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Tratamento da discite na criança

Treatment of discitis in the child

Resumos

OBJETIVO: Foram avaliados retrospectivamente nove casos de discite na infância, confirmando suas formas variadas de apresentação, que levam ao atraso e dificuldades no diagnóstico. MÉTODOS: Os autores demonstraram que as radiografias iniciais podem se apresentar sem alterações, sendo importantes os exames de cintilografia ou ressonância magnética, nesses casos. RESULTADOS E CONSLUSÕES: Um paciente necessitou de tratamento cirúrgico para descompressão do canal lombar, devido à presença de abscesso discal. Os demais pacientes foram tratados conservadoramente, através de repouso, antibioticoterapia adequada e imobilização. Todos os pacientes evoluíram satisfatoriamente, e não apresentavam queixas nas suas avaliações finais.

Disco intervertebral; Infecção e discite


BACKGROUND: The authors reviewed nine patients presenting with discitis during infancy, demonstrating that its diverse forms of presentation lead to a delayed and difficult diagnosis. METHODS: This study reports that initial radiographs may not show any alterations, enhancing the importance of scintillography or magnetic resonance for these cases. RESULTS AND CONCLUSIONS: One patient was submitted to surgical treatment for lumbar canal decompression due to the presence of a disk abscess. The remaining patients were treated conservatively only with an appropriate antibiotic therapy, immobilization and restriction of physical activity. All of the young patients had a satisfactory evolution and stated no complaints about sequels during their final evaluation.

Intervertebral disk; Infection and discitis


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento da discite na criança

Treatment of discitis in the child

Osmar Avanzi* * Correspondência: Rua Dr. Cesário Motta Jr, 61 - Vila Buarque, CEP:1221020 - São Paulo - SP, coluna@santacasasp.org.br ; Lin Yu Chih; Robert Meves; Claudio Mattos

RESUMO

OBJETIVO: Foram avaliados retrospectivamente nove casos de discite na infância, confirmando suas formas variadas de apresentação, que levam ao atraso e dificuldades no diagnóstico.

MÉTODOS: Os autores demonstraram que as radiografias iniciais podem se apresentar sem alterações, sendo importantes os exames de cintilografia ou ressonância magnética, nesses casos.

RESULTADOS E CONSLUSÕES: Um paciente necessitou de tratamento cirúrgico para descompressão do canal lombar, devido à presença de abscesso discal. Os demais pacientes foram tratados conservadoramente, através de repouso, antibioticoterapia adequada e imobilização. Todos os pacientes evoluíram satisfatoriamente, e não apresentavam queixas nas suas avaliações finais.

Unitermos: Disco intervertebral. Infecção e discite.

SUMMARY

BACKGROUND: The authors reviewed nine patients presenting with discitis during infancy, demonstrating that its diverse forms of presentation lead to a delayed and difficult diagnosis.

METHODS: This study reports that initial radiographs may not show any alterations, enhancing the importance of scintillography or magnetic resonance for these cases.

RESULTS AND CONCLUSIONS: One patient was submitted to surgical treatment for lumbar canal decompression due to the presence of a disk abscess. The remaining patients were treated conservatively only with an appropriate antibiotic therapy, immobilization and restriction of physical activity. All of the young patients had a satisfactory evolution and stated no complaints about sequels during their final evaluation.

Key words: Intervertebral disk. Infection and discitis.

INTRODUÇÃ0

A discite é uma doença pouco freqüente e definida como um processo inflamatório inespecífico do disco intervertebral. Do ponto de vista clínico, é uma patologia que acomete especialmente crianças portadoras de sinais e sintomas, muitas vezes, não específicos, como dor no abdômen, febre e dificuldade para a marcha, resultando em dificuldade e retardo no diagnóstico1,2,3,4. O que caracteriza o diagnóstico definitivo é o estreitamento do espaço correspondente ao disco intervertebral nas radiografias simples da coluna vertebral, associado à febre, leucocitose e aumento da velocidade de hemossedimentação. A cultura do material colhido (da biópsia aberta ou fechada da lesão) demonstra o agente etiológico em menos de 50% dos casos. O germe implicado com mais freqüência é o estafilococo aureo5,6. A alteração radiográfica, entretanto, ocorre após duas a três semanas do início da doença. Dessa forma, um alto índice de suspeita é necessário para a indicação de exames subsidiários que demonstrem precocemente a alteração estrutural do disco intervertebral. Vários autores têm reportado que a cintilografia óssea e, atualmente, a ressonância nuclear magnética (RNM) são de grande valia para o diagnóstico precoce. O trauma ou a presença de um agente bacteriano ou viral no disco intervertebral é apontado, de acordo com a opinião de diferentes pesquisadores, como a causa desta doença. Como a etiologia desta patologia ainda é desconhecida e debatida na literatura, não há consenso quanto à conduta terapêutica7,8. Apesar das várias opções de tratamento reportadas na literatura, a grande maioria das crianças evolui satisfatoriamente e sem seqüelas9,10. O objetivo deste estudo retrospectivo foi mostrar a experiência do Grupo de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e discutir as dificuldades no diagnóstico e tratamento de uma patologia pouco mencionada na literatura.

MÉTODOS

No período compreendido entre julho de 1995 e janeiro de 2002, foram internados nove doentes portadores de discite inespecífica no Pavilhão "Fernandinho Simonsen" do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo. Dos nove pacientes, seis eram do sexo masculino (66,7%) e três do feminino (33,3%). A média da idade na ocasião do diagnóstico foi de três anos, variando de um a 10 anos.

Baseado na suspeita clínica e mesmo quando não verificamos alterações esqueléticas nas radiografias simples, solicitamos a cintilografia óssea ou, se possível, a RNM para o diagnóstico precoce. A RNM fornece informações importantes do disco intervertebral, como por exemplo, a detecção de abscesso epidural. Após o início do tratamento com antibiótico endovenoso para a cobertura de estafilococo aureo por até três semanas, indicamos a manutenção via oral até resolução dos sinais e sintomas da doença e melhora da velocidade de hemossedimentação. A conduta do serviço inclui a imobilização gessada tipo Risser por ocasião da alta hospitalar. Apenas os casos com evolução clínica insatisfatória ou atípica foram submetidos à biópsia cirúrgica da lesão ou, quando possível, à tentativa de isolamento do germe através da hemocultura.

Essas crianças foram avaliadas retrospectivamente, conforme as informações dos prontuários do Serviço de Arquivos Médicos (SAME) do Hospital Central da Santa Casa de São Paulo. Coletamos os dados de acordo com o quadro clínico inicial e do último seguimento ambulatorial, a demora até o diagnóstico definitivo, exames de imagem, exames laboratoriais (velocidade de hemossedimentação, contagem de leucócitos, reação cutânea de Mantoux, hemocultura e biópsia), tratamento (conservador ou cirúrgico), uso de antibióticos (tempo e via de administração) e tempo de imobilização gessada. Devido ao pequeno número de pacientes da nossa amostra, não realizamos nenhuma avaliação estatística dos nossos achados.

RESULTADOS

A queixa principal durante a avaliação inicial do paciente foi a recusa para andar e dor nas costas. Verificamos sinais e sintomas variados na descrição do prontuário, incluindo claudicação, dor à palpação na coluna vertebral, dor abdominal, dor à mobilização do membro inferior, retificação da lordose lombar e descompensação anterior do tronco. Observamos que nenhum paciente apresentou disfunção neurológica e dois apresentaram febre acima de 38ºC (Tabela 1).

A duração média do retardo do diagnóstico, ou seja, do período entre o atendimento inicial e o diagnóstico de discite, foi de dois dias, variando de zero a oito dias. A média de duração entre o início dos sintomas e a procura para o atendimento médico foi de oito dias, variando de dois a vinte dias. Constatamos que o diagnóstico inicial foi incorreto em três pacientes. Nestes, a hipótese inicial era de fratura lombar, psoíte e infecção do trato urinário.

Exames complementares

A média do VHS inicial foi de 76,5 mm/hora, variando de 20 a 98 mm/h. A contagem de leucócitos inicial foi normal em três pacientes (33,3%), com uma contagem média de 11.143 por mm3, variando de 5.100 a 17.400 leucócitos por mm3. Hemocultura e biópsia aberta da lesão foram realizadas em um paciente submetido à hemi-hemi laminectomia para drenagem de abscesso epidural evidenciado na RNM. Este doente apresentava febre, leucocitose e um quadro de dor lombar intensa irradiada para membros inferiores. A biópsia revelou processo inflamatório crônico com surto recidivante, mas não houve crescimento de bactérias na cultura da secreção. O teste cutâneo de Mantoux (PPD) foi não-reativo e solicitado em um paciente, porque este caso em especial apresentava antecedente familiar positivo para a tuberculose.

Exames de imagem

Os recursos de imagem utilizados foram a radiografia, cintilografia, tomografia axial computadorizada (TAC) e ressonância nuclear magnética (RNM).

Radiografias iniciais ântero-posteriores e em perfil mostraram estreitamento do espaço discal em sete pacientes (77,8%), mas em dois (22%), as radiografias iniciais eram normais (um caso no nível C7-T1 e outro em L4-L5). O estreitamento radiográfico do espaço intervertebral foi documentado em todos os pacientes durante o seguimento ambulatorial. Os níveis acometidos foram: L3-L4 em um paciente (11%), L4-L5 em seis (66,7%), L5-S1 em um (11%) e C7-T1 em um (11%) (Gráfico 1).


O diagnóstico precoce nas crianças com radiografias normais foi realizado com o uso da cintilografia (Figura 1). Um paciente com um ano de idade evoluiu com anquilose entre L4 e L5 (Figura 2). A RNM foi realizada em três pacientes: dois pacientes mostravam alteração do sinal nos espaços discais de L3-L4 e L5-S1 e abscesso epidural em um paciente evidenciado como presença de coleção líquida no disco L4-L5 (Figura 3). A tomografia axial computadorizada (TAC) demonstrou estreitamento do espaço discal L4-L5 em um paciente (11%).




Tratamento

O uso de antibióticos por via endovenosa foi indicado em sete pacientes (77,8%), sendo aplicado durante duas semanas, em média, variando de uma até três semanas. Em dois pacientes, apesar do estreitamento radiográfico do espaço intervertebral, foi optado por observação ambulatorial periódica, porque já apresentavam resolução espontânea do quadro clínico e os hemogramas com VHS eram normais. Foi indicada Oxacilina em cinco casos, Cefazolina em um e Cefalotina em outro. Oito pacientes (89%) foram imobilizados com gesso de Risser durante nove semanas em média, variando de cinco a doze semanas. O paciente com discite no disco C7-T1 não foi submetido à imobilização, especialmente por ser uma região anatômica de menor instabilidade.

Um paciente portador de discite com abscesso epidural foi submetido à discectomia e biópsia aberta. No ato cirúrgico, o disco intervertebral L4-L5 estava abaulado e com secção do ânulo fibroso, ocorrendo saída de secreção purulenta. A Figura 4 mostra as fotos do paciente no pré-operatório, onde verificamos a retificação da lordose lombar e limitação da amplitude de movimento lombar.


Os noves pacientes em estudo tiveram um seguimento que variou de 12 a 108 meses, e média de 36 meses. Constatamos que ao final deste seguimento, todos os pacientes estavam assintomáticos e sem deformidade ou limitação funcional da coluna vertebral.

DISCUSSÃO

Neste estudo, confirmamos as observações de Scoles et al.(9) sobre as lesões inflamatórias do disco intervertebral em crianças, que produzem um grande número de sinais clínicos, evoluindo em geral com estreitamento permanente na imagem radiográfica do espaço intervertebral. Segundo esses autores, a dor na coluna é a queixa predominante, mas a irritabilidade da criança, dor em membros inferiores, claudicação, recusa para andar ou dor abdominal também podem ser manifestação dessa afecção. Cumpre enfatizar que a variedade de sintomas não específicos encontrados, como irritabilidade da criança, dor irradiada para abdômen ou quadril, confunde o diagnóstico inicial e não raramente há descrições de retardo no diagnóstico inicial da doença1,9. Esse fato foi verificado em três pacientes da nossa casuística.

Moura-Ribeiro et al7. e Scoles et al.9 enfatizam que o diagnóstico de discite é clínico, mas os métodos de imagem fornecem grande auxílio para a definição da localização e extensão do processo patológico. Vale lembrar que a dor na coluna vertebral da criança não pode ser negligenciada, devido à possibilidade de alteração esquelética associada, como por exemplo, a inflamação inespecífica do disco intervertebral, conhecida como discite2,5,6,8.

O entendimento dinâmico da fisiologia vascular do disco intervertebral elucida os achados do exame clínico e de imagem. Diferentemente do adulto, a criança apresenta o disco intervertebral vascularizado, justificando a maior incidência dessa doença nessa faixa etária. Segundo vários trabalhos, esta é a explicação da hipótese etiológica viral ou bacteriana e, também, da resposta satisfatória do tratamento com o uso de antibióticos3,5,8. Nossa série indicou a predominância da doença em crianças e a evolução clínica satisfatória da doença em todos os pacientes.

Crawford et al.3 reconhecem quatro fases radiográficas da discite: fase latente, quando as radiografias apresentaram-se normais; fase aguda, que ocorre de duas a quatro semanas após a instalação dos sintomas e se caracteriza pelo estreitamento e erosão do espaço discal; fase de cura, que ocorre de dois a três meses após o aparecimento das alterações radiográficas e se caracteriza pela esclerose das margens dos corpos vertebrais; fase tardia, caracterizada pelo estreitamento do espaço discal acometido. Vale lembrar que dois dos nossos doentes estavam na fase latente, porque as radiografias iniciais eram normais. Barros Filho et al1. enfatizam que, em pacientes com radiografias iniciais normais, a cintilografia óssea demonstra precocemente imagens de aumento de captação, permitindo o diagnóstico e início de tratamento. Atualmente, a ressonância magnética é capaz de registrar a extensão do envolvimento no corpo vertebral, espaço discal e partes moles adjacentes, o que permite um diagnóstico mais precoce desta patologia1,6,8,9. Neste trabalho, a utilização da cintilografia permitiu o diagnóstico precoce em dois pacientes e a RNM foi de grande valia para a conduta da drenagem cirúrgica do abcesso epidural. No nosso meio, contudo, devido ao alto custo da RNM, não é possível a realização de rotina deste exame subsidiário. A TAC, por sua vez, pode apontar as alterações ósseas adjacentes ao disco intervertebral, porém seu valor é limitado quanto à avaliação de partes moles.

CONCLUSÃO

A literatura revisada mostrou que o tratamento da discite, assim como sua etiologia, é controversa, porém, concordamos com os autores que indicam repouso, alguma forma de imobilização com gesso ou órtese ortopédica e uso de antibióticos3,4,7,9,11. O agente etiológico mais comumente isolado é o estafilococo aureo1,4,7,10, entretanto, Brown et al.2 e Wenger et al11. demostram que a cultura da secreção por punção fechada ou aberta não revela o agente etiológico em mais da metade dos pacientes, opinando que este procedimento deve ser realizado nos pacientes portadores de formas clínicas mais agressivas ou que não respondem satisfatoriamente ao tratamento clínico instituído. Esse fato explica a conduta do teste terapêutico com antibióticos com cobertura para estafilococo aureo realizado em nosso serviço, lembrando que no caso submetido à punção cirúrgica não houve positividade da cultura.

Os trabalhos revisados e nossa experiência adquirida, ainda que em nove casos, demonstram que esta patologia pouco conhecida é benigna e autolimitada4,7,8,10.

AGRADECIMENTO

Agradecemos ao NAP-SC Núcleo de Apoio à Publicação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo pelo suporte técnico-científico à publicação.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 13/11/03

Aceito para publicação: 18/05/04

Trabalho realizado no Grupo de Coluna do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

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  • *
    Correspondência: Rua Dr. Cesário Motta Jr, 61 - Vila Buarque, CEP:1221020 - São Paulo - SP,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2004
    • Recebido
      13 Nov 2003
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