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Importância da análise dos níveis de evidência publicados

EDITORIAL

Importância da análise dos níveis de evidência publicados

Wanderley Marques Bernardo

Coordenador do Projeto Diretrizes AMB-CFM e Professor de Medicina Baseada em Evidência da Faculdade de Medicina de Santos - UNILUS, Santos, SP

A publicação "Critical analysis of the use of statistical tests in Brazilian publications related to digestive tract surgery"1 analisa as publicações nacionais em cirurgia gastroenterológica, quanto à força da evidência e quanto ao uso de testes estatísticos, em dois extremos de tempo: 1987 e 2007. Conclui que: houve aumento de estudos em animais (de 3,33% para 19,7%); a distribuição dos trabalhos segundo a força de evidência permaneceu inalterada (ensaios randomizados [menos de 3%] e não randomizados, coortes prospectivos ou históricos, e estudos caso-controle); e a utilização de testes estatísticos aumentou de 40% para 70%, apesar de o uso adequado não ter sofrido impacto.

Apesar das limitações implícitas na avaliação de dois extremos no tempo, esta análise fundamenta-se, como tem sido a geração da informação científica em nosso meio, na área cirúrgica gastroenterológica. Tal exposição dos fatos é realizada com método explícito e reprodutível, de maneira clara, objetiva e compreensível, fornecendo elementos para algumas reflexões a seguir.

Sempre que abordamos o tema "nível ou força de evidência publicada", devemos fazê-lo ao menos com duas visões: quanto às consequências à tomada de decisão clínica, e quanto às consequências à avaliação da qualidade do publicador.

A força da evidência traduz o nível de incerteza, inerente às inferências da publicação, quanto ao efeito produzido nos pacientes pelas exposições ou intervenções descritas ou executadas2. Os testes estatísticos só deverão ter utilidade quando o nível de incerteza é pequeno na concepção da pesquisa, confirmando ou não a aplicabilidade, com expectativas de resultados na prática semelhantes aos do estudo. As consequências à tomada de decisão com base nas publicações é diretamente proporcional ao nível de incerteza das mesmas e, portanto, quanto menor a força publicada, maior o risco de uma prática imprevisível quanto aos efeitos nos pacientes.

Atualmente, avaliar a qualidade do publicador e/ou do autor se limita a uma série de indicadores superficiais3, como o número de citações obtidas ao longo de um determinado período, ou a publicação em revistas internacionais, não importando a força da evidência dessas publicações, nem tampouco a força da evidência das publicações que as citam. Propostas de análise como a deste trabalho de Orso IRB et al.1 atingem alguns stakeholders e devem determinar algumas consequências:

1. Nos leitores: devem saber identificar o nível de incerteza da evidência publicada ao considerá-las em suas decisões;

2. No peer review: devem explicitar a força da evidência relacionada com as publicações que aprova;

3. Nos avaliadores de qualidade: devem rever seus indicadores conferindo o devido peso aos publicadores e/ou autores na dependência da força da evidência publicada;

4. Nos autores: devem fazer um esforço em produzir e divulgar informações com nível elevado de força de evidência, protejendo os pacientes de decisões incertas do ponto de vista dos desfechos;

5. Nos financiadores da pesquisa: devem apoiar e estimular pesquisadores dispostos a desenvolver projetos factíveis para responder a cada categoria de questão clínica;

6. Nas Universidades: devem fortalecer, por meio de seus programas de pós-graduação, iniciativas que contemplem a produção de produtos relevantes, novos, fortes e aplicáveis, estimulando a publicação em periódicos nacionais;

7. Nos publicadores: devem ocupar seu papel de formadores de opinião, contribuindo com o sistema de saúde de maneira apropriada, uma vez que são os grandes responsáveis por tornar pública a informação científica consistente, mas também a inconsistente.

Este trabalho de Orso IRB et al.1 reproduz experiências internacionais diversas4-7, com variações na distribuição das proporções de força da evidência publicada, que determinam diretamente a necessidade de testes estatísticos apropriados. As deficiências nos testes estatísticos utilizados não são um problema maior, uma vez que são efeitos e não causa da fraqueza da evidência gerada8.

Esse exemplo de avaliação de qualidade deve ser seguido e valorizado, pois fortalece a ideia da Medicina que considera a experiência e os valores dos pacientes, mas também a evidência científica que permeia essa relação entre o médico e seu paciente.

  • 1. Nobre MR, Bernardo WM, Jatene FB. Evidence based clinical practice. Part III - Critical appraisal of clinical research. Rev Assoc Med Bras. 2004; 50:221-8.
  • 2. Kuroki LM, Allsworth JE, Peipert JF. Methodology and analytic techniques used in clinical research: associations with journal impact factor. Obstet Gynecol. 2009; 114: 877-84.
  • 3. Hopewell S, Dutton S, Yu LM, Chan AW, Altman DG. The quality of reports of randomised trials in 2000 and 2006: comparative study of articles indexed in PubMed. BMJ. 2010; 340:c723.
  • 4. Chan AW, Altman DG. Identifying outcome reporting bias in randomised trials on PubMed: review of publications and survey of authors. BMJ. 2005; 330:753.
  • 5. Chan AW, Altman DG. Epidemiology and reporting of randomised trials published in PubMed journals. Lancet. 2005; 365:1159-62.
  • 6. Dauphinee L, Peipert JF, Phipps M, Weitzen S. Research methodology and analytic techniques used in the Journal Obstetrics & Gynecology. Obstet Gynecol. 2005; 106:808-12.
  • 7. Gurusamy KS, Gluud C, Nikolova D, Davidson BR. Assessment of risk of bias in randomized clinical trials in surgery. Br J Surg. 2009; 96:342-9.
  • 8. Orso IRB, Pereira JCR, Albuquerque LACD, Cecconello I, Jukemura J. Critical analysis of the use of statistical tests in Brazilian publications related to digestive tract surgery. Rev Assoc Med Bras. 2011; 57(1):35-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Fev 2011
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