Open-access Da confrontação à reação das instituições democráticas - um novo federalismo pós-COVID?

De la confrontación a la reacción de las instituciones democráticas: ¿un nuevo federalismo pos-COVID?

Resumo

Este artigo analisa as transformações impulsionadas pela pandemia de COVID-19 no federalismo brasileiro, em especial na área de saúde, destacando os impactos sobre o padrão de relações intergovernamentais construído ao longo das últimas três décadas e discutindo os possíveis legados para os governos atuais. A partir de um modelo específico fundamentado no Neo-Instituciconalismo Histórico, com base nos conceitos de conjuntura crítica e dependência de trajetória, foi realizada uma análise da dinâmica de atuação dos principais atores e instituições na arena sanitária nacional, destacando seus posicionamentos, estratégias, disputas e consensos, instâncias utilizadas, instrumentos, dispositivos e normas editadas, e cotejando-os com a trajetória da própria pandemia. Os resultados mostram que houve um triplo deslocamento estrutural na condução da política de saúde, em que a coordenação federativa passou a ser exercida pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, e suas entidades de representação, enquanto as duas casas do Congresso, e suas bancadas parlamentares, assumiram a formulação de políticas de apoio aos entes subnacionais. Por sua vez, o STF se responsabilizou por garantir as prerrogativas de autonomia dos governos estaduais de gestão descentralizadas do sistema de saúde. Ao final, são discutidos os possíveis impactos desse deslocamento para as instituições federativas e a coordenação de políticas no SUS no ciclo atual de governo.

Palavras-chave:
federalismo; pandemia; COVID-19; Sistema Único de Saúde; coordenação intergovernamental

Abstract

This article analyzes the transformations driven by the COVID-19 pandemic in Brazilian federalism, especially in the health area, highlighting the impacts on the pattern of intergovernmental relations established over the past three decades and discussing the possible legacies for current governments. Using a specific model based on historical neo-institutionalism and articulating the concepts of critical juncture and path dependence, the study examined the dynamics of the main actors and institutions in the national health arena, emphasizing their positions, strategies, disputes, and consensus; the level of government in which they operate; and the instruments, devices, and standards issued, comparing these elements with the trajectory of the pandemic. The results show a threefold structural shift in the implementation of the health policy, in which federative coordination was exercised by state and municipal health departments and their representative entities. Meanwhile, Congress and its parliamentary caucuses assumed the formulation of policies to support subnational entities. In turn, the Supreme Federal Court took responsibility for safeguarding the autonomy of state governments in the decentralized management of the health system. Finally, the article discusses the potential impacts of this shift on federal institutions and policy coordination within the Brazilian Unified Health System (SUS) in the current government cycle.

Keywords:
federalism; pandemic; COVID-19; Unified Health System; intergovernmental coordination

Resumen

Este artículo analiza las transformaciones impulsadas por la pandemia de COVID-19 en el federalismo brasileño, especialmente en el área de la salud, destacando los impactos en el patrón de relaciones intergubernamentales construido durante las últimas tres décadas y discutiendo los posibles legados para los gobiernos actuales. Utilizando un modelo específico fundamentado en el neoinstitucionalismo histórico, basado en los conceptos de situación crítica y dependencia de trayectoria, se realizó un análisis de la dinámica de acción de los principales actores e instituciones en el ámbito nacional de la salud, destacando sus posiciones, estrategias, disputas y consensos, instancias utilizadas, instrumentos, dispositivos y estándares publicados, y comparándolos con la trayectoria de la propia pandemia. Los resultados muestran que hubo un triple giro estructural en la conducción de la política de salud, en el que la coordinación federal pasó a ser ejercida por las secretarías de salud estatales y municipales, y sus entidades representativas, mientras que las dos cámaras del Congreso, y sus bancadas parlamentarias, asumieron la formulación de políticas de apoyo a las entidades subnacionales. A su vez, el STF era responsable de garantizar las prerrogativas de autonomía de los gobiernos estatales para la gestión descentralizada del sistema de salud. Finalmente, se discuten los posibles impactos de este cambio en las instituciones federales y la coordinación de políticas en el Sistema Único de Salud (SUS) en el actual ciclo de gobierno.

Palabras clave:
federalismo; pandemia; COVID-19; Sistema Único de Salud; coordinación intergubernamental

1. INTRODUÇÃO: A PANDEMIA DE COVID-19 E AS PRESSÕES POR MAIOR COORDENAÇÃO POLÍTICA E INSTITUCIONAL

A rápida e ampla difusão da pandemia de COVID-19 no Brasil resultou em uma conjuntura crítica, envolvendo demandas complexas a diferentes entes públicos, pois combinava o desconhecimento em relação ao vírus, sua disseminação e seu tratamento com a sobrecarga nos serviços de saúde e a busca pela produção de vacinas e insumos necessários para prevenção e o tratamento dos enfermos. Na esfera político-institucional, a agenda de combate à COVID-19 produziu três tipos de pressão sobre o arcabouço federativo brasileiro.

Em primeiro lugar, ampliou significativamente a extensão e a intensidade das demandas por ações, serviços e recursos das três esferas da federação, em especial no campo da saúde, gerando demandas por mais recursos e espaços de projeção política, responsabilização, competição e associação (Marques & Ferreira, 2023; Noronha et al., 2020).

Além disso, impulsionou a demanda por formulação de políticas e pela construção de novos mecanismos regulatórios das relações intergovernamentais de diversas naturezas, tais como decretos, portarias, grupos de trabalho, comitês de crise, forças tarefa, consórcios, planos regionais de emergência sanitária, programas de ajuda financeira, compras conjuntas, fóruns setoriais, entre outros (Carvalho et al., 2022; Ferreira & Lima, 2024).

Por fim, intensificou a demanda por mediação institucional no julgamento de causas e conflitos de competências, prerrogativas e direitos constitucionais originários entre as esferas da federação, em especial no que tange às competências concorrentes (Glezer et al., 2024; Maffini, 2021). Todas essas pressões atuaram sobre o arranjo interfederativo que assegurava a governança no setor saúde.

Ao longo das últimas três décadas, demandas dessa natureza, no setor saúde, foram conduzidas a partir da dinâmica de federalismo integrado e cooperativo estabelecida na Constituição Federal de 1988 e nas Leis Orgânicas da Saúde (Abrucio, 2006; Arretche, 2012; Souza, 2005). Esse arranjo político-institucional, diferente do federalismo dual, de competências estanques, é caracterizado por maior integração e ação conjunta entre a união e os entes subnacionais, acentuando a interdependência de responsabilidades, os processos coletivos de tomada de decisão e as ações conjuntas na implementação de políticas e programas. No federalismo integrado, predomina o esquema de competências comuns, ou seja, a esfera nacional e os entes subnacionais são responsáveis de maneira conjunta pela maioria das políticas, o que resulta no predomínio de padrões mais uniformes e sistemas nacionais de políticas públicas.

Como consequência dessa maior integração, em regimes federativos integrados predominam sistemas verticais de coordenação das relações intergovernamentais bastante institucionalizados e complexos, orientados para estruturar relações funcionais, com divisão mais hierárquica de competências entre os níveis central, intermediário, e instrumentos regulatórios rígidos e regras formais (normas mais austeras de comprovação de competências, habilidades gerenciais, etc.) (Broschek, 2011; Saltman & Vrangbæk, 2007).

No caso da política de saúde, o caráter integrado do federalismo setorial, construído nas três últimas décadas, significava que todas as decisões relativas à ampliação da rede de serviços de saúde, implementação de novos programas, política de informação em saúde, contratação e fixação de profissionais, entre outras, eram conduzidas de maneira conjunta entre o Ministério da Saúde (MS) e as entidades de representação dos gestores estaduais e municipais - Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), respectivamente.

No plano da gestão da rede de ações e serviços de saúde, observou-se, durante a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), uma significativa expansão do papel dos governos locais, que assumiram a responsabilidade pela implementação de políticas e a gestão de unidades de prestação de serviços. Os estados adotaram um papel intermediário, assumindo parte dos serviços de maior complexidade, assim como as responsabilidades pela coordenação federativa em seu território com ações de apoio aos municípios (Cordeiro, 2001; Ouverney & Fleury, 2017).

Entretanto, essa dinâmica de construção conjunta foi esvaziada já nos primeiros meses da pandemia, em virtude do posicionamento negacionista do governo federal (Abrucio et al., 2020; Grin et al., 2022; Teixeira & Santos, 2023), criando um vácuo federativo deliberado, caracterizado pela ausência do Ministério da Saúde no desempenho das funções de coordenação nacional do SUS - em especial a partir da gestão do ministro Eduardo Pazuello (Alves et al., 2022; Giovanella et al., 2020).

Essa ausência do Ministério da Saúde, assim como de diversas outras estruturas federais, resultou em um triplo deslocamento nas funções de coordenação de políticas no Brasil. De início, como consequência imediata da paralisia operacional do MS, em sua função de condutor nacional do SUS, os governadores e prefeitos assumiram o protagonismo na condução das ações de combate à pandemia em seus territórios, posicionando a ampla rede de secretarias estaduais e municipais de saúde como os núcleos efetivos de coordenação das ações de enfretamento da pandemia. Partiram delas as principais iniciativas para regulamentar o funcionamento das atividades sociais e econômicas, contratar prestadores, organizar a rede de serviços de saúde, comprar equipamentos, entre outras, sobrecarregando gestores e profissionais de saúde (Campos et al., 2023; Castro et al., 2023; Ferreira & Lima, 2024).

Na sequência, o Congresso ampliou seu papel na formulação de políticas e na garantia dos recursos para estados e municípios. Diante da incompatibilidade das agendas dos dois poderes, da atitude conflituosa do Presidente e da baixa capacidade de articulação política do governo, pouco adiantaram as prerrogativas de atuação legislativa do Executivo e a dinâmica altamente institucionalizada de aprovação de pautas do Congresso - fatores apontados pela literatura nacional como responsáveis pelas elevadas taxas de sucesso legislativo dos governos (Figueiredo et al., 1999; Gomes, 2012).

O amplo leque de áreas em que o Congresso formulou e aprovou legislação, e a intensidade com que o fez, expressa na elevada taxa de aprovação mensal de leis, sugere que o mesmo se orientou muito mais pelas agendas dos diversos atores da sociedade, dos estados e municípios do que pelas propostas do governo, buscando realmente maior protagonismo no cenário nacional (Ouverney & Fernandes, 2022).

Finalmente, os conflitos que resultaram dessas mudanças foram levados ao Supremo Tribunal Federal (STF), que alterou também o padrão tradicional de decisão em questões relativas às relações intergovernamentais, resguardando a autonomia dos entes subnacionais. Como guardião da Constituição de 1988, e sendo o federalismo uma das cláusulas pétreas, não restou outra alternativa ao STF, diante das ameaças constantes do presidente Bolsonaro de limitar a atuação de estados e municípios, a não ser exercer sua responsabilidade na regulação de direitos originários de autonomia e garantir as prerrogativas de exercício das competências dos entes subnacionais (Fernandes & Ouverney, 2022; Godoy & Tranjan, 2023).

Portanto, a combinação entre a pressão da sociedade por respostas rápidas à pandemia e o posicionamento negacionista do governo federal, com a militarização e o insulamento do MS, levaram ao rompimento das bases do modelo de federalismo integrado cooperativo do SUS e produziram as condições para emergência de um novo arranjo, caracterizado por dois pilares: (1) múltiplos núcleos de condução em âmbito nacional estabelecidos a partir da ação de Conass, Conasems, Congresso e STF; e (2) uma ampla rede mais horizontal de coordenação executiva de ações e serviços de saúde, composta pela articulação entre as secretarias estaduais e municipais em cada estado.

Essas mudanças ainda reverberam nos governos atuais, pós-eleições de 2022, e podem produzir alterações expressivas na trajetória futura das relações intergovernamentais e entre os poderes da república, que também atuam como instituições federativas, impulsionando novas tendências na dinâmica política do setor saúde e no papel exercido pelas instituições políticas do país. Diante desse cenário, a questão central é: as mudanças do período da pandemia podem ser sustentáveis e produzir impactos no futuro próximo?

O presente artigo busca respostas para esta questão a partir da síntese dos resultados obtidos em ampla pesquisa original, desenvolvida no âmbito do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no período de 2020 a 2023, a partir de 7 linhas de estudo que analisaram o papel do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais e municipais, de Conass e Conasems, do Congresso Nacional, do STF e da Frente pela Vida.

O texto está organizado em mais quatro seções. Na próxima, apresentaremos um curto balanço da literatura sobre federalismo no Brasil, focando nas características do modelo constitucional de 1988 e em sua implementação nas últimas três décadas, em especial na área de saúde. Na seção 3, desenvolvemos o modelo analítico construído especificamente para analisar as relações entre a evolução da pandemia e a dinâmica federativa do SUS, com base no neoinstitucionalismo histórico. Na seção 4, por sua vez, analisaremos as mudanças observadas e as possíveis tendências para o futuro próximo. Finalmente, na seção 5 estão as conclusões, abrangendo os possíveis impactos das mudanças no futuro recente.

2. O FEDERALISMO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988: UM ARRANJO FLEXÍVEL E PROPÍCIO A INOVAÇÕES

2.1. O federalismo brasileiro pós-1988

A literatura acadêmica até a década de 1990 tratou a organização do tipo federativa como um entrave ao sistema político, impedindo as necessárias reformas e gerando riscos constantes de ingovernabilidade (Guicheney et al., 2018). Tal tendência acentuou-se a partir da Constituição Federal de 1988, que teria ampliado o poder dos governos estaduais para contrarrestar tendências autoritárias do governo central. O elevado poder dos governadores para impor vetos (veto players) e o baixo controle sobre suas ações terminaram gerando o que Abrucio (1998) cunhou como os “barões da federação”, fortalecendo o regionalismo ao produzir uma representação territorial forte superposta à representação política.

Destacam-se nesta linha os estudos de Mainwaring (2001) e Stepan (1999), dois brasilianistas, sendo que o primeiro chama atenção para a ingovernabilidade decorrente da prevalência do modelo de Rikker (1963) do demos-constraning, que impede o governo de executar seu programa em função do número de veto players no sistema político. Já o segundo atribui a ingovernabilidade às tensões entre Executivo e Legislativo decorrentes das características de elevada fragmentação e personalismo do sistema eleitoral e partidário.

Abranches (1988) cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” ao adicionar a questão das relações intergovernamentais à problemática combinação de presidencialismo e multipartidarismo, o que implicava que as coalizões para apoiar o chefe do executivo tinham que levar em conta critérios partidários e federativos.

No entanto, o poder do Executivo de emitir emendas provisórias e o controle do Colégio de Líderes sobre as bancadas no Congresso foram identificados como responsáveis por assegurar condições de governabilidade e o alinhamento partidário, evitando assim as crises políticas previstas (Cheibub et al., 2009; Figueiredo & Limongi, 1999).

A mudança de enfoque na literatura política, na segunda metade da década de 1990, reflete uma inflexão centralizadora na dinâmica federativa no Brasil com movimentos nos planos legislativo, fiscal/financeiro e de coordenação de políticas públicas, a partir da necessidade de controle inflacionário. Esse movimento se caracterizou pelo fortalecimento da Presidência da República na relação com o Congresso Nacional, por um novo regime nacional de finanças públicas e pelo uso de mecanismos de coordenação federativa.

A partir de 1995, a União ampliou a iniciativa de legislação que afetava o interesse de estados e municípios, com impactos sobre diversos aspectos das relações intergovernamentais. O novo regime de finanças públicas abrangeu: (1) a federalização das dívidas dos estados (2); a manutenção da DRU (Desvinculação de Recursos da União), anteriormente chamada de Fundo Social de Emergência e Fundo de Estabilização Fiscal; (3) o crescimento das receitas disponíveis à União por meio da expansão da arrecadação das contribuições sociais (Cofins, CSLL etc.); e (4) a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000) (Almeida, 2005; Ouverney & Fleury, 2017).

Já a análise da descentralização das políticas sociais realizadas por Arretche (2012) mostrou que a Constituição Federal, apesar de ter descentralizado recursos e a execução das políticas, preservou o poder normativo da União, mantendo instrumentos que lhe permitiram controlar o comportamento dos governos locais. Ademais, a governança das políticas públicas ficou também assegurada pelo sistema tributário-fiscal, concentrando a arrecadação no governo central, o que lhe assegurou também a autoridade sobre as decisões quanto aos gastos em políticas sociais. Dessa forma, fortaleceu-se o poder de coordenação da autoridade central.

Assim, passou-se de uma etapa na qual a literatura privilegiou as ideias de esvaziamento do poder central e o fortalecimento dos governadores para uma etapa antagônica, na qual se destaca o alinhamento das políticas definidas centralmente e induzidas pela União. Passaram, pois, a contar com a adesão consensual dos governos subnacionais às condicionalidades que lhes foram impostas para ter acesso aos recursos centralmente arrecadados. Dessa forma, foram criados sistemas nacionais de políticas sociais ao invés de a descentralização ter promovido alta fragmentação ou autarquização dos sistemas locais de políticas sociais (Abrucio, 2006; Souza, 2005).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um arranjo no qual participam todos os entes federativos, sendo que os municípios também passaram a ser considerados ente federado, com autonomia própria. Em texto extremamente avançado em termos dos direitos sociais, culturais e ambientais, a CF/88 atribuiu grande parte dessas competências como concorrentes, envolvendo todos os entes federativos em seu planejamento e na execução de políticas públicas (excluindo a Previdência Social). Assim, o avanço na proteção social foi constitucionalmente associado ao fortalecimento do federalismo brasileiro.

Porém, deixou que a legislação ordinária tratasse dos mecanismos de cooperação necessários ao compartilhamento das atribuições e competências. Como tais leis complementares nunca foram aprovadas, criou-se um vazio legal em relação à implementação da cooperação entre os entes federados, com o qual cada setor de políticas teve que lidar à sua maneira, com legislação infra legal e mecanismos institucionais diversos.

A perda de poder dos governadores com o novo regime de finanças públicas foi potencializada pela adoção, desde a década de 1990, de uma estratégia de descentralização que deu primazia ao papel indutor da União e à adesão dos municípios para execução das políticas sociais. Como veremos no caso da área de saúde, o processo de regionalização que se iniciou na década de 2000 buscou resgatar o papel dos estados no arranjo federativo do SUS.

2.2. A construção do SUS e o federalismo integrado tripartite

O texto constitucional sobre a saúde estabeleceu princípios e também a forma de organização do referido sistema. Além da universalidade do direito à saúde, também foram constitucionalizados princípios fundantes do SUS, a saber, a integralidade do cuidado e a construção de um sistema único, descentralizado e hierarquizado, com participação social em todos os seus níveis (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). O arranjo federativo brasileiro na saúde foi definido como público, cooperativo, democrático, descentralizado e participativo - e, ainda que deixando margem para a existência do setor privado de forma complementar ou suplementar ao SUS, ressalta sua relevância pública.

Constata-se que na transição democrática foram geradas inovações institucionais que favoreceram o deslocamento do poder do nível central para o local e do Estado para a sociedade. É no vértice do cruzamento entre o local e societário que se encontra a originalidade do federalismo democrático brasileiro (Fleury et al., 2014).

Tal característica decorre de a inserção das mudanças nas relações intergovernamentais e as demandas pela transição democrática terem sido concomitantes, mobilizando gestores, políticos e movimentos sociais cujas demandas desembocaram na Assembleia Nacional Constituinte.

Na área da saúde o Movimento Sanitário (Escorel, 1999), que reuniu acadêmicos, profissionais, organizações populares, gestores e políticos, organizou-se em torno de uma proposta de reforma sanitária (Fleury, 2018; Paim, 2008) e chegou à Assembleia Nacional Constituinte com organicidade em torno do projeto da criação do SUS.

Ainda na década de 1980, como parte do processo de rearticulação dos atores e das instituições na transição democrática, foram formadas as organizações de representação dos secretários estaduais de saúde (Conass) e dos secretários municipais de saúde (Conasems), em 1982 e 1988, respectivamente. Esse movimento representou importante avanço na composição dos pilares de uma futura governança compartilhada, assim como a transferência do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) - ao final do governo Sarney - do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde, unificando toda a estrutura e os recursos da assistência à saúde do primeiro à gestão da saúde pública do segundo (Faleiros et al., 2006).

Porém, entre esse momento inicial e a efetiva constituição de uma governança tripartite, capaz de posicionar o MS, Conass e Conasems em pé de igualdade, como núcleos estratégicos de coordenação nacional do SUS, transcorreu um extenso processo de aprendizagem. De forma didática, quando se toma o próprio papel exercido pelo MS no âmbito do arcabouço e da dinâmica de governança federativa nacional da política de saúde é possível distinguir duas grandes fases, seguidas de uma crise, que antecedeu a emergência da pandemia. Portanto, o desenvolvimento de um regime de federalismo cooperativo e integrado não foi imediato nem consensual, envolvendo dinâmicas marcadas por assimetrias de poder e recursos, transferência de responsabilidades e competências, além de jogos de reposicionamento político-institucional ao longo das últimas décadas.

2.3. Fase 1: formação da governança tripartite, assimetria e relações verticais

A primeira fase consiste no próprio processo de estabelecimento do arcabouço institucional de governança federativa do SUS e da transferência de responsabilidades de gestão para estados e, principalmente, municípios - algo que ocorreu ao longo de toda a década de 1990. Nesse período, em virtude de ser responsável por mais de 2/3 do financiamento do SUS e possuir grande parte da expertise de gestão, historicamente herdada do Inamps, o MS se posicionou como o condutor do processo de descentralização.

Poucos avanços foram observados no governo Collor, em virtude de seu posicionamento centralizador e claramente contrário à ampliação do papel dos entes subnacionais na gestão de políticas. A descentralização foi legada a segundo plano, cujo modelo defendido pelo governo, inscrito na NOB 91 (Norma Operacional Básica de 1991), estabeleceu uma relação vertical entre os entes federativos, em que estados e municípios foram relegados à posição de prestadores de serviços da União (Cordeiro, 2001).

As mudanças mais significativas foram realizadas no governo Itamar, nos anos de 1993 e 1994. A ascensão de uma elite municipalista no comando do Ministério da Saúde, alinhada com o consenso que emergiu da 9ª CNS (Conselho Nacional de Saúde), favoreceu a implantação desse novo pacto federativo - em especial pelo comprometimento que teve com uma agenda de mudanças estruturais que abrangeu a construção de um amplo processo de discussão da própria estratégia de descentralização, inscrita na NOB 93; a extinção do Inamps; a efetiva implantação das comissões intergestores tripartite e bipartites; as transferências de recursos “fundo a fundo”; os conselhos estaduais e municipais de saúde, entre outros (Carvalho, 2001).

Por um lado, nesse novo modelo de descentralização os entes subnacionais, em especial os municípios, passaram a atuar efetivamente como gestores do SUS a partir de uma dinâmica tripartite de compartilhamento decisório e de responsabilidades, apesar de a União ter mantido expressiva capacidade indutiva e regulatória. Por outro, o avanço do processo de transferência de recursos e responsabilidades de gestão para os estados e, principalmente, para os municípios gerou, para estes, poderes de veto no processo decisório nacional, tornando a descentralização um processo irreversível.

Na segunda metade da década de 1990, as atenções foram centradas na busca por novas fontes estáveis federais para o financiamento setorial, materializada na Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e pela discussão de um marco com novas regras para a descentralização, resultando no formato original da NOB 96, aprovada em novembro de 1996. Após o acirramento da crise entre o ministro Adib Jatene e as instâncias econômicas do governo, que levou à sua saída ainda no final de 1996, no período seguinte, de 1997 a 2002, prevaleceram as preferências por um Ministério da Saúde mais forte e com maior capacidade de regulação sobre os entes subnacionais.

As gestões do período concentraram seus esforços na revisão do modelo adotado na NOB 96, priorizando um padrão fragmentado de transferências financeiras federais que vinculava os recursos à adesão dos estados e municípios aos padrões nacionais de políticas, compondo uma estratégia vertical de coordenação federativa. Obviamente, o funcionamento regular da CIT (Comissão Intergestores Tripartite) e a capacidade de articulação de Conass e Conasems dava a estas prerrogativas no processo de elaboração das regras e das políticas, porém as disparidades de aporte de financiamento e de domínio de recursos impunham limites ao seu poder de veto (Levcovitz et al., 2001).

Ao final de década, entretanto, com a habilitação massiva de estados e munícipios às regras da NOB 96 e o funcionamento regular dos mecanismos de governança federativa do SUS, estava instalado o regime de federalismo cooperativo e integrado setorial. O processo de transferência de atribuições e recursos visou essencialmente os municípios, enquanto os estados, por sua vez, tiveram seu papel reduzido no âmbito da provisão direta de serviços e apresentaram dificuldades para assumir devidamente as funções de planejamento e coordenação regional. Essa dinâmica introduziu uma polarização das relações federativas no SUS, caracterizada por relações mais diretas entre União e municípios (Ouverney & Fleury, 2017).

2.4. Fase 2: indução de políticas, equilíbrio federativo e crise

A tendência na expansão da capacidade regulatória do MS e dos estados sobre a descentralização foi interrompida pelos impactos fiscais da crise econômica de 1998-1999, que levou a União a redistribuir os custos de financiamento da descentralização, por meio da Emenda Constitucional n.º 29/2000, estabelecendo vinculações para as receitas de estados e municípios. Na mesma linha, ainda em 2000, impôs limites expressivos de gastos aos entes subnacionais, ao editar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000), que penalizou as áreas de políticas públicas intensivas em mão de obra, como saúde e educação. Tais mudanças iriam, no médio prazo, transformar a correlação interna de forças no âmbito do pacto tripartite (Piola et al., 2016).

No período correspondente aos dois mandatos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, buscou-se introduzir uma nova dinâmica de relações intergovernamentais que pudesse resgatar o caráter cooperativo do federalismo setorial inscrito na Constituição de 1988, compor uma estratégia de coordenação federativa orientada para resultados expressos em metas sanitárias e recompor o papel das secretarias estaduais na coordenação regional.

Fortalecer a natureza cooperativa do federalismo setorial e introduzir uma cultura de gestão por resultados tornaram-se as diretrizes maiores do período. Embora não tivesse sido realizada formalmente nenhuma mudança expressiva nas relações intergovernamentais nos primeiros anos, a nova gestão que assumiu o comando do Ministério da Saúde impulsionou uma série de iniciativas que abriram espaço para mudanças significativas no modelo federativo do SUS no segundo mandato, tais como a reestruturação organizacional da gestão federal (criação de novas secretarias e maior integração sob a coordenação da Secretaria Executiva), a redefinição da dinâmica de funcionamento da CIT, o estabelecimento de uma unidade específica para conduzir as ações de coordenação política com Conass e Conasems, a constituição de um grupo de trabalho tripartite para elaborar uma proposta de um novo modelo de descentralização, a instituição da estratégia de apoio integrado, entre outras (Pasche et al., 2006)

A insatisfação de estados e municípios com um arranjo fragmentado de financiamento e a excessiva burocratização do processo de implementação e execução de políticas e programas ao longo dos anos 1990, levou ao debate setorial de dois anos sobre um novo modelo das relações intergovernamentais, que resultou na publicação do “Pacto Pela Saúde” em 2006, implementado ao longo da segunda metade da década de 2000 (Santos & Andrade, 2006).

Paralelamente à formulação do Pacto, o MS, visando exercer seu novo papel de indutor de programas e políticas setoriais, impulsionou, desde 2003, um intenso movimento de ampliação e diversificação de sua estrutura organizacional e dinâmica de atuação. Esse processo ocorreu ao longo das várias gestões desse período, por meio da criação de novas secretarias, departamentos e coordenações, e representou, mais do que uma reforma administrativa, um salto qualitativo em sua forma de agir como coordenador nacional do SUS. Diversos programas e políticas setoriais - como o Mais Médicos, a Farmácia Popular, a Rede Cegonha, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, entre outros - foram alçados a estratégias nacionais de qualificação da rede de ações e serviços do SUS, ampliando significativamente a presença do MS com redes de apoiadores, recursos financeiros, profissionais contratados, etc. (Menicucci, 2011).

Essa dinâmica favoreceu também o empoderamento de Conass e Conasems, uma vez que as pressões por maior coordenação e racionalidade sistêmica desse amplo arcabouço de implementação de políticas tornava impossível para o MS gerenciar tudo sozinho em 27 unidades da federação e mais de 5 mil municípios (Machado et al., 2019).

Dada sua nova posição no pacto federativo setorial, em virtude também de seumaior aporte fiscal no financiamento do SUS, a atuação das duas entidades foi expressiva em todas as fases da construção setorial de políticas e programas, desde a formulação das portarias de cada política até a montagem das métricas de monitoramento e avaliação dos resultados, passando pelas decisões de sua implementação na CIT, a mediação das duas entidades ocorreu em cada aspecto desse ciclo.

Isso proporcionou um salto na aprendizagem estratégica de Conass e Conasems que não só lhes permitiu ter centralidade - formando amplas redes de articulação com partidos, burocracias locais, universidades, Legislativo, Judiciário, hospitais de excelências, etc. -, mas também constituir suas próprias estruturas de apoio a estados e municípios, com quadros técnicos especializados, programas de formação, apoiadores descentralizados, entres outros dispositivos (Cerqueira, 2019).

A evolução conjunta das crises econômica e política, com o impedimento de Dilma Roussef, produziu impactos significativos sobre o sistema de coordenação federativa do SUS, alterando o próprio equilíbrio de forças no âmbito do pacto tripartite. No governo de Michel Temer, foi iniciada uma ampla estratégia de desconstrução de políticas e programas sociais, que articulava as mais variadas estratégias de desmonte institucional, tais como aprovar legislação contrária a direitos, reduzir o aporte de recursos, ampliar os critérios de acesso a benefícios, racionalizar estruturas administrativas, entre outras.

O impacto dessa estratégia na coordenação federativa do SUS foi imediato, uma vez que todo o complexo de implementação e monitoramento de programas importantes foi desarticulado nos estados, retirando a presença do MS nas regiões de saúde e minando sua capacidade para induzir padrões de funcionamento dos sistemas locais de saúde (Cruz & Gonçalves, 2020).

Somaram-se ao desmonte do MS o novo regime fiscal e a imposição do teto de gastos, o enfraquecimento do presidencialismo de coalizão e a emergência do orçamento impositivo, a mudança das modalidades de transferências financeiras do MS em 2017, o surgimento de arranjos político-institucionais de governança macrorregional (consórcios interestaduais de desenvolvimento), entre outras mudanças estruturais que dispersaram recursos e capacidade decisória nacional - abrindo espaço para novos arranjos de coordenação federativa.

3. O MODELO DE ANÁLISE: A EVOLUÇÃO DA PANDEMIA E A DINÂMICA DAS INSTITUIÇÕES FEDERATIVAS NO BRASIL

3.1 O referencial do neoinstitucionalismo histórico: a pandemia como conjuntura crítica

A literatura histórico-institucionalista sobre “variedades de federalismo” assinala que determinadas opções realizadas em momentos fundantes dos estados nacionais influenciam suas trajetórias subsequentes, criando pactos de poder, ideias, discursos, arquiteturas de coordenação federativa, políticas e programas específicos e determinados tipos singulares de mecanismos gerenciais e financeiros para conferir uma dinâmica temporal subsequente relativamente estável aos arranjos inicialmente estabelecidos (Béland & Myles, 2012; Benz & Broschek, 2013; Broschek, 2011; Obinger et al., 2005).

Porém, ao longo dessas trajetórias, o balanço originalmente estabelecido entre autonomia e interdependência entre as esferas de uma federação pode ser alterado em momentos de conjuntura crítica, em que os arranjos anteriores têm sua legitimidade e eficiência corroídas e podem ser substituídos ou parcialmente reformulados para darem conta de uma nova ordem.

Conjunturas críticas podem ser definidas como períodos de expectativas de transformações significativas nos rumos da sociedade, de uma instituição específica ou de uma política, por exemplo, desencadeadas tanto por crises políticas e econômicas externas quanto por mudanças expressivas na correlação de forças interna em que novos atores emergem, ou atores já estabelecidos ampliam seu espaço político. Assim, conjunturas críticas são situações em que a influência de fatores estruturais de natureza econômica, política, organizacional e cultural sobre a ação dos atores políticos é expressivamente afrouxada por um período determinado de tempo (Capoccia & Kelemen, 2007; R. Collier & D. Collier, 1991).

Em uma conjuntura crítica, há um leque mais amplo de escolhas, a trajetória de uma política pode assumir orientações divergentes, e as escolhas dos principais atores envolvidos adquirem maior capacidade de transformação sobre a trajetória precedente da política pública. Oportunidades e riscos tornam-se amplificados, e decisões e escolhas, mesmo as menores, são cruciais e podem deixar legados difíceis de serem revertidos (Mahoney, 2001).

A característica fundamental de uma conjuntura crítica é a presença de possibilidades reais de mudanças expressivas nas instituições fundantes de uma sociedade (no arcabouço político, no sistema econômico, no regime de proteção social, etc.) em virtude da mudança na correlação de forças políticas (Capoccia & Kelemen, 2007).

Nesse sentido, a trajetória de uma conjuntura crítica pode ser caracterizada pela emergência de vias institucionais alternativas igualmente possíveis, e seu encerramento pela afirmação de uma delas como a via hegemônica de transformação que desencadeará o desenvolvimento e a implementação de mecanismos institucionais de uma nova ordem que regularão a dinâmica das relações políticas, econômicas, organizacionais e culturais - deslocando para si a dinâmica de definição dos rumos da política pública, a distribuição de prerrogativas e responsabilidades, a alocação de recursos, entre outros (Capoccia & Kelemen, 2007; R. Collier & D. Collier, 1991).

Uma vez que a conjuntura crítica consiste em um momento de polarização política marcado por constantes conflitos (ações e reações), consequentemente a solidificação do legado não ocorre de forma imediata. O desenrolar dessa fase de disputas em torno das inovações introduzidas representa o período de produção do legado, pois os novos mecanismos institucionais passam a ser o centro das principais relações políticas setoriais (R. Collier & D. Collier, 1991). À medida que se inicia a produção sustentada de um legado, as mudanças passam a ser de natureza mais incremental e estarão no âmbito de uma trajetória dependente, caracterizada por uma dinâmica interativa entre sequências político-institucionais de autossustentação e reativas (Broschek, 2011; Mahoney, 2001; Page, 2006; Pierson, 2000).

Essa lógica de evolução das instituições foi empregada como base para a elaboração das hipóteses e do modelo de análise para o estudo da dinâmica do federalismo brasileiro em suas relações com a evolução da pandemia de COVID-19.

3.2. O modelo analítico: uma visão sequencial da dinâmica política da pandemia de COVID-19

A metodologia empregada se fundamenta em um esquema relacional que destaca os atores e as instituições, sua dinâmica de atuação, as relações intergovernamentais estabelecidas em cada tema relevante no combate à pandemia e os resultados federativos, em uma perspectiva temporal de análise com base nos conceitos de conjuntura crítica e trajetória dependente.

A análise federativa foca na dinâmica de atuação de atores e instituições (Benz & Brochek, 2013), destacando posicionamentos, estratégias, disputas e consensos, instâncias utilizadas, instrumentos, dispositivos e normas editadas - cotejando-os com a trajetória da própria pandemia. Essa concepção é apresentada na Figura 1.

A análise adotou uma perspectiva ampla do campo federativo a partir de três dimensões de análise: (1) relações entre as esferas da federação; (2) relações entre os poderes da República; e (3) relações Estado/Sociedade Civil. Neste artigo analisaremos apenas os resultados das duas primeiras dimensões, em virtude de seu impacto federativo.

Na primeira focamos, primordialmente, na ação do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais e municipais de saúde e de suas entidades de representação (Conass e Conasems), assim como no papel exercido pela Presidência da República e pelos governos estaduais e municipais.

Na segunda, analisamos a atuação do Congresso Nacional e do STF, e suas relações com o Poder Executivo, pois também possuem impactos expressivos sobre a dinâmica federativa ao afetar a capacidade de enforcement do governo federal e a divisão de competências entre as três esferas da federação.

FIGURA 1
MODELO ANALÍTICO DA DINÂMICA DO FEDERALISMO NA PANDEMIA DE COVID-19: UMA ANÁLISE SEQUENCIAL DE ATORES E INSTITUIÇÕES

O esquema relacional que fundamenta o modelo analítico parte do pressuposto de que a fase inaugural (início e crescimento) e a fase intermediária (auge e estabilização) de desenvolvimento da pandemia, ao ampliar a pressão sobre os atores, poderia disparar uma conjuntura crítica, ampliando os espaços para novos posicionamentos dos atores e alterando a dinâmica federativa prévia. As mudanças resultantes de tal dinâmica foram analisadas em quatro eixos:

  1. Regulação social e gestão territorial: medidas adotadas para regular as relações sociais e econômicas.

  2. Medidas de aprimoramento dos serviços de saúde: ações de aumento da capacidade dos serviços públicos, regulação dos fluxos de atenção à saúde, produção e aquisição de insumos, etc.

  3. Políticas de proteção de emprego e renda e medidas de finanças públicas: ações de incentivo à economia, preservação da capacidade de compra da população, auxílio fiscal aos estados e municípios, etc.

  4. Relações políticas: posicionamentos políticos, discursos, alianças, embates, etc.

Nas fases de arrefecimento (fase 3) e de extensão e fim (fase 4), ainda em andamento, busca-se analisar o legado das mudanças observadas nas fases anteriores, em termos do rearranjo do pacto federativo, capazes de produzir: (1) uma nova distribuição de poder, recursos e/ou responsabilidades; (2) novas dinâmicas intergovernamentais de cooperação, acomodação e/ou competição; e (3) novos arranjos de coordenação - incrementais, retrógados e/ou inovadores.

Assim, apesar das limitações metodológicas clássicas para se produzir análises históricas no momento específico em que ocorrem, buscaremos, nas duas seções seguintes, analisar as principais mudanças e inovações observadas, nos momentos mais críticos da pandemia, além de identificar e discutir os impactos mais prováveis para o futuro recente.

4. RESULTADOS: DO “FEDERALISMO DE CONFRONTAÇÃO” À REAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: UM NOVO FEDERALISMO?

4.1. Produzindo a confrontação como política de governo e a reação do SUS descentralizado (as relações entre as esferas da federação)

A extensão das mudanças observadas durante as fases iniciais (1 e 2 do modelo analítico) e intermediária (3) da pandemia evidenciam que as principais tendências do padrão federativo anterior sofreram expressivas alterações.

Naquele, construído entre 1988 e os anos que antecederam a pandemia, a institucionalidade da política de saúde combinava, simultaneamente, um processo significativo de descentralização com outro de formação de um arranjo nacional e integrado de coordenação federativa.

Nesse período, o Ministério da Saúde passou de instituição que detinha a condução, de forma praticamente exclusiva, de todas as etapas da política (formulação até avaliação) em todas as áreas (atenção, vigilância, etc.), a indutor de políticas e coordenador nacional do SUS.

Nesse mesmo período, estados e municípios, e suas entidades de representação (Conass e Conasems, respectivamente), passaram de prestadores de serviços a cogestores de toda a política de saúde, respondendo por praticamente toda a gestão da rede de serviços, pela implementação das grandes políticas nacionais - p. ex. Programa Mais Médicos, Estratégia Saúde da Família (ESF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), etc. -, além de aportarem, em conjunto, mais de 50% do financiamento do SUS.

Essa dinâmica, que envolvia também a construção de marcos normativos, incentivos financeiros específicos, processos de capacitação, sistemas setoriais de informações e monitoramento, entre outros, gerou um amplo e poderoso sistema de coordenação federativa.

Entretanto, essa dinâmica de construção conjunta tripartite foi esvaziada já nos primeiros meses da pandemia, em virtude do posicionamento autocrático, negacionista e conflitivo do presidente Jair Bolsonaro e da militarização do Ministério da Saúde, criando um movimento de confrontação e um vácuo deliberado de coordenação federativa.

A reação presidencial diante da pandemia foi de negação, contrariando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos cientistas nacionais e das autoridades públicas. A disputa simbólica se expressou na afirmação do Presidente em março de 2020: “Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar” (Uribe et al., 2020). Ainda, afirmou que brasileiro pula no esgoto e não pega nada, para justificar que o novo coronavírus não se disseminaria no país (Gomes, 2020). No final desse mês, a pandemia registrava mais de 5,7 mil casos e 200 óbitos (Fundação Oswaldo Cruz, 2020).

O ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido em virtude de se opor ao uso da cloroquina, e seu substituto, Nelson Teich, pediu demissão, enquanto o Presidente proclamava que “Quem manda sou eu” (Folha de São Paulo, 2000), reafirmando sua suposta autoridade na prescrição de medicamentos e na definição, à revelia do MS, da lista de atividades essenciais. O MS foi progressivamente militarizado: empossado o general Eduardo Pazuello, levou consigo quase três dezenas de militares que assumiram postos de comando, com total desconhecimento do SUS, do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e das políticas de saúde, produzindo expressivo desmonte de políticas e áreas técnicas.

A maioria dos governadores se posicionou de forma oposta ao Presidente da República, reconhecendo a natureza crítica da pandemia e seus riscos para a população brasileira, o que polarizou as relações federativas. Esse posicionamento, alinhado às recomendações da OMS, das universidades e dos centros nacionais de pesquisa, levou os estados e adotarem medidas imediatas assim que os primeiros casos foram verificados.

Em geral, foi possível observar que a maioria dos estados publicou decretos nas primeiras semanas após o registro do primeiro caso em seus territórios, estabelecendo estados de emergência e de calamidade pública com as primeiras medidas de restrição à circulação e ao funcionamento de comércio, serviços e transportes.

Nesses decretos também foram instituídos os principais dispositivos institucionais para coordenar as ações e mobilizar a administração pública e sociedade civil organizada por meio da criação de gabinetes de crise, grupos científicos e comitês de aconselhamento. Estes envolviam a presença de gestores estaduais, cientistas e representantes dos empresários de diversos setores, gestores municipais, entre outros. A partir desses arranjos e das análises das secretarias estaduais de saúde foram conduzidas as principais ações subsequentes (Carvalho et al., 2022).

Assim, o núcleo dinâmico desse federalismo, que emergiu ao longo da pandemia como liderança que confrontou o presidente Bolsonaro, foram os governadores em articulação com os prefeitos, rompendo claramente com o padrão polarizado de relações intergovernamentais que orientou o processo de descentralização desde o início da década de 1990 (Ouverney & Fleury, 2017).

A lógica dominante na polarização era a União criar as regras gerais, os padrões de organização das políticas e os incentivos financeiros, enquanto os municípios, como atores emergentes, assumiam a implementação no nível local, com os governos estaduais realizando a mediação, quando possível, embora com menor protagonismo. Obviamente, esse padrão era mais intenso em estados com menos recursos financeiros e técnicos.

Além disso, outro elemento novo foi a articulação horizontal existente entre os governos estaduais para o desenvolvimento das diversas estratégias de enfrentamento à pandemia, potencializada, em especial, pela ação do Fórum dos Governadores e dos consórcios interestaduais de desenvolvimento - em especial o Consórcio do Nordeste.

No front, a ação do Conass merece destaque como instituição que assumiu o papel de núcleo articulador das secretarias estaduais de saúde, impulsionando a difusão de inovações institucionais e gerenciais, fomentando a aprendizagem e o intercâmbio de expertises, conferindo maior organicidade às ações e articulando a difusão de informação para a mídia e a sociedade civil.

Essa articulação horizontal é inédita, não observada nem durante a década de 1980 - quando os governadores assumiram o protagonismo do processo de redemocratização -, e permitiu suplantar o vácuo de coordenação produzido pela militarização do Ministério da Saúde. Sua presença decorre, claramente, de um longa construção político-institucional iniciada com o projeto democratizante e descentralizador da Reforma Sanitária Brasileira, inscrito na Constituição de 1988 e nas Leis Orgânicas da Saúde.

A experiência adquirida ao longo de três décadas de pacto tripartite permitiu ao Conass ter legitimidade e inserção política suficiente para assumir esse espaço. O mesmo ocorreu com o Conasems, embora com menos evidência política, provavelmente em virtude da pluralidade de posicionamentos dos prefeitos no decorrer da pandemia.

Portanto, configurou-se um pacto bipartite de condução do SUS com expressão nacional e extensão nos estados, em torno das Comissões Intergestores Bipartites (CIBs), articulando secretarias estaduais e Cosems. Em torno desse pacto estadual se desenvolveu um arcabouço de governança de crise que abrangia ainda várias outras áreas de governo, universidades, centros de pesquisa, entidades empresariais, movimentos sociais, entre outros.

Articulado em torno de gabinetes de crise e comitês científicos, esse conjunto de atores ampliou o leque de inserção da sociedade civil nos governos estaduais, adensando o já existente arcabouço participativo, organizado por meio dos conselhos de saúde.

Estavam, assim, dadas as condições de abertura de uma conjuntura crítica: crise do padrão anterior e emergência de uma via alternativa. Portanto, é possível argumentar, sim, que se abriu claramente uma conjuntura crítica, na medida em que o padrão anterior de federalismo sofreu alterações em seu “modus operandi”, tanto pela multipolarização da liderança político-institucional quanto pela especialização das funções de coordenação federativa.

Associados, esses dois movimentos permitiram a emergência de uma via alternativa de articulação das relações intergovernamentais, minimamente funcional e dinâmica, o suficiente para organizar uma resposta de curto prazo aos desafios postos pela pandemia. Mesmo sem a coordenação do Poder Executivo Federal, e apesar dele, as demais instituições federativas do país foram capazes de se rearticular em um novo arranjo complementar, agora articulado em rede e mais horizontalizado. O modelo descentralizado do SUS, de natureza cooperativa, tornou-se a base para um arranjo inovador. O Quadro 1 resume a dinâmica política entre os atores e instituições federativas do SUS na pandemia de COVID-19.

QUADRO 1
A DINÂMICA POLÍTICA ENTRE ATORES E INSTITUIÇÕES FEDERATIVAS DO SUS NA PANDEMIA DE COVID-19

4.2. Formulando políticas nacionais, exercendo supervisão legislativa e mediando conflitos federativos: o papel das macro-instituições da Constituição de 1988 (as relações entre os poderes da União)

Esse novo “modus operandi” de coordenação federativa do SUS não teria se concretizado sem o posicionamento favorável do Congresso e do STF, que garantiram, respectivamente, o aporte de recursos e o exercício descentralizado de condução de políticas.

Ambas as instituições, diante de um Presidente negacionista, eleito como outsider e com pouca capacidade de articulação institucional, mantiveram um posicionamento crítico e autônomo.

3.3. O Congresso Nacional

Em relação ao Legislativo, diante da incompatibilidade de posicionamentos políticos dos dois poderes, da atitude conflituosa do Presidente da República e da baixa capacidade de articulação política do governo, pouco adiantaram as prerrogativas de atuação legislativa do Executivo e a dinâmica centralizada de operação do Congresso - fatores apontados pela literatura nacional como responsáveis pelas elevadas taxas de sucesso legislativo dos governos.

O amplo leque de áreas em que o Congresso formulou e aprovou legislação e a intensidade com que o fez, em especial em 2020, expressa na elevada taxa de aprovação mensal de leis, sugere que o mesmo se orientou muito mais pelas agendas dos diversos atores da sociedade do que pelas propostas do governo, buscando realmente maior protagonismo no cenário nacional.

Ademais, no âmbito desse conjunto de atores representados no Congresso, os estados e municípios foram contemplados com a aprovação de expressivo conjunto de medidas de apoio, sinalizando a existência de posicionamentos convergentes entre as lideranças das duas casas e dos partidos e os governadores, em especial com relação à construção de agenda nacional de combate à pandemia de COVID-19.

Nesse sentido, cinco estratégias foram adotadas a fim de ampliar o volume de recursos disponíveis para sustentar a ação de estados e municípios no combate à pandemia: 1) flexibilização de metas fiscais e limites de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal; 2) suspensão das obrigações contratuais de pagamento de dívida com a União e instituições credoras; 3) transferência direta de recursos para estados e municípios para compensar perdas com arrecadação; 4) flexibilização das regras de uso de recursos financeiros transferidos antes da pandemia e ainda não gastos; e 5) transferência de recursos para parceiros estratégicos do SUS, como o setor hospitalar filantrópico (Ouverney & Fernandes, 2022; Ouverney et al., 2023).

Outra frente importante de atuação do Poder Legislativo no período da pandemia foi a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Esta iniciou-se em 27 de abril de 2021 e terminou com a aprovação do relatório final em 26 de outubro do mesmo ano. O aprofundamento das investigações exigiu que ela prorrogasse seus trabalhos em mais 90 dias além do prazo inicialmente estipulado. Assim, ela teve dois períodos. O primeiro iniciou-se com sua instalação e terminou na última seção antes do recesso parlamentar, no dia 14 de julho de 2021. O segundo período, correspondente à prorrogação de três meses do prazo original, começou em 7 de agosto e terminou com a aprovação do relatório final.

A CPI utilizou vários instrumentos de fiscalização. Ela realizou 62 sessões, nas quais ouviu 65 depoentes. Ao todo, a comissão efetuou 55 quebras de sigilo telefônico, telemático, fiscal e bancário. Ela convocou 21 membros do executivo, sendo três ex-ministros da saúde - Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), Nelson Teich e Eduardo Pazuello - e o então titular da pasta, Marcelo Queiroga; além de outros funcionários do MS. Além disso, ouviu o ex-ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, que também foi um dos investigados (Junqueira & França, 2023).

Em seu extenso relatório final (1.288 páginas) (Senado Federal, 2021) a comissão recomendou o indiciamento de 78 pessoas e 2 empresas privadas em mais de 22 crimes. Somente o Presidente da República foi alvo de 10 acusações entre crimes comuns, crimes de responsabilidade e infrações administrativas, abarcando 6 linhas principais de investigação, a saber: (1) atitudes negacionistas do governo federal e suas possíveis consequências; (2) uso de medicamentos sem eficácia comprovada (o “kit COVID”); (3) formação de um gabinete paralelo criado para aconselhar o presidente em questões sobre a pandemia; (4) corrupção na compra de vacinas; (5) propagação de notícias falsas (fake news) sobre a COVID-19 e as vacinas; e (6) omissão grave na proteção de grupos vulneráveis.

A CPI da Pandemia foi um dos maiores eventos políticos do período. Por cerca de seis meses, ela dominou o noticiário. Suas sessões eram transmitidas ao vivo pela TV Senado e pelo canal de YouTube do Senado Federal, alcançando recordes de audiência desses canais. Os grandes veículos de imprensa, tanto televisiva quanto escrita, também apresentavam um resumo quase diário de suas atividades. Assim, podemos perceber que a CPI da Pandemia foi um caso de sucesso no exercício da chamada “supervisão legislativa” (legislative oversight) da ação do Poder Executivo (Mainwaring & Welna, 2005; Mccubbins & Schwartz, 1984; O’donnell, 1998),

3.4. O STF

Finalmente, em relação ao Poder Judiciário, a mesma reversão de posicionamento, de favorável à União a defensor das prerrogativas de autonomia de gestão de estados e municípios, pode ser observada no caso do STF. Como guardião da Constituição de 1988, e sendo o federalismo uma das cláusulas pétreas, não restou outra alternativa ao STF, diante das ameaças constantes do presidente Bolsonaro de limitar a atuação de estados e municípios, a não ser exercer sua responsabilidade na regulação de direitos originários de autonomia e garantir as prerrogativas de exercício das competências dos entes subnacionais.

Manter a tendência presente na jurisprudência brasileira, marcada por favorecimento do governo central nas disputas federativas, amplamente documentadas na literatura setorial, significaria atuar como cúmplice do bloqueio institucional produzido por Bolsonaro sobre o Ministério da Saúde, limitando também a ação que estados e municípios empreendiam, com enorme esforço, no enfrentamento da pandemia.

Decisões dessa natureza levariam a uma completa inércia do Estado brasileiro diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos, agravando a já profunda crise econômica e política que o país experimenta desde 2014 - e podendo levar ao limite da governabilidade do país.

Assim, em episódio emblemático, a Suprema Corte brasileira foi instada a se manifestar sobre a competência constitucional dos estados e municípios sobre o tema das responsabilidades de entidades governamentais sobre o enfrentamento da pandemia de COVID-19, sobretudo em razão do art. 3º, § 9º da Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, que enuncia que compete ao presidente dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais que deveriam ser excepcionadas no caso de estabelecimento de medidas de restrição. Nesse caso, o STF, revertendo tendência histórica recente, entendeu que a competência para edição de normas relacionadas à saúde pública é comum entre todos os entes da federação, em razão do que dispõe o art. 23, inciso II da Constituição Federal (Fernandes & Ouverney, 2022; Godoy & Tranjan, 2023).

Na mesma esteira dessa decisão, o STF julgou diversas outras ações, preservando a competência dos entes federados no que tange ao estabelecimento das medidas de enfrentamento à pandemia e consignando que a decisão sobre o funcionamento de qualquer atividade ou estabelecimento depende de critérios técnicos e científicos, sopesados com cada realidade e cada momento fático pelo gestor público, de modo que a existência de lei que prejudique esse juízo técnico implica também em prejuízo para a administração da crise sanitária.

Assim, coube então ao STF, como guardião da Constituição, a responsabilidade pela regulação de direitos originários de autonomia e das prerrogativas de exercício das competências de cada esfera de poder, sob pena de realçar as dicotomias, os dissensos, bem como as contradições e os questionamentos do federalismo no Brasil. E seu papel foi fundamental para assegurar que o novo padrão descentralizado de coordenação federativa pudesse ser exercido por estados e municípios, apesar das tentativas de bloqueio institucional do governo federal. O Quadro 2 resume as principais mudanças observadas na dinâmica macro política das instituições federativas nacionais durante a pandemia.

QUADRO 2
A DINÂMICA POLÍTICA ENTRE ATORES E INSTITUIÇÕES FEDERATIVAS NACIONAIS NA PANDEMIA DE COVID-19

5. REFLEXÕES SOBRE OS POSSÍVEIS IMPACTOS DAS MUDANÇAS: UM FEDERALISMO DE TRANSIÇÃO?

Aqui retomamos a questão central apresentada na introdução: as mudanças do período da pandemia podem ser sustentáveis e produzir impactos no futuro próximo?

A resposta para esta questão é assertiva: sim, uma parte significativa das mudanças observadas permaneceram no pós-pandemia (fase 4 do modelo analítico) e projetam sua dinâmica como contexto para atuação das novas administrações (federal e estadual), que iniciaram seus mandatos em janeiro de 2023.

Nesse sentido, argumentamos que, por um lado, há novas orientações de governo que podem alterar, em diferentes níveis, o triplo deslocamento singular evidenciado no auge da pandemia, quais sejam: (1) os governadores e prefeitos assumiram o protagonismo na condução das políticas em seus territórios; (2) o Congresso ampliou seu papel na formulação de políticas; e (3) o STF adotou uma postura de defesa das prerrogativas dos entes subnacionais. Mas, por outro, as tensões e inovações analisadas neste capítulo não foram plenamente resolvidas e permanecem como elementos estruturantes para a ação dos novos governos, pressionando por ajustes e redirecionamentos em suas orientações de política.

Começando pelas relações entre as esferas de governo, é evidente que, com o governo atual, houve uma reconstrução dos fundamentos essenciais do pacto federativo por meio da reaproximação do governo federal dos estados e municípios, buscando intensificar o caráter cooperativo das relações intergovernamentais. São exemplos desse processo a reaproximação política com os governadores, a criação do Conselho da Federação, os acordos em torno da reforma tributária, a Lei Complementar n.º 200/2023 - o Novo Marco Fiscal -, a Lei Complementar n.º 201/2023 - compensação de perdas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (FPE/FPM) - , a Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil, entre outros.

Essas iniciativas mostram que o novo governo federal não só tem buscado aproximação com os estados e municípios, mas também que pretende ocupar um espaço com coordenação nacional de políticas, do qual, como visto acima, se havia abdicado. Entretanto, esse movimento não é alcançado de forma simples nem automática, porque depende de fundamentos estruturais cuja mudança mais expressiva se verifica, em geral, no médio e longo prazos, tais como patamares de financiamento, a recomposição das áreas de coordenação de políticas, a ampliação de quadros técnicos e carreiras do serviço público, a modernização dos sistemas de informação, entre outros.

Além disso, o próprio processo de descentralização legou aos sistemas de políticas públicas no Brasil um papel expressivo aos estados e municípios, ao longo das últimas décadas, com estes passando a ser responsáveis por percentuais expressivos de financiamento, domínio na gestão de serviços e participação significativa nos processos nacionais de tomada de decisão.

A consistência desses sistemas descentralizados foi suficiente, inclusive, para criar estruturas de coordenação macrorregional e nacional, com capacidade para substituir, em situações específicas, o papel da esfera federal, como pode ser visto nos casos de Conass e Conasems e dos consórcios interestaduais de desenvolvimento. No pós-pandemia, essas estruturas tendem a manter sua atuação, com níveis diferenciados de protagonismo. Além disso, a autonomia alcançada pelos poderes subnacionais, como consequência do esvaziamento da coordenação federal, configura-se como obstáculo à retomada do papel do Ministério da Saúde na coordenação das políticas nacionais. É o que podemos observar em relação ao PNI, cujos esforços empreendidos pelo MS têm tido efeito aquém do esperado, tanto em função do baixo empenho dos governos estaduais oposicionistas como da perda de confiança da população em relação à eficácia da vacinação, disseminada por meio de fake news e pronunciamentos de autoridades no governo anterior.

Uma dinâmica semelhante pode ser observada nas relações entre os poderes, uma vez que o Executivo Federal também adotou uma postura de aproximação política e cooperação com os líderes legislativos e tem buscado exercer um papel mais expressivo na formulação de políticas públicas, como mostram os exemplos citados acima (reforma tributária, novo marco fiscal, compensação ICMS/PFE/FPM, etc.). Essa agenda mostra que o governo tem priorizado reformas estruturais, em especial no campo fiscal, o que exigiu a obtenção de níveis expressivos de articulação interinstitucional entre os poderes Executivo e Legislativo ainda no primeiro ano de governo. Porém, tal esforço seletivo não significa o retorno da dinâmica de relação entre os poderes caracterizada pelo padrão registrado ao longo dos anos 1990 e 2000.

A permanência de duas tendências claras, observadas no ápice da pandemia, mostra que a reaproximação entre os poderes, que resultou na aprovação de medidas importantes, manteve níveis significativos de autonomia do legislativo federal: (1) a expressiva iniciativa própria no conjunto de leis aprovadas e (2) o domínio de recursos do orçamento federal.

No primeiro caso, levantamentos preliminares mostram que o governo, em 2023, teve uma participação percentual na produção legislativa nacional bem menor que a produção própria do Congresso (Senado e Câmara Federal), com taxa de sucesso bem inferior à maioria dos governos anteriores. De um total de 236 propostas convertidas normas oficiais pelo processo legislativo, o Poder Executivo foi responsável pela iniciativa de apenas 64 (24,3%), sendo a grande maioria (139 propostas - 52,8%) elaborada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (44 projetos - 16,7%), mostrando a permanência do protagonismo do Poder Legislativo (Mali, 2023). Além disso, o governo também teve baixo sucesso na aprovação de medidas provisórias (MPs), com apenas 8 em um total de 52 enviadas ao Congresso. Segundo dados compilados pela Câmara Federal, até 10 de janeiro de 2024, 21 MPs ainda estavam em tramitação e outras 23 haviam perdido a vigência ou sido revogadas (Agência Câmara de Notícias, 2024).

A autonomia alcançada pelo Congresso no controle dos recursos orçamentários, devido ao chamado orçamento secreto, tem sido hoje objeto de permanente disputa por parte do Legislativo, afetando em especial os ministérios, como o da Saúde, para o qual são destinadas a maior parte das emendas parlamentares. Apesar de o STF ter se pronunciado contra a manutenção do orçamento secreto e exigido medidas de transparência, a liderança da Câmara dos Deputados tem pressionado o Executivo pela liberação de verbas de forma imediata e sem o devido processo de análise dos requisitos técnicos estabelecidos pelo MS. Essa disputa ameaça tanto a capacidade de planejamento do Ministério quanto a continuidade das políticas e programas, além de servir como moeda de barganha para aprovação das pautas do governo no Congresso.

O crescente controle de parte do orçamento discricionário não só reduz a capacidade de investimentos do governo federal e desorganiza o planejamento e execução das políticas públicas, como afeta a competição eleitoral e a própria democracia. As eleições municipais de 2024 apresentaram níveis sem precedentes de prefeitos reeleitos, candidaturas únicas ou com apenas um contendor. A explicação mais provável reside no alto volume de recursos recebidos pelo prefeito em exercício, através de emendas parlamentares, desvirtuando a competição eleitoral.

O presidencialismo de coalizão assegurava que a negociação entre Executivo e Legislativo se desse por meio da concessão de postos ministeriais para os partidos da coalizão, cujo colégio de líderes garantia a disciplina dos parlamentares nas votações. Seu esfacelamento atual ainda não foi substituído por mecanismo estável de governança, já que a aprovação da agenda governamental é negociada, em cada caso, pelo presidente da casa em função da liberação das emendas.

O alto nível de conflitividade na relação entre os poderes tem levado a que os conflitos sejam canalizados para o STF, o que além de aumentar a judicialização da política acirra as tensões entre o Congresso e o Supremo, como se observa no esforço atual do Senado para limitar os poderes do STF. Além disso, torna o Executivo dependente das decisões da Justiça, mesmo que nem sempre suas pautas favoreçam a aprovação do governo, como no caso dos julgamentos em temas controversos como aborto e cannabis. Já o fato de o Congresso apresentar uma maioria conservadora e uma presença significativa de parlamentares de ultradireita tem impedido o Executivo de construir uma agenda que privilegie suas propostas eleitorais, sendo que a pauta de costumes tem sido fomentada pelos parlamentares de oposição, dominando a agenda pública. A partir de meados de 2024 a oposição alterou sua estratégia e passou a concentrar suas críticas ao governo por sua atuação na área econômica, absorvendo a insatisfação popular com o aumento da inflação.

Em suma, a situação atual mostra os intentos de retomar o modelo colaborativo, em uma nova conjuntura na qual as bases políticas foram fortemente alteradas pela polarização política e social do país. Em vez de um panorama definido, podemos dizer que ainda vivemos um federalismo em transição, com alguns cenários possíveis.

Um possível cenário, talvez o mais provável, manteria a instabilidade e o desequilíbrio entre o poder Executivo e Legislativo, com o Executivo buscando construir governança através da negociação com os grandes partidos - mesmo que tal estratégia envolva elevado risco de crise permanente na relação entre os poderes, com um Executivo mais fragilizado e um Legislativo mais autonomizado. As limitações impostas pelo arcabouço fiscal ao gasto público federal reduzem a margem de manobra em um contexto no qual as emendas parlamentares aumentam os recursos para gastos de estados e municípios.

Outro cenário menos desfavorável ao Executivo decorreria de uma imposição de controles efetivos sobre os recursos orçamentários nas mãos dos parlamentares, reduzindo a autonomia do Legislativo na alocação dos recursos públicos. Tal hipótese favorece o Executivo, por um lado, ao reduzir o poder do Legislativo, mas mantém o Executivo enfraquecido e dependente do poder Judiciário.

Por fim, um possível cenário, menos provável, implica na mudança de posição do Executivo em busca de legitimação de suas ações pela população, o que exigiria o relaxamento das amarras que impedem maior investimento em políticas que provoquem a melhoria da qualidade de vida da parcela mais dependente das ações redistributivas. Alcançando maior governabilidade, o Executivo teria ampliado seu poder de negociação de governança com o Congresso. Tal cenário parece pouco provável, face à crise política e à especulação econômica que poderia provocar. Assim, a transição para um novo modelo de federalismo sustentável ainda se encontra em aberto.

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  • DISPONIBILIDADE DE DADOS
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no livro “Novo Federalismo no Brasil: Tensões e inovações em tempos de pandemia de COVID-19” e pode ser acessado em https://cee.fiocruz.br/sites/default/files/Federalismo-WEB.pdf
  • Pareceristas:
    Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte / MG - Brasil) https://orcid.org/0000-0001-9662-0578
  • Pareceristas:
    Dois pareceristas não autorizaram a divulgação de suas identidades.
  • Relatório de revisão por pares:
    O relatório de revisão por pares está disponível neste link https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/94495/88065

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Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no livro “Novo Federalismo no Brasil: Tensões e inovações em tempos de pandemia de COVID-19” e pode ser acessado em https://cee.fiocruz.br/sites/default/files/Federalismo-WEB.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2024
  • Aceito
    17 Jul 2025
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