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Estudo comparativo das complicações terapêuticas no Lúpus Eritematoso Sistêmico e nas glomerulopatias idiopáticas

A comparative study of therapeutic complications in Systemic Lupus Erythematosus and in idiopathic glomerulopathy

Resumos

A utilização terapêutica de doses elevadas de imunossupressores pode promover diversas complicações, principalmente infecciosas. OBJETIVOS: Avaliar as complicações secundárias ao uso de corticóide e ciclofosfamida em portadores de nefropatias. MÉTODOS: Foram estudados retrospectivamente 76 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu -- UNESP, sendo divididos em três grupos: G1= Lúpus Eritematoso Sistêmico sem lesão renal (n=15); G2= nefrite lúpica (n=33) e G3= síndrome nefrótica por glomerulopatia idiopática (n=28). RESULTADOS: Não houve diferença em relação ao tempo de acompanhamento (G1= 42,4 ± 51, G2= 52,3 ± 51, G3= 41,8 ± 47,8 meses), dose total de corticóide utilizada (G1= 20, G2= 28, G3= 16 gramas) e tempo de uso da droga (G1= 20, G2= 26, G3= 14,5 meses). Quanto ao uso de ciclofosfamida, não houve diferença na percentagem de pacientes que a utilizaram (13% no G1, 51% no G2, 28% no G3), porém pacientes do G1 receberam dose total menor que G2 (mediana de zero e um grama, respectivamente -- p<0.05). Aspecto cushingóide, manifestações gástricas, distúrbios comportamentais, diabetes mellitus e alterações oculares ocorreram nos três grupos, sem diferença estatística. Quanto às complicações infecciosas, aquelas consideradas clinicamente mais graves, foram mais freqüentes no G2 (G1= 6%, G2= 15%, G3= 0% - p<0.05), o mesmo ocorrendo em relação aos óbitos (7% no G1, 30% no G2, 0% no G3 -- p<0.05). CONCLUSÕES: Pacientes portadores de nefrite lúpica apresentaram maior freqüência de complicações infecciosas decorrentes da imunossupressão prolongada, o que pode representar um marcador de gravidade deste tipo de lesão.

Lúpus eritematoso sistêmico; Nefrite lúpica; Glomerulopatia idiopática; Imunossupressão; Complicações


PURPOSE: To evaluate the therapeutic complications due to the use of immunosupressors in patients with nephropathy. METHODOS: 76 patients who had used steroids and cyclophosphamide were retrospectively studied. The cases were divided into three groups: G1= 15 patients with Systemic Lupus Erythematosus without renal lesion; G2= 33 patients with lupus nephritis and G3= 28 patients with nephrotic syndrome owing to idiopathic glomerulopathy. RESULTS: There were no differences related to time of follow up (G1= 42.4 ± 51, G2= 52.3 ± 51, G3= 41.8 ± 47.8 months), total used dosage of steroids (G1= 20, G2= 28, G3= 16 grams) and time of drug use (G1= 20, G2= 26, G3= 14.5 months). About cyclophosphamide use, there was no difference in the percentage of patients who used it (13% in G1, 51% in G2, 28% in G3), but the patients from G1 received lower total dosage than those from G2 (p<0.05). Cushingoid appearance, epigastric distress, psychiatric disorders, diabetes mellitus and ocular alterations occurred in all the three groups, with no statistically significant differences. The infections complications, those considered more severe clinically, were more frequent in G2 (G1= 6%, G2= 15%, G3= 0% - p<0.05), the same occurring with the deaths (7% in G1, 30% in G2, 0% in G3 -- p<0.05). CONCLUSION: In patients with lupus nephritis there were more infections complications owing to prolonged immunosuppresion what may indicate a severity marker of this type of lesion.

systemic lupus erythematosus; Lupus nephritis; Idiopathic glomerulopathy; Immunossupresion; Complications


Artigo Original

ESTUDO COMPARATIVO DAS COMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS NO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO E NAS GLOMERULOPATIAS IDIOPÁTICAS

* * Correspondência: Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ UNESP Caixa Postal 584 ¾ Rubião Júnior ¾ Botucatu ¾ SP Cep: 18618-970 ¾ Tel.: (14) 6822-2969 Fax: (14) 6822-2238 ¾ E-mail: abalbi@uol.com.br A.L. BALBI, R.A. BARBOSA, M.C.P. LIMA, D.B. DE ALMEIDA

Disciplina de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" ¾ UNESP ¾ Botucatu ¾ SP

RESUMO ¾ A utilização terapêutica de doses elevadas de imunossupressores pode promover diversas complicações, principalmente infecciosas.

OBJETIVOS: Avaliar as complicações secundárias ao uso de corticóide e ciclofosfamida em portadores de nefropatias.

MÉTODOS: Foram estudados retrospectivamente 76 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ UNESP, sendo divididos em três grupos: G1= Lúpus Eritematoso Sistêmico sem lesão renal (n=15); G2= nefrite lúpica (n=33) e G3= síndrome nefrótica por glomerulopatia idiopática (n=28).

RESULTADOS: Não houve diferença em relação ao tempo de acompanhamento (G1= 42,4 ± 51, G2= 52,3 ± 51, G3= 41,8 ± 47,8 meses), dose total de corticóide utilizada (G1= 20, G2= 28, G3= 16 gramas) e tempo de uso da droga (G1= 20, G2= 26, G3= 14,5 meses). Quanto ao uso de ciclofosfamida, não houve diferença na percentagem de pacientes que a utilizaram (13% no G1, 51% no G2, 28% no G3), porém pacientes do G1 receberam dose total menor que G2 (mediana de zero e um grama, respectivamente ¾ p<0.05). Aspecto cushingóide, manifestações gástricas, distúrbios comportamentais, diabetes mellitus e alterações oculares ocorreram nos três grupos, sem diferença estatística. Quanto às complicações infecciosas, aquelas consideradas clinicamente mais graves, foram mais freqüentes no G2 (G1= 6%, G2= 15%, G3= 0% - p<0.05), o mesmo ocorrendo em relação aos óbitos (7% no G1, 30% no G2, 0% no G3 ¾ p<0.05).

CONCLUSÕES: Pacientes portadores de nefrite lúpica apresentaram maior freqüência de complicações infecciosas decorrentes da imunossupressão prolongada, o que pode representar um marcador de gravidade deste tipo de lesão.

UNITERMOS: Lúpus eritematoso sistêmico. Nefrite lúpica. Glomerulopatia idiopática. Imunossupressão. Complicações.

INTRODUÇÃO

O tratamento com corticóides e outras drogas imunossupressoras é reconhecidamente acompanhado por vários tipos de complicações1, principalmente as infecciosas, sendo muitas delas potencialmente fatais. É inegável, porém, a importância clínica desta alternativa terapêutica. Estas drogas modificaram a história natural do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), aumentando a expectativa de vida dos pacientes2, além de atuarem em outras doenças autoimunes e possibilitarem a viabilidade dos transplantes de órgãos. A maioria dos trabalhos procura avaliar seus efeitos na recuperação ou na manutenção da função dos órgãos comprometidos, sendo os rins um dos principais alvos; porém, poucos procuram avaliar também os efeitos colaterais provocados por estas drogas e a importância deles na evolução da doença.

Nenhuma evidência indica que um corticóide seja mais específico que outros no tratamento do LES e de outras glomerulopatias. Geralmente, os mais usados são a hidrocortisona e a prednisona. Seus efeitos colaterais são bem estabelecidos e acometem praticamente todos os órgãos e sistemas: metabólico (obesidade central, intolerância à glicose, coma hiperosmolar não cetótico e hiperlipidemia), endócrino (supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, redução do crescimento em crianças e irregularidades menstruais), músculo-esqueléticas (osteoporose, necrose óssea de cabeça de fêmur e miopatia), cutânea (fragilidade e adelgaçamento da pele, púrpura, estrias, acne e hirsutismo), ocular (catarata e glaucoma), sistema nervoso central (alterações psiquiátricas), cardiovasculares-renais (retenção de sódio e água, alcalose hipocalêmica e hipertensão arterial), gastro-intestinais (pancreatite, úlcera péptica e perfuração intestinal) e diminuição da resposta imune (infecções bacterianas, virais, fúngicas e parasitárias)3.

A ciclofosfamida é uma das drogas imunossupressoras mais utilizadas. Seus principais efeitos colaterais são bem descritos4 , incluindo supressão de todos os elementos da medula óssea, cistite hemorrágica, disfunção gonadal, alopecia, teratogênese e carcinogênese5.

O acompanhamento de pacientes nefropatas que fazem uso de medicação imunossupressora em altas doses e por tempo prolongado sugere que pacientes portadores de nefrite lúpica estão mais sujeitos a complicações infecciosas quando comparados com outros pacientes portadores de diferentes patologias renais, mesmo recebendo doses semelhantes de drogas imunossupressoras, hipótese esta levantada por Staples et al.6. Em relação às complicações não infecciosas decorrentes do uso destas medicações, os dados na literatura são muito escassos, limitando-se apenas a descrever sua ocorrência, sem uma análise mais objetiva do tipo e da freqüência destas complicações.

Este trabalho tem como objetivos avaliar as complicações terapêuticas, infecciosas ou não, ocorridas em pacientes portadores de nefropatias que receberam elevadas doses de medicamentos imunossupressores e avaliar se pacientes com nefrite lúpica estão mais sujeitos a complicações infecciosas que os demais.

MÉTODOS

Foram estudados, retrospectivamente, 76 pacientes de ambos os sexos, acima de 12 anos de idade, acompanhados pela disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ UNESP, que fizeram uso de corticóide por tempo prolongado, sendo distribuídos em três grupos: G1= 15 pacientes portadores de LES sem comprometimento renal; G2= 33 pacientes portadores de nefrite lúpica e G3= 28 pacientes com síndrome nefrótica por glomerulopatia idiopática, após descartados processos sistêmicos que possam cursar com acometimento glomerular (diabetes mellitus, doenças reumáticas, quadros infecciosos, etc).

Definições:

LES: definido de acordo com critérios da Associação Americana de Reumatologia7;

Nefrite Lúpica: presença de proteinúria (três a quatro cruzes no exame qualitativo e maior que 300 mg em 24 horas no exame quantitativo) e/ou aumento de creatinina sérica (níveis superiores à normalidade, isto é, 1,2 mg/dL para o sexo feminino e 1,5 mg/dL para o sexo masculino), em pacientes portadores de LES;

• Síndrome Nefrótica: proteinúria igual ou maior que três gramas nas 24 horas;

• Pulsoterapia: administração de metilprednisolona por via endovenosa (um grama ao dia) durante três dias seguidos ou alternados;

• Complicações não infecciosas: diabetes mellitus, manifestações gástricas (epigastralgia e hemorragia digestiva alta ou baixa), osteoporose, necrose óssea de cabeça de fêmur, catarata, glaucoma, distúrbios de comportamento, aspecto cushingóide, leucopenia (leucograma mostrando menos de 4000 glóbulos brancos), neoplasias e esterilidade, clinicamente relacionadas ao uso de medicação imunossupressora. Hipertensão arterial não foi considerada como complicação secundária ao uso do corticóide, uma vez que alguns pacientes dos grupos 2 e 3 apresentavam alteração da função renal, o que poderia alterar a avaliação desta complicação;

• Complicações infecciosas: episódios infecciosos de qualquer natureza, também clinicamente associados ao uso de imunossupressores;

• Complicações infecciosas graves: episódios infecciosos potencialmente fatais.

Quando possível, pacientes do G3 foram submetidos à biópsia renal para definição histológica da glomerulopatia, o que não ocorreu com os pacientes dos demais grupos.

A prednisona e a ciclofosfamida foram as drogas de escolha, sendo calculados, para cada uma delas, dose total utilizada, dose diária média, duração total do tratamento e, para a prednisona, o tempo total sem a droga devido a interrupções por ordem médica ou abandono de tratamento. Também foram calculadas a freqüência do emprego de pulsoterapia e a média de dose de metilprednisolona utilizada, sendo a dose total incluída no cálculo da dose de corticóide recebida em cada grupo.

Quando necessário no cálculo das doses e dos intervalos de tempo, foram feitas aproximações seguindo métodos usuais.

Para a análise estatística de dados relevantes foram empregados o teste do qui-quadrado, a prova de Fruman e Halton (quando tornou-se inadequado o teste do qui-quadrado devido as baixas freqüências) e prova não-paramétrica de Kruskal-Wallis para comparação de três grupos independentes. Os valores foram considerados significativos quando p < 0,05.

RESULTADOS

Houve predomínio do sexo feminino nos pacientes portadores de LES (100% no G1 e 91% no G2), o que não ocorreu no G3 (50%) (p<0,05). Não houve diferença estatística em relação a cor, com predomínio de brancos sobre não brancos (93% no G1, 85% no G2 e 89% no G3) (não significativo - NS). Pacientes do G1 apresentaram idade superior aos do G2 (mediana de 32 e 25 anos, respectivamente ¾ p<0,05), enquanto os pacientes do G3 não diferiram dos demais (mediana de 29,5 anos ¾ NS). 71% dos pacientes do G3 foram submetidos à biópsia renal, sendo diagnosticado glomerulonefrite membranosa (GNM) em 18%, glomerulonefrite focal e segmentar (GFS) em 11%, glomerulonefrite proliferativa (GNP) em 10% e Lesões Mínimas (LM) em 3% dos casos.

O tempo de acompanhamento médio foi semelhante nos três grupos: 42,4 ± 51 meses no G1, 52,3 ± 51 no G2 e 41,8 ± 47,8 no G3 (NS). Nenhum paciente foi acompanhado por um período inferior a um mês.

A tabela 1 mostra a utilização dos imunossupressores nos grupos estudados. Em relação à prednisona, não houve diferença estatística entre dose diária média (80 ± 21 mg no G1; 90 ± 19 no G2 e 87 ± 19 no G3 - NS), mediana de dose total utilizada (G1= 20, G2= 28 e G3= 16 gramas ¾ NS), mediana de tempo de uso (G1= 20, G2= 26 e G3= 14,5 meses ¾ NS) e média de tempo sem uso da droga (43 ± 76 meses no G1; 38 ± 46 no G2 e 26 ± 34 no G3 - NS). Não houve diferença estatística em relação ao emprego de pulsoterapia (13% dos pacientes do G1, 45% do G2 e 11% do G3 ¾ NS) e na média de dose de metilprednisolona utilizada por paciente em cada grupo (G1= 1,0 ± 0; G2= 2,8 ± 2,6; G3= 1,0 ± 0 gramas ¾ NS). A percentagem de pacientes que receberam ciclofosfamida (13% no G1, 51% no G2 e 28% no G3 ¾ NS) e a dose diária média (100 ± 0 mg no G1; 92,6 ± 24,6 no G2 e 93,7 ± 11,5 no G3 - NS) também foram semelhantes entre os grupos. Pacientes do G1 receberam menores doses totais de ciclofosfamida quando comparados ao G2, enquanto pacientes do G3 não diferiram dos demais (mediana de zero para o G1, um grama para o G2 e zero para o G3 ¾ p<0,05), o mesmo ocorrendo em relação ao tempo de uso (mediana de zero para o G1, um mês para o G2 e zero para o G3 - p<0,05).

Não houve diferença estatística entre as complicações não infecciosas ocorridas nos três grupos, conforme mostrado na tabela 2, sendo as principais o aspecto cushingóide (73% no G1, 79% no G2 e 68% no G3 ¾ NS), manifestações gástricas (27% no G1, 48% no G2 e 43% no G3 ¾ NS), distúrbios do comportamento (13% no G1, 18% no G2 e 25% no G3 ¾ NS), diabetes mellitus (7% no G1, 3% no G2 e 7% no G3 ¾ NS), catarata (7% no G1, 3% no G2 e 4% no G3 ¾ NS), e glaucoma (6% no G1, 0% no G2 e 3% no G3 ¾ NS). Necrose óssea de cabeça de fêmur ocorreu no G2 (9% dos pacientes • NS) e osteoporose no G1 (7% - NS), enquanto leucopenia surgiu somente no G2 (15% dos pacientes - NS), estando associado ao uso de ciclofosfamida.

Quanto às complicações infecciosas, o número de pacientes que apresentaram pelo menos uma infecção foi semelhante (G1= 53%; G2= 73% e G3= 43% - NS). A tabela 3 mostra as complicações infecciosas consideradas não graves ocorridas em cada grupo. Infecções de pele (46% no G1, 27% no G2 e 39% no G3 ¾ NS), moniliase oral (G1= 13%, G2= 30%, G3= 4% - NS) e otite/amigdalite bacteriana (G1= 0%, G2= 12%, G3= 0% - NS) não apresentaram diferença estatística, porém infecção urinária (G1= 20%, G2= 51%, G3= 4% - p<0,05) e infecção pulmonar (G1= 7%, G2= 39%, G3= 18% - p<0,05) foram mais freqüentes no G2 quando comparadas aos demais. Em relação às complicações infecciosas consideradas graves, mostradas na tabela 4, abortamento infectado ocorreu somente no G1 (7%), enquanto choque séptico (6%), tuberculose de laringe (3%), encefalite viral (3%) e coroidite séptica (3%) ocorreram somente no G2. Analisadas individualmente, não houve diferença estatística entre os grupos, porém, em conjunto, as infecções graves foram mais freqüentes no G2 (15%) quando comparadas aos demais (G1= 6% e G3= 0% - p<0,05), conforme mostrado na figura 1. Relacionando número total de infecções e número total de pacientes em cada grupo, obtém-se índices que também demonstram a maior freqüência de complicações infecciosas no G2 (0,93 no G1; 1,76 no G2 e 0,64 no G3 ¾ p<0,05).


A figura 1 também mostra que a ocorrência de óbitos foi maior no G2 (30%) quando comparados aos demais (7% no G1 e 0% no G3 - p<0,05), sendo as causas no G1, pneumonite intersticial (100%) e no G2, insuficiência renal (40%), crise lúpica (20%), insuficiência respiratória (20%), hemorragia digestiva (10%) e pancreatite necro-hemorrágica (10%).

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou diversos efeitos colaterais apresentados por pacientes que fizeram uso, por tempo prolongado, de medicação imunossupressora, tanto aqueles portadores de LES, com e sem lesão renal, como também aqueles portadores de glomerulopatia idiopática.

Os grupos estudados foram semelhantes em relação a sexo, cor, tempo de acompanhamento, dose e tempo de uso de prednisona, freqüência de uso e dose total de metilprednisolona, percentagem de pacientes que receberam ciclofosfamida e dose diária média desta droga. Pacientes do G1 apresentaram maior média de idade e menor dose total e tempo de uso de ciclofosfamida quando comparados aos pacientes do G2.

Em relação às complicações clínicas não infecciosas, casos de esterilidade, cistite hemorrágica e neoplasias, todas relacionadas ao uso de ciclofosfamida, não foram identificadas. Provavelmente, isto ocorreu devido ao curto período de uso desta droga (mediana de zero ou um mês) ou pela pequena dose total empregada (mediana de zero ou um grama). Corette et al.8, avaliando 18 pacientes com nefrite lúpica que receberam ciclofosfamida por um período médio de 85 meses, encontraram 16% de casos de cistite hemorrágica e 16% de neoplasias. Plotz et al.9, acompanhando 54 pacientes portadores de LES ou artrite reumatóide em uso de ciclofosfamida, mostraram que 13% desenvolveram cistite hemorrágica e 4% carcinoma transicional de bexiga após 28 a 60 meses de tratamento. Leucopenia, também relacionada ao uso de ciclofosfamida, surgiu em 15% dos pacientes do G2, com reversão após redução ou suspensão da droga, conforme relatado também por Valeri et al.10.

Osteoporose surgiu em apenas 7% dos pacientes do G1 e necrose óssea de cabeça de fêmur em 9% no G2. Este fato não causa estranheza, uma vez que lesões ósseas podem ser causadas por atividade do LES, independente da corticoterapia. Na literatura, a ocorrência de necrose óssea de cabeça de fêmur ocorre em cerca de 4% a 11% dos pacientes que recebem corticóide e em 10% a 14% dos pacientes com LES. Zizic11 demonstrou que 52% dos pacientes lúpicos desenvolveram alguma forma de lesão óssea, sem haver diferença na dose diária de prednisona recebida em até 12 meses de acompanhamento entre os que apresentavam ou não esta lesão.

Diabetes mellitus, manifestações gástricas, distúrbios do comportamento, manifestações oculares e aspecto cushingóide surgiram de modo semelhante nos grupos estudados. Dubois et al.5, avaliando trabalhos na literatura, mostraram que entre 207 pacientes lúpicos que receberam dose de corticóide equivalente a 100 mg de prednisona ao dia por período prolongado, 55% apresentaram aspecto cushingóide, 34% manifestações gástricas, 3,5% diabetes mellitus e 3,5% alterações psiquiátricas. Segundo vários autores, os quadros psiquiátricos desenvolvidos por pacientes lúpicos podem estar associados a uma psicose de base, exacerbada pelo uso do corticóide. Em relação às manifestações oculares, Williamson et al.12 mostraram que 14% dos pacientes que receberam prednisona na dose de 15 mg ou mais ao dia por mais de dois anos desenvolveram catarata. Bolton et al.13 mostraram que pacientes com síndrome nefrótica que receberam corticóide em dias alternados por período prolongado apresentaram, como principais complicações não infecciosas, aspecto cushingóide, anemia, leucopenia e catarata.

Em relação às complicações infecciosas, o número de pacientes que apresentaram pelo menos uma infecção foi semelhante nos três grupos, variando entre 40% e 70%. Infecção pulmonar e infecção urinária foram mais freqüentes no G2, enquanto as demais apresentaram freqüência semelhante, embora algumas delas, pela sua importância clínica, devam ser destacadas, tais como coroidite séptica, laringite tuberculosa, encefalite viral e choque séptico, que ocorreram somente no G2. Quando analisadas em conjunto, as infecções graves foram mais freqüentes no G2, o mesmo ocorrendo com o índice obtido através da relação entre número total de infecções e número total de pacientes. Não foram detectadas infecções por herpes, apesar desta ser descrita como a principal infecção viral nos pacientes lúpicos. Na literatura, um dos mais completos estudos sobre infecções no LES foi feito por Ginzler et al.14, que acompanharam 223 pacientes por período médio de 35 meses, sendo diagnosticadas 163 infecções bacterianas, 195 virais (12 por herpes zoster) e 28 infecções oportunistas, sendo estas 40 vezes mais freqüentes nos pacientes que receberam altas doses de corticóides, quando comparados com aqueles que não receberam. Estes autores concluíram que a nefrite lúpica ativa, a uremia e o uso do corticóide aumentam a incidência de infecções. Staples et al.6 estudando 23 pacientes com LES, 20 com artrite reumatóide e 11 com sindrome nefrótica idiopática (a maioria recebendo doses semelhantes de corticóides), mostraram que o ritmo de infecção foi de 1.22 por 100 dias de observação para o LES e de 0.16 para os pacientes que não apresentavam LES, sendo que as infecções aumentaram na proporção da dose de corticóide utilizada e com a maior atividade lúpica. Chan et al.15, avaliando 20 pacientes com LES que receberam prednisona e ciclofosfamida, encontraram infecção por herpes zoster (40%) e respiratória (25%) como principais complicações precoces (menos de 12 meses) e tuberculose pulomonar (25%) como principal complicação tardia (mais de 12 meses).

A mortalidade, neste trabalho, foi maior nos pacientes do G2, sendo de diversas causas e podendo estar associada à atividade da doença (crise lúpica, insuficiência renal) ou ao uso do corticóide (pancreatite e hemorragia digestiva alta). Diversos trabalhos mostram que as principais causas de óbito em pacientes lúpicos são a atividade da doença e as infecções2, 16-19. Appel et al.19, avaliando 150 pacientes portadores de LES, observaram mortalidade de 53%, sendo insuficiência renal a causa mais freqüente. Wallace et al.20, avaliando 609 pacientes lúpicos, mostraram que aqueles com lesão renal (38%) apresentavam menor sobrevida em semelhante tempo de acompanhamento, sendo as principais causas de óbito a insuficiência renal (32%), sepsis (23%), cardiovascular (15%) e acometimento do sistema nervoso central (10%). Rosner et al.17 mostraram que as mortes por infecção estiveram significativamente associadas a doses mais altas de corticóides, sem relação com o uso de ciclofosfamida ou de azatioprina em pacientes com LES.

Várias observações podem ser feitas a partir dos resultados obtidos neste trabalho. As complicações não infecciosas, durante o uso de corticóde por tempo prolongado, são diversas e não parecem estar associadas ao tipo de doença, exceto lesões ósseas, especificamente relacionada ao LES. Não houve relação entre maior dose total de corticóide e maior número de complicações infecciosas, mas sim uma associação entre estas últimas e a gravidade da doença. Como pacientes portadores de nefrite lúpica apresentaram maior freqüência de complicações infecciosas graves, pode-se considerar que esta manifestação seja um indicador de gravidade da doença. Novos estudos devem ser realizados neste sentido.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à professora Albina Rodrigues Torres pela revisão do texto.

SUMMARY

A comparative study of therapeutic complications in Systemic Lupus Erythematosus and in idiopathic glomerulopathy

PURPOSE: To evaluate the therapeutic complications due to the use of immunosupressors in patients with nephropathy.

METHODOS: 76 patients who had used steroids and cyclophosphamide were retrospectively studied. The cases were divided into three groups: G1= 15 patients with Systemic Lupus Erythematosus without renal lesion; G2= 33 patients with lupus nephritis and G3= 28 patients with nephrotic syndrome owing to idiopathic glomerulopathy.

RESULTS: There were no differences related to time of follow up (G1= 42.4 ± 51, G2= 52.3 ± 51, G3= 41.8 ± 47.8 months), total used dosage of steroids (G1= 20, G2= 28, G3= 16 grams) and time of drug use (G1= 20, G2= 26, G3= 14.5 months). About cyclophosphamide use, there was no difference in the percentage of patients who used it (13% in G1, 51% in G2, 28% in G3), but the patients from G1 received lower total dosage than those from G2 (p<0.05). Cushingoid appearance, epigastric distress, psychiatric disorders, diabetes mellitus and ocular alterations occurred in all the three groups, with no statistically significant differences. The infections complications, those considered more severe clinically, were more frequent in G2 (G1= 6%, G2= 15%, G3= 0% - p<0.05), the same occurring with the deaths (7% in G1, 30% in G2, 0% in G3 ¾ p<0.05).

CONCLUSION: In patients with lupus nephritis there were more infections complications owing to prolonged immunosuppresion what may indicate a severity marker of this type of lesion.

[Rev Ass Med Brasil 2001; 47(4); 296-301]

KEY WORDS: systemic lupus erythematosus. Lupus nephritis. Idiopathic glomerulopathy. Immunossupresion. Complications.

REFERÊNCIAS

Artigo recebido: 10/08/2000

Aceito para publicação: 01/02/2001

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2002
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Aceito
      01 Fev 2001
    • Recebido
      10 Ago 2000
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