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Desafios para a autorização e acompanhamento de ensaios clínicos com medicamentos produzidos no Brasil

PANORAMA INTERNACIONAL

MEDICINA FARMACÊUTICA

Desafios para a autorização e acompanhamento de ensaios clínicos com medicamentos produzidos no Brasil

Sérgio Nishioka

O comitê sobre produtos médicos para uso humano (CHMP), que dá subsídios técnicos à Comissão Européia para o registro na União Européia de medicamentos e produtos biológicos, publicou em 2005 dois guias (ou diretrizes) relativos a ensaios clínicos, um deles sobre Comitês de Monitoramento de Dados, e outro sobre escolha de margem de não-inferioridade. Ambos os documentos foram também publicados no mesmo número da revista Statistics in Medicine, precedidos por uma nota introdutória que historia os guias do CHMP, e comenta os dois em questão1.

Comentário

Embora os dois guias do CHMP sejam independentes um do outro, a coincidência de sua publicação simultânea serve de pretexto para uma reflexão sobre o atual cenário da pesquisa clínica no Brasil, e na sua interface com o registro de medicamentos novos neste país. A publicação, em 2003, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de um pacote de regulamentos sobre registro de medicamentos representou um grande avanço em relação à situação regulatória anterior, e entre outros impactos no setor produtor de medicamentos, está tendo o de exigir, por ocasião de seu registro ou renovação do mesmo, a apresentação de estudos clínicos que subsidiem a eficácia e segurança desses produtos2-4. Vários medicamentos que estão no mercado brasileiro há anos, e não podem ser reenquadrados como medicamentos genéricos e similares, só estão podendo renovar seu registro, que é condição necessária para que continuem sendo comercializados, mediante a apresentação para a Anvisa de estudos clínicos realizados com os seus próprios produtos, não lhes sendo permitido apenas emprestar evidências obtidas com outros produtos com o mesmo princípio ativo.

Na maioria dos casos dos medicamentos descritos acima pode-se demonstrar sua eficácia e, em menor grau, segurança, por meio de ensaios clínicos de não-inferioridade, sem ter que passar pelos estudos não-clínicos e estudos clínicos de fases I e II, indispensáveis para o registro de medicamentos inovadores. Dados de farmacovigilância podem suprir as necessárias evidências de segurança desses produtos que, lembre-se, já estão no mercado. Grande parte desses medicamentos são produzidos pela indústria farmacêutica nacional, que não tem tradição de realizar ensaios clínicos com seus produtos, mas que, em função da regulamentação vigente, está sendo obrigada a fazê-lo, sob a pena de não poder comercializar seus produtos quando vencer a validade de seu registro, que tem que ser renovado a cada cinco anos.

Quando se discute pesquisa clínica no Brasil, fala-se muito da pesquisa patrocinada pela indústria farmacêutica internacional, com produtos inovadores. Há, porém, um número crescente de estudos clínicos com medicamentos brasileiros que deles necessitam para renovação de seu registro, aos quais se agregam estudos com vacinas que passam a ser fabricadas no país por transferência de tecnologia de laboratórios estrangeiros, e que também têm que demonstrar sua eficácia e segurança por estudos de não-inferioridade. Há, por fim, um número ainda mínimo de produtos em desenvolvimento no país que, de fato, representam inovação. No que diz respeito a esses produtos, é da Anvisa a responsabilidade de aceitar sua introdução ou manutenção no mercado, e nesses casos ela não conta com a vantagem de poder se apoiar em pareceres de agências reguladoras mais avançadas de outros países, como no caso de medicamentos inovadores também registrados na Europa e América do Norte. É também dela a responsabilidade de avaliar os protocolos desses ensaios clínicos com um olhar técnico sobre a sua capacidade de demonstrar que os produtos estudados funcionam e são seguros. Além disso, não basta aprovar os protocolos, os ensaios clínicos devem ser acompanhados e os eventos adversos neles observados devem monitorados2-4. Entram aqui os Comitês de Monitoramento de Dados, virtualmente inexistentes hoje no nosso meio para os estudos com produtos nacionais, mas essenciais para o acompanhamento dos ensaios clínicos, e eventual intervenção no andamento dos mesmos, por parte do patrocinador.

A Anvisa tem que estar atenta aos estudos com medicamentos e produtos biológicos desenvolvidos no país, particularmente pela indústria nacional, e para isso deve desenvolver guias para a sua realização e monitoramento, ou adotar/adaptar as já existentes. Apenas se corretamente delineados e conduzidos estudos clínicos poderão produzir evidências válidas para dar subsídio ao registro desses produto, ou renovação dos mesmos. É essencial que a agência reguladora brasileira esteja tecnicamente bem preparada para aprovar estudos com potencial de demonstração de eficácia e segurança dos produtos avaliados, e com base em seus resultados tomar decisões bem embasadas sobre o seu registro ou renovação.

  • 1. Brown D, Volkers P, Day S. An introductory note to CHMP guidelines: choice of the non-inferiority margin and data monitoring committees. Stat Med. 2006;25(10):1628-45.
  • 2. Nishioka SA. Como é feito o registro de medicamentos novos no Brasil. Prat Hosp. 2006;8(45):13-7.
  • 3. Nishioka SA, Sá PFG. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a pesquisa clínica no Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(1):60-2.
  • 4. Nishioka SA. Regulação da pesquisa clínica no Brasil: passado, presente e futuro. Prat Hosp. 2006;8(48):17-26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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