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Correspondências

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QUESTÃO DA LÍNGUA

Em primeiro lugar, desejo externar minhas felicitações pela "nova RAMB", que está muito melhor, em filosofia, forma e conteúdo. Interessaram-me, especialmente, os comentários do editorial referentes às publicações científicas, ao fator de impacto e ao uso da língua nessas comunicações. O uso do fator de impacto no ranqueamento da produção científica, da forma reducionista como tem sido feita, precisa ser revisto na opinião de investigadores abalizados, por encerrar grandes vulnerabilidades (chamo a atenção para artigo no Braz. J. Med. Biol. R., e para artigo em Química Nova, cujas cópias possuo e posso enviar, se houver interesse). Concordo plenamente com essa idéia. Por outro lado, a preferência da comunidade científica pela publicação em inglês pragmaticamente se explica (como o editorial bem situou), mas é um permanente paradoxo não resolvido, se pensarmos no que a Ciência filosófica e oficialmente defende em termos de divulgação e acesso democráticos à informação. Poucos pesquisadores nossos se comunicam com desembaraço e perfeição em inglês, mesmo os que estagiaram em países de língua inglesa por algum tempo. O que ocorre é a necessidade, quando da publicação, de uma revisão por um nativo de país de língua inglesa, ou o envio do manuscrito para a revisão de um colega no país estrangeiro, com quem se trabalhou por algum tempo. O empenho deste último, por sua vez, freqüentemente pesa junto à própria revista para que a publicação seja aceita. O inglês está hoje para nós como o latim esteve, no passado, para os povos periféricos a Roma. Prevalecem, nesse domínio, interesses econômicos e políticos, em prejuízo dos de caráter puramente científico. Seria interessante divulgar (mesmo sem a ingênua pretensão de modificações do "statu quo" a curto prazo) que isso não mais precisaria ocorrer, pois, ao contrário da época da hegemonia romana, hoje já se conta com uma língua auxiliar, neutra (não foi criada por nem pertence a nenhum país), reconhecida pela UNESCO desde 1953, facílima, sem irregularidades, sendo razoavelmente dominada para escrita e fala em cerca de um ano (quantos anos e dinheiro custa uma proficiência em inglês?). Tal língua já provou, em vários encontros mundiais, que são realizados anualmente, ser bem assimilada pelos mais diversos povos e culturas. Estou me referindo ao Esperanto, inventado por um médico (Zamenhoff) há mais de um século e que, fosse adotado para comunicação pela comunidade científica, colocaria (no aspecto comunicação) os pesquisadores de todo o mundo realmente em pé de igualdade. Essa questão necessita ser constantemente levantada pois, por mais que pragmaticamente se defenda o uso do inglês em publicações científicas, seu aprendizado é longo e dispendioso e indissociados da língua estão toda uma cultura e modo de ser diverso, que muitos rejeitam e sempre rejeitarão. A História tem exemplos bastantes sobre o tema. Mais uma vantagem do Esperanto que, não sendo de domínio de nenhuma cultura ou nação, não tem interesses hegemônicos, econômicos ou comerciais, nada impondo. Não objetiva, além disso, substituir a língua nativa do indivíduo, mas atuar sempre como uma segunda língua, ou língua auxiliar. Por último, desejo parabenizá-los pela valorização que o editorial defende as publicações em português. Faço votos de que a CAPES considere, de maneira mais enfática, suas sugestões. Quando falo da CAPES, refiro-me a nós próprios, porque a CAPES somos nós, nossos pares, que escolhem o "Qualis" onde constam as publicações que vão contar pontos no ranqueamento de nossas produções científicas.

GILBERTO PEREZ CARDOSO

Resposta da Ramb

Agradecemos os seus comentários e sugestões. Temos a certeza que contribuirão, assim como o editorial o fez, para que a questão da língua nas publicações científicas brasileiras seja discutida e revista. Neste sentido, fornecemos aos leitores as referências dos artigos sobre o assunto, mencionados em sua carta1-3.

1. Linardi PM, Coelho PMZ, Costa HMA. The " impact factor" as a criterion for the quality of scientific production is a relative, not absolute, measure. Braz J Med Biol Res 1996; 29(5): 555-561.

2. Pinto AC, de Andrade JB. Fator de impacto de revistas científicas: qual o significado deste parâmetro. Química Nova 1999; 22(3):448-453.

3. Amin M, Mabe M. Impact factors: use and abuse. Perspectives in Publishing 2000; No.1(October):1-6.

A Redação

MEDICINA FETAL: ESPACIALIDADE OBSTÉTRICA?

Após a descoberta do número normal diplóide dos cromossomos humanos em 1956 por Tijo e Levan, e subseqüentemente o estabelecimento do número haplóide dos espermátides humanos (Ford e Hamerton, 1956), a Genética Humana sofreu impulso monstruoso e ainda hoje apresenta perspectivas não delimitadas. Na área da reprodução humana, que exibe íntima conexão com estes fatos, a evolução científica ganhou notoriedade em diversos aspectos, desde as manipulações de gametas em laboratórios e suas magníficas conseqüências até o diagnóstico antenatal com outros incontáveis desdobramentos. Com isso, o volume de conhecimentos se acumula gradativamente, tornando cada vez mais complexo cada diagnóstico que é enriquecido com numerosos detalhes em seus múltiplos aspectos, já que qualquer doença pode ser abordada por diversos ângulos (etiologia, patogenia, manifestações clínicas, evolução, métodos diagnósticos, tratamento, etc.).

Em Obstetrícia, o advento da ultra-sonografia trouxe mudanças radicais no cotidiano de todos os profissionais desta área porque este novo método diagnóstico tornou-se um instrumento de aplicação quase imperativa. A possibilidade de se estabelecer o diagnóstico pré-natal obriga o obstetra a fazer ampla reciclagem e atualizações em sua área de cognição, sob o risco de ter questionada sua competência diante da cliente ou do casal, uma vez que estes dispõem de recursos que podem "plugá-los", por meio da Internet, a ricas fontes de informações. O retorno aos livros de Genética e outros afins é inevitável porque lá reside o elucidamento de muitos diagnósticos conjeturados.

Em se tratando de diagnóstico antenatal, registre-se aqui o grande progresso alcançado em virtude do aprimoramento dos aparelhos ultra-sonográficos, particularmente nestes derradeiros anos. Com isso, na Obstetrícia monolítica de outrora, onde não se dividia responsabilidades e havia o domínio absoluto de assuntos relativos à tocomática, observa-se especialmente nesta última década, nítida fragmentação, despontando a Medicina Fetal, uma "quase" nova disciplina com função diferenciada no trato do diagnóstico pré-natal e orientação, como um consultor, ao clínico encarregado dos cuidados obstétricos propriamente ditos, incluindo neles a assistência pré-natal rotineira e ao parto nos moldes tradicionais.

Será esta uma percepção exagerada, ou será esta a verdadeira tendência?

De um lado, a existência de "residências médicas" exclusivamente nesta área dá apoio a esta assertiva. De outro, as preocupações observadas recentemente em contexto mundial quanto à extensão da atuação desta sub-especialidade obstétrica (incursões sobre temas obstétricos gerais como: prematuridade, doença hipertensiva específica da gravidez, etc.), atestam que em hipótese alguma a Medicina Fetal deva se desvincular da tradicional Obstetrícia. Evidentemente, a unidade materno-fetal deve ser continuamente considerada em unicidade, pois há relação de interdependência que jamais poderá ser negligenciada.

Portanto, é necessário, antes de tudo, que esta especialidade obstétrica satisfaça às injunções oficiais dos órgãos competentes e se credencie de fato como especialidade reconhecida, e assim determine todos os trâmites necessários para aqueles que pretendem nele se inserir como especialistas.

SEIZO MIYADAHIRA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2001
  • Data do Fascículo
    Jun 2001
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