Resumo
Apesar do uso disseminado da repetência escolar na América Latina, seu impacto sobre os resultados acadêmicos segue sendo objeto de debate. Este artigo examina os efeitos da repetência utilizando um conjunto de dados longitudinais em nível de aluno (2012-2017) do município do Rio de Janeiro, a segunda maior rede municipal de ensino do Brasil. Aplicando um modelo de diferenças em diferenças com efeitos fixos para o aluno, encontramos que a repetência melhora significativamente o desempenho acadêmico de curto prazo, com resultados consistentes em diversas verificações de robustez. Nossa análise sugere que essa melhoria se deve, em parte, ao medo da repetência e ao suporte adicional oferecido aos alunos em risco de repetição. No entanto, o impacto da repetência vai além desses fatores, indicando seu papel como intervenção direta na melhoria da aprendizagem. Este estudo contribui para a literatura sobre repetência ao oferecer evidências em um contexto de país em desenvolvimento, destacando os benefícios potenciais e a complexidade dessa política amplamente debatida. Embora a repetência incentive ganhos acadêmicos de curto prazo, seus efeitos de longo prazo e custos associados merecem maior consideração.
Palavras-chave:
repetência escolar; reprovação; ensino fundamental; desempenho acadêmico
Abstrac
Despite the widespread use of grade retention in Latin America, its impact on academic outcomes remains debated. This article examines the effects of retention using a longitudinal student-level dataset (2012-2017) from Rio de Janeiro, Brazil’s second-largest municipal education system. Applying a difference-in-differences approach with student fixed effects, we find that grade retention significantly improves short-term academic performance, with consistent results across robustness checks. Our analysis suggests that this improvement is partly driven by the fear of retention and the additional support provided to students at risk of repeating the school year. However, the impact of retention extends beyond these factors, indicating its role as a direct intervention in enhancing learning outcomes. This study contributes to the retention literature by offering evidence from a developing country, highlighting the potential benefits and complexities of this widely debated policy. While retention incentivizes short-term academic gains, its long-term effects and associated costs warrant further consideration.
Keywords:
grade retention; grade repetition; primary education; academic outcomes
Resumen
A pesar del uso generalizado de la repetición de grado en América Latina, su impacto en los resultados académicos sigue siendo debatido. Este artículo analiza los efectos de la repetición utilizando un conjunto de datos longitudinales a nivel de estudiante (2012-2017) del municipio de Río de Janeiro, el segundo sistema educativo municipal más grande de Brasil. Aplicando un enfoque de diferencias en diferencias con efectos fijos por estudiante, encontramos que la repetición de grado mejora significativamente el rendimiento académico a corto plazo, con resultados consistentes en diversas pruebas de robustez. Nuestro análisis sugiere que esta mejora se debe en parte al temor a repetir el año y al apoyo adicional brindado a los estudiantes en riesgo de repetir. Sin embargo, el impacto de la repetición va más allá de estos factores, indicando su papel como intervención directa en la mejora del aprendizaje. Este estudio aporta a la literatura sobre repetición al ofrecer evidencia en un contexto de país en desarrollo, destacando los posibles beneficios y las complejidades de esta política tan debatida. Aunque la repetición fomenta avances académicos a corto plazo, sus efectos a largo plazo y los costos asociados merecen ser considerados cuidadosamente.
Palabras clave:
repetición escolar; reprobación; educación primaria; rendimiento académico
1. INTRODUÇÃO
A repetência escolar é uma prática disseminada na América Latina, inclusive no Brasil. Em 2018, 6% dos estudantes de 15 anos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) repetiram o ano no ensino fundamental, ante 13,9% na América Latina (OCDE, 2020). Apesar dos custos adicionais e do debate acerca do impacto, muitos professores apoiam a repetência.
Este artigo examina os efeitos da repetência utilizando um conjunto de dados longitudinais em nível de aluno (2012-2017) do município do Rio de Janeiro, a segunda maior rede municipal de ensino do Brasil. Estimamos o impacto da repetência do 3o e 4o anos no desempenho dos estudantes do 4o e 5o anos utilizando uma metodologia de diferenças-em-diferenças (DID) com efeitos fixos no nível do estudante. Descobrimos que a repetência impacta positivamente o desempenho acadêmico, causando efeitos de 0,40 e 0,43 desvios-padrão, que se manteve consistente em diferentes testes de robustez.
Estes resultados contribuem para a literatura sobre repetência escolar. Os primeiros estudos (1980s-1990s) apontaram efeitos principalmente negativos (Holmes, 1989; Jimerson, 2001), mas pesquisas conduzidas mais recentemente apontaram falhas metodológicas, especialmente de viés de seleção (Allen et al., 2009; Lorence, 2006). Surgiram novas evidências do impacto positivo no curto prazo da repetência, especialmente nos primeiros anos escolares (Figlio & Ozek, 2020; Jacob & Lefgren, 2004; Nunes et al., 2018; Schwerdt & West, 2013; Schwerdt et al., 2017), mas esses benefícios geralmente desaparecem no decorrer de três anos. Ainda por cima, segue sendo um desafio separar os efeitos da repetência das intervenções de remediação escolar.
Por outro lado, há estudos que encontraram nenhum efeito, ou negativo (Chen et al., 2010; Roderick & Nagaoka, 2005; Valbuena et al., 2021). A repetência pode prejudicar o bem-estar mental, habilidades não-cognitivas (Peixoto et al., 2016) e resultados de longo prazo, como completar o ensino médio (Jacob & Lefgren, 2009), taxas de evasão escolar (Eren et al., 2017; Manacorda, 2012), e criminalidade na vida adulta (Eren et al., 2018).
Ainda não se formou consenso na literatura, tornando o Brasil um caso importante de análise. Os estudos brasileiros até agora focaram principalmente na aprovação automática (Machado & Vasconcelos, 2020), com poucos artigos utilizando dados longitudinais para analisar a repetência (Correa et al., 2014; Gomes & Hanushek, 1994; Luz, 2008; Riani et al., 2012). A maior parte dos estudos reportou efeitos negativos, mas usou métodos que comparavam estudantes com base somente em características observáveis.
O artigo segue a seguinte estrutura: a Seção 2 explica a política de repetência do Rio de Janeiro, a Seção 3 discute o conjunto de dados, a Seção 4 detalha a estratégia empírica, a Seção 5 apresenta os resultados, e a Seção 6 fornece os testes de robustez. A Seção 7 explora os fatores por trás dos resultados, seguida da conclusão na Seção 8.
2. CONTEXTO INSTITUCIONAL
O Rio de Janeiro opera o segundo maior sistema municipal de educação do Brasil, atendendo a cerca de 400.000 estudantes em 2019. A partir do 3o ano, os estudantes realizam avaliações da Secretaria Municipal de Educação (SME) usando provas padronizadas. Enquanto a SME prepara e supervisiona as provas, os professores as ministram na sala de aula e dão nota na parte escrita. Todos os estudantes do mesmo ano fazem as provas, que determinam o nível de proficiência escolar deles (Resolução SME nº 1123, de 24 de janeiro de 2011).
Os estudantes são categorizados em quatro níveis de proficiência: Inadequado, Regular, Bom, e Muito Bom. Os professores avaliam o desempenho bimestralmente, considerando fatores como testes, desenvolvimento e comportamento. Estudantes considerados em nível Inadequado nos últimos dois meses precisarão fazer aula de recuperação e passar em uma prova final. Estudantes que têm nota menor que cinco nessa prova repetem o ano.
Embora a legislação educacional do Rio não determine intervenções específicas para estudantes repetentes, ela enfatiza a prevenção. As escolas devem oferecer aula extra durante o ano escolar para estudantes com desempenho em nível Inadequado ou com notas baixas. Esses estudantes também precisam assistir aula extra durante as férias de julho e passar por nova avaliação em agosto (Resolução SME nº 1123, de 24 de janeiro de 2011).
3. DADOS
O conjunto de dados se trata de um painel longitudinal de estudantes do ensino fundamental da cidade do Rio de Janeiro, abrangendo o período de 2012 a 2017. Inclui notas bimestrais provenientes das avaliações da SME, embora não contenha informações sobre níveis de proficiência ou frequência escolar. Estima-se o impacto da repetência no 3º ano sobre o desempenho no 4º ano, bem como da repetência no 4º ano sobre o desempenho no 5º ano. A repetência é identificada quando os estudantes permanecem no mesmo ano escolar por dois anos consecutivos. A análise contempla 30.825 estudantes do 3º ano e 29.013 do 4º ano.
O grupo de tratamento é composto por estudantes que repetiram o 3º ou o 4º ano em 2015, divididos em três subgrupos: (a) aqueles que mantiveram uma trajetória escolar normal posteriormente, (b) os que repetiram o ano subsequente em 2017 e (c) os que repetiram dois anos consecutivos. O grupo de controle é formado por estudantes que nunca repetiram o ano.
Nosso conjunto de dados completo continha inicialmente 892.146 estudantes. Primeiramente, excluímos os alunos com informações potencialmente incorretas, como registros de matrícula em anos escolares distintos no mesmo ano letivo. Essa exclusão resultou na perda de 1.893 estudantes, representando menos de 0,2% do conjunto de dados. Além disso, foram excluídos os estudantes ausentes do banco de dados ao longo de todo o período analisado, uma vez que era necessário acompanhar sua trajetória escolar ao longo dos anos. Com essa etapa, perdemos 727.691 estudantes, o que corresponde a 81% do conjunto de dados.
Diversas possibilidades podem explicar essa perda de dados. Em primeiro lugar, é possível que imprecisões administrativas estejam reduzindo a amostra. Cada aluno possui um código único no sistema, o qual, idealmente, não deveria ser alterado ao longo dos anos escolares ou em caso de mudança de escola. No entanto, sabemos por meio de comunicação direta com a SME que tais erros ocorrem. Em segundo lugar, os estudantes podem estar deixando o sistema municipal de ensino por três razões: i) migração das famílias para outro município; ii) transferência dos filhos para escolas privadas; e iii) evasão escolar. Essas perdas podem ser problemáticas para a nossa análise se alguma delas se relacionar à repetência. No entanto, é presumível que migração e transferências para a rede privada são mais associadas a flutuações socioeconômicas e mudanças no mercado de trabalho dos pais. Ademais, o ensino fundamental é obrigatório no Brasil, o que contribui para uma taxa de evasão relativamente baixa nessa etapa.1
No Quadro 1, comparamos nossa amostra com o total de estudantes do conjunto de dados completo nos anos de 2014 e 2015. Embora nossa amostra apresente uma taxa de repetência menor e notas mais altas, indicando que ela não representa a totalidade dos estudantes do Rio de Janeiro (tratando-se de uma questão de validade externa), essa característica é comum tanto ao grupo de controle quanto ao grupo de tratamento, o que sugere que nossos resultados possuem validade interna. Além disso, nossas estimações por regressões incluem efeitos fixos de escola e ano, ou efeitos fixos de estudante, o que permite controlar características socioeconômicas dos alunos que possam influenciar de forma diferenciada o desempenho de estudantes que passaram ou repetiram.
Nossa variável dependente corresponde às notas de matemática, redação e leitura obtidas nas Provas Bimestrais da SME. Como o exame muda anualmente, não é possível avaliar o crescimento ao longo dos anos. No entanto, dado que a prova é padronizada e aplicada em todas as escolas, é viável comparar os resultados entre os estudantes dos grupos de tratamento e controle, desde que as notas sejam padronizadas com base na média e no desvio-padrão correspondentes ao mês, ano escolar e ano letivo de aplicação da prova.
Para os fins deste estudo, é necessário apenas que a avaliação seja comparável entre os grupos de tratamento e controle, e não necessariamente ao longo dos anos. Cada turma possui alunos reprovados e aprovados, todos submetidos à mesma prova. Diferenças na aplicação do teste pelos professores estão distribuídas entre os estudantes dos dois grupos e são controladas por meio de efeitos fixos de escola e ano escolar, ou de estudante, nas estimativas de regressão. Quanto às provas de redação, que são corrigidas pelos professores, pode haver variação na correção adotada por cada docente. Ainda assim, como a análise é realizada dentro de escolas e anos específicos, a prova continua válida para comparações entre os grupos de tratamento e controle.
A Figura 1 mostra o comportamento das notas ao longo dos anos, comparando alunos que repetiram e que foram aprovados. Conforme esperado, os estudantes reprovados apresentam desempenho inferior aos aprovados. Observa-se, entretanto, que todos os alunos que repetiram melhoraram as notas após repetirem o 3o. ou 4o ano. O método de Diferenças-em-Diferenças (DID) pressupõe que, na ausência da repetência, as notas dos estudantes teriam seguido trajetórias semelhantes ao longo do tempo. Com exceção da leitura, os dois grupos demonstram tendências similares antes do ano de repetência, de modo que a Figura 1 oferece, em grande parte, suporte a essa suposição.
4. METODOLOGIA
Usamos a abordagem de comparação dentro do mesmo ano escolar (Lorence, 2006) para avaliar o impacto da repetência no 3o e 4o anos, empregando um modelo de Diferenças em Diferenças (DID). Os dados estão equilibrados ao longo dos anos, e todas as especificações incluem efeitos fixos por disciplina e por administração municipal, de forma a incluir as três gestões municipais ocorridas durante o período do estudo. Tendências por ano são omitidas a fim de preservar a lógica da comparação dentro do mesmo ano escolar, evitando contrastes entre anos escolares distintos em um mesmo ano letivo.
As equações de estimativa são as seguintes:
Nesta equação, i representa o estudante, t é a nota, e su se refere às disciplinas (matemática, redação, leitura). Y itsu corresponde à nota padronizada dos 3o e 4o anos, enquanto que Tr i indica o tratamento dado (repetência no 3o ou 4o ano), e D t é a variável dummy de período (=1 se Pós-período). O termo de interação Tr i * D t capta o efeito do tratamento no período posterior à repetência (Tratamento × Pós-período). representa os efeitos fixos da disciplina, controla os efeitos fixos das administrações municipais, e incorpora os efeitos fixos das escolas. Por fim, é o termo de erro.
As equações (2) e (3) são parecidas com a Equação (1), com representando os efeitos fixos de ano escolar e denotando os efeitos fixos de estudante.
5. PRINCIPAIS RESULTADOS
O Quadro 2 apresenta os principais resultados: repetência nos 3o e 4o anos melhora o desempenho acadêmico significativamente no curto prazo. Na repetência do 3o ano, o tamanho do efeito com efeitos fixos de estudante foi de 0,43, pouco mais que o 4,0 visto na repetência do 4o ano. Os resultados se mantêm consistentes em várias especificações de efeitos fixos. A seguir, focaremos nos resultados usando efeitos fixos de estudantes, nosso método de preferência.
O Quadro 3 examina os efeitos heterogêneos dentro do grupo de tratamento. Os estudantes que passaram de ano pós-repetência e os que repetiram o mesmo ano duas vezes tiveram efeitos positivos. Contudo, os estudantes que repetiram dois anos escolares seguidos tiveram efeitos negativos, sugerindo que repetências consecutivas prejudicam o desempenho acadêmico. Para estudantes que não repetiram mais depois da primeira vez, os benefícios continuaram, embora tenham caído com o tempo (Quadro 4).
6. TESTES DE ROBUSTEZ
Para lidar com a endogeneidade da repetência, reestimamos os principais resultados excluindo o ano repetido da análise. Especificamente, omitimos o 3o ano na análise da repetência do 3o ano e o 4o ano na análise da repetência do 4o ano. O Quadro 5 apresenta resultados consistentes, confirmando a robustez de nossas conclusões.
Verificações adicionais de robustez (disponíveis mediante solicitação) reforçam os resultados obtidos. Por exemplo, ao analisarmos apenas as notas de matemática - dada a possibilidade de viés nas avaliações de leitura e redação -, os resultados permanecem consistentes. Também examinamos o papel de fatores socioeconômicos, incluindo idade, raça, gênero e escolaridade materna. A repetência é mais frequente entre meninos, estudantes negros e pardos, e filhos de mães com menor nível de escolaridade, como já apontado por estudos anteriores (Oliveira & Soares, 2012; Valbuena et al., 2021).
7. INTERPRETANDO OS RESULTADOS
O que explica o desempenho melhorado dos alunos repetentes? Para investigar essa questão, inicialmente comparamos o grupo de tratamento com um grupo de controle mais comparável. Esse grupo de controle foi composto por estudantes que receberam nota menor que 4 (em pelo menos uma ou em todas as disciplinas) no 3o ou 4o ano em 2014, mas que foram aprovados para o ano seguinte em 2015. Esses alunos de baixo desempenho eram, provavelmente, candidatos à repetência em 2015. Os resultados apresentados no Quadro 6 (colunas 1 e 3) mostram que os estudantes repetentes superam, em desempenho acadêmico posterior, os colegas de baixa performance que foram aprovados.
Também comparamos dois grupos de estudantes aprovados: aqueles que receberam nota inferior a quatro e aqueles com notas entre quatro e sete. Alunos com desempenho melhor enfrentam um teto mais alto para melhoria de notas (por exemplo, um aluno com nota oito não pode ultrapassar dez), enquanto alunos com nota mais baixa possuem mais margem de melhora. As colunas 2 e 4 do Quadro 6 apresentam esses resultados, revelando que os estudantes aprovados com nota baixa superam, em desempenho subsequente, os colegas aprovados com notas mais altas.
ESTIMATIVA COM UM CONTROLE MAIS COMPARÁVEL (COLUNAS 1 E 3) E COMPARAÇÃO ENTRE ESTUDANTES APROVADOS (COLUNAS 2 E 4)
Os resultados são positivos e significativos: estudantes que passaram de ano com desempenho inferior superam, academicamente, os que passaram com desempenho superior. O Quadro 6 destaca que os alunos de menor rendimento - possivelmente aqueles próximos da repetência - apresentam desempenho mais elevado. Conforme discutido na Seção 2, esses estudantes frequentemente recebem aulas de reforço como estratégia para evitar a repetência, o que pode explicar parte da melhora observada. Além disso, a ameaça de repetência pode motivá-los a se empenhar mais, um fenômeno já documentado na literatura (Carvalho & Firpo, 2014).
No entanto, esses fatores não explicam totalmente os resultados, uma vez que os alunos que repetiram apresentam desempenho superior aos colegas que passaram, mas com nota baixa. A repetência possui um impacto que vai além de funcionar como ameaça ou incluir intervenções remediadoras. É importante destacar que a ameaça de repetência só é eficaz porque a repetência em si constitui uma intervenção real de política educacional.
8. CONCLUSÃO
Este artigo estimou o impacto da repetência no 3o e 4o ano nos resultados acadêmicos do 4o e 5o anos usando uma abordagem de DID com efeitos fixos, utilizando dados em painel de estudantes do ensino fundamental no Rio de Janeiro de 2012 a 2017. Nossos resultados mostram que repetir o ano melhora significativamente o desempenho acadêmico, com resultados consistentes em diversos testes de robustez.
Nossa hipótese é que o medo da repetência alimenta esse efeito, embora a repetência por si só seja mais que apenas uma ameaça. Os resultados mostram que a repetência atua como incentivo de curto prazo para melhorar o desempenho acadêmico. Contudo, como outros estudos já mostraram que a repetência pode causar efeitos negativos no longo prazo e prejudicar a saúde mental dos estudantes, as políticas devem considerar o uso de outras estratégias educacionais, como intervenções de remediação localizadas, acompanhamento contínuo e apoio adicional, antes de partir para a reprovação.
Obrigar o estudante a repetir o ano não é a única maneira de garantir que ele esteja preparado para lidar com assuntos mais avançados e pode não ser a estratégia mais economicamente eficiente. Programas eficientes de tempo integral ou aulas de recuperação já foram apontados como intervenções promissoras (McCombs et al., 2011; Terzian et al., 2009). Identificar mais cedo os estudantes com dificuldades e oferecer intervenções adaptadas, como engajamento com a família, podem reduzir o índice de repetência e seus consequentes efeitos negativos. As estratégias para aumentar o engajamento familiar podem incluir o apoio à aprendizagem tanto na escola quanto em casa, a governança compartilhada das decisões escolares, e a coordenação com programas comunitários (Morris & Nóra, 2024). As políticas de repetência devem levar em consideração todos os efeitos possíveis nos estudantes e seus custos altos para o sistema educacional, especialmente considerando a prevalência da repetência entre os estudantes em situação mais vulnerável.
AGRADECIMENTOS
Roberta Costa reconhece o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio da bolsa de doutorado (Processo nº 131075/2016-0), vigente entre 2018 e 2021. Os autores também expressam gratidão à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro pela disponibilização dos dados e à Letícia Côrtes pelas informações compartilhadas. Um agradecimento especial é direcionado à Danielle Carusi, Fabio Waltenberg, Martin Carnoy e Elaine Pazello, cujos comentários e contribuições enriqueceram significativamente o trabalho desenvolvido.
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O índice de evasão escolar entre 2014 e 2015 foi 2.1 para o 3o ano e 2.0 para o 4o ano (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2020).
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[Versão traduzida]
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DISPONIBILIDADE DE DADOS
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação à Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Os dados não estão publicamente disponíveis por duas razões: (i) contêm informações sensíveis que podem comprometer a privacidade dos alunos da rede municipal; e (ii) o acordo firmado com a Secretaria no momento da obtenção dos dados restringe seu compartilhamento com terceiros.
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Pareceristas:
Marco Antonio Catussi Paschoalotto (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2276-8531
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Pareceristas:
Bruno Sendra de Assis (Universidade de São Paulo, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0001-9925-3080
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Pareceristas:
Um parecerista não autorizou a divulgação de sua identidade.
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Relatório de revisão por pares:
O relatório de revisão por pares está disponível neste link
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https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/94495/88065
Editado por
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Editora-chefe:
Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
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Editora-adjunta:
Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação à Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Os dados não estão publicamente disponíveis por duas razões: (i) contêm informações sensíveis que podem comprometer a privacidade dos alunos da rede municipal; e (ii) o acordo firmado com a Secretaria no momento da obtenção dos dados restringe seu compartilhamento com terceiros.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
25 Jul 2024 -
Aceito
08 Jun 2025








Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: *p < 0.05, **p < 0.01, ***p < 0.001. O índice de repetência foi calculado pela proporção entre o número de estudantes que repetiram o 3o e o 4o anos em 2015 e aqueles que se matricularam nesses anos escolares em 2014. Só levamos em consideração os estudantes presentes em 2014 e 2015 no conjunto de dados completo. As notas são a média original da prova bimestral (sem padronização) para cada ano escolar e ano letivo.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: As notas contêm a média da nota original da prova bimestral (não-padronizada) por ano escolar. Os dados contêm o ano de repetência e uma amostra equilibrada dos principais resultados.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: Erros padrão agrupados no nível da turma estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. As estimativas incluem matemática, redação e leitura.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: Erros padrão agrupados no nível da turma estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. As estimativas incluem matemática, redação e leitura. Todas as estimativas incluem efeito fixo de disciplina, gestão e estudante.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: Erros-padrão agrupados no nível da turma estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. As estimativas incluem matemática, redação e leitura. A amostra inclui apenas estudantes que mantiveram uma trajetória escolar regular após a repetência.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: Erros-padrão agrupados no nível da turma estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. As estimações incluem matemática, redação e leitura, além de efeitos fixos por disciplina, administração municipal e estudante.
Fonte: Dados das provas bimestrais do SME entre 2012 a 2017.Notas: Erros-padrão agrupados no nível da turma estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. As estimações incluem matemática, redação e leitura, além de efeitos fixos por disciplina, administração municipal e estudante.