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Qual é a sobrevida na ressecção limitada do câncer de pulmão estadio I?

À BEIRA DO LEITO

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Qual é a sobrevida na ressecção limitada do câncer de pulmão estadio I?

Wanderley Marques Bernardo; Fabio Biscegli Jatene; Moacyr R. C. Nobre

A sobrevida após a ressecção limitada (ressecção em cunha ou segmentectomia) no câncer de pulmão, estadio I, é comparável à obtida na lobectomia? É aceitável a indicação de ressecção limitada numa situação clínica de reserva cardiopulmonar limítrofe. Mas, em outras situações, onde a lobectomia é o tratamento esperado ou indicado, o uso da ressecção limitada está bem estabelecido?

O único ensaio clínico controlado e randomizado (ECCR) publicado1,2, comparando a ressecção limitada e a lobectomia no câncer de pulmão, não pequenas células, estadio I, verificou um risco aumentado de recorrência locoregional no grupo da ressecção limitada. O índice de recorrência por pessoa/ano foi de 0,054 no grupo de ressecção limitada (0,040 – segmentectomia e 0,084 – ressecção em cunha) versus 0.019 no grupo de lobectomia (RR 2,84 – 95% IC:1.32 – 6,1). No entanto, apesar de maior recorrência local, não houve diferença nos índices de mortalidade em cinco anos, seja por câncer ou por todas as causas. E, quando a análise é realizada incluindo todos os pacientes randomizados, ao invés de só os seguidos, os índices de mortalidade, no grupo de ressecção limitada, caíram de 41% para 26% (geral), e de 47% para 28% (por câncer), perdendo significância estatística quando comparados aos índices do grupo da lobectomia.

Este ensaio tem duas limitações metodológicas que põem em risco as conclusões: elevada perda no seguimento de pacientes em ambos os grupos, e falta de clareza se os pacientes foram analisados segundo o tratamento recebido ou segundo o tratamento proposto (intenção de tratamento).

Após a publicação desse ensaio randomizado, algumas publicações revelam a prática mantida de ressecções limitadas nessa situação clínica3-5, com resultados controversos.

Em 2004 foi publicada Revisão Sistemática Cochrane6 que avaliou, entre outros aspectos, a lobectomia versus a ressecção limitada, e teve por base este único ensaio clínico. Esta revisão concluiu haver limitação, relacionada ao pequeno número de pacientes estudados, bem como em relação à metodologia desse estudo, que não permitem definir uma conduta cirúrgica, para o câncer de pulmão, não pequenas células, estadio I.

Uma nova revisão sistemática, com meta-análise, foi realizada recentemente7, incluindo estudos que compararam ressecção limitada e lobectomia, no tratamento do câncer de pulmão, não pequenas células, estadio I, tendo como desfecho mortalidade média de dois anos.

Nesse estudo, a base de dados pesquisada foi o MEDLINE, até agosto de 2004, utilizando as palavras-chaves: "lung cancer + limited resection", "lung cancer + wedge resection", "lung cancer + segmentectomy", "limited resection + lobectomy" e "survival".

Foram incluídos 14 estudos na meta-análise, com desenhos variando entre retrospectivos (12), ensaio clínico controlado (1) e ECCR (1).

Os estudos incluídos são extremamente heterogêneos, pois:

1) A porcentagem de carcinoma epidermóide em cada estudo variou de 39,7%8 a 90,5%4;

2) A porcentagem de homens em cada estudo variou de 50,6%4 a 100%8;

3) A porcentagem de carcinoma espinocelular em cada estudo mostrou forte associação com o sexo masculino;

4) As razões para a ressecção limitada variaram de estudo para estudo: função cardiopulmonar limitada (7); ressecção limitada intencional (4); parte do desenho de estudo (1) e não mencionada (2).

A ressecção limitada, que inclui a ressecção em cunha e a segmentectomia, foi realizada em 903 pacientes e a lobectomia em 1887. Os tipos histológicos incluídos foram 878 carcinomas epidermóides e 1617 não epidermóides. Quanto ao estadiamento, os pacientes se dividiam entre IA (T1N0M0) e IB (T2N0M0).

As diferenças entre as sobrevidas combinadas dos 14 estudos, de um, três e cinco anos, foram 0,7%; 1,9% e 3,6%, respectivamente. Combinando os resultados de 14 estudos, conclui-se que não há diferença estatisticamente significante entre a sobrevida dos pacientes tratados com lobectomia e a daqueles submetidos a ressecção limitada.

Essa meta-análise não está baseada em dados individuais dos pacientes. Não há como atualmente realizar uma meta-análise combinando resultados de ensaios clínicos controlados e randomizados, uma vez que se dispõe de apenas 1 ECCR avaliando o papel da ressecção limitada no tratamento do câncer de pulmão, não pequena células, estadio I.

A conclusão, ao se combinar estudos com desenhos distintos em uma meta-análise é controversa, podendo esta produzir desvios no resultado.

Há outros aspectos relevantes, relacionados às características individuais dos pacientes, que podem produzir erros de interpretação no peso dos resultados obtidos nos estudos:

1) Como a ressecção limitada tem sua indicação principal reservada a pacientes com limitação funcional grave, é de se esperar que a mortalidade global nessa modalidade terapêutica seja maior que na lobectomia, uma vez que à mortalidade pelo câncer de pulmão soma-se a mortalidade associada à doença cardiopulmonar3. Entretanto, se o prognóstico é avaliado exclusivamente pela mortalidade atribuída ao câncer, a sobrevida em pacientes de risco clínico é maior, à medida que a mortalidade pelo câncer é reduzida pela mortalidade decorrente de doenças cardiopulmonares, e, conseqüentemente, o bom prognóstico após a ressecção limitada poderá ser superestimado9,10;

2) A ressecção limitada geralmente é realizada para nódulos pequenos mais do que a lobectomia, o que também favorece índices melhores de sobrevida na ressecção limitada, já que o prognóstico de doentes estadio IA é melhor do daqueles com estadio IB;

3) Outro aspecto relevante é que, em estudos de segmentectomia4,11, a exclusão de casos com envolvimento linfático desta modalidade de tratamento define um grupo de pacientes diferente daquele tratado com ressecção limitada sem avaliação linfática intraoperatória;

4) Com relação ao desfecho – recidiva locoregional, a comparação entre um grupo lobectomizado e um grupo onde o lobo é mantido, é inadequada, à medida que sempre que houver uma recorrência ela será no grupo não lobectomizado;

5) O tipo histológico e o tamanho do tumor também podem influenciar nos resultados da ressecção limitada, uma vez que a sobrevida de cinco anos em adenocarcinomas até 2 cm (93,7%) pode ser melhor que aquela em pacientes com tumores maiores (24,8%), e também poderá ser melhor em adenocarcinomas bem diferenciados (81,2%) do que naqueles pouco diferenciados (30,7%)12.

Em conclusão, com base nestas evidências não podemos definir qual o melhor método terapêutico cirúrgico no tratamento do câncer de pulmão, não pequenas células, estadio I, com relação ao desfecho sobrevida em um, três ou cinco anos. Identificamos, entretanto, a necessidade do desenvolvimento de ensaio clínico controlado randomizado, que contemple os aspectos metodológicos de qualidade, já pré-estabelecidos e validados na pesquisa clínica13, bem como, através da análise por subgrupos, contemple as diversas formas de apresentação da doença, nos pacientes com câncer de pulmão, não pequenas células, estadio I.

Referências

1. Ginsberg R, Rubinstein L. Randomized trial of lobectomy versus limited resection for T1 N0 non-small cell lung cancer. Lung Cancer Study Group. Ann Thorac Surg 1995;60:615–22;discussion 622– 3.

2. Lederle F. Lobectomy versus limited resection in T1 N0 lung cancer. Ann Thorac Surg 1996;62:1249–50.

3. Kodama K, Doi O, Higashiyama M, Yokouchi H. Intentional limited resection for selected patients with T1 N0 M0 non-small-cell lung cancer: a single-institution study. J Thorac Cardiovasc Surg 1997;114:347–53.

4. Koike T, Yamato Y, Yoshiya K, Shimoyama T, Suzuki R. Intentional limited pulmonary resection for peripheral T1 N0 M0 small-sized lung cancer. J Thorac Cardiovasc Surg 2003;125:924–28.

5. Tsubota N, Ayabe K, Doi O, Mori T, Namikawa S, Taki T, et al. Ongoing prospective study of segmentectomy for small lung tumors. Study Group of Extended Segmentectomy for Small Lung Tumor. Ann Thorac Surg 1998; 66:1787 – 90.

6. Manser R, Wright G, Hart D, Byrnes G, Campbell DA. Surgery for early stage non-small cell lung cancer (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2; 2004. Chichester, UK: John Wiley and Sons, Ltd.

7. Nakamura H, Kawasaki N, Taguchi M, Kabasawa K. Survival following lobectomy vs limited resection for stage I lung cancer: a meta-analysis. Br J Cancer 2005;92: 1033–7.

8. Hoffmann T, Ransdell H. Comparison of lobectomy and wedge resection for carcinoma of the lung. J Thorac Cardiovasc Surg 1980;79:211–7.

9. Harpole D, Herndon J, Young W, Wolfe W, Sabiston D. Stage I nonsmall cell lung cancer. A multivariate analysis of treatment methods and patterns of recurrence. Cancer 1995;76:787–96.

10. Read R, Yoder G, Schaeffer R. Survival after conservative resection for T1 N0 M0 non-small cell lung cancer. Ann Thorac Surg 1990;49:391–8; discussion 399–400.

11. Okada M, Yoshikawa K, Hatta T, Tsubota N. Is segmentectomy with lymph node assessment an alternative to lobectomy for non-small cell lung cancer of 2 cm or smaller ? Ann Thorac Surg 2001;71:956–60, discussion 961.

12. Nakamura H, Saji H, Ogata A, Saijo T, Okada S, Kato H. Lung cancer patients showing pure ground-glass opacity on computed tomography are good candidates for wedge resection. Lung Cancer 2004;44:61–8.

13. Altman DG. Better reporting of randomised controlled trials: the CONSORT statement. BMJ 1996;313:570–1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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