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Direitos dos pacientes e legislação

Atualização

Bioética

DIREITOS DOS PACIENTES E LEGISLAÇÃO

Em 17 de março de 1999, o Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, promulgou a Lei nº 10.241, de autoria do Deputado Roberto Gouveia, que "dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado e dá outras providências", cujo texto é seguinte1:

Artigo 1º – A prestação dos serviços e ações de saúde aos usuários de qualquer natureza ou condição, no âmbito do Estado de São Paulo , será universal e igualitária, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995.

Artigo 2º – São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:

I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;

II - ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome;}

III - não ser identificado ou tratado por:

a) números

b) códigos; ou

c) de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso;

IV - ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manutenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública;

V - poder identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência através de crachás visíveis , legíveis e que contenham:

a) nome completo;

b) função;

c) cargo; e

d) nome da instituição;

VI - receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre:

a) hipóteses diagnósticas;

b) diagnósticos realizados;

c) exames solicitados;

d) ações terapêuticas;

e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas;

f) duração prevista do tratamento proposto;

g) no caso de procedimentos de diagnósticos terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e conseqüências indesejáveis e a duração esperada do procedimento.

h) exames e condutas a que será submetido;

i) a finalidade dos materiais coletados para exame;

j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes no serviço de atendimento ou em outros serviços: e

l) o que julgar necessário:

VII - consentir ou recusar de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados:

VIII - acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995:

IX - receber por escrito o diagnóstico e o tratamento indicado, com a identificação do nome do profissional e o seu número de registro no órgão de regulamentação e controle da profissão:

X - vetado:

XI - receber as receitas:

a) com nome genérico das substâncias prescritas;

b) datilografadas ou em caligrafia legível;

c) sem a utilização de códigos ou abreviaturas;

d) com o nome do profissional e seu número de registro no órgão de controle e regulamentação da profissão; e

e) com assinatura do profissional:

XII - conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de recebê-los, os carimbos que atestaram a origem, sorologias efetuadas e prazo de validade:

XIII - ter anotado em seu prontuário, principalmente se inconsciente durante o atendimento:

a) todas as medicações com suas dosagens utilizadas; e

b) registro da qualidade de sangue recebida e dos dados que permitam identificar a sua origem, sorologias e prazo de validade;

XIV - ter assegurado durante as consultas, internações, procedimentos diagnósticos e terapêuticos e na satisfação de suas necessidades fisiológicas :

a) a sua integridade física;

b) a privacidade;

c) a individualidade:

d) o respeito aos seus valores éticos e culturais:

e) a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal; e

f) a segurança do procedimento;

XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas e internações por pessoas por ele indicada;

XVI - ter a presença do pai aos exames pré-natais e no momento do parto;

XVII - vetado;

XVIII - receber do profissional adequado, presente no local, auxilio imediato e oportuno para a melhoria do conforto e bem estar:

XIX - ter um local digno e adequado para o atendimento;

XX - receber ou recusar assistência moral, psicológica, social ou religiosa;

XXI - ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental ou fizer parte de pesquisa:

XXII - receber anestesia em todas as situações indicadas:

XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida: e

XXIV - optar pelo local de morte.

& 1º - A criança ao ser internada terá em seu prontuário a relação das pessoas que poderão acompanhá-la integralmente durante o período de internação.

& 2º - A internação psiquiátrica observará o disposto na Seção III do Capítulo IV do Título I da segunda parte da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995.

Artigos 3º, 4º e 5º - vetados.

Publicamos a íntegra da Lei não só para conhecimento dos médicos paulistas, mas e principalmente, para estimular discussões e ações que levem à adoção de leis semelhantes em outros Estados e em nível Federal.

A nosso ver a Lei tem importância enorme, prática e didática. Alguns destaques são a seguir apresentados.

Os incisos I, II, III, IV e V do art. 2º afirmam direitos óbvios dos pacientes (que,a rigor, nem precisariam estar em um diploma legal, pela sua própria obviedade), mas que são freqüentemente desrespeitados.

Os incisos V e VI do artigo 2º dão força legal a dois dos itens mais importantes de qualquer discussão bioética atual: o direito do paciente ser esclarecido quanto a todos os aspectos de sua doença e, uma vez esclarecido, ter o direito de "consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, procedimentos dignósticos e terapêuticos a serem nele realizados".

O inciso VIII do artigo 2º reafirma um direito já explicito na Constituição e no próprio Código de Ética Médica (mas nem por isso sempre respeitado): o paciente deve ter acesso livre aos dados contidos em seu prontuário médico.

O inciso XI do artigo 2º estabelece alguns requisitos para as receitas médicas: a obrigatoriedade (óbvia, novamente) de serem redigidas de forma legível, sem a utilização de abreviaturas (freqüentemente crípticas) e com o nome, registro profissional e a assinatura de quem as emitiu; além disso enfatiza a necessidade de que delas conste o nome genérico das substâncias prescritas.

O respeito à privacidade e individualidade dos pacientes é ressaltado no inciso XIV do artigo 2º, enquanto os incisos XV e XVI firmam um dos direitos dos pacientes mais habitualmente desrespeitado: o de terem acompanhamento de pessoas queridas nas consultas, internações, e por ocasião de consultas pré-natais e do parto.

Em nossa opinião, dois dos mais importantes tópicos da Lei estão nos incisos XXIII e XXIV. Ao estatuir, com clareza, que o paciente tem o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para prolongar a vida e que tem, ainda, o direito de optar pelo local da morte, oferece-se respaldo legal aos médicos que acreditam que em alguns pacientes terminais, e com a concordância dos mesmos ou de quem responda por eles, a não introdução ou a interrupção de medidas para o prolongamento da vida é a conduta ética a ser adotada.

Existe hoje, no meio médico, o medo de processo judicial por omissão de socorro. No Código Penal vigente, que data de 1940, o artigo 135 conceitua o crime de omissão de socorro como: "Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoas inválida ou ferida, ao desamparo, ou em grave e iminente perigo; ou não pedir nestes casos o socorro da autoridade pública". Alguns juristas e muitos médicos entendem que não utilizar sempre todos os meios disponíveis para o tratamento, em qualquer circunstância, constituiria omissão de socorro. Partindo da premissa de que o paciente terminal está em processo inexorável de morte, não há como "salvá-lo" para a vida. A lei deixa as coisas bem claras2.

Finalmente, situações particulares de crianças e de pacientes psiquiátricos são tratadas nos parágrafos 1º e 2º do inciso XXIV, ressaltando-se - mais uma vez- que crianças têm o direito a acompanhamento durante todo o período de internação.

A Lei 10.241 não traz inovações éticas. Entretanto, com clareza e em linguagem adequada, regula vários aspectos do exercício profissional. Alguns são tão evidentes que parece até desproposital terem sido incluídos em Lei; outros, ainda controvertidos, encontram na Lei um esclarecimento muito necessário.

Em seu conjunto, a Lei 10.241 representa uma vitória dos pacientes e, também, dos profissionais de saúde. A aplicação prática é imediata; o papel didático será cumprido com o seu conhecimento pelos pacientes e profissionais da saúde e, eventualmente, pela adoção de leis semelhantes em outros Estados e no País como um todo.

GABRIEL OSELKA

Referências

1. Lei nº 10241. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 18 de março de 1999

2. Torreão LA, Reis AGAC, Troster E, Oselka G. Ressuscitação cardiopulmonar: discrepância entre o procedimento de ressuscitação e o registro no prontuário. J Pediatr 2000; 76:429-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2001
  • Data do Fascículo
    Jun 2001
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