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Anafilaxia: diagnóstico

DIRETRIZES EM FOCO

Anafilaxia: diagnóstico

Autoria

Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Participantes

Antonio Carlos Pastorino, Maria Cândida Faria Varanda Rizzo, Norma de Paula Motta Rubini, Giovanni W.S. Di Gesu, Giovanni M.S. Di Gesu, Nelson Augusto Rosário Filho, João Negreiros Tebyriça, Dirceu Solé, Luiz Antonio G. Bernd, Maria Anita Costa Spindola, Ricardo dos Santos Simões

Elaboração final

6 de outubro de 2011

Descrição do método de coleta de evidência

Para elaboração desta diretriz, foram consultadas as bases eletrônicas primárias e secundárias de dados MEDLINE, Cochrane, Registro de Ensaios Controlados da Colaboração Cochrane -CENTRAL, Embase e Lilacs. A busca de evidências partiu de cenários clínicos reais, e utilizou os descritores nos termos MeSH e como termos isolados: Anaphylaxis; Allergens; Anaphylatoxins; Mast Cells; Adult; Chymases; Serine Endopeptidases. Os artigos foram selecionados após avaliação crítica da força de evidência científica por especialistas das Sociedades participantes, sendo utilizadas para as recomendações as publicações de maior força. As recomendações foram elaboradas a partir de discussão com o grupo elaborador. Toda a diretriz foi revisada por grupo especializado, independente, em diretrizes clínicas baseadas em evidências.

Graus de recomendação e força de evidência

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivo

A anafilaxia é reação alérgica potencialmente fatal e que pode ser desencadeada por vários agentes etiológicos. A suspeita clínica, aliada à identificação da etiologia, é ponto fundamen tal para abordagem segura e adequada dos pacientes durante episódio agudo. A etiologia da anafilaxia é variada segundo a idade e, sobretudo, local onde a reação ocorre. Nessa diretriz, são abordados os principais sintomas e sinais clínicos que per mitem diagnosticar o episódio de anafilaxia, assim como são comentados os seus principais agentes etiológicos.

Introdução

A anafilaxia é conceituada como uma reação alérgica aguda grave, de início súbito e evolução rápida, e que é potencialmente fatal1(D). Os órgãos-alvo envolvidos incluem pele e mucosas (80% a 90% dos episódios), aparelho respiratório (70% dos episódios), trato gastrointestinal (30% a 40%), sistema cardiovascular (10% a 45%) e sistema nervoso central em 10% a 15% dos episódios1(D).

As manifestações cutaneomucosas compreendem eritema localizado ou difuso, prurido, rash, urticária e/ou angioedema. As manifestações cutâneas são as mais frequentes ,e habitualmente, surgem de forma precoce na anafilaxia. No sistema respiratório, podem ocorrer prurido e congestão nasal, espirros, prurido ou aperto na garganta, disfonia, rouquidão, estridor, tosse, sibilância ou dispneia. As manifestações no trato gastrointestinal incluem náuseas, vômitos, cólicas e diarreia. O comprometimento do sistema cardiovascular pode ocasionar hipotensão, com ou sem síncope, taquicardia e arritmias car díacas. As manifestações neurológicas incluem cefaleia, crises convulsivas e alterações do estado mental. Outras manifestações clínicas também podem ocorrer, tais como sensação de morte iminente, contrações uterinas, perda de controle de esfíncteres, perda da visão e zumbido2(D).

Há percepção crescente da importância do coração como órgão-alvo da anafilaxia. No coração humano saudável, os mastócitos estão presentes no miocárdio e na íntima das artérias coronárias. Em pacientes com doença arterial coronariana, os mastócitos são encontrados nas lesões ateroscleróticas e contribuem para a aterogênese. Mediadores de mastócitos, como histamina, leucotrieno C4 e prostaglandina D2, podem levar a espasmo de artérias coronárias3(D). Assim sendo, a anafilaxia pode "desmascarar" uma doença coronariana subclínica e acarretar infarto do miocárdio e/ou arritmias, independente do uso de adrenalina.

A reação anafilática costuma ocorrer dentro de segundos a minutos após a exposição ao agente causal. Contudo, algumas reações ocorrem mais tardiamente. Os episódios de anafilaxia podem ter surgimento rápido e ser unifásicos; ter surgimento tardio (> 30 minutos), ou, ainda, ser bifásicos. Nas reações bifásicas, a fase imediata é seguida de um período livre de sintomas e, posteriormente, surge a reação tardia, com o recrudescimento dos sinais e sintomas, independentemente de nova exposição ao agente desencadeante. A fase tardia ocorre dentro de 8 a 12 horas após a reação imediata e está presente em cerca de 20% dos casos de anafilaxia. As reações bifásicas são mais frequentes na anafilaxia alimentar4(D).

O diagnóstico de anafilaxia é baseado em critérios clínicos definidos5(D). A anafilaxia é altamente provável quando um dos três critérios descritos no Quadro 1 é preenchido.


1. Quais são os principais desencadeantes de anafilaxia?

São variáveis e dependentes da faixa etária do paciente. Medicamentos, alimentos e veneno de insetos (Hymenoptera: abelhas, vespas, marimbondos e formigas) são os principais desencadeantes de anafilaxia. Outros agentes comuns são: látex (contido em equipamentos médicos, balões de ar, preservativos) e estímulos físicos, como exercício e frio. Anafilaxia por exercício pode ocorrer de forma isolada ou associada à ingestão prévia de alimentos ou medicamentos. Em algumas crises, não se consegue identificar o agente causal, caracterizando a anafilaxia idiopática (Quadro 1)2,6(D).

Analgésicos, anti-inflamatórios não hormonais e antibióticos são os medicamentos que participam com maior frequência de casos de anafilaxia. Em pacientes hospitalizados, há predomínio das reações a antibióticos. No ambiente cirúrgico, reações anafiláticas podem ser pro vocadas por bloqueadores neuromusculares, látex, anti-bióticos, opiáceos e anti-inflamatórios7(C)2(D). No Brasil, predomina o desencadeamento por medicamentos, seguido de alimentos e de insetos8(C).

A sensibilização alérgica a alimentos depende de fatores genéticos e dos hábitos alimentares. Na infância, os alimentos mais importantes na anafilaxia são leite de vaca e clara de ovo e, nos adultos, crustáceos e moluscos. Reatividade a frutas e legumes tem menor incidência, embora também possa induzir reações intensas2,9(D).

O veneno de abelhas, vespídeos (vespas, marimbondos) e formigas pode induzir reações anafiláticas graves. A sensibilização surge após vários contatos, em que podem ser observadas reações locais, exclusivamente. Reação sistêmica a insetos é mais comum em apicultores e seus familiares, agricultores e moradores do campo, profissionais do campo (veterinários e agrônomos), plantadores de frutas, frequentadores de sítios de lazer5,10(D).

Proteínas do látex contidas em equipamentos médicos, brinquedos e preservativos podem induzir quadros graves de anafilaxia em pessoas suscetíveis. Atopia é fator de risco para a sensibilização ao látex. O quadro é mais frequente entre profissionais da saúde que trabalham costumeiramente usando luvas, como cirurgiões, enfermeiros e técnicos de enfermagem; crianças portadoras de espinha bífida e pacientes submetidos a múltiplas cirurgias1,6(D). Alérgenos de látex apresentam determinantes antigênicos que são encontrados em numerosos vegetais. Em pacientes alérgicos ao látex, é comum observar o desenvolvimento de sensibilização a banana, kiwi, abacate, aipim, entre outros1,6(D).

Estímulos físicos como ar frio e exercício físico podem ativar mastócitos e provocar anafilaxia. Nos últimos anos, tem-se identificado com maior frequência quadros de anafilaxia provocados pela associação entre exercício físico e a ingestão prévia de alimentos ou de medicamentos. Essas reações podem ser específicas para determinado alimento ou fármaco ou simplesmente surgir associadas à ingestão de qualquer alimento ou droga2,10(D).

Recomendação

Existem muitos fatores etiológicos desencadeantes do processo de anafilaxia. Alguns fatores estão associados à maior incidência, como natureza do antígeno e história de atopia. Os medicamentos são os agentes que mais frequentemente acarretam anafilaxia, sendo os mais comuns os analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios não hormonais e os antibióticos.

2. Como os mecanismos de ativação de mastócitos e basófilos podem nos ajudar no entendimento das fases das reações anafiláticas?

a maioria dos agentes desencadeantes de anafilaxia é relacionada com o mecanismo de hipersensibilidade imediata mediada por IgE, que culmina com a ativação de mastócitos e basófilos11(B). Contudo, vários outros mecanismos imunológicos e não imunológicos também podem provocar a ativação dessas células e desencadear reações agudas, clinicamente similares: à anafilaxia clássica, mediada por IgE. Esses mecanismos incluem complexos antígeno-IgG, ativação do sistema do complemento, ativação do sistema de coagulação, ativação direta de mastócitos e basófilos, citotoxicidade, alterações no metabolismo do ácido araquidônico, liberação de neuropeptídeos, exercício físico, ar frio e água fria. Em alguns pacientes, as reações anafiláticas podem ter a participação de mais de um mecanismo simultaneamente10(D).

A experiência clínica e estudos observacionais indicam que o principal mecanismo imunológico na anafilaxia induzida por alérgenos é mediado por IgE. Entretanto, a partir de estudos em camundongos com modelos experimentais de anafilaxia à penicilina mediada por IgG, foi sugerida a possibilidade da ativação de basófilos, via complexos de alérgenos-IgG, em pacientes com reação anafilática comprovada a alérgenos (por exemplo, penicilina) e que não apresentam evidência de sensibilização IgE específica. Não está claro ainda se a principal célula efetora dessa via são os macrófagos e/ou basófilos12,13(D).

Os eventos celulares que ocorrem durante a reação anafilática envolvem a ativação de tirosina-quinases e influxo de cálcio em mastócitos e basófilos, resultando na liberação rápida de mediadores pré-formados, como histamina, triptase, carboxipeptidase A3, quimase e proteoglicanos. A seguir, ocorre a ativação de fosfolipase A2, ciclo-oxigenases e lipo-oxigenases, levando à produção de metabólitos do ácido araquidônico, destacando-se os leucotrienos e as prostaglandinas, e síntese de fator ativador de plaquetas (PAF). Em adição, são sintetizadas e liberadas várias citocinas, incluindo IL-6, IL-33 e TNF-α, que participam da fase tardia da anafilaxia14(D).

A histamina é o mediador crítico dos sintomas que surgem na fase imediata da anafilaxia. No meio extracelular, a histamina é metabolizada rapidamente, tendo meia-vida de 30 minutos, o que limita o seu uso como marcador de ativação de mastócitos e basófilos. Na anafilaxia, a histamina atinge níveis plasmáticos em 5 minutos e permanece elevada por até 30 a 60 minutos. Metabólitos urinários da histamina, incluindo a metil-histamina, podem ser detectados em até 24 horas pós-início da anafilaxia15(D).

A triptase é secretada como um complexo proteoglicano ativo com tamanho grande, o que limita a sua difusão do sítio de ativação de mastócitos para a circulação. A triptase atinge picos séricos em 60 a 90 minutos após o início da anafilaxia, permanecendo elevada por até 5 horas. A triptase pode ativar o sistema calicreína-cinina, o que leva à produção de bradicinina, causando o angioedema11(B), 4(D).

Os mastócitos geram e liberam mediadores lipídicos eicosanoides a partir de fosfolipídeos de membrana decorrente de múltiplas etapas enzimáticas. O ácido araquidônico é clivado dos fosfolipídeos de membrana por meio da fosfolipase A2 e, subsequentemente, metabolizado pelas vias da ciclo-oxigenase e lipo-oxigenase-5, que irão gerar, respecti vamente, prostaglandinas e leucotrienos. Esses mediadores são liberados na fase imediata dentro de 10 minutos, e a prostaglandina é sintetizada também na fase tardia, ocorrendo nova liberação em 2 a 10 horas após a ativação inicial. As atividades biológicas dos leucotrienos incluem contração da musculatura lisa, aumento da permeabilidade vascular, vasodilatação, secreção de muco, recrutamento de células inflamatórias, modulação da produção de citocinas e alterações na transmissão neuronal14(D).

Na anafilaxia mediada por IgG, o PAF parece ser o principal mediador12(D). O PAF é uma potente amina vasoativa liberada por ampla variedade de células, incluindo mastócitos, basófilos, células endoteliais, monócitos e macrófagos. Os basófilos quando estimulados in vitro por complexos de alérgenos-IgG liberam PAF em quantidades muito superiores às das demais fontes celulares desse mediador12(D). O PAF estimula as células endoteliais, resultando em aumento da permeabilidade vascular, atua na musculatura lisa brônquica causando broncoconstrição e participa da quimiotaxia e ativação de eosinófilos e neutrófilos14(D).

Os mastócitos e basófilos liberam citocinas e quimiocinas que contribuem principalmente para a fase tardia da reação anafilática bifásica. A atuação de citocinas e quimiocinas resulta no recrutamento e ativação de células envolvidas na inflamação alérgica e na potencialização da resposta anafilática. Os mastócitos ativados liberam IL-1, IL-3, IL-4, IL-5, IL-6, IL-8, IL-10, IL-16, IL-18, IL-22, IL-33, TNF-α e GM-CSF. Os basófilos são a principal fonte de IL-4, IL-13 e quimiocinas. Na anafilaxia, a IL-4 aumenta em três a seis vezes a responsividade das células-alvo à ação de mediadores vasoativos, incluindo a histamina, PAF e leucotrienos cisteínicos14(D).

Recomendação

Estudos indicam que o principal mecanismo imunológico envolvido na anafilaxia induzida como consequência de sen sibilização alergênica é mediado pela formação de anticorpos específicos da classe IgE, que culmina com a ativação de mastócitos e basófilos, resultando na liberação rápida de mediadores pré-formados, como histamina, triptase, carboxipeptidase A3, quimase e proteoglicanos.

A dosagem de mediadores pode ser útil no estabelecimento do diagnóstico de anafilaxia, sendo os métodos laboratoriais utilizados a dosagem de triptase sérica, histamina plasmática e metil-histamina urinária. O melhor momento para a dosagem de triptase é dentro de 1 a 2 horas após o início da reação anafilática, enquanto para a dosagem de histamina situa-se entre 10 minutos a 1 hora. Os metabólitos urinários da histamina podem permanecer elevados na urina por até 24 horas.

3. Quais fatores aumentam o risco de anafilaxia e de reações anafiláticas graves?

Diversos fatores podem aumentar a gravidade de uma reação anafilática ou interferir no seu tratamento, tornando-a, assim, potencialmente mais grave1,10(D). A rápida infusão intravenosa de um alérgeno está associada ao risco de reações mais graves. Idade mais avançada ou a presença de doença cardíaca pré-existente também são fatores de risco de anafilaxia grave. A presença de asma está associada aos episódios de maior gravidade, principalmente, nas reações provocadas por alergia a alimentos6,16(D).

O uso concomitante de agentes β-bloqueadores por via tópica ou oral está associado ao risco de reações mais graves devido à interferência com o tratamento da anafilaxia. A epinefrina aplicada a indivíduos em uso de β-bloqueadores pode levar, teoricamente, a um efeito alfa-adrenérgico isolado, resultando em hipertensão grave. Entretanto, esses indivíduos quando recebem epinefrina para tratar a hipotensão causada pela anafilaxia podem experimentar reações graves associadas à bradicardia paradoxal, hipotensão profunda e broncoespasmo grave. A dificuldade de recuperação pode ocorrer tanto com antagonistas β-1 quanto β-217(D). Apesar disso, a maioria dos pacientes em uso de β-bloqueadores não está com seus receptores totalmente bloqueados e a epinefrina não deve ser evitada nesses casos.

Outras classes de drogas também podem atuar como fatores que aumentam o risco de reações anafiláticas graves. Os inibidores da ECA (enzima conversora de angiotensina) podem interferir com o mecanismo endógeno compensador do choque (ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona), provocando edema de língua ou faringe, com risco de morte18(D). Inibidores da monoamino-oxidase podem aumentar os riscos da epinefrina por interferirem com a sua degradação.

Recomendação

Idade avançada, presença de doença cardíaca pré-existente, asma, uso concomitante de agentes β-bloqueadores e uso de inibidores da ECA estão associados ao risco de reações mais graves.

4. Como se caracterizam os quadros de anafilaxia fatal?

De modo geral, as reações anafiláticas fatais se caracterizam por sintomas geralmente limitados a um sistema. A morte pode ocorrer por choque ou por parada respiratória19(C) 20(D).

A morte por choque ocorre principalmente em indivíduos jovens e com coração saudável. O choque é causado pela vasodilatação com redistribuição do volume e queda do retorno venoso. A postura ereta favorece a evolução fatal21(D).

Em indivíduos idosos ou com doença cardíaca pré-existente, a morte geralmente ocorre por parada cardíaca causada por arritmia, devido à ação miocárdica dos mediadores solúveis liberados na reação anafilática. Alterações eletrocardiográficas de isquemia miocárdica são normalmente encontradas em estado de choque anafilático, podendo levar à confusão diagnóstica20(D).

Casos fatais também podem ocorrer por parada respiratória causada por broncoespasmo grave (principalmente em pacientes asmáticos) ou por edema das vias aéreas superiores levando à sufocação. Anafilaxia fatal em asmáticos está mais relacionada à alergia alimentar. Asfixia por edema de vias aéreas superiores é mais comum em reações a picadas de insetos e alimentos do que reações a drogas22(D) 23(D).

Recomendação

A anafilaxia é uma reação alérgica aguda grave e potencialmente fatal.

5. Como investigar a causa da anafilaxia?

O diagnóstico da anafilaxia habitualmente é clínico. De modo geral, a história é característica. Início abrupto de sinais e sintomas, como urticária, angioedema, eritema difuso, prurido, dificuldade respiratória, náuseas, vômitos, cólicas abdominais, hipotensão, broncoespasmo, tonturas ou síncope devem fazer suspeitar de reação anafilática10,24(D).

O nível de histamina, triptase e de outros mediadores se eleva na fase aguda. A histamina é degradada com rapidez, enquanto o nível de triptase permanece elevado por tempo mais prolongado (4-6 horas). A determinação da triptase no soro pode ser utilizada para confirmação diagnóstica de anafilaxia25(C) 2(D).

Em número significativo de casos, a história clínica permite identificar ou suspeitar de um agente desencadeante26(D). Os agentes mais comuns são medicamentos, alimentos e o veneno de abelhas, vespas (marimbondos) e formigas. É importante identificar cofatores, como infecção, exercício físico, consumo de álcool, entre outros27(A)2, 4 (D).

Os medicamentos mais associados à anafilaxia são analgésicos, anti-inflamatórios não hormonais e antibióticos. No ambiente cirúrgico, relaxantes neuromusculares, opiáceos e outras drogas devem ser acrescentados às anteriores2,26,28(D).

No Brasil, no lactente e na criança pré-escolar, leite de vaca e ovo, seguidos de legumes e frutas, são os principais alimentos causadores de anafilaxia. A partir da adolescência e na vida adulta, predomina a hipersensibilidade a moluscos e crustáceos2(D) 8(C).

O veneno instilado na picada de insetos pode induzir sensibilização alérgica e reações anafiláticas. Os principais agentes são abelhas, vespas (marimbondos) e formigas. De modo geral, o paciente refere ter sido picado momentos antes do início das manifestações clínicas7,29(C).

Látex contido em luvas e produtos médicos, brinquedos e preservativos tem participação em reações no ambiente médico-cirúrgico, principalmente. Tem sido demonstrado desencadeamento de anafilaxia por exercício físico isoladamente ou associado à ingestão prévia de alimentos ou medicamentos. Estímulos físicos, como o frio, produtos de diálise, desinfetantes e outros produtos podem ser agentes causais de anafilaxia em menor número de casos2(D).

A identificação de anticorpos IgE específicos para alérgenos pode ser feita por testes cutâneos de leitura imediata (puntura) e por determinação no soro. Esses procedimentos são úteis na avaliação de alergia a alimentos, veneno de insetos e a alguns medicamentos8(C) 2,26(D). Os testes cutâneos realizados com extratos padronizados apresentam maior sensibilidade, sendo o método preferencial para a avaliação empregado pelo especialista e devem ser realizados em ambiente hospitalar7(C) 2,26(D).

A presença de anticorpos IgE específicos para determinado alérgeno indica sensibilização, não sendo necessariamente indicativo de participação clínica30,31(D).

Recomendação

O diagnóstico da anafilaxia habitualmente é clínico. A investigação é necessária para confirmar a suspeita diagnóstica, identificar agente etiológico desconhecido e orientar a prevenção de novos episódios. Exames complementares devem estar baseados na história clínica.

6. Qual é o procedimento diagnóstico em pacientes com reação anafilática por picada de insetos?

Em pacientes com reação anafilática à ferroada de inseto, é importante a identificação do mesmo. É comum o paciente fazer essa identificação. A abelha deixa o ferrão no local da picada, enquanto as vespas não o fazem. Formigas provocam lesão local, com eritema e formação de vesícula. Em geral, as picadas são doloridas e pode ou não haver reação no local32 (C) 26(D). Eventualmente, o auxílio de um entomólogo pode auxiliar na identificação da espécie.

O diagnóstico da sensibilização alérgica é feito pela caracterização da presença de anticorpos IgE específicos para o veneno de insetos. Isso pode ser realizado por meio de testes cutâneos ou da determinação de IgE específica no soro. O método diagnóstico preferível é o teste cutâneo com veneno, pela alta sensibilidade e segurança. Testes cutâneos são positivos em 65% a 85% dos pacientes com história de reação sistêmica à picada de himenóptero33,34(D). Recomenda-se respeitar um período de 3 a 4 semanas após o evento agudo para realizar as provas diagnósticas.

Testes cutâneos negativos em pacientes com história positiva podem ser causados por perda da sensibilidade, se decorreu um período longo de tempo entre o evento e o teste. Testes negativos também podem ocorrer se a reação foi recente, dentro de um período refratário de alergia após a reação sistêmica. Nessa situação, os testes devem ser repetidos entre 3 e 6 meses33,34(D).

Em adultos com testes negativos, a chance de reação a uma nova picada é pequena (5%) se comparada com o risco de 25% a 70%, quando testes cutâneos com veneno são positivos. Diretrizes atuais não abordam adequadamente a questão de qual seria o melhor tratamento para pacientes com história convincente de reação aguda à picada de inseto, mas com resultados negativos de pesquisa de sensibilização ao veneno35(C) 36(D). Em casos complexos com resultados inconclusivos de testes diagnósticos, o teste de ativação de CD63 é particularmente útil e mais sensível que os testes intradérmicos, embora ainda não esteja disponível em nosso meio37(C).

Níveis séricos de triptase estão relacionados com gravidade da reação, segurança e eficácia da imunoterapia com venenos. Portanto, níveis de triptase são fatores de risco para reações anafiláticas graves por picada de insetos38,39(B).

Pacientes com reações sistêmicas graves, em que se demonstra sensibilização alérgica ao veneno e que estejam em risco de sofrer nova picada, são candidatos a receber imunoterapia específica com veneno de insetos26(D). Imunoterapia não deve ser empregada em pacientes com testes negativos para anticorpos IgE ou com testes positivos que não se correlacionam com os desencadeantes suspeitados40(D).

Recomendação

O método diagnóstico preferível é o teste cutâneo com veneno.

7. Quais são os principais agentes de anafilaxia transoperatória?

Qualquer uma das drogas usadas durante cirurgias pode induzir reações anafiláticas. Bloqueadores neuromusculares, hipnóticos, antibióticos, opiáceos, analgésicos, anti-inflamatórios, expansores plasmáticos, corantes e produtos contendo látex são os principais desencadeantes de anafilaxia no ambiente cirúrgico41(D).

A incidência das reações é variável, oscilando entre 1:3.500 e 1:20.00042,43(D). O diagnóstico de anafilaxia na pessoa anestesiada é considerado mais difícil devido à pequena expressão clínica nessa situação. Portanto, são fundamentais a atenção constante e o conhecimento do anestesista42,43(D).

A avaliação com especialista após um evento de anafilaxia cirúrgica tem como objetivos: identificar o agente causal, caracterizar uma opção segura para eventual novo procedimento e orientar a prevenção de novo episódio44,45(D). A investigação de anafilaxia cirúrgica é procedimento delicado que requer disponibilidade de tempo e experiência clínica. A exposição simultânea a vários potenciais desencadeantes é um dos fatores que dificulta a identificação do agente causal. As reações agudas provocadas por medicamentos ocorrem por ativação de mastócitos e basófilos e consequente liberação de mediadores vasoativos, como histamina, leucotrienos, prostaglandinas e outros. Essa ativação pode ser mediada por mecanismo imune-específico, como a ligação de alérgenos a anticorpos IgE, ou por ativação inespecífica de mastócitos e basófilos41,44(D).

A partir da informação fornecida por cirurgião e anestesista, é estabelecida a conduta diagnóstica que envolve a realização de testes cutâneos e provas laboratoriais. O diagnóstico repousa na aplicação de testes cutâneos (puntura e intradérmicos) com os fármacos envolvidos, seguindo as rotinas pre-conizadas em vários centros46,47(D). Em complementação, são disponíveis ensaios laboratoriais para detecção de anticorpos IgE para algumas drogas e o látex41(D). Técnicas in vitro que identificam ativação de basófilos têm sido objeto de pesquisa e são aplicadas em alguns centros especializados, na Europa e nos EUA, embora não estejam ainda padronizadas41(D).

Recomendação

Baseando-se na história da reação e utilizando-se as técnicas disponíveis, é possível avaliar com eficácia a reação anafilática no ambiente cirúrgico. O diagnóstico final é consequência do conhecimento e da experiência clínica.

Conflito de interesses

Pastorino AC: Recebeu honorários pela elaboração de aulas e separatas patrocinadas pela MSD.

Rizzo MC: Recebeu honorários dos Laboratórios Takeda, por preparação de aulas e separatas.

Rosário Filho N: Recebeu reembolso por comparecimento a simpósio patrocinado pela Danone; recebeu honorários por apresentação, conferência ou palestra das empresas Ache, Danone, GSK, MSD, Nycomed, Sanofi-Aventis e Support; recebeu honorários para consultoria patrocinada pelas empresas Ache, Danone, GSK, MSD, Nycomed, Sanofi-Aventis e Support.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 2013
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