Acessibilidade / Reportar erro

Assistência pré-natal parte II

DIRETRIZES EM FOCO

Assistência pré-natal parte II

Autoria: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

Participantes: Victor Hugo de Melo; Suzana Maria Pires do Rio

Descrição do método de coleta de evidência:

Revisão bibliográfica de artigos científicos. Os artigos foram selecionados após criteriosa avaliação crítica da força de evidência científica.

Graus de recomendação e força de evidência:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Prescrições para as queixas mais freqüentes

Poucos medicamentos confirmaram sua segurança para uso durante a gestação, particularmente durante o primeiro trimestre. O risco associado a determinado medicamento deve ser avaliado com base na necessidade da paciente, considerando os benefícios maternos e os prováveis riscos fetais. Sempre deve ser utilizada a menor dose do medicamento1(D).

A suplementação de cloreto de sódio (OR-0,54; IC a 95%: 0,23-1,29), ou cálcio (OR-1,23; IC a 95%: 0,47-3,27) ou vitaminas e sais minerais (OR-0,23; IC a 95%: 0,05-1,01) não foram efetivas para reduzir cãibras na gravidez. Entretanto, o lactato ou citrato de magnésio, em doses de 5mmol pela manhã e 10mmol à noite, mostrou redução significante das cãibras (OR-0,18; IC a 95%: 0,05- 0,60)2(A).

Antieméticos (anti-histamínicos, doxilamina com piridoxina, vitamina B6 e gengibre) reduzem a freqüência de náuseas no início da gravidez (OR-0,16; IC a 95%: 0,08-0,33). Dentre os tratamentos mais recentes, a piridoxina (vitamina B6) parece ser a mais efetiva (WMD ¯0,99; IC a 95%: ¯1,47 ¯0,51) na redução da intensidade da náusea (10 a 25mg três vezes ao dia). A administração de gengibre em cápsulas (250mg quatro vezes ao dia) também foi eficiente para reduzir náuseas e vômitos (OR-0,31; IC a 95%: 0,12-0,85). Nenhum tratamento para a hiperemese gravídica demonstrou benefício evidente. Os benefício e limitações do emprego da acupuntura para controle da hiperemese encontram-se na diretriz AMB/CFM- Acupuntura na Prevenção e Tratamento da Naúsea e Vômitos. Não foi evidenciado teratogenicidade em nenhum dos tratamentos instituídos3(A).

Exercícios aquáticos, realizados a partir de 20 semanas de gestação, reduzem significativamente a lombalgia e o absenteísmo (OR-0,38; IC a 95%: 0,16-0,88). Sessões de fisioterapia de grupo (50 minutos) parecem ser menos eficientes para reduzir a lombalgia do que sessões individuais de acupuntura (10 a 30 minutos) (OR-6,6; IC a 95%: 1,0-43,2)4(A).

Consultas

A redução no número tradicional de consultas de pré-natal não se associou a resultados adversos maternos ou perinatais, como pré eclampsia (OR-0,9; IC a 95%: 0,7-1,3), infecção do trato urinário (OR-0,9; IC a 95%: 0,8-1,1), mortalidade materna (OR-0,9; IC a 95%: 0,6-1,5) ou baixo peso ao nascer (OR-1,0; IC a 95%: 0,9-1,2). Isto demonstra que o importante não é a quantidade de consultas, mas, sim, a qualidade da atenção pré-natal. Entretanto, a redução no número de consultas associou-se com insatisfação da gestante em relação aos cuidados pré-natais5,6(A).

No Brasil, o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) estabelece que o número mínimo de consultas de pré-natal deverá ser de seis consultas, preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo trimestre e três no último trimestre. A maior freqüência de visitas no final da gestação visa à avaliação do risco perinatal e das intercorrências clínico-obstétricas mais comuns nesse trimestre, como trabalho de parto prematuro, préeclâmpsia e eclâmpsia, amniorrexe prematura e óbito fetal. O acompanhamento da mulher, no ciclo grávido-puerperal, deve ser iniciado o mais precocemente possível e só se encerra após o 42º dia de puerpério, período em que deverá ter sido realizada a consulta de puerpério7(D).

Exames complementares maternos

Grupo sangüíneo e fator Rh

A determinação do grupo sanguíneo e do fator Rh deve ser realizada na primeira consulta de pré-natal. Em caso de gestante Rh negativo e parceiro Rh positivo e/ou desconhecido, solicitar o teste de Coombs indireto. Se o resultado for negativo, repeti-lo em torno da 30ª semana. Quando o Coombs indireto for positivo, encaminhar a paciente ao pré-natal de alto risco7(D).

A administração de 100mcg de imunoglobulina anti-D, entre 28 e 34 semanas de gravidez, a mulheres em sua primeira gravidez não reduz o risco de isoimunização (RR-0,4; IC a 95%: 0,15-1,2). Embora a utilização dessa dose não confira benefício ou melhore o resultado perinatal da gestação atual, o teste de Kleihauer, realizado no sangue de puérperas com recém-nascidos Rh positivos, foi significativamente menos positivo (RR- 0,6; IC a 95%: 0,5-0,8), o que significa que um número menor de mulheres produzirá anticorpos anti-Rh em gestações subseqüentes. Essa política, no entanto, deve levar em consideração os custos da profilaxia e dos cuidados de uma mulher que se torna sensibilizada e de seus filhos acometidos, além do suprimento da gamaglobulina anti-D8(A).

Imunoglobulina anti-D administrada até 72 horas após o parto reduz o risco de isoimunização em mulheres Rh negativo que deram a luz a recém-nascidos Rh positivos (RR-0,04; IC a 95%: 0,02-0,06) e em gestação subseqüente (RR-0,12; IC a 95%: 0,07-0,23). Não existem evidências com relação à dose ideal9(A).

Gestantes Rh negativo não sensibilizadas devem receber imunoglobulina anti-D após abortamento ou gravidez ectópica (120mcg antes de 12 semanas e 300mcg após essa idade gestacional), mola hidatiforme, biópsia de vilo corial (120mcg antes de 12 semanas e 300mcg após essa idade gestacional), amniocentese e cordocentese (300mcg). A administração de imunoglobulina também deve ser considerada quando da realização de versão externa ou a ocorrência de trauma abdominal. Nas situações de sangramento do segundo e terceiro trimestres, deve-se considerar a realização de exames que quantifiquem a hemorragia feto-materna, para administrar a dose adequada. Administração de imunoglobulina anti-D deve ser considerada antes de 12 semanas de gravidez em mulheres com ameaça de abortamento com embrião vivo. É recomendado o consentimento informado escrito, uma vez que a imunoglobulina anti-D é um hemoderivado10(D).

HIV

O Ministério da Saúde do Brasil recomenda a realização de teste anti-HIV com aconselhamento e com consentimento para todas as gestantes na primeira consulta pré-natal. Enfatiza a necessidade de realizar pelo menos uma sorologia durante o período gestacional. A repetição da sorologia para HIV, ao longo da gestação ou na admissão para parto, deverá ser considerada em situações de exposição constante ao risco de aquisição do vírus ou quando a mulher se encontra no período de janela imunológica11(D).

Sífilis

O rastreamento universal da sífilis é recomendado na primeira consulta de pré-natal para toda gestante, porque o tratamento é benéfico para a mãe e o feto. Mulheres com risco aumentado devem se submeter à nova sorologia com 28 semanas de gravidez e, novamente, quando da internação para o parto12(D). No Brasil, a recomendação do Ministério da Saúde é a repetição do exame em torno da 32ª semana de gestação, no momento do parto ou em caso de abortamento7(D).

Rubéola

A gestante deve ser rastreada quanto à sua imunidade contra rubéola, se ainda não o foi antes da gravidez. As mulheres susceptíveis devem ser aconselhadas sobre os riscos da infecção durante a gravidez e devem ser orientadas a se vacinarem no puerpério13(D). O Ministério da Saúde do Brasil não estabelece o rastreamento de rotina para a rubéola na gravidez7(D).

Hepatites B e C

O rastreamento da hepatite B com o antígeno de superfície (HBsAg) deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal para que intervenções pós-natais possam ser oferecidas ao recém-nascido para redução da transmissão vertical. Mulheres com risco aumentado podem ser vacinadas com segurança durante a gravidez e devem ser rastreadas novamente antes do parto ou no momento do parto. O rastreamento da hepatite C deve ser oferecido às gestantes de risco (presidiárias, usuárias de drogas injetáveis, gestantes HIV-positivo, mulheres expostas a derivados de sangue ou submetidas à transfusão com hemoderivados, parceiras de homens HIV-positivo, mulheres com alteração da função hepática, com múltiplos parceiros ou tatuadas)14,15(D).

Vaginose bacteriana

Apesar do tratamento com antibióticos erradicar a vaginose bacteriana na gestação (OR-0,2; IC a 95%: 0,2-0,3), não é recomendado o rastreamento de rotina de todas as gestantes assintomáticas para vaginose bacteriana, uma vez que não apresentou redução significante do parto pré-termo (OR-0,9; IC a 95%: 0,7-1,0) ou o risco de rotura prematura de membranas (OR-0,9; IC a 95%: 0,6-1,3). Deve-se considerar o rastreamento em mulheres com história prévia de parto pré-termo37(A).

Estreptococos do grupo B

Toda gestante deve ser submetida à coleta de material vaginal e retal para rastreamento da colonização por estreptococo do grupo B entre 35 e 37 semanas. As pacientes cujas culturas forem positivas devem ser tratadas com antibiótico venoso (penicilina ou clindamicina) durante o trabalho de parto e nos casos de rotura das membranas. Mulheres com infecção urinária por estreptococo do grupo B ou recém-nascido prévio com septicemia pelo estreptococo do grupo B também devem receber antibióticos intraparto, sem necessidade de se submeterem a coleta de material para cultura. Nos casos de cesariana (sem trabalho de parto ou rotura das membranas), mesmo com cultura positiva, não está indicada a antibioticoprofilaxia17(D).

Apesar da evidência de que o tratamento da infecção pelo estreptococo do grupo B na gestação reduz a incidência de infecção neonatal precoce (OR-0,17; IC a 95%: 0,07-0,4), ainda é necessário o estabelecimento de estratégias efetivas para a detecção da colonização materna e a confirmação dos fatores de risco para a infecção neonatal18(A). No Brasil, não há recomendação técnica ou consenso sobre o tema19(D).

Diabetes gestacional

O rastreamento do diabetes na gravidez é controverso, uma vez que não existe estudo controlado randomizado, demonstrando melhora do resultado perinatal com o rastreamento. O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras e a Associação Americana de Diabetes recomendam o rastreamento universal de todas as gestantes entre 24 e 28 semanas, exceto para mulheres de baixo risco (idade abaixo de 25 anos, grupo étnico de baixo risco, peso pré-gestacional normal, sem história de mau resultado obstétrico, de metabolismo anormal de glicose e de diabetes em parentes de primeiro grau). Esses protocolos propõem a realização do rastreamento com sobrecarga de 50g de glicose21,22(D).

O Ministério da Saúde recomenda a dosagem da glicemia de jejum como primeiro teste para avaliação do estado glicêmico da gestante. O exame deve ser solicitado a todas as gestantes, na primeira consulta do pré-natal, como teste de rastreamento para o diabetes mellitus gestacional (DMG), independentemente da presença de fatores de risco. Se a gestante está no primeiro trimestre, a glicemia de jejum auxilia a detectar alterações prévias da tolerância à glicose. O Ministério da Saúde recomenda, para o diagnóstico do DMG, o teste de tolerância com 75g de glicose7(D).

Bacteriúria assintomática

Todas as gestantes devem realizar exame de urina (urina rotina e urocultura), entre 12 e 16 semanas, para rastrear bacteriúria assintomática. Tratamento com antibiótico é efetivo na bacteriúria assintomática (OR-0,07; IC a 95%:0,05-0,10), na redução de pielonefrite na gravidez (OR-0,24; IC a 95%: 0,19-0,32). A antibioticoterapia também se associa à redução na incidência de parto prematuro ou baixo peso ao nascer (OR-0,6; IC a 95%: 0,5-0,8)22(A).

O texto completo da diretriz: Assistência Pré-natal está disponível nos sites: www.projetodiretrizes.org.br e www.amb.org.br.

  • 1
    National Collaborating Centre for Women's and Children's Health. Antenatal care: routine care for the healthy pregnant woman. Avaliable from: http://www.rcog.org.uk/resources/Public/Antenatal_Care.pdf
  • 2. Young G, Jewell D. Interventions for leg cramps in pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library, Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 3. Jewell D, Young G. Interventions for nausea and vomiting in early pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library, Issue 2. Oxford: Update Software; 2005.
  • 4. Young G, Jewell D. Interventions for preventing and treating pelvic and back pain in pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library, Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 5. Carroli G, Villar J, Piaggio G, Khan-Neelofur D, Gulmezoglu M, Mugford M, et al. WHO systematic review of randomised controlled trials of routine antenatal care. Lancet. 2001;357:1565-70.
  • 6. Villar J, Carroli G, Khan-Neelofur D, Piaggio G, Gülmezoglu M. Patterns of routine antenatal care for low-risk pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library, Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. p.158.
  • 8. Crowther CA, Middleton P. Anti-D administration in pregnancy for preventing Rhesus alloimmunisation. Cochrane Review. The Cochrane Library. Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 9. Crowther C, Middleton P. Anti-D administration after childbirth for preventing Rhesus alloimmunisation. Cochrane Review. The Cochrane Library. Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 10. Fung Kee Fung K, Eason E, Crane J, Armson A, De La Ronde S, Farine D, et al. Prevention of Rh alloimmunization. J Obstet Gynaecol Can. 2003;25:765-73.
  • 11
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/AIDS. Recomendações para profilaxia da transmissão vertical do hiv e terapia anti-retroviral em gestantes. Brasília (DF); 2004. p.62.
  • 12
    Centers for Disease Control and Prevention. Sexually Transmitted Disease Surveillance, 2002: Supplement, Syphilis Surveillance Report. Atlanta, U.S. Department of Health and Human Services, Center for Disease Control and Prevention; 2004.
  • 13. Guidelines for prenatal care. 5th ed. Elk Grove Village, III. American Academy of Pediatrics, and Washington (DC): American College Obstetricians and Gynecologists; 2002. Avaliable from: http://www.icsi.org/knowledge
  • 14
    American College of Obstetricians and Gynecologists; 2002. Available from: http//www.icsi.org/knowledge
    » link
  • 15
    National Collaborating Centre for Women's and Children's Health. Antenatal care: routine care for the healthy pregnant woman. Avaliable from: http:/www.rcog.org.uk/resources/public/antenatal_care.pdf
  • 16. McDonald H, Brocklehurst P, Parsons J. Antibiotics for treating bacterial vaginosis in pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library. Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 17. Centers for Disease Control and Prevention. Laboratory practices for prenatal group B streptococcal screening: 2003. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2004; 53:506-9.
  • 18. Smaill F. Intrapartum antibiotics for Group B streptococcal colonization. Cochrane Review. The Cochrane Library. Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde. Programa de humanização do pré-natal e do nascimento. Informações para gestores e técnicos. Brasília (DF); 2001.
  • 20. American College of Obstetricians and Gynecologists Committee on Practice Bulletins Obstetrics. ACOG practice bulletin. Clinical management guidelines for obstetrician-gynecologists. Number 30, September 2001. Gestational diabetes. Obstet Gynecol. 2001;98:525-38.
  • 21. American Diabetes Association. Gestational diabetes mellitus. Diabetes Care. 2003; 26(Suppl 1):S103-5.
  • 22. Smaill F. Antibiotics for asymptomatic bacteriuria in pregnancy. Cochrane Review. The Cochrane Library. Issue 1. Oxford: Update Software; 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    2007
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br