Acessibilidade / Reportar erro

Suplementação com zinco no tratamento da anorexia nervosa

DIRETRIZES EM FOCO

Suplementação com zinco no tratamento da anorexia nervosa

Associação Brasileira de Nutrologia* * Autor para correspondência. E-mail: diretrizes@amb.org.br

Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira, São Paulo, SP, Brasil

Participantes

Livia Brassolatti Silveira, Bruna Melchior Silvia, Bruno de Oliveira Ribeiro, Karina Rocha Maciel, Larriane Barbieri Favero, Julio Sérgio Marchini, Renata Ferreira Buzzini

Elaboração final

22 de outubro de 2011

Descrição do método de coleta de evidência

Foram revisados artigos na base de dados Medline/Pubmed utilizando a estratégia de busca do PICO por meio dos descritores anorexia nervosa, zinco, sulfato de zinco, tratamento, prognóstico, terapia, com busca estruturada: ("Anorexia Nervosa"[Mesh] AND ("Zinc"[Mesh] OR "Zinc Sulfate"[Mesh]) AND ("Treatment Outcome"[Mesh]OR "Prognosis"[Mesh]OR "therapy" [Subheading])

Graus de recomendação e força evidência

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência

C: Relatos de casos (estudos não controlados)

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais

Objetivo

Esta diretriz tem por finalidade proporcionar aos profissionais da saúde uma visão sobre as recomendações nutricionais de zinco no tratamento de pacientes portadores de anorexia nervosa. O tratamento do paciente deve ser individualizado de acordo com a realidade e experiência de cada profissional, e das condições clínicas de cada paciente em particular.

Introdução

Zinco

O zinco é um componente essencial de metaloenzimas no organismoe exerce papel importante na regulação da transcrição gênica. Ele é absorvido no intestino delgado, armazenado em maior quantidade no fígado, próstata, pâncreas e sistema nervoso central, sendo excretado principalmente nas fezes, mas também na urina e no suor1(D).

As fontes ricas de zinco biodisponível são descritas na tabela 1.

Na tabela 2, pode-se verificar a recomendação de ingestão diária (RDA)3(D) e dose máxima (UL)4(D) de zinco.

A deficiência de zinco pode causar interrupçãodocrescimento em crianças, hipogeusia, alterações imunológicas e cegueira noturna, além de, em formas mais graves, causar hipogonadismo, nanismo e perdas olfatórias de origem neural1 (D).

Anorexia nervosa

A anorexia nervosa (AN) se caracteriza por perda de peso intensa e intencional pelo uso de dietas extremamente restritas com uma busca desenfreada pela magreza, uma distorção grosseira da imagem corporal e alterações do ciclo menstrual5,6(D). Estes transtornos alimentares são doenças que afetam particularmente adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, levando a marcantes prejuízos nutricionais, psicológicos, sociais e aumento de morbidade e mortalidade5(D).

Os critérios encontram-se esquematizados na tabela 3, comparativamente entre o DSMIV e o CID-106(D).

1. Há relação entre taxas de zinco no organismo e anorexia nervosa?

Estudos clínicos em pacientes portadores de AN mostram uma forte relação da doença com baixas taxas de zinco sérico e baixas taxas de excreção urinária de zinco, o que evidencia uma deficiência deste micronutriente nesses pacientes7(A)8,9(B).

Recomendação

Em pacientes com AN deve ser considerada a avaliação do zinco sérico, já que seus níveis podem estar baixos.

2. O grau de deficiência de zinco sérico tem influência sobre o quadro de anorexia nervosa?

A gravidade da deficiência de zinco tem relação com maiores déficits de peso e longos períodos de duração da doença, além de elevados níveis de depressão e ansiedade nos pacientes com AN7(A). Pode ser notada, também, uma semelhança entre sintomas decorrentes da AN com aqueles decorrentes da deficiência de zinco, como perda de peso, alterações de apetite e disfunções sexuais9(B).

Recomendação

A deficiência de zinco pode contribuir para intensificar o quadro de AN por agravar a perda de peso e aumentar o período de duração da mesma, assim como do processo de depressão.

3. Como o zinco pode influenciar o estado nutricional em pacientes com anorexia nervosa?

O zinco tem participação nos mecanismos de percepção do olfato e paladar, sendo que as regiões no sistema nervoso central e os receptores sensitivos que percebem e interpretam os prazeres da alimentação são muito ricas desse elemento10(D). A reduzida ingestão alimentar e a consequente má nutrição que marcam os pacientes com AN levam a tal deficiência8,9(B), somando-se a isso as dietas com baixo teor de zinco, os episódios purgativos e a absorção prejudicada do mesmo7(A)8(B).

Dessa forma, a deficiência adquirida de zinco pode contribuir para a cronicidade da alteração de comportamento alimentar, perpetuando o distúrbio maior8(B), o que acaba acarretando um círculo vicioso de deficiência do nutriente e perda do prazer de se alimentar, ligada ao prejuízo de olfato e paladar10(D).

Recomendação

O estado nutricional do paciente portador de AN pode ser diretamente influenciado pela deficiência de zinco por contribuir com a alteração do comportamento alimentar por meio do olfato e paladar.

4. É indicada a suplementação de zinco em pacientes com anorexia nervosa?

A suplementação oral com zinco, de forma adjuvante ao tratamento dietético e psicológico tradicionais, foi uma hipótese testada para o tratamento da AN, com base na coincidência de sintomas e sinais deste distúrbio com a deficiência de zinco, além das evidências bioquímicas de tal deficiência em pacientes anoréticos8(B).

Foi verificado, em estudo controlado, maior taxa de aumento do IMC em duas vezes, melhora dos neurotransmissores cerebrais, incluindo ácido gama-amino butírico (GABA) no grupo que recebeu suplementação de zinco, de forma adjuvante ao tratamento da doença11(A).

Recomendação

A suplementação de zinco deve ser incentivada no tratamento da AN.

5. Qual é o impacto da suplementação de zinco sobre o estado nutricional do paciente com anorexia nervosa?

O achado mais importante e mais frequente na suplementação oral com zinco foi o aumento no ganho de peso11,12(A)13,14(B)15(C)16(D) e o aumento do índice de massa muscular (IMM)11,12(A). O aumento no ganho de peso deve-se à melhora do apetite, paladar e aumento da ingesta alimentar, além da melhora da função pancreática exócrina e absorção intestinal15(C).

Recomendação

A suplementação de zinco pode promover o aumento da massa muscular e melhora do apetite em pacientes com AN.

6. Qual é o impacto da suplementação de zinco sobre o sistema nervoso no paciente com anorexia nervosa?

A suplementação com zinco reduz as evidências bioquímicas de deficiência de zinco, como as baixas concentrações de zinco sérico e urinário, aumentando suas taxas14(B).

Há evidências, ainda, de que a suplementação com zinco corrija anormalidades relacionadas a neurotransmissores, como o metabolismo de GABA e alterações na amígdala cerebral. Ambos geralmente aparecem alterados nos pacientes com anorexia nervosa, e relacionam-se à fisiopatologia da doença. Essa correção acaba por trazer benefícios clínicos para tais pacientes11(A).

Foi constatado que suplementação com zinco contribui também para a melhora dos níveis de depressão e ansiedade, que frequentemente aparecem elevados nos pacientes com AN7(A)16(D).

Recomendação

A suplementação de zinco pode evitar anomalias relacionadas aos neurotransmissores e reduzir os níveis de depressão e ansiedade.

7. Há contraindicação na suplementação de zinco em pacientes com anorexia nervosa?

A suplementação oral com zinco não evidenciou efeitos colaterais ou adversos significativos7,11,12,(A)14(B) além de sua baixa toxicidade nas doses recomendadas12(A)15(C)16(D).

Recomendação

Não há evidencias que comprovem efeitos colaterais impedindo a suplementação de zinco.

8. Qual é a dose para suplementação oral com zinco?

A determinação das doses para a suplementação oral com zinco ainda é bastante heterogênea e discordante.

Dentre essas diversas determinações, indica-se o uso via oral de:

•14 mg de zinco elementar11,12(A), ou

•15 mg de zinco elementar15(C), ou

•45 mg de zinco elementar13(B), ou

•50 mg de zinco elementar7(A), ou

•60 mg de zinco elementar, duas vezes ao dia1(D).

Indica-se o uso de 25 a 50 mg de zinco elementar, em três doses diárias17(D), e a administraçãooralde14mgde zinco elementar diariamente, por dois meses, em todos os pacientes com AN deve ser rotina11(A).

Recomendação

Preventivamente, devem ser administrados 15 mg de zinco elementar. Nos casos em que for demonstrada deficiência (métodos bioquímicos), a dose farmacológica deve variar entre 15 e 20 mg de zinco elementar por dia, por tempo mínimo de dois meses.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

  • 1. Russell RM. Deficiência e excesso de vitaminas e oligoelementos. Harrison Medicina Interna. 15. ed. McGraw-Hill Interamericana do Brasil; 2002.
  • 2
    Tabela brasileira de composição de alimentos/NEPA-UNICAMP.-T113 Versão II. 2. ed. Campinas, SP: NEPA-UNICAMP, 2006.
  • 3
    United States Department of Agriculture. Disponível em: http://www.iom.edu/Activities/Nutrition/SummaryDRIs/∼/media/Files/Activity%20 Files/Nutrition/DRIs/5_Summary%20Table%20Tables%201-4.pdf [acesso em 22/10/2011]
    » link
  • 4
    United States Department of Agriculture. Disponível em: http://fnic.nal.usda.gov/nal_display/index.php?info_center=4&tax_level=3&tax_subject=256&topic_id=1342&level3_id=5140 [acesso em 22/10/2011]
    » link
  • 5. Cordás TA. Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Rev Psiquiatr Clin. 2004;31:154-7.
  • 6. Claudino AM, Borges MB. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24:7-12.
  • 7. Katz RL, Keen CL, Litt IF, Hurley LS, Kellams-Harrison KM, Glader LJ. Zinc deficiency in anorexia nervosa. J Adolesc Health Care. 1987;8:400-6.
  • 8. Humphries L, Vivian B, Stuart M, McClain CJ. Zinc deficiency and eating disorders. J Clin Psychiatry. 1989;50:456-9.
  • 9. Lask B, Fosson A, Rolfe U, Thomas S. Zinc deficiency and childhood-onset anorexia nervosa. J Clin Psychiatry. 1993;54:63-6.
  • 10. Bourre JM. Effects of nutrients (in food) on the structure and function of the Nervous System: Update on dietary requirements for brain. Part 1: Micronutrients. J Nutr Health Aging. 2006;10:377-85.
  • 11. Birmingham CL, Gritzner S. How does zinc supplementation benefit Anorexia Nervosa? Eat Weight Disord. 2006;11:109-11.
  • 12. Birmingham CL, Goldner EM, Bakan R. Controlled trial of Zinc supplementation in anorexia Nervosa. Int J Eat Disord. 1994;15:251-5.
  • 13. Safai-Kutti S, Kutti J. Zinc supplementation in Anorexia Nervosa. Am J Clin Nutr. 1986;44:581-2.
  • 14. McClain CJ, Stuart MA, Vivian B, MacClain M, Talwalker R, Snelling L, et al. Zinc status before and after zinc supplementation of eating disorders patients. J Am Coll Nutr. 1992;11:694-700.
  • 15. Yamaguchi H, Arita Y, Hara Y, Kimura T, Nawata H. Anorexia Nervosa responding to Zinc supplementation: a case report. Gastroenterol Jpn. 1992;27:554-8.
  • 16. Su JC, Birmingham CL. Zinc supplementation in the treatment of Anorexia Nervosa. Eat Weight Disord. 2002;7:20-2.
  • 17. Zinc sulfate: drug information. Disponível em: http://www.uptodate.com/online/content/topic.do?topicKey=druglz/94951&selectedTitle=1%7E150&source=search_result [acesso em 25/07/2010]
  • *
    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2015
    • Data do Fascículo
      Ago 2013
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br