Acessibilidade / Reportar erro

Quais são os exames que podem relacionar a asfixia no parto e a paralisia cerebral?

À BEIRA DO LEITO

OBSTETRÍCIA

Quais são os exames que podem relacionar a asfixia no parto e a paralisia cerebral?

Apesar de a paralisia cerebral (PC) do recém-nascido, a mais grave entre as complicações do atendimento obstétrico, apresentar taxa global de incidência muito baixa, situando-se entre um a dois casos por 1000 NV (nascidos vivos) e, particularmente em recém-nascidos de termo atribuída à encefalopatia hipóxico-isquêmica (1:12.500 NV), sua ocorrência traz graves desdobramentos e, muitas vezes, incontornáveis transtornos aos profissionais envolvidos1. Portanto, o evento traz marcantes reveses, nada a obstar sua raridade.

Em virtude de, no conceito da sociedade em geral, incluindo a médica, o período considerado mais lesivo ao feto corresponder às três derradeiras horas do trabalho de parto, depreciando-se as intercorrências de todo o período gestacional prévio1, quase todo processo de culpabilidade recai, injustamente, sobre os ombros do obstetra. Entretanto, mesmo havendo a utilização de numerosos métodos de monitorização do estresse hipoxêmico fetal, seja no período intraparto ou no período anteparto, ainda inexiste consenso sobre a metodologia que deva ser empregada para o diagnóstico etiológico preciso desse grave desfecho pós-natal.

As questões envolvidas na investigação do dano cerebral no período neonatal abrangem o início do evento asfíxico, suas causas e o momento em que houve a injúria cerebral1-3. Entre os métodos utilizados para o esclarecimento, destacam-se: a cardiotocografia, a medida do pH sangüíneo da artéria umbilical imediatamente após o nascimento, a contagem das hemácias nucleadas, a contagem das plaquetas, o estudo da disfunção de órgãos no período neonatal (sistema nervoso central, fígado, rins)1,2. Por infortúnio, nenhum dos métodos disponíveis é de absoluta segurança para garantir evolução neurológica favorável ou, de forma inversa, prognosticar, de maneira irretorquível, comprometimento neurológico neonatal. Para o incremento da complexidade deve-se, ainda, acrescentar que existem outros fatores de difícil avaliação que são os déficits metabólicos congênitos e as infecções oligossintomáticas1,3 que, incólumes ao diagnóstico anteparto, podem comprometer neurologicamente o concepto, fato percebido apenas após o nascimento.

Para a identificação do início da lesão neurológica, a Childbirth Injury Prevention Foundation sugere a monitoração da freqüência cardíaca fetal e dos movimentos fetais no período antenatal e no período pós-natal, a contagem das hemácias nucleadas e o seu clearance, contagem de plaquetas, início das convulsões, disfunções orgânicas e a localização da lesão cerebral. Enquanto isso, para o diagnóstico da asfixia intraparto, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) define os seguintes critérios: pH<7 (sangue de artéria umbilical no nascimento), Apgar<3 por mais de cinco minutos, seqüela neurológica neonatal e disfunção múltipla de órgãos.

Em virtude desse critério, denominado ACOG 163 criteria, não detectar muitos dos RN com injúrias neurológicas, a Internacional Consensus Criteria (ICC) definiu critérios essenciais (p<7 e déficit de bases>12 mM/L; início precoce da encefalopatia em RN>34 semanas; paralisia cerebral) e critérios não essenciais (eventos hipoxêmicos sentinelas imediatamente antes do parto ou intraparto; alterações na cardiotocografia; Apgar de 0 a 6 por mais de 5 minutos; evidência de envolvimento multissistêmico precoce; imagem precoce de edema cerebral).

Mesmo com o acréscimo de parâmetros avaliados, a atribuição da paralisia cerebral à asfixia intraparto permaneceu inadequada. Em função disso, o Neonatal Encephalophaty Committee Opinion (2003) acrescenta aos critérios da ACOG e do ICC um quinto critério (incluído entre aqueles que compõem os essenciais) que é: exclusão de outros fatores identificáveis como o trauma, coagulopatias, infecções e doenças genéticas1. Com isso, embora tenha havido aprimoramento metodológico para a compreensão dos aspectos fisiopatológicos da asfixia neonatal, admite-se que, mesmo com esse novo approach, as técnicas de abordagem do problema permanecem irresolutas.

Contudo, fica muito evidente a importância da vigilância cuidadosa da vitalidade fetal no período anteparto e no intraparto, e a monitorização das condições hematológicas e bioquímicas neonatais, se houver evidências de déficit de oxigenação no nascimento.

Não obstante ainda carecerem de precisão absoluta, esses procedimentos são fundamentais para a orientação dos profissionais envolvidos quanto ao timing e à gravidade dos insultos asfíxicos. Por outro lado, a aplicação de critérios com maior acurácia é de suma importância para o diagnóstico de outras causas importantes de injúrias neurológicas graves do recém-nascido.

Seizo Miyadahira

Rossana Pulcineli Vieira Francisco

Marcelo Zugaib

Referências

1. Phelan JP, Martin GI, Korst, LM. Birth asphyxia and cerebral palsy. Clin Perinatol 2005;32:61-76.

2. Scher NA, Petterson EB, Ellenberg JH, Grether JK, Haan E, Reddihough DS, et al. The risk of mortality or cerebral palsy in twins: a collaborative population-based study. Pediatr Res 2002;52:671-81.

3. Willoughby RE, Nelson KB. Chorioamnionitis and brain injury. Clin Perinatol 2002;29:603-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br