Acessibilidade / Reportar erro

Conhecimento de adolescentes grávidas sobre anatomia e fisiologia da reprodução

Knowledge of pregnant adolescents about reproductive anatomy and physiology in a municipality of Southern Brazil

Resumos

OBJETIVOS: Verificar o conhecimento sobre alguns aspectos do aparelho genital feminino, da fisiologia da reprodução e sua associação com características sociodemográficas e "escolhas" reprodutivas em adolescentes gestantes. MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com 200 adolescentes primigestas, durante a primeira consulta de pré-natal no Ambulatório da Mulher de Indaiatuba, São Paulo. Foram feitas entrevistas face a face, com questionário estruturado e um modelo feminino tridimensional confeccionado artesanalmente para coleta dos dados. Os dados foram analisados utilizando-se os testes Qui-quadrado de Pearson, ou Exato de Fisher, e por regressões logísticas múltiplas, para verificar associações entre indicadores do conhecimento sobre anatomia dos órgãos genitais femininos, fisiologia dos órgãos e da reprodução com características sociodemográficas e "escolhas" reprodutivas. RESULTADOS: A maioria tinha conhecimento insatisfatório sobre anatomia (55,5%), com os órgãos externos sendo identificados com maior facilidade e melhor localizados do que os internos; fisiologia dos órgãos (61%); e aspectos fisiológicos da reprodução (76,5%). Algumas associações significativas foram estabelecidas entre o conhecimento e a idade dos parceiros, diferença de idade do casal, manutenção do vinculo após ocorrência da gravidez, filiação religiosa e escolaridade da adolescente. Não houve associação entre os indicadores de conhecimento estudados com a utilização de método anticoncepcional na primeira relação sexual e a intenção de ter um filho naquele momento. CONCLUSÃO: Este estudo faz emergir a complexidade da relação entre o conhecimento sobre anatomia e fisiologia reprodutivas e a temática da gravidez na adolescência, evidenciando a necessidade de abordagens mais contextualizadas dos conteúdos de programas de educação sexual, quando seu foco for a redução da gravidez precoce.

Gravidez na adolescência; Serviço de saúde reprodutiva; Educação sexual; Anatomia dos órgãos genitais; Fisiologia da reprodução


OBJECTIVES: To study knowledge of some aspects of the female reproductive anatomy and physiology and their association with socio-demographic and reproductive "choices" of pregnant adolescents. METHODS: A cross-sectional study was performed with 200 first time pregnant adolescents who attended a public women's health clinic in the municipality of Indaiatuba, Sao Paulo, Brazil. During their first prenatal care visit, face-to-face interviews were conducted using a structured questionnaire and a three-dimensional handmade female model. Bivariate data analyses were performed using Person's Chi-square or Fisher Exact test. Data were also analyzed using multivariate logistic regression models to test for associations of indicators of knowledge of female reproductive anatomy, physiology of female reproductive organs and physiology of reproduction with socio-demographic characteristics and reproductive "choices". RESULTS: The majority had little knowledge of anatomy (55.5%), with external organs more easily identified and placed than the internal; of physiology of reproductive organs (61.0%), and of physiology of reproduction (76.5%). Associations were found between knowledge and age of partner, couple difference of age, maintenance of the relationship with partner after pregnancy, religious affiliation, and level of education. No association was found between indicators of knowledge with use of contraceptives at first intercourse and with intention of having the baby at that time. CONCLUSION: This study addressed the complexity of the relationship between knowledge of reproductive anatomy and physiology and the theme of adolescent pregnancy, and emphasized the need for more contextualized approaches of programmatic contents on sexual education, in view of the intention to reduce early pregnancy.

Adolescent pregnancy; Reproductive health; Sexual education; Reproductive anatomy; Reproductive physiology


ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento de adolescentes grávidas sobre anatomia e fisiologia da reprodução

Knowledge of pregnant adolescents about reproductive anatomy and physiology in a municipality of Southern Brazil

Ingrid Espejo Carvacho; João Luiz Pinto e Silva* * Correspondência CAISM-FCM-UNICAMP Rua Alexander Fleming,101 Campinas/SP CEP: 13083-881 Caixa Postal 6081 psilva@unicamp.br ; Maeve Brito de Mello

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar o conhecimento sobre alguns aspectos do aparelho genital feminino, da fisiologia da reprodução e sua associação com características sociodemográficas e "escolhas" reprodutivas em adolescentes gestantes.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com 200 adolescentes primigestas, durante a primeira consulta de pré-natal no Ambulatório da Mulher de Indaiatuba, São Paulo. Foram feitas entrevistas face a face, com questionário estruturado e um modelo feminino tridimensional confeccionado artesanalmente para coleta dos dados. Os dados foram analisados utilizando-se os testes Qui-quadrado de Pearson, ou Exato de Fisher, e por regressões logísticas múltiplas, para verificar associações entre indicadores do conhecimento sobre anatomia dos órgãos genitais femininos, fisiologia dos órgãos e da reprodução com características sociodemográficas e "escolhas" reprodutivas.

RESULTADOS: A maioria tinha conhecimento insatisfatório sobre anatomia (55,5%), com os órgãos externos sendo identificados com maior facilidade e melhor localizados do que os internos; fisiologia dos órgãos (61%); e aspectos fisiológicos da reprodução (76,5%). Algumas associações significativas foram estabelecidas entre o conhecimento e a idade dos parceiros, diferença de idade do casal, manutenção do vinculo após ocorrência da gravidez, filiação religiosa e escolaridade da adolescente. Não houve associação entre os indicadores de conhecimento estudados com a utilização de método anticoncepcional na primeira relação sexual e a intenção de ter um filho naquele momento.

CONCLUSÃO: Este estudo faz emergir a complexidade da relação entre o conhecimento sobre anatomia e fisiologia reprodutivas e a temática da gravidez na adolescência, evidenciando a necessidade de abordagens mais contextualizadas dos conteúdos de programas de educação sexual, quando seu foco for a redução da gravidez precoce.

Unitermos: Gravidez na adolescência. Serviço de saúde reprodutiva. Educação sexual. Anatomia dos órgãos genitais. Fisiologia da reprodução.

SUMMARY

OBJECTIVES: To study knowledge of some aspects of the female reproductive anatomy and physiology and their association with socio-demographic and reproductive "choices" of pregnant adolescents.

METHODS: A cross-sectional study was performed with 200 first time pregnant adolescents who attended a public women's health clinic in the municipality of Indaiatuba, Sao Paulo, Brazil. During their first prenatal care visit, face-to-face interviews were conducted using a structured questionnaire and a three-dimensional handmade female model. Bivariate data analyses were performed using Person's Chi-square or Fisher Exact test. Data were also analyzed using multivariate logistic regression models to test for associations of indicators of knowledge of female reproductive anatomy, physiology of female reproductive organs and physiology of reproduction with socio-demographic characteristics and reproductive "choices".

RESULTS: The majority had little knowledge of anatomy (55.5%), with external organs more easily identified and placed than the internal; of physiology of reproductive organs (61.0%), and of physiology of reproduction (76.5%). Associations were found between knowledge and age of partner, couple difference of age, maintenance of the relationship with partner after pregnancy, religious affiliation, and level of education. No association was found between indicators of knowledge with use of contraceptives at first intercourse and with intention of having the baby at that time.

CONCLUSION: This study addressed the complexity of the relationship between knowledge of reproductive anatomy and physiology and the theme of adolescent pregnancy, and emphasized the need for more contextualized approaches of programmatic contents on sexual education, in view of the intention to reduce early pregnancy.

Key words: Adolescent pregnancy. Reproductive health. Sexual education. Reproductive anatomy. Reproductive physiology

INTRODUÇÃO

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1 mostram que a taxa de fecundidade no grupo de mulheres entre 15 e 19 anos apresentou aumento de 26% entre os anos 1970 e 1991. No mesmo período, a taxa de fecundidade entre adolescentes de 10 a 14 anos foi duplicada, enquanto que a fecundidade de mulheres adultas apresentou uma curva decrescente sistemática e significativa. Dados do DATASUS, do período de 1994 a 1997, continuaram mostrando esta tendência, com a taxa de fecundidade aumentando de 2,0 para 3,2 em cada mil jovens entre 10 e 14 anos, e de 62,2 para 79,3 em jovens de 15 a 19 anos2.

Quando analisados os possíveis fatores etiológicos ligados ao incremento das gestações nesta faixa etária, pode-se perceber a sua complexidade, que aponta para uma rede multicausal que torna as adolescentes especialmente vulneráveis. No Brasil, assim como em muitos outros países, o índice crescente de gravidez na adolescência representa um problema social e de saúde pública, devido às repercussões biológicas, psicológicas e sociais que podem ser acarretadas nesta faixa etária3,4. O fenômeno é verificado especialmente, mas não exclusivamente, na população de baixa renda, por causa das condições de vida desfavoráveis, do desconhecimento sobre o funcionamento do próprio corpo, da falta de suporte afetivo da família, da busca da identidade, da deficiência de programas adequados de educação sexual, da falta de acesso a métodos anticoncepcionais e do tratamento dado pela mídia à questão5, 6, 7.

Estudos realizados em escolas do Brasil e do Chile para investigar o conhecimento sobre o funcionamento do corpo, a puberdade, a reprodução e a sexualidade, confirmam a desinformação e o baixo nível de conhecimento sobre os temas, como também alertam para a falta de orientação sexual adequada8-11. Por outro lado, sabe-se que quase não há no país serviços de saúde disponíveis para atender especificamente as necessidades próprias dos adolescentes, o que se configura em um potencial obstáculo para o acesso às informações e às ações que protejam a saúde destes jovens12.

O principal objetivo deste estudo foi o de verificar, em adolescentes gestantes atendidas em um serviço de atenção primária, informações e conhecimento que possuem sobre aspectos do aparelho genital feminino, da fisiologia da reprodução e sua associação com características sociodemográficas e algumas "escolhas" reprodutivas feitas por estas jovens, seja em relação à utilização de método anticoncepcional na primeira relação sexual ou à intenção de ter engravidado naquele momento de vida.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de corte transversal com 200 adolescentes primigestas, com idade entre 10 e 19 anos. O cálculo do tamanho da amostra foi baseado na proporção populacional estimada de 11,5% de gestantes que conheciam seu período fértil7, considerando uma diferença absoluta entre a proporção da amostra e a populacional de 4,5% e um nível de significância de 0,05 (erro tipo I). Todas as adolescentes aceitaram participar voluntariamente da pesquisa após passarem pelo procedimento e assinatura do consentimento livre e esclarecido.

Os dados foram coletados no período de janeiro a agosto de 2003, no início da primeira consulta de pré-natal da gestante, por uma das profissionais responsáveis pelo atendimento no Ambulatório da Mulher do Município de Indaiatuba, SP, unidade básica de saúde referência para o pré-natal de alto risco e de adolescentes no Município.

Com cada adolescente, foi realizada uma entrevista face a face, utilizando-se um questionário estruturado, com perguntas abertas e fechadas, além de peças de tecido que representavam cada um dos órgãos – vulva (grandes e pequenos lábios, canal vaginal e clitóris), útero, trompas e ovários (Figura 1A) – e um modelo feminino tridimensional de tecido, de 1,5 metro de altura, de confecção artesanal (Figura 1B). Como parte da entrevista, era solicitado às adolescentes que identificassem os órgãos e os localizassem no corpo do modelo. Para avaliar o conhecimento do período fértil, foi disponibilizada às entrevistadas, uma folha de calendário com o primeiro dia de duas menstruações consecutivas de um ciclo de 28 dias destacados com um "X". Era solicitado às adolescentes que apontassem os dias considerados férteis.



Os questionários foram revisados para verificação do preenchimento, legibilidade das informações e codificação das respostas das perguntas abertas. Os dados obtidos foram duplamente digitados por pessoas diferentes, em um banco elaborado no software EPI-INFO 6.04b. Foram feitas consistências simples e lógica das variáveis.

O conhecimento das adolescentes foi avaliado por meio da construção de três indicadores a partir das respostas referentes a cada assunto: anatomia dos órgãos genitais femininos, fisiologia dos órgãos genitais femininos e fisiologia da reprodução. O indicador do conhecimento sobre anatomia foi composto por três variáveis que registravam 1) o reconhecimento de cada um dos órgãos internos (útero, trompas e ovário) e externos (grandes lábios, pequenos lábios, clitóris e vagina) apresentados, sendo atribuídos dois pontos quando a entrevistada declarava conhecer todos os órgãos mostrados, um ponto quando declarava conhecer algum órgão, e nenhum quando a entrevistada declarava desconhecer todos os órgãos apresentados; 2) as denominações dos sete órgãos internos e externos anteriormente mencionados, sendo atribuído um ponto a cada nome dado corretamente; 3) localização dos órgãos internos e da vulva no modelo, primeiramente sendo atribuída uma pontuação para o reconhecimento de que estes quatro órgãos se encontravam internos ou externos ao corpo (até no máximo quatro pontos), seguido da localização correta no modelo, podendo também atingir um valor máximo de quatro pontos. Portanto, o indicador do conhecimento sobre a anatomia dos órgãos poderia variar de 0 a 17 pontos.

O indicador de fisiologia dos órgãos envolveu o conhecimento da função do útero, ovários, trompas, vagina e clitóris. Para cada órgão foi atribuído um ponto para as respostas corretas. Este indicador poderia variar de 0 a 5 pontos.

O indicador da fisiologia da reprodução envolveu o conhecimento do significado da menstruação, ovulação, ejaculação, fecundação (sendo atribuído um ponto para cada resposta correta), o reconhecimento do período fértil e sua posterior identificação em uma folha. Este indicador poderia variar de 0 a 10 pontos.

Inicialmente, as associações entre os três indicadores de conhecimento com as características sociodemográficas e com as "escolhas" reprodutivas das adolescentes foram analisadas pelos testes de Qui quadrado de Pearson, ou Exato de Fisher. Regressão logística múltipla foi utilizada para verificar a associação de cada um dos indicadores com as características sociodemográficas e as "escolhas" reprodutivas. Os modelos de regressão foram ajustados pelo procedimento "stepwise". Os resultados das regressões são apresentados em "odds ratio", ajustados com 95% de intervalo de confiança para cada um deles13.

Para a realização das regressões, as variáveis sociodemográficas e reprodutivas incluídas nos modelos foram dicotomizadas conforme descrito a seguir: idade das adolescentes (10-14 anos = 1 / 15-19 anos = 0); diferença de idade com o parceiro (5 anos ou mais = 1 / até 4 anos = 0); vínculo atual com o parceiro (com vínculo = 1 / pouco ou sem vínculo = 0); trabalho remunerado (sim = 1 / não = 0); e escolaridade de quem a criou (até ensino fundamental completo = 1 / ensino médio ou maior = 0). Para as variáveis idade do parceiro e religião foram criadas variáveis "dummies", para permitir a análise das três categorias de interesse: idade do parceiro jovem (14-19 = 1 / = 20 = 0), idade do parceiro intermediária (20-25 = 1 / outras = 0), religião católica (católica = 1 / outras = 0); religião evangélica ou protestante (evangélica/protestante = 1 / outras = 0). As variáveis referentes às "escolhas" reprodutivas usadas foram o uso de algum método anticoncepcional na primeira relação sexual com penetração (sim = 1 / não = 0) e a intenção de ter engravidado naquele momento (sim = 1 / não = 0). Os valores dos indicadores de conhecimento foram convertidos em porcentagem. Valores inferiores a 50% foram considerados como menor conhecimento e valores iguais ou superiores a 50% como maior conhecimento.

As análises estatísticas foram realizadas com SAS versão 8.2. O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

RESULTADOS

Características sociodemográficas

A média de idade das adolescentes estudadas foi de 17 anos, sendo que 10% tinham entre 12 e 15 anos. Nenhuma adolescente, no presente estudo, tinha menos de 12 anos de idade. A média de idade dos parceiros atuais destas jovens foi de 22 anos (variando entre 14 e 50 anos); sendo que 30% tinham entre 14 e 19 anos. Mais de um terço (34%) das adolescentes tinha mais que quatro anos de diferença de idade com seu parceiro. No momento da gravidez, 2% engravidaram de quem "tinham ficado" e 42% já moravam com seus parceiros ou maridos. Após a ocorrência da gestação, 57% estavam em coabitação e 7% delas haviam perdido o vínculo com o parceiro. A maioria das adolescentes estudadas (67%) havia iniciado o ensino fundamental e, destas, 39% não o concluíram. No momento da entrevista, 63% já tinham interrompido sua formação escolar anteriormente à ocorrência da gestação e uma jovem nunca havia freqüentado a escola. A maioria das adolescentes estudadas (79%) não tinha trabalho remunerado. Quanto à religião, 60% declararam ser católicas, 21% evangélicas e 17% disseram não ter religião. Aproximadamente 70% declararam que foram criadas por ambos os pais e 22% somente pela mãe. As demais foram criadas por outros parentes. Quando perguntadas sobre a escolaridade de suas mães, 18% delas nunca haviam freqüentado a escola e 57% tinham estudado somente até a 4ª série do Ensino Fundamental.

Características reprodutivas

A média da idade da menarca das adolescentes foi de 12,3 anos (mediana = 12 anos, variando entre 9 e 16 anos). A média da idade da primeira relação sexual com penetração foi 15,2 anos (mediana = 15 anos, variando entre 12 e 19 anos). Quanto ao uso de métodos anticoncepcionais (MAC), 68,5% referiram ter utilizado na primeira relação sexual, sendo o preservativo usado por 91,2% delas. Quando engravidaram, 21,5% das adolescentes relataram estar usando algum MAC, atribuindo a ocorrência da gravidez à falha ou ao mau uso do método. Destas (n=43), 37,3% declararam estar utilizando o preservativo, também 37,3% anticoncepcional oral; e 23,2% ritmo ou coito interrompido. Quando questionadas sobre a "intenção de engravidar", 72% declararam não ter programado a gravidez atual e, aproximadamente, 40% destas prefeririam ter esperado entre um e quatro anos para engravidar. Houve um caso de gestação devido à violência sexual. Das adolescentes que declararam não querer engravidar naquele momento, 70% não estavam usando nenhum MAC (n=144).

Conhecimento

De maneira geral, as adolescentes demonstraram conhecer mais sobre a anatomia dos órgãos genitais (44,5%) do que sua fisiologia (39%). O indicador do conhecimento da fisiologia da reprodução, que incluía o reconhecimento do período fértil, foi o que teve o menor percentual de respostas corretas (23,5%).

Ao visualizar as peças que representavam os órgãos genitais femininos, 28,5% das entrevistadas referiram conhecer todos os órgãos apresentados, 70% conheciam alguns deles e 1,5% não conhecia nenhum, porém nem sempre souberam denominar corretamente o órgão apontado. Mostraram conhecimento adequado da localização externa dos órgãos, mas tinham dificuldades quanto aos órgãos internos, tanto em posicioná-los corretamente como em relacioná-los entre si de forma a dar-lhes algum sentido anatômico (Figuras 1C e 1D). A vulva foi "corretamente localizada" no modelo por 79,5% das participantes. O útero foi o órgão genital interno mais reconhecido quanto à sua denominação, localização e função no processo reprodutivo (67%, 43% e 80%, respectivamente). Poucas conheciam a localização e a função dos ovários (16% e 20%, respectivamente) e das trompas (12% e 22,5%, respectivamente).



O conhecimento sobre a anatomia dos órgãos estava positivamente associado a escolaridade das jovens. O conhecimento sobre a anatomia também foi menor quando os parceiros eram mais velhos e quando a diferença de idade entre as adolescentes e seus parceiros era maior (Tabela 1). Nenhuma destas associações foi encontrada na análise por regressão logística.

Quando analisado o indicador sobre o conhecimento acerca da fisiologia dos órgãos genitais, não foi constatada associação com qualquer característica sociodemográfica ou com as variáveis reprodutivas estudadas (Tabela 2). Entretanto, as adolescentes que se declararam evangélicas e protestantes tiveram melhor conhecimento da fisiologia dos órgãos genitais do que as demais (OR=2,150; 3,983-14,654 com 95% IC; p<0,001) no modelo de regressão logística.

Quanto ao conhecimento da fisiologia da reprodução, o conceito de menstruação foi o único com maior percentual de respostas certas (79%). Havia mais jovens que descreveram corretamente a ejaculação (49,5%) do que a ovulação (28,5%). Além disso, 37,5% descreveram corretamente o conceito de fecundação e 24% das entrevistadas localizaram corretamente o período fértil.

O indicador sobre o conhecimento da fisiologia da reprodução mostrou-se associado à idade, à escolaridade e ao vínculo com o parceiro. Assim, as adolescentes que tinham entre 10 e 14 anos e baixa escolaridade tinham menos conhecimento sobre a reprodução do que as mais velhas e as que haviam freqüentado a escola por mais tempo. As que mantiveram o vínculo com o parceiro tinham melhor indicador deste conhecimento. Os indicadores de conhecimento não mostraram associação significativa com as variáveis reprodutivas das adolescentes (Tabela 3). No modelo de regressão logística, o indicador de conhecimento da fisiologia da reprodução associou-se unicamente ao indicador de conhecimento da anatomia dos órgãos (OR=4,188; 4,188-2,017 com 95% IC; p<0,001) e à escolaridade da jovem (OR=2,031; 1,000-4,124 com 95% IC; p<0,05).

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que um alto percentual de adolescentes gestantes, atendidas em uma unidade básica de saúde de uma cidade do Estado de São Paulo, não programou a gravidez atual, fenômeno que vem sendo observado há algumas décadas no Brasil e que tem escapado do controle das políticas dirigidas a esta população. Vale destacar que a maioria destas gravidezes ocorreu no contexto de um relacionamento afetivo, sendo que quase metade das adolescentes entrevistadas coabitavam com seus parceiros ou maridos. Poucas gravidezes resultaram de uma parceria eventual, assim como nos resultados descritos por Aquino14. Além disso, o conhecimento (ou o desconhecimento) destas adolescentes sobre anatomia e fisiologia reprodutivas não se associou às "escolhas" reprodutivas feitas, seja quanto ao uso ou não de MAC na primeira relação sexual, seja quanto à intenção de ter um filho naquele momento de vida.

Os problemas enfrentados por adolescentes no exercício de sua sexualidade (gravidez, aborto, DST, uso inadequado dos MAC) constituem um quadro preocupante que, com freqüência, é descrito na literatura como tendo entre uma de suas causas, a falta de informação. Os resultados deste estudo, assim como os de Brandão15, mostraram que as adolescentes tinham um conhecimento insatisfatório sobre anatomia e fisiologia dos órgãos genitais, apesar de um número considerável delas ter cursado o ensino fundamental, em que o estudo do aparelho reprodutor faz parte do conteúdo programático, e, portanto, deveria, em teoria, estar incorporado ao seu conhecimento.

A associação encontrada entre o nível de conhecimento sobre os órgãos e a fisiologia da reprodução com a escolaridade e idade das adolescentes não surpreende e está em sintonia com outros estudos que verificaram o aumento do conhecimento conforme o avanço da idade cronológica e a escolaridade7, 11. Entretanto, em relação ao período fértil, houve um percentual importante de concepções errôneas, semelhante ao encontrado por Belo e Pinto e Silva7. Chama a atenção o fato de que as jovens que souberam identificá-lo nem sempre relacionaram este período à ovulação, demonstrando que a correta identificação do período fértil não envolve necessariamente uma compreensão da fisiologia reprodutiva e, dificilmente, refletirá em uma aplicação prática deste conhecimento.

O alto nível de desinformação detectada neste estudo, assim como em outros descritos na literatura nacional e internacional, pode ser reflexo da falta de uma educação sexual de qualidade, seja pela dificuldade de abordagem dos assuntos relativos ao corpo e à sexualidade no núcleo familiar, seja pela ausência de programas educativos em escolas e serviços de saúde11. Aquino et al.14 demonstraram que a prevalência de gravidez na adolescência é menor entre as jovens que receberam, da escola ou dos pais, as primeiras informações sobre gravidez e anticoncepção. No presente trabalho, no entanto, não se encontrou associações significativas sobre uso de MAC na primeira relação sexual e a intenção de se ter um filho naquele momento com nenhum dos indicadores de conhecimento estudados. Este resultado poderia tanto estar relacionado com a limitação do tamanho da amostra, que talvez não tenha permitido a detecção de diferenças significativas, como poderia refletir a multiplicidade de fatores associados ao uso de MAC e a intenção de se ter ou não um filho em cada momento da vida.

CONCLUSÕES

Este estudo demonstrou o baixo conhecimento de adolescentes grávidas sobre anatomia e fisiologia dos órgãos genitais femininos, assim como sobre aspectos fisiológicos da reprodução. O baixo conhecimento foi relacionado com a maior idade dos parceiros, a maior diferença na idade do casal, a não manutenção do vinculo com o parceiro após ocorrência da gravidez, algumas filiações religiosas e a baixa escolaridade das adolescentes. Não se encontrou associação dos diferentes indicadores de conhecimento investigados com a utilização de método anticoncepcional, ou com a intenção destas adolescentes de terem um filho naquele momento de vida.

Este estudo faz emergir a complexidade da relação entre conhecimento sobre anatomia e fisiologia reprodutivas e a temática da gravidez na adolescência, evidenciando a necessidade de abordagens mais contextualizadas dos conteúdos de programas de educação sexual, quando seu foco for a redução da gravidez precoce.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Sirlei Siani Morais, por ter realizado a análise estatística dos dados. Agradecem também aos profissionais do Ambulatório da Mulher de Indaiatuba, pelo apoio durante a coleta dos dados, e a todas as adolescentes voluntárias neste estudo. Este trabalho foi financiado pela Fapesp, processo nº 2003/02170-9.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 03/04/07

Aceito para publicação: 18/09/07

Trabalho realizado na Unidade Básica de Saúde VII Morada do Sol (Ambulatório da Mulher), Indaiatuba, SP

  • 1
    IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Distribuição da população residente, por Grandes Regiões segundo a situação do domicílio, o sexo e os grupos de idade – 1999 e 1998. Brasília (DF): IBGE; 1999. Disponível em: http://www.ibge.gov.br
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Informações de Saúde. Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS). Brasília (DF); 2000. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
  • 3. Cannon LRC. Prefácio In: Vieira EM, Fernandes EL, Bailey P, McKay A.Seminário gravidez na adolescência. Rio de Janeiro: Ministério de Saúde/ Family Health International/ Associação Saúde da Família; 1998. p.11-12.
  • 4. Pinto e Silva JL. Pregnancy during adolescence: wanted vs. unwanted. Int J Gynecol Obstet. 1998;63 (Suppl 1):151-6.
  • 5
    Bemfam. Pesquisa nacional sobre demografia e Saúde. Brasil, 1996. Rio de Janeiro: Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil-BEMFAM/Macro Intl., 1997.
  • 6. Duarte A. Gravidez na adolescência: ai, como eu sofri por te amar. Rio de Janeiro: Ed. Artes & Contos; 1996.
  • 7. Belo MAV, Pinto e Silva JL. Conhecimento, atitude e prática em relação aos métodos anticoncepcionais entre adolescentes gestantes.Rev Saúde Pública. 2004; 38(4):479-87.
  • 8. Felizare GMC. Enfermagem escolar e educação sexual para adolescentes. Rev Gaúch Enf. 1990; 11(1):12-9.
  • 9. Pelaez GP, Avila RL, Lüer MP, Riquelme DR. Desarrollo del adolescente: encuesta de conocimientos y actitudes entre escolares de enseñanza básica. Rev Chil Pediatr. 1995; 54:105-12.
  • 10. Bretas JRS, Vieira SC. Interesse de escolares e adolescentes sobre corpo e sexualidade. Rev Bras Enferm. 2002;55(5):528-34.
  • 11. Gomes WA, Costa, COM, Sobrinho CLN, Santos CA ST, Bacelar EB. Nível de informação sobre adolescência, puberdade e sexualidade entre adolescentes. J Pediatr (Rio J).2002;78(4):301-8.
  • 12
    Unicef. A voz dos adolescentes. Brasília (DF): Unicef; 2002.
  • 13. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. New York: John Wiley & Sons; 1989.
  • 14. Aquino EML, Heiborn ML, Knauth D, Bozom M, Almeida MC, Araujo J, et al. Adolescência e reprodução no Brasil: a heterogeneidade dos perfis sociais. Cad Saúde Pública. 2003; 19:(suppl 2):S377-88.
  • 15. Brandão LG, Gordan NA, Salla MFS, Pires MA, Oliveira MP, De Sá MS, et al. Avaliação do nível de conhecimento dos adolescentes do Parque Ouro Branco sobre sexualidade. Femina. 1995;16(1):59-68.
  • *
    Correspondência CAISM-FCM-UNICAMP Rua Alexander Fleming,101 Campinas/SP CEP: 13083-881 Caixa Postal 6081
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Set 2007
    • Recebido
      03 Abr 2007
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br