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Correlação entre a evolução clínica e a freqüência de micronúcleos em células de pacientes portadores de carcinomas orais e da orofaringe

Relationship between the outcome and the frequency of micronuclei in cells of patients with oral and oropharyngeal carcinoma

Resumos

OBJETIVO: Correlacionar a freqüência de micronúcleos em células da cavidade oral com a presença de recidivas locais ou de segunda lesão primária em pacientes portadores de carcinomas epidermóides da boca e da orofaringe. MÉTODOS: Entre Dezembro /94 e Julho /97 estudamos a freqüência de micronúcleos de células da mucosa oral de 27 pacientes portadores de carcinomas da cavidade oral e orofaringe que, após o tratamento, passaram a ser seguidos ambulatorialmente com retornos mensais procurando identificar recidivas locais ou segundas lesões primárias. RESULTADOS: Dos 24 pacientes que puderam ser avaliados durante todo o período de seguimento, 19 casos evoluíram a óbito com períodos variáveis de sobrevida, sendo 18 (75%) devido a recorrência do tumor e um devido a abdome agudo perfurativo. Apenas cinco casos (20,8%) encontram-se vivos e livres de doença até o término do estudo. Em relação a freqüência de micronúcleos não foi observada diferença estatisticamente significante entre o grupo de pacientes que morreram com recidiva da doença (N=14) e o grupo de pacientes que morreram de outras causas acrescidos dos que se encontram vivos e livres de doença (N=10) (p= 0,83). Houve maior freqüência de micronúcleos nas lesões de estadiamento T3 e T4 ( p= 0,01). CONCLUSÃO: No presente estudo não foi possível estabelecer uma correlação clínica entre a freqüência de micronúcleos da mucosa oral e o risco de desenvolvimento de recidiva local ou de segundo tumor primário no trato aerodigestivo superior.

Micronúcleos; Carcinoma oral; Recidivas locais


BACKGROUND: To verify the correlation between the micronucleus frequency and the presence of local recurrences or second primary lesion in patients with carcinoma of the oral cavity. METHODS: We studied the frequency of micronucleus of the oral mucosa in 27 untreated patients with carcinoma of the oral cavity and oropharynx. The patients were monthly followed after initial treatment, in an attempt to identify local recurrences or second primary lesions. RESULTS: Of the 24 patients evaluated during the whole time, 5 cases (20,8%) were alive and free of disease, and 19 cases died, 18 (75%) owing to cancer and 1 to perfurative peptic ulcer. In relation to micronucleus frequency, no difference was observed among the patients with local recurrence of the disease (N=14) and the patients who died of other causes or were alive and free of disease (N=10) (p = 0.83). There was higher micronucleus frequency in the stages T3 and T4 (p = 0.01). CONCLUSION: In the present study was not possible to find a clinical correlation between the frequency of micronucleus of the oral mucosal and the risk of development of local recurrence or second primary tumor in patients with upper aerodigestive tract carcinoma.

Micronuclei; Oral carcinoma; Local recurrence


Artigo Original

CORRELAÇÃO ENTRE A EVOLUÇÃO CLÍNICA E A FREQÜÊNCIA DE MICRONÚCLEOS EM CÉLULAS DE PACIENTES PORTADORES DE CARCINOMAS ORAIS E DA OROFARINGE

MARCOS BRASILINO DE CARVALHO* * Correspondência: Rua Cônego Xavier, 276 ¾ Sacomã- São Paulo ¾ SP Cep: 04231-030 ¾ Tel. 6914 5576/274-7600 ramal 216/204 ¾ marcosbrasilino@heliopolis.org.br , ANDREA RAMIREZ, GILKA JORGE F. GATTÁS, ANDRÉ LUZ GUEDES, ALI AMAR, ABRÃO RAPOPORT, JOSÉ CARLOS BARAUNA NETO, OTÁVIO ALBERTO CURIONI

Departamento de Medicina Legal, Ética, Medicina Social e do Trabalho, FMUSP e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis- São Paulo - SP

RESUMO ¾ OBJETIVO: Correlacionar a freqüência de micronúcleos em células da cavidade oral com a presença de recidivas locais ou de segunda lesão primária em pacientes portadores de carcinomas epidermóides da boca e da orofaringe.

MÉTODOS: Entre Dezembro /94 e Julho /97 estudamos a freqüência de micronúcleos de células da mucosa oral de 27 pacientes portadores de carcinomas da cavidade oral e orofaringe que, após o tratamento, passaram a ser seguidos ambulatorialmente com retornos mensais procurando identificar recidivas locais ou segundas lesões primárias.

RESULTADOS: Dos 24 pacientes que puderam ser avaliados durante todo o período de seguimento, 19 casos evoluíram a óbito com períodos variáveis de sobrevida, sendo 18 (75%) devido a recorrência do tumor e um devido a abdome agudo perfurativo. Apenas cinco casos (20,8%) encontram-se vivos e livres de doença até o término do estudo. Em relação a freqüência de micronúcleos não foi observada diferença estatisticamente significante entre o grupo de pacientes que morreram com recidiva da doença (N=14) e o grupo de pacientes que morreram de outras causas acrescidos dos que se encontram vivos e livres de doença (N=10) (p= 0,83). Houve maior freqüência de micronúcleos nas lesões de estadiamento T3 e T4 ( p= 0,01).

CONCLUSÃO: No presente estudo não foi possível estabelecer uma correlação clínica entre a freqüência de micronúcleos da mucosa oral e o risco de desenvolvimento de recidiva local ou de segundo tumor primário no trato aerodigestivo superior.

UNITERMOS: Micronúcleos. Carcinoma oral. Recidivas locais.

INTRODUÇÃO

Pacientes portadores de carcinomas epidermóides da cavidade oral ou da orofaringe, após o controle inicial bem-sucedido da doença, são caracterizados por altas taxas de recorrências locais e regionais principalmente quando são diagnosticados e tratados com doença já em estádio avançado. Entretanto, há também o risco de desenvolvimento de uma segunda lesão primária, estimado em 4% a 7% por ano de sobrevida, sobretudo nos indivíduos com tumores em estádio clínico inicial que persistem no consumo crônico de álcool e tabaco1. O prognóstico dos pacientes portadores de carcinomas de vias aerodigestivas superiores é influenciado negativamente pelo desenvolvimento de recidivas locais, metástases linfonodais regionais e segunda lesão primária. A obtenção de melhores resultados com o aumento dos índices de sobrevida livre de doença está relacionada à identificação de quando e quais indivíduos irão desenvolver recidivas e segunda lesão primária e ao controle destes eventos. A identificação dos indivíduos de maior risco para recorrência ou para segundas lesões poderia influenciar na elaboração de protocolos de tratamento e de rotinas de seguimento. Um paciente com menor risco talvez pudesse ser tratado de maneira mais conservadora, com um acompanhamento menos rigoroso e, por outro lado, aquele que apresenta mais probabilidade de uma evolução desfavorável poderia ser beneficiado com esquema de tratamento mais agressivo e um seguimento mais rígido. Além dos dados do estadiamento clínico (TNM), são poucos os parâmetros que podem ser utilizados como fatores preditivos de recidiva e, para a susceptibilidade de apresentar segundas lesões, apenas dados epidemiológicos são hoje disponíveis na rotina de um ambulatório de especialidade.

Os micronúcleos são estruturas presentes no citoplasma de células em divisão, que possuem características cromatínicas semelhantes às do núcleo principal quando avaliados ao microscópio óptico2.

São formados tanto por fragmentos acêntricos como por cromossomos inteiros que se atrasam durante a anáfase do ciclo celular3,4. (Figura 1).


O teste do micronúcleo permite identificar um aumento na freqüência de mutação em células, que são expostas a uma gama variada de agentes genotóxicos. Este teste vem sendo utilizado no monitoramento de indivíduos expostos a agentes potencialmente genotóxicos e em protocolos de quimioprevenção do desenvolvimento de tumores de vias aéreas digestivas superiores5,6. Diversos estudos comprovaram a eficácia do teste do micronúcleo como indicador de danos citogenéticos em células do epitélio de revestimento oral, brônquico e esofágico5,7,8,9. Um aumento da freqüência de micronúcleos na mucosa oral é indicativo de elevação das taxas de mutação e está relacionada ao desenvolvimento de carcinomas da mucosa oral9,10,11.

O teste do micronúcleo é considerado um procedimento rápido, barato, não-invasivo, que pode ser repetido várias vezes, para a prevenção e monitoramento de indivíduos sob risco carcinogênico, como consumo crônico e abusivo de álcool, tabaco e/ou outras substâncias mutagênicas4,8.

Estudos epidemiológicos demonstram que o hábito do consumo crônico de álcool e tabaco está relacionado ao aumento das taxas de desenvolvimento de carcinomas orais, e também encontra-se associado ao aumento da freqüência de micronúcleos da mucosa do trato aerodigestivo superior em portadores de carcinomas nesta localização7.

OBJETIVO

Testar a hipótese de que a freqüência de micronúcleos nas células da mucosa oral ou da orofaringe possa ser empregada como fator preditivo da recidiva local ou do desenvolvimento de segundas lesões primárias.

MÉTODOS

Este trabalho é um estudo prospectivo envolvendo uma casuística representada por 27 pacientes atendidos consecutivamente no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis no período de Dezembro/94 a Julho/97, portadores de carcinomas da cavidade oral e orofaringe, alcoolistas e tabagistas crônicos. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa do Hospital Heliópolis, e todos os pacientes foram informados dos objetivos da investigação e assinaram o termo de consentimento.

O tempo médio de consumo de bebida alcoólica foi de 32 anos com início variando de quatro anos de idade a 59 anos (média 32 anos de idade). O tempo médio de consumo de tabaco foi de 37 anos com início entre 7 e 37 anos de idade (média 15 anos).

Dos 27 pacientes inicialmente selecionados para o estudo, houve três casos que perderam o seguimento e, o acompanhamento da evolução após o tratamento foi impraticável, sendo realizada a análise somente em relação a apresentação clínica destes doentes.

Os 24 pacientes restantes foram tratados e acompanhados durante todo o período do estudo e constituem a casuística principal deste estudo.

Nestes doentes, o tratamento cirúrgico foi o predominante, realizado em 83,3% dos casos (n=20). Em quatro casos a radioterapia foi realizada isoladamente, pela irressecabilidade da lesão primária.

Três áreas distintas da cavidade oral destes indivíduos foram submetidas à coleta de células para análise da freqüência de micronúcleos: (A), mucosa de sítio anatômico simétrico e oposto ao sítio da lesão primária (B), mucosa de área peri-tumoral e (C), área do sulco gêngivo-labial superior previamente considerada como área de controle intra-individual devido à baixa ocorrência de tumores nesta localização.

O material foi colhido com escova de citologia de cerdas macias (cytobrush) das três regiões previamente descritas, antes do início de qualquer modalidade terapêutica. Após a coleta, o material foi submerso em 5 ml de solução salina 0,9%, e centrifugado (10min., 1500/rpm) e fixado com metanol/ácido acético (3:1).

O material foi suspenso em 2 ml de fixador, e foram coradas lâminas com coloração de Feulgen-fast-green7.

Após a coloração, realizou-se a montagem das lâminas permanentes com lamínulas e bálsamo do Canadá. A análise foi realizada com microscopia óptica com iluminação simples em objetiva de 40 x. Utilizou-se os critérios da classificação dos micronúcleos e das anomalias metanucleares estabelecidos por Tolbert et al.12, com modificações:

a) Contagem de células: foram incluídas as células que tinham os núcleos normais e intactos, com perímetro nuclear liso e distinto, e que apresentassem o citoplasma também intacto, com exceção das que tinham pequenas dobras e pouca ou nenhuma sobreposição com as células adjacentes.

b) Contagem dos micronúcleos: foram considerados micronúcleos as estruturas que apresentassem um halo circundante sugestivo de uma membrana, menos de 1/3 do diâmetro do núcleo associado, intensidade da coloração com Feulgen semelhante ao núcleo e mesmo plano focal a microscopia.

A análise foi realizada em 2000 células para cada uma das regiões da boca, de cada indivíduo e a seguir o número de micronúcleos das regiões A e B foram somados e a mediana foi expressa em número de micronúcleos por 1000 células. A presença de células micronucleadas é evento aleatório, que exibe uma distribuição de Poisson, e deste modo a comparação entre as freqüências de micronúcleos foi realizada por teste não-paramétrico13. O nível crítico de rejeição da hipótese nula foi fixado em 5% (p<0.05).

Após o tratamento, os pacientes passaram a ser seguidos ambulatorialmente com retornos mensais procurando identificar tanto recidivas locais ou regionais quanto o desenvolvimento de segundas lesões primárias. O período médio de seguimento foi de 67,6 meses.

RESULTADOS

Dos 24 pacientes seguidos durante todo o período do estudo, 19 evoluíram a óbito: oito casos com recidiva local exclusiva (33,3%), seis casos com recidiva local e regional (25,0%). Dois outros pacientes faleceram devido ao desenvolvimento de segunda lesão primária (esofágica). Um paciente foi a óbito no segundo mês do pós-operatório por abdome agudo perfurativo. Em dois casos o óbito foi constatado em outros estados da Federação, devido ao câncer primário, porém não se conseguiu determinar se por doença local, regional ou metástase à distância (Tabela 1). A sobrevida média destes pacientes foi de 20 meses (2-44 meses).

Cinco pacientes encontram-se vivos e livres de doença (20,8%), com sobrevida média de 71,6 meses (66-80 meses).

A Tabela 2 mostra os dados para os cinco pacientes em acompanhamento e livres de doença que apresentavam, em todos os casos, linfonodos cervicais livres de metástases (N0) e apenas um foi classificado como T3 e todos os restantes eram T1 e T2. Entretanto, o paciente número três desta tabela, que era portador de um tumor T2 de borda de língua à direita, apresentou segundas lesões primárias nos pilares tonsilares esquerdo e direito, 21 e 36 meses respectivamente após o tratamento inicial e, ainda que na data do fechamento dos dados estivesse sem sinais de doença em atividade, há três meses foi submetido a ressecção de uma quarta lesão primária no soalho bucal.

A análise estatística da freqüência de micronúcleos das regiões A e B, dos indivíduos que morreram de recidiva local e daqueles que morreram com recidiva local e regional (n=14, mediana das freqüências de micronúcleos = 0.50/1000 células) demonstrou não haver diferença significante em relação aos pacientes que morreram por outras causas (dois casos de segunda lesão no esôfago, dois casos de causa indeterminada, e um óbito por abdome agudo perfurativo) acrescidos daqueles que encontram-se vivos e livres de doença até o presente momento (n=10, mediana das freqüências de micronúcleos = 0.63/1000 células).(p=0.83, Gráfico 1).


A análise da freqüência de micronúcleos das regiões A e B dos indivíduos que se encontram em acompanhamento e livres de doença (n =5, média das freqüências = 0.55 /1000 células), também não demonstrou diferença estatisticamente significante em relação à freqüência de micronúcleos dos indivíduos que morreram da doença local e local e regional (p= 0.61).

Em relação à freqüência de micronúcleos dos pacientes com tumores T1-T2 (n=12, mediana das freqüências da região A e B = 0.25/1000 células), observou-se uma diferença estatisticamente significante, quando comparada à freqüência de micronúcleos dos indivíduos com tumores T3-T4 (n =15, mediana das freqüências de A e B=0.75/1000células). (p=0.01, Gráfico 2). A variação do número de células com micronúcleo/sítio/paciente apresentou distribuição semelhante à do total de micronúcleo e também não foi significativamente relacionada à evolução dos casos.


Como era esperado, a quantidade de micronúcleos nas células da mucosa do fundo de saco gêngivo labial superior (sítio C) foi menor que aquela dos sítios A e B e não apresentou correlação com a recidiva local ou com segundas lesões.

DISCUSSÃO

Ainda não está estabelecida de maneira convincente a correlação entre a freqüência de micronúcleos em células epiteliais de uma determinada região anatômica expostas continuamente a agentes carcinogênicos e o desenvolvimento de recorrências locais ou de segunda lesões em portadores de carcinomas orais ou de orofaringe tratados14 .

Em estudo prévio de células metanucleadas da mucosa oral de pacientes alcoólicos portadores de câncer da cavidade oral e orofaringe, constatamos um gradiente progressivo na freqüência de micronúcleos das regiões C (sulco gengivo-jugal superior)<<A (região contra-lateral ao tumor) <<B (região peri-tumoral), sugerindo uma crescente exposição aos carcinógenos e a presença de correlação entre os eventos iniciais da carcinogênese com o aumento progressivo da freqüência de micronúcleos8.

No presente estudo encontramos uma maior freqüência de micronúcleos expressos nos indivíduos com tumores T3 e T4 em relação aos com tumores T1 e T2 (p =0.01), dado este difícil de ser interpretado teoricamente, pois as alterações genéticas da mucosa subjacente são condicionadas à exposição aos agentes genotóxicos em fase anterior ao desenvolvimento da neoplasia e aparentemente não é induzida pela presença do tumor, seja ele inicial ou avançado.

Segundo o conceito do "campo de cancerização", proposto por Slaughter em 195315, a mucosa de uma região anatômica exposta a agentes carcinógenos, seria toda ela susceptível ao desenvolvimento de neoplasias. O crescimento e a extensão lateral dos tumores, assim como o aparecimento de segundo tumor primário, seria decorrente da evolução do processo pré-neoplásico da mucosa "doente" ao redor do câncer original.

Baseados nestas observações, esperaríamos que os pacientes do presente estudo, que apresentassem maior freqüência de micronúcleos nas regiões peri-tumoral (A) e contra-lateral ao tumor (B), tivessem uma maior incidência de recidivas locais e de segunda lesão primária. Esta hipótese não foi confirmada pela análise dos dados, que demonstrou não haver correlação estatisticamente significante entre a freqüência de micronúcleos do grupo de indivíduos que apresentaram recorrência local da doença, em relação ao grupo com óbito decorrente de outras causas acrescidos dos indivíduos vivos e livres de doença até o presente momento. Desta forma, não observamos correlação clínica entre a freqüência de micronúcleos e o aumento da freqüência do desenvolvimento de recidivas locais dentro do período examinado.

Ainda que o número de pacientes com lesões primárias iniciais (T1 e T2) correspondesse a quase a metade da casuística (11/24), a curta sobrevida que apresentaram não nos permitiu análise em relação ao aparecimento de segunda lesão primária, que necessita de um período mais longo de sobrevida livre de doença para que possa se manifestar. Entretanto, sabendo que o aparecimento de segundas lesões está relacionado a sobrevidas longas e isto é prerrogativa principalmente de tumores tratados em fases iniciais cujo prognóstico é mais favorável, o seguimento dos pacientes vivos deverá ser voltado principalmente para o diagnóstico precoce de uma neoplasia num segundo sítio primário. Esta casuística, apesar de ter vários casos com lesões primárias iniciais, é composta de 75% de casos classificados como Estádio clínico III e IV pela presença de linfonodo clinicamente metastático. Esta característica que torna esta casuística pouco apropriada para estudos relacionados ao desenvolvimento de segundas lesões primárias mas poderia ter sido útil na identificação de grupos de maior ou menor risco para ter recidivas locais. Esta expectativa não se confirmou, pois os casos cujas células exibiam micronúcleos não tiveram recidivas em níveis superiores aos que não os apresentavam. Os casos desta casuística apresentaram um comportamento interessante, pois dos 11 classificados como T1 e T2, 45% (5 casos) já apresentavam ao momento do primeiro relato, a presença clínica de linfonodo metastático e três deles já se encontravam no estádio clínico IV(N2b).

Entre os cinco pacientes vivos e sem evidência de doença, quatro eram portadores de tumores Estádios Clínico I e II e o acompanhamento será importante para se estabelecer uma correlação entre a freqüência de micronúcleos e o diagnóstico de segundas lesões. Até o momento, entre estes pacientes vivos, o que vem apresentando múltiplas lesões é paradoxalmente aquele no qual não foi identificada nenhuma célula com micronúcleo. A ausência de correlação entre a freqüência de micronúcleos e a clínica já havia sido observada por Muñoz et al.5, que utilizando profilaxia com retinol, riboflavina e zinco em indivíduos com alto risco do desenvolvimento de carcinomas do esôfago, encontraram uma significante diminuição da freqüência de micronúcleos, porém sem haver uma diminuição concomitante da freqüência de lesões pré-neoplásicas. Por outro lado, o teste do micronúcleo, por ser de baixo custo e acessível mesmo com pouco aparato tecnológico, continua sendo testado como um biomarcador para detecção de pacientes com risco de desenvolvimento de câncer e também para monitorar a ação de quimioprotetores16,17. O grupo de pacientes que poderá ser particularmente beneficiado com este monitoramento é aquele composto por indivíduos etilistas e tabagistas crônicos que persistem com o hábito mesmo após já terem apresentado uma primeira neoplasia primitiva da mucosa das vias áreas digestivas superiores.

A freqüência de micronúcleos reflete apenas lesão recente ao DNA, sugerindo então a necessidade da supressão a longo prazo do aparecimento de micronúcleos para se observar um impacto sobre a incidência de câncer. Este fato explicaria o motivo deste biomarcador não estar nitidamente associado ao desenvolvimento clínico de lesões pré-neoplásicas ou tumores5,6,11.

CONCLUSÃO

No presente estudo não foi possível estabelecer uma correlação clínica entre a freqüência de micronúcleos da mucosa oral e orofaringe e o risco de desenvolvimento de recorrência local ou de segundo tumor primário no trato aerodigestivo superior.

SUMMARY

Relationship between the outcome and the frequency of micronuclei in cells of patients with oral and oropharyngeal carcinoma

BACKGROUND: To verify the correlation between the micronucleus frequency and the presence of local recurrences or second primary lesion in patients with carcinoma of the oral cavity.

METHODS: We studied the frequency of micronucleus of the oral mucosa in 27 untreated patients with carcinoma of the oral cavity and oropharynx. The patients were monthly followed after initial treatment, in an attempt to identify local recurrences or second primary lesions.

RESULTS: Of the 24 patients evaluated during the whole time, 5 cases (20,8%) were alive and free of disease, and 19 cases died, 18 (75%) owing to cancer and 1 to perfurative peptic ulcer. In relation to micronucleus frequency, no difference was observed among the patients with local recurrence of the disease (N=14) and the patients who died of other causes or were alive and free of disease (N=10) (p = 0.83). There was higher micronucleus frequency in the stages T3 and T4 (p = 0.01).

CONCLUSION: In the present study was not possible to find a clinical correlation between the frequency of micronucleus of the oral mucosal and the risk of development of local recurrence or second primary tumor in patients with upper aerodigestive tract carcinoma. [Rev Assoc Med Bras 2002; 48(4): 317-22]

KEY WORDS: Micronuclei. Oral carcinoma. Local recurrence.

Artigo recebido: 17/01/2002

Aceito para publicação: 21/06/2002

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2002
    • Aceito
      21 Jun 2002
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