte. Isso ocorre graças à característica do cimento, produto altamente perecível e de baixo valor agregado, o que torna o custo de transporte um dos principais componentes do preço cobrado (Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.). Adicionalmente, no caso brasileiro, cerca de 90% do transporte é feito por meio do modal rodoviário, o que eleva ainda mais o custo do combustível por tonelada, uma vez que a relação tonelada/quilômetro do transporte rodoviário é menor do que a de outros modais, como trens (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.). O mesmo ocorre no custo do transporte do calcário, principal matéria-prima do cimento, da mina até a fábrica. As fábricas de cimento também desejam se localizar próximas às minas de calcário.

Por causa da competição espacial, a entrada de novas empresas em localidades onde já há produção de cimento nem sempre é impedida pelas empresas incumbentes dessas localidades (Johnson & Parkman, 1983Johnson, R. N., & Parkman, A. (1983). Spatial monopoly, non-zero profits and entry deterrence: the case of cement. The Review of Economics and Statistics, 65(3), 431-439.). De acordo com Johnson e Parkman (1983)Johnson, R. N., & Parkman, A. (1983). Spatial monopoly, non-zero profits and entry deterrence: the case of cement. The Review of Economics and Statistics, 65(3), 431-439., tal fenômeno ocorre porque haverá uma maior perspectiva de retornos acima da média se a competição por territórios com menor grau de saturação for mais intensamente explorada pelas empresas incumbentes. Ou seja, por causa da competição espacial, existe uma divisão de mercado na qual as incumbentes de uma determinada localidade algumas vezes permitem a ocorrência de entradas naquela localidade em detrimento da sua expansão em outras localidades, onde existe maior perspectiva de retornos acima da média em razão de um menor grau de saturação do mercado.

3 A INDÚSTRIA DO CIMENTO NO BRASIL

A produção de cimento é um dos primeiros estágios da cadeia da construção civil. O produto tem elevada resistência e alta perecibilidade, o que dificulta o transporte em longas distâncias. É tecnicamente conhecido como "Cimento Portland", um pó obtido da moagem de clínquer, gesso, escória de altos fornos ou termoelétricas, calcário e pozolana.

A classificação do cimento varia de acordo com a composição ou segundo a resistência à compressão. De acordo com a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), existem 11 tipos diferentes de classificações no Brasil (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.). Para efeito da pesquisa realizada neste estudo, não será realizada a decomposição do produto entre os diferentes tipos, sendo considerado apenas um único produto denominado cimento, cuja composição de material não será tratada. Essa simplificação foi adotada por causa da insuficiência de dados detalhados e porque os autores acreditam que ela não afeta os resultados esperados do estudo.

A produção brasileira de cimento em escala industrial começou em 1926, embora já houvesse empresas produtoras de pequeno porte anteriormente, como a Rodovalho, fundada em 1897, em Sorocaba (SP). A primeira grande empresa de cimento foi a Companhia de Cimento Portland Perus, hoje já extinta. Nos anos 1930, a Votorantim abriu a primeira fábrica, em Votorantim (SP), sendo

o mais antigo grupo produtor de cimento em atividade no Brasil. Em seguida, foram criadas as empresas Camargo Corrêa, nos anos 1940, na Região Sudeste, e João Santos, na década de 1950, na Região Nordeste. Nos anos seguintes, empresas multinacionais, como Holcim e Lafarge, começaram a se instalar no Brasil (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.).

Os principais consumidores da indústria de cimento no Brasil são os revendedores, ou seja, lojas de materiais de construção que vendem sacos de cimento a pequenos consumidores que desejam fazer reformas ou construções de pequeno porte. Tais revendedores representam o consumidor individual, que foi o grande motor do aumento da demanda por cimento nos últimos dez anos, graças ao significativo aumento da renda média da população. Esse tipo de consumidor é predominante em todas as regiões brasileiras, mas é especialmente relevante na Região Nordeste (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). Além dos revendedores, existem as concreteiras que transformam o cimento em concreto, produto de maior valor agregado usado tanto em grandes obras quanto em pequenas. As concreteiras são mais presentes nas regiões mais industrializadas, como as Regiões Sudeste e Sul, do que nas menos industrializadas, como Nordeste, Centro-Oeste e Norte (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). Finalmente, temos as grandes construtoras, as empreiteiras, que encomendam grandes quantidades de cimento para empreendimentos imobiliários e obras de infraestrutura (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). Embora este último tipo de consumo seja maior em valores absolutos no Sudeste e Sul do que nas demais regiões, ele é proporcionalmente maior na Região Norte, em virtude do elevado peso do uso de cimento na realização de obras na região amazônica, como as novas hidrelétricas (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). A Tabela 1 mostra a distribuição do consumo entre as diversas regiões brasileiras para cada tipo de consumidor. Nota-se que, para qualquer grupo de consumidores, o maior percentual encontra-se na Região Sudeste, o qual é mais elevado entre as concreteiras, com 58% delas localizadas nessa região.

TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO DO CONSUMO POR REGIÃO PARA CADA TIPO DE CONSUMIDOR (2013)

No Brasil, o consumo de cimento apresentou forte crescimento nos últimos 60 anos, com breves períodos de enfraquecimento nos anos 1980 e 1990. A partir dos anos 2000, esse crescimento tornou-se ainda mais acentuado (Gráfico 1), devido, principalmente, ao aumento da renda nacional (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.).

Gráfico 1
CONSUMO DE CIMENTO NO BRASIL – 1950-2011 (EM MIL TONELADAS)

Atualmente, existem seis grupos cimenteiros de grande porte atuando no Brasil: Votorantim, João Santos, InterCement, Cimpor, Lafarge e Holcim. Esses grupos controlam aproximadamente 80% da produção nacional, todos operando por meio de mais de uma fábrica. Todos os grupos citados atuam no país há mais de 30 anos (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). A Votorantim é a principal empresa brasileira, com capacidade produtiva estimada de 74 milhões de toneladas por ano de cimento e responsável por aproximadamente 40% da produção total do mercado nacional. A Votorantim atua em todas as cinco regiões brasileiras (BNDES, 2014Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (2014). Relatórios internos setoriais.). Ela e a InterCement se consolidaram como os únicos produtores brasileiros que operam também fábricas de cimento no exterior (Snic, 2014Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (2014). Relatório anual da indústria do cimento - relação de fábricas de cimento por região brasileira. Rio de Janeiro: Snic.). Já a InterCement, que detém quase 10% do mercado nacional, atua principalmente na Região Sudeste e de forma menos relevante no Centro-Oeste e Nordeste. O Grupo João Santos, que possui também quase 10% do mercado nacional, construiu sua marca principalmente nas Regiões Nordeste e Norte, embora atue, de forma discreta, no Sudeste. A Cimpor possui atuação relevante no Nordeste, Sul e Centro-Oeste, e a Lafarge atua com mais força no Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A Holcim atua exclusivamente na Região Sudeste (Snic, 2014). O Gráfico 2 mostra a distribuição percentual aproximada da produção para cada uma dessas empresas no Brasil, no ano de 2012.

Gráfico 2
PARTICIPAÇÃO DAS PRINCIPAIS EMPRESAS NO MERCADO DE CIMENTO NACIONAL (2012)

4 METODOLOGIA

Para compreender quais são alguns dos fatores que mais significativamente impactaram a decisão de entrada de firmas em novas regiões no mercado de cimento brasileiro, no período de 2003 a 2012, e explorar possíveis causas para as firmas incumbentes dessas regiões terem optado por acomodar essas novas entradas, realizaremos, no presente estudo, uma análise empírica, utilizando dados do mercado de cimento nacional no período em questão, por região brasileira. Os principais dados utilizados foram obtidos nos sítios da Cbic e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A análise teve início em 2003 por causa da indisponibilidade de alguns dados antes desse ano.

As principais condições consideradas que podem afetar as decisões de entrada foram o consumo de cimento e o crescimento do consumo. O consumo de cimento regional já foi utilizado em estudos anteriores sobre a indústria de cimento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.), além de ter sido demonstrado por Justman (1994Justman, M. (1994). The effect of local demand on industry location. The Review of Economics and Statistics, 76(4), 742-753.) como possuindo efeitos significativos na decisão de localização de uma firma. O consumo é uma proxy para o potencial de retorno de curto prazo da entrada de uma firma, enquanto o crescimento do consumo representa o potencial de retorno de longo prazo. Espera-se que quanto maior o consumo e maior o crescimento do consumo, maior a probabilidade de entrada de uma nova firma na indústria de cimento.

Também foi considerado o custo do transporte, citado por vários autores como variável essencial no custo de produção e no volume transacionado de cimento (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.; McBride, 1983McBride, M. E. (1983). Spatial competition and vertical integration: cement and concrete revisited. The American Economic Review, 73(5), 1011-1022.). Há a expectativa de que um custo elevado de transporte reduza a probabilidade de entrada.

O grau de concentração do mercado também é reconhecido como determinante na decisão de entrada de qualquer empresa em qualquer mercado (Zeidan & Resende, 2009Zeidan, R., & Resende, M. (2009). Measuring market conduct in the Brazilian cement industry: a dynamic econometric investigation. Review of Industrial Organization, 34(3), 231-244.; Mankiw, 2015Mankiw, N. (2015). Principles of microeconomics (7th ed.). Stanford: Cengage Learning.). No presente trabalho, o grau de concentração de mercado é mensurado pelo número de empresas atuantes por região ou número de fábricas. A capacidade instalada seria uma outra forma de mensurar concentração de mercado. Não foi utilizada por causa da indisponibilidade dos dados. O grau de concentração de mercado mede o grau de facilidade que uma entrante espera encontrar para competir em uma determinada região. Espera-se que quanto maior for o grau de concentração (ou menor o número de firmas atuantes em uma região ou número de fábricas), mais difícil será uma nova empresa entrar no mercado. Uma alta concentração de mercado é normalmente caracterizada pela presença de empresas incumbentes poderosas, que operam em larga escala, capazes de erguer barreiras à entrada para que possam manter suas posições privilegiadas.

Existem ainda fatores peculiares de cada região brasileira que podem interferir nas decisões de entrada de empresas de cimento, como disponibilidade de reservas de calcário na região, rigor na legislação ambiental, políticas públicas locais, nível de industrialização, além de outras características locais que foram capturadas, no presente trabalho, por variáveis dummies regionais (Salvo, 2010Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350.; Miller & Osborne, 2014Miller, N. H., & Osborne, M. (2014). Spatial differentiation and price discrimination in the cement industry: evidence from a structural model. Rand Journal of Economics, 45(2), 221-489.).

A análise do comportamento das incumbentes é composta de duas partes. Na primeira parte, desenvolve-se uma análise empírica das decisões de expansão das incumbentes. Essa expansão será medida pelo número de fábricas novas de empresas incumbentes. A análise das condições que impactam as decisões de expansão das incumbentes podem nos ajudar a compreender melhor as estratégias dessas empresas. É possível, por exemplo, que uma incumbente que esteja almejando expandir em uma determinada região brasileira, distinta daquela onde está sofrendo pressões de entrada, opte por não criar barreiras à entrada na segunda região, em detrimento do seu foco de expansão na primeira região. Entretanto, esta última inferência é apenas especulativa, não podendo ser comprovada somente pela análise empírica. Como uma segunda análise complementar a essa primeira, serão realizadas discussões de casos para algumas das principais empresas incumbentes.

Como a decisão de entrada de uma empresa não é muito diferente da decisão de expansão de uma empresa incumbente, as mesmas condições consideradas como fatores relevantes para as decisões de entrada também foram consideradas como fatores relevantes para as decisões de expansão das incumbentes. É hipótese dos autores que os mesmos fatores escolhidos como possíveis candidatos a impactar a decisão de entrada de firmas em novas regiões são os mesmos que irão impactar as decisões das incumbentes. Dessa forma, as principais hipóteses de pesquisa testadas na análise empírica do presente trabalho encontram-se resumidas no Quadro 1.

QUADRO 1
PRINCIPAIS HIPÓTESES DE PESQUISA

Para testar as hipóteses de pesquisa descritas no Quadro 1, utilizou-se o modelo logit. Esse modelo estima a probabilidade de ocorrência de um evento, uma variável dependente binária, que pode ser a decisão de entrar ou não em uma determinada região brasileira, em um determinado período, ou a decisão de expandir ou não em uma determinada região brasileira, em um determinado período. Para estimar essa probabilidade, assim como em um modelo de regressão tradicional, consideram-se variáveis independentes que se acredita explicam o comportamento da variável dependente binária. As variáveis independentes consideradas foram nível de consumo, taxa de crescimento do consumo, nível de concentração de mercado (inicialmente mensurado pelo número de empresas atuantes), custo de transporte e variáveis dummies regionais que capturam as peculiaridades de cada região (Fávero, Belfione, Silva, & Chan, 2009Fávero, L., Belfione, P., Silva, F., & Chan, B. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para a tomada de decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.). A Equação (1) descreve o modelo que estima a probabilidade de entrada na região i, período t, pit:

em que Cit-1 é o nível de consumo para a região i no período anterior à decisão de entrada; Tit, o custo do transporte na região i, no mesmo período de decisão da entrada; Nit-1, o número de firmas atuantes na região i, no período anterior à decisão de entrada (medida de concentração de mercado); e Di, as dummies regionais.

O custo de transporte é mensurado pelo preço do diesel, por região e ano divulgado pela ANP. Já o nível de concentração de mercado será posteriormente mensurado pelo número de fábricas na região i, no período anterior à decisão de entrada, NPit-1, em vez do número de firmas atuantes.

Nota-se que, com base na hipótese H1, tanto o consumo quanto a taxa de expansão ou crescimento do consumo deveriam afetar significativamente a probabilidade de entrada. Entretanto, por causa do alto grau de correlação entre essas duas variáveis, a inclusão de ambas no modelo acarretaria o problema comum em regressões conhecido como multicolinearidade, que ocorre quando as variáveis independentes têm relações lineares exatas ou aproximadamente exatas. Em uma regressão, a principal consequência da multicolinearidade é a elevação do erro padrão, no caso de multicolinearidade moderada ou severa, ou até mesmo a impossibilidade de qualquer estimação, se a multicolinearidade for perfeita. Por causa da elevação do erro padrão, os testes estatísticos comumente usados para testar a significância individual de cada parâmetro do modelo (teste T) não são confiáveis (Fávero et al., 2009Fávero, L., Belfione, P., Silva, F., & Chan, B. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para a tomada de decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.). Dessa forma, para evitar esse problema, inclui-se na Equação (1) apenas o nível de consumo, pois se acredita que, para a decisão de entrada, o nível de consumo é mais importante do que a taxa de crescimento do consumo.

A Equação (2) descreve um modelo, similar ao da Equação (1), que se destina a estimar a probabilidade de expansão por uma empresa incumbente na região i, período t, p'it:

em que ∆Cit-1 é a taxa de crescimento de consumo para a região i no período anterior à decisão de expansão; NPit-1, o número total de fábricas na região i, no período anterior à decisão de expansão; e as demais variáveis são similares às utilizadas na Equação (1).

Note que uma expansão é caracterizada por uma abertura de nova fábrica por uma firma incumbente em uma determinada região e período que não se caracteriza como entrada nessa região. Mais uma vez, nota-se que, segundo a hipótese H1, tanto o consumo quanto a taxa de expansão ou crescimento do con-sumo deveriam afetar significativamente a probabilidade de expansão. Entretanto, por causa do alto grau de correlação entre essas duas variáveis, a inclusão de ambas no modelo acarretaria o problema de multicolinearidade discutido aqui. Dessa forma, para evitar esse problema, inclui-se na Equação (2) apenas a taxa de crescimento do consumo, pois se acredita que, para a decisão de expansão, diferentemente da decisão de entrada, a taxa de crescimento do consumo é mais importante do que o nível de consumo.

Para estimar as equações (1) e (2), faz-se necessário, primeiramente, classificar as empresas como entrantes ou incumbentes. Classificou-se uma empresa como entrante em uma determinada região, no período em que ela atuou pela primeira vez na região. Portanto, uma empresa foi considerada entrante tanto no caso de novas empresas que despontaram pela primeira vez no mercado nacional, no período entre 2003 e 2012, quanto no caso de empresas incumbentes já existentes, que já atuavam em outras regiões, mas passaram a atuar pela primeira vez em uma nova região, no período analisado. Essa classificação baseia-se na teoria da competição espacial de McBride (1983)McBride, M. E. (1983). Spatial competition and vertical integration: cement and concrete revisited. The American Economic Review, 73(5), 1011-1022. e na teoria do efeito gravitacional de Salvo (2010)Salvo, A. (2010). Inferring market power under the threat of entry: the case of the Brazilian cement industry. Rand Journal of Economics, 41(2), 326-350., que postulam que os produtores de cimento atendem, majoritariamente, à demanda das localidades onde estão instalados. Portanto, se uma região não era atendida por um determinado produtor e passou a ser, este pode ser considerado um entrante naquela região. Para essa classificação, utilizaram-se dados do Snic. O Snic publica, em seu sítio, um histórico da inauguração de cada fábrica de cimento existente no Brasil, identificando a empresa à qual pertence e o Estado onde foi construída.

As principais empresas entrantes no mercado nacional das quais se obtiveram dados entre 2003 e 2012 foram: Mizu (instalada no Espírito Santo, em 2003), SP Cimentos (instalada em São Paulo, em 2006), Supremo (instalada em Santa Catarina, em 2007), CSN Cimentos (instalada no Rio de Janeiro, em 2009), Apodi (instalada no Ceará, em 2011) e Brennand, que fixou as atividades em Minas Gerais, em 2011 (Snic, 2014). Entre os casos em que empresas incumbentes podem ser consideradas entrantes, estão as entradas da InterCement no Nordeste, em 2006, da Votorantim no Norte, em 2007, e da Lafarge no Nordeste, em 2008. Tais entradas encontram-se resumidas nas duas primeiras colunas do Quadro 2.

QUADRO 2
ENTRADAS E EXPANSÕES DE INCUMBENTES POR ANO E REGIÃO

Para as demais empresas caracterizadas como incumbentes, detectou-se o número de expansões com base nesses mesmos dados. O número de fábricas novas de empresas incumbentes foi medido por meio da identificação, entre 2003 e 2012, das fábricas inauguradas de empresas incumbentes em regiões onde elas já atuavam. Verifica-se, no Quadro 2, que esse número, no período analisado, é muito superior nas Regiões Nordeste e Sudeste. É importante notar ainda que, embora não tenham ocorrido saídas do mercado entre 2003 e 2012, ocorreu, em 2013, a venda da participação da Votorantim na Cimpor à InterCement. Parte do pagamento foi feita pela cessão de ativos produtivos da Cimpor à Votorantim em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Além das hipóteses descritas no Quadro 1 que serão testadas empiricamente por meio das equações (1) e (2), mostraremos, pela discussão de casos de três empresas do setor, que as incumbentes procuram se expandir para locais com menor grau de saturação de mercado, com maior histórico de crescimento do consumo, mesmo que o nível de consumo presente não seja tão elevado, e, por isso, possivelmente não impedem a entrada de novas empresas nos mercados com maior nível de consumo e menor potencial de crescimento.

4.1 ANÁLISE DOS DADOS

As tabelas 2 e 3 apresentam as principais estatísticas de consumo e crescimento de consumo por região, entre 2003 e 2012. Verifica-se que a maior média de consumo encontra-se na Região Sudeste, seguida pelas Regiões Nordeste e Sul. Já o maior coeficiente de variação do consumo, obtido pela divisão do desvio padrão do consumo por região pela respectiva média, está no Nordeste, seguido pelo Norte e Centro-Oeste. Portanto, apesar de a Região Norte exibir a menor média de consumo, ela apresenta uma das maiores variações desse consumo ao longo do tempo, enquanto o oposto ocorre na Região Sudeste. Na Tabela 3, verifica-se que a menor taxa de crescimento médio do consumo está na Região Sudeste, o que é coerente com a menor variação do consumo ao longo do tempo encontrada na Tabela 2, enquanto os maiores crescimentos de consumo encontram-se nas Regiões Norte e Nordeste.

TABELA 2
PRINCIPAIS ESTATÍSTICAS DE CONSUMO DE CIMENTO – 2003-2012 (EM MIL REAIS)
TABELA 3
PRINCIPAIS ESTATÍSTICAS DE CRESCIMENTO DO CONSUMO – 2003-2012

Finalmente, na Tabela 5, verifica-se que a média do número de empresas presentes no mercado é bem superior na Região Sudeste, seguida pelas Regiões Nordeste e Centro-Oeste. Verifica-se também que o maior crescimento proporcional de empresas ocorreu nas Regiões Nordeste e Norte, enquanto o Sul e Sudeste apresentaram crescimentos bem inferiores, e o Centro-Oeste não alterou o número de empresas no período analisado. A mesma ordem também pode ser verificada na variabilidade do número de empresas por região, representada pelo coeficiente de variação.

TABELA 4
PRINCIPAIS ESTATÍSTICAS DO PREÇO DO DIESEL – 2003-2012 (EM US$/TONELADA)
TABELA 5
NÚMERO DE EMPRESAS POR REGIÃO – 2003-2012

Portanto, considerando apenas a análise dos dados, a Região Sudeste, por apresentar o maior consumo, o menor custo de transporte e a menor concentração de mercado, deveria ser a região mais atrativa para novos entrantes. Ao verificarmos no Quadro 2 a região que recebeu o maior número de entrantes, constatamos que é realmente a Região Sudeste. Já o Norte e Centro-Oeste apresentam o menor consumo, o maior custo de transporte e elevadas concentrações de mercado, quadro que deveria desestimular a entrada de novas firmas. Ao verificarmos no Quadro 2 as regiões que receberam o menor número de entrantes, constatamos que foram como esperado as Regiões Norte e Centro-Oeste.

5 RESULTADOS

A Tabela 6 mostra as correlações entre as principais variáveis analisadas que podem influenciar as decisões das entrantes. Para o cálculo dessas correlações, são utilizadas 50 observações provenientes das cinco regiões e dez anos de dados por região. Dessas 50 observações, existem nove entradas entre novas empresas que despontaram pela primeira vez no mercado nacional, no período entre 2003 e 2012 (seis), e empresas incumbentes já existentes, que já atuavam em outras regiões, mas passaram a atuar pela primeira vez em uma nova região no período analisado (três), conforme Quadro 2. Nesta análise, consideraram-se 16 empresas (Votorantim, João Santos, InterCement, Cimpor, Lafarge, Holcim, Mizu, SP Cimentos, Supremo, CSN Cimentos, Apodi, Brennand, Ciplan, Itambé, Soeicom e CP Cimentos) distribuídas ao longo das cinco regiões brasileiras, conforme mostra a Tabela 5. Nota-se que o número máximo de empresas presentes em uma mesma região é 12 no Sudeste.

TABELA 6
CORRELAÇÕES ENTRE AS PRINCIPAIS VARIÁVEIS

Verifica-se que a correlação é mais elevada e positiva entre as variáveis con-sumo e número total de entrantes, e entre total de empresas e o número total de entrantes. A intuição para uma correlação positiva entre consumo e número total de entrantes é clara. Um maior consumo implica um maior mercado potencial para o entrante, incentivando a entrada. Já a correlação positiva entre número total de empresas e o número total de entrantes possui uma intuição mais sutil. Em regiões onde existe um maior número de empresas concorrentes, há uma percepção das entrantes de uma maior facilidade em competir e de uma menor probabilidade de retaliação por parte das incumbentes. Já a correlação entre o preço do diesel e o número total de entrantes é baixa, ao contrário do esperado. Esses resultados sinalizam que o consumo e o número total de concorrentes no mercado são os fatores que mais influenciam a decisão de entrada, enquanto o preço do diesel, ou seja, o custo de transporte, não parece ser um fator significativo.

Os resultados das estimações propostas na Equação (1) confirmam os resultados preliminares das correlações. A Tabela 7 mostra que, considerando um nível de significância de 5%, o consumo do período anterior apresentou um impacto positivo e significativo no número total de empresas entrantes. O total de empresas do período anterior também apresentou um impacto positivo e significativo no número total de empresas entrantes. Já o preço do diesel se mostrou significativo apenas em um nível de significância de 10%. Quanto às dummies regionais, nota-se que elas são significativas para as Regiões Nordeste e Sudeste. Portanto, o consumo, o número total de concorrentes, o preço do diesel e algumas dummies regionais são as condições que mais influenciam as decisões de entrada. No caso do modelo logit, existem várias formas de medir o poder explicativo dele. Como existe um longo debate sobre qual pseudo R2 deve ser reportado, optou-se por reportar o percentual de acerto global do modelo, que é 84,4%, segundo tabela de classificação. A tabela de classificação é uma forma de visualizar quanto o modelo classifica corretamente os eventos, com base em um ponto de corte (Fávero et al., 2009Fávero, L., Belfione, P., Silva, F., & Chan, B. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para a tomada de decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.). Adicionalmente, uma análise semelhante à proposta na Equação (1) foi realizada apenas substituindo o total de empresas do período anterior pelo total de fábricas do período anterior. Os resultados são semelhantes, exceto o consumo do período anterior que passou a apresentar um impacto significativo apenas utilizando um nível de significância de 10% (p-valor = 0,07) e o preço do diesel que passou a ser insignificante. Por fim, nota-se ainda o baixo número de observações utilizadas em ambas as regressões, o que é uma importante limitação da presente análise.

TABELA 7
RESULTADOS DA REGRESSÃO LOGIT PARA PROBABILIDADE DE ENTRADA

Já os resultados das estimações propostas na Equação (2), que pretendem explicar as decisões de expansão das incumbentes utilizando a taxa de crescimento do consumo referente ao período anterior à decisão de expansão, não são significativos. Entretanto, se a Equação (2) for modificada para considerar o crescimento do consumo no período anterior e o consumo do período anterior, um teste F comprovará a significância conjunta do consumo e crescimento do consumo, afetando as decisões de expansão das incumbentes em um nível de significância de 5% (p-valor = 0,0347). Portanto, há indícios de que tanto o con-sumo quanto o crescimento do consumo afetam as decisões de expansão dos incumbentes. Mas, por causa da multicolinearidade entre essas duas variáveis, não conseguimos mensurar seus impactos isolados quando incluímos ambas em uma mesma especificação.

Por fim, se a Equação (2) for modificada para considerar apenas o consumo do período anterior em vez do crescimento do consumo, os resultados obtidos serão similares aos da regressão para a decisão das entrantes. A Tabela 8 mostra que, em um nível de significância de 5%, o consumo do período anterior apresentou um impacto positivo e significativo na decisão de expansão das incumbentes. O total de fábricas do período anterior também apresentou um impacto positivo e significativo na decisão de expansão das incumbentes. Já o preço do diesel mostrou-se insignificante. Quanto às dummies regionais, nota-se que somente uma é significativa para a Região Mordeste. Mais uma vez utilizando a tabela de classificação, constatou-se que o modelo tem um percentual de acerto global igual a 97,56%.

TABELA 8
RESULTADOS DA REGRESSÃO LOGIT PARA PROBABILIDADE DE EXPANSÃO DAS INCUMBENTES

Nota-se ainda que o número de observações dessa regressão (450) é dez vezes maior do que o número de observações utilizado para estimar a Equação

(1) descrita na Tabela 7 (45 observações). Na estimação apresentada na Tabela 7, a variável dependente representa se houve ou não entrada de uma nova empresa em relação ao ano anterior por ano e região. Como são cinco regiões e dez anos de dados, temos inicialmente 50 observações e perdemos uma observação por região referente ao primeiro ano. Já na estimação apresentada na Tabela 8, a variável dependente representa se houve a criação ou não de uma nova fábrica por uma empresa incumbente em uma mesma região onde já atuava em relação ao ano anterior. Essa variável binária é calculada por empresa, ano e região. Como são cinco regiões, dez anos e dez empresas consideradas incumbentes para esta análise (que são todas as empresas existentes antes de 2003, independentemente se elas foram consideradas como entrantes ou não em uma nova região), temos inicialmente 500 observações e perdemos uma observação por empresa e região referente ao primeiro ano.

Realizou-se uma análise adicional semelhante à proposta na Equação (2). Nessa análise, consideraram-se apenas o consumo do período anterior e o total de empresas do período anterior, no lugar do total de fábricas do período anterior. Os resultados são semelhantes, exceto as dummies regionais. Nesse novo modelo, as dummies referentes às Regiões Norte e Sul passam a ser as significativas.

Conclui-se, portanto, que a hipótese H1, de que o consumo era uma das condições mais importantes para explicar a probabilidade de entrada e expansão das incumbentes, não foi rejeitada. A hipótese H2, de que uma menor concentração de mercado (aqui mensurada pelo número total de empresas ou fábricas presentes no mercado no período anterior) estimula a entrada e expansão das incumbentes, também não foi rejeitada. Já a hipótese H3, de que o custo elevado de transporte reduz a probabilidade de entrada e pode também afetar negativamente a decisão de expansão das incumbentes, foi parcialmente rejeitada, pois

o custo de transporte parece, para algumas especificações, afetar a probabilidade de entrada. Por fim a hipótese H4, de que as peculiaridades de cada região afetam o contexto da competição espacial e possuem impactos significativos nas decisões de entrada e expansão das incumbentes, também não foi rejeitada parcialmente, já que algumas das dummies regionais apresentaram-se significativas nas regressões.

Os resultados das estimativas da Equação (2), apesar de elucidarem alguns aspectos significativos para as decisões de expansão das incumbentes, não são capazes de explicar as estratégias de reação das incumbentes à entrada de empresas. Para complementar esses resultados, analisaremos separadamente o caso de três das principais empresas incumbentes, incluindo o caso da maior empresa de cimentos do Brasil, a Votorantim.

A Votorantim inaugurou, entre 2003 e 2012, na Região Sudeste, apenas uma fábrica, no Rio de Janeiro. Por sua vez, a Região Sudeste, que possuía oito empresas cimenteiras até 2003, presenciou a entrada de quatro empresas no período analisado, o maior número de entrantes entre as cinco regiões. No mesmo período em que a Votorantim se expandiu de maneira discreta no Sudeste, ela inaugurou três fábricas novas na Região Norte, onde até então não atuava e só havia uma empresa cimenteira. A Votorantim também inaugurou três fábricas novas na Região Nordeste, onde já atuava com outras duas empresas cimenteiras, duas fábricas na Região Sul, onde também já atuava com outras duas empresas cimenteiras, e duas fábricas na Região Centro-Oeste, onde também já atuava com outras três cimenteiras. Ou seja, parece que a Votorantim priorizou a inauguração de fábricas em outras regiões que não a Região Sudeste, apesar de esta ser a região com maior consumo médio. Considerando ainda que a menor taxa de crescimento do consumo, 4%, foi no Sudeste, é possível intuir que a Votorantim priorizou a inauguração de fábricas onde houve maior crescimento do consumo, em detrimento de maior consumo presente. Ao focar os esforços e recursos em tentar aumentar o seu posicionamento nas regiões com potencial de crescimento de consumo mais significativos, a Votorantim, por sua vez, abriu espaço para entrantes na Região Sudeste, onde havia muitos concorrentes e seu potencial de ganho de participação de mercado era menor, e o crescimento do consumo foi mais discreto no período analisado.

Essa discussão de caso da Votorantim nos permite especular que algumas empresas incumbentes, munidas de escala e infraestrutura, optam por se posicionar ou aumentar sua participação em regiões que, apesar de possuírem um nível de consumo presente menos expressivo que o do Sudeste, apresentam um grande potencial de crescimento de consumo. Como exemplos similares ao da Votorantim, há os casos das empresas Lafarge e João Santos. Essas duas empresas se expandiram no Nordeste entre 2003 e 2012. Cada empresa inaugurou uma fábrica naquela região. A Lafarge, a empresa que atuava unicamente no Sudeste, passou a atuar no mercado nordestino ao adquirir a fábrica na Bahia da Votorantim Cimentos, em 2008. Já a João Santos, que, além das Regiões Norte e Nordeste, atuava no Sudeste, inaugurou uma nova fábrica na Bahia, em 2004. Ou seja, as duas empresas realizaram 100% de suas expansões no Nordeste, que apresentou maior crescimento do consumo entre 2003 e 2012.

Apesar de os resultados empíricos demonstrarem que tanto consumo como o crescimento do consumo, além do nível de concentração do mercado e das peculiaridades regionais, são importantes fatores para explicar as decisões de expansão das incumbentes, apenas olhando para os resultados empíricos, não conseguimos concluir sobre as estratégias adotadas por essas empresas em relação aos entrantes. Entretanto, ao analisarmos unilateralmente as decisões de expansão de três incumbentes, vemos que existe um trade-off entre potencial de crescimento e tamanho do mercado consumidor corrente.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados empíricos apontam para as principais condições que explicam a entrada de novas firmas no mercado de cimento brasileiro, no período de 2003 a 2012, e as que mais significativamente explicam o comportamento das incumbentes nesse mesmo período. Empresas incumbentes parecem priorizar o aumento de sua produção para novas regiões, onde existe um maior potencial de crescimento de consumo, em detrimento da busca pelo aumento da produção em regiões onde já atuavam, onde o consumo corrente era grande, mas havia menos potencial de crescimento. Esse tipo de estratégia parece abrir espaço para entrada de novas empresas em algumas regiões brasileiras, onde a expansão não era prioridade das incumbentes, como a Região Sudeste. Já os entrantes possuem maiores incentivos de entrar nas regiões onde o consumo corrente é elevado e existe uma menor concentração de mercado, novamente como é o caso da Região Sudeste. Quando se controlam os fatores mais significativos - consumo corrente, potencial de crescimento do consumo e nível de concentração de mercado (aqui mensurada pelo número total de empresas ou fábricas presentes no mercado no período anterior) -, o custo de transporte aparece insignificante nas decisões tanto dos entrantes como dos incumbentes. Por fim, como esperado, as características regionais, como volume de reservas de calcário, rigor da legislação ambiental, entre outras, também aparecem como fatores que significativamente influenciam as decisões de entrada e expansão das incumbentes, representados no presente estudo pelas dummies regionais. Este último resultado corrobora a existência da competição espacial na indústria cimenteira brasileira.

Algumas ressalvas devem ser feitas sobre essas conclusões. Em primeiro lugar, é importante destacar que existe um ponto de saturação no número ótimo de empresas no mercado que incentivam a entrada. À medida que o número de empresas se eleva acima de um valor crítico, o mercado se torna saturado, isto é, não há demanda residual disponível para um novo entrante. Nesse sentido, uma menor concentração de mercado incentiva a entrada de novas empresas até um determinado ponto. O mesmo raciocínio é válido para as decisões de expansão das incumbentes. Em segundo lugar, por causa do número reduzido de dados, limitam-se as conclusões obtidas, em especial no que tange às conclusões obtidas sobre o comportamento das entrantes.

Como sugestões para pesquisas futuras, seria interessante coletar dados mais desagregados por localidade e ao longo de um período maior de tempo que permitissem de forma mais completa compreender quais são as principais razões que levam as incumbentes a optar por não impedir a entrada de novas empresas cimenteiras em algumas regiões brasileiras. Seria interessante também diferenciar as entrantes com base em sua capacidade instalada, caso os dados estejam disponíveis. Outra sugestão de pesquisa futura é estudar outros mercados concentrados e verificar se eles também presenciaram a entrada de novas firmas e, em caso afirmativo, se as condições aqui encontradas como as principais para explicar o comportamento das entrantes e incumbentes se mantêm.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2014
  • Aceito
    14 Jun 2015
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