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As narrativas fundamentais do mito do desenvolvimento econômico e o neodesenvolvimentismo brasileiro

Resumo

O objetivo deste artigo é o de interpretar as mais conhecidas teorias do desenvolvimento econômico a partir da premissa de que se trata de narrativas míticas contemporâneas e, consequentemente, o neodesenvolvimentismo como uma mistura não necessariamente original dessas estórias. Faz-se uso da interpretação semiótica realizada por Roland Barthes acerca da estrutura e dos papéis sociais dos mitos para sugerir que as teorias do desenvolvimento funcionam muito mais como um arranjo ideológico do que como um campo científico. É também realizado um paralelo entre a noção de jornada do herói de Joseph Campbell e as cinco narrativas de desenvolvimento mais conhecidas: protecionista, keynesiana, institucionalista, empreendedorismo e neoclássica.

Palavras-chave:
desenvolvimento econômico; capitalismo; mitologia contemporânea; neodesenvolvimentismo; ciência econômica

Abstract

This article aims to interpret the most well-known theories of economic development based on the assumption that these theories are contemporary mythological tales and, consequently, the Brazilian 2000’s neo-developmentalism agenda as an inexact unique blend of them all. The study uses Roland Barthes’ semiotic interpretation on the social structure and roles of myths to argue that theories of development are rather a compound of ideologies than a scientific field of inquiry. In addition, the article draws a parallel between Joseph Campbell’s hero’s journey and the five widely known narratives of development: Protectionist, Keynesian, Institutional, Entrepreneurial and Neoclassical.

Keywords:
economic development; capitalism; contemporary mythology; neo-developmentalism; economic science

Resumo

El objectivo de este ensayo es interpretar las más conocidas teorías del desarrollo económico bajo la premisa de que son relatos míticos contemporáneos y, en consecuencia, el neo-desarrollismo brasileño solamente una mezcla no necesariamente creativa de estos cuentos. Se hace uso de la interpretación semiótica de Roland Barthes acerca de la estructura y las funciones sociales del mito para asegurar que las teorías del desarrollo funcionan mucho más como un sustrato ideológico que como un campo científico. Hace también un paralelo entre la noción de la viaje del héroe de Joseph Campbell y los cinco relatos típicos de desarrollo: proteccionista, keynesiano, institucionalista, emprendedor y neoclásico.

Palabras clave:
desarrollo económico; capitalismo; mitologia contemporânea; neo-desarrollismo; ciencia económica

1. Introdução

O capitalismo contemporâneo é caracterizado por aglutinar narrativas esquemáticas da realidade que, entre suas muitas funções, contribuem para disciplinar escolhas, esperanças e comportamentos de indivíduos, grupos sociais e instituições. São muitos os exemplos, como o gerencialismo (Klikauer, 2015KLIKAUER, Thomas. What is managerialism. Critical Sociology, v. 41, n. 7-8, p. 1103-1119, 2015.), a dicotomia entre o Islã e o Ocidente (Qureshi e Sells, 2003QURESHI, Emran; SELLS, Michael A. The new crusades: constructing the Muslim enemy. New York: Columbia University Press, 2003.) ou mesmo o ideário da democracia representativa de direito (Ayers e Saad-Filho, 2015AYERS, Alison J.; SAAD-FILHO, Alfredo. Democracy against neoliberalism: paradoxes, limitations, transcendence. Critical Sociology, v. 41, n. 4-5, p. 597-618, 2015.). Em nosso entendimento, o onipresente discurso do desenvolvimento é um desses contos. Em particular, a ideia do desenvolvimento aparece recheada de pressupostos, conceitos e conclusões que se localizam na área cinzenta entre o conhecimento científico e a fábula. O desenvolvimento em si normalmente é apresentado como o pote de ouro escondido no fim do arco-íris do capitalismo. Porém, a despeito de suas muitas promessas, tem se mostrado inalcançável para a maior parte das nações (Rivero, 2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010).

Em nossa análise, encontramos ao menos cinco crônicas dominantes, em três arenas políticas alegadamente opostas entre si, competindo para oferecer a melhor explicação para os processos de desenvolvimento econômico e, assim, influenciar tomadores de decisão. A primeira é o movimento neoliberal — relacionado com a econômica neoclássica —, o qual afirma que apenas o livre mercado e a liberdade de escolha são capazes de conduzir os países a uma situação de equilíbrio com bem-estar. A economia neoclássica também inspirou outras duas narrativas: a do empreendedorismo, que sugere que as inovações tecnológicas, proporcionadas pela classe empreendedora, são a verdadeira força motora das economias capitalistas; e a institucionalista, que mantém um crescente interesse acerca do papel de instituições na indução de mudanças econômicas e sociais. Do outro lado da arena política, encontramos mais duas escolas: a protecionista, cuja narrativa crê que capitalistas domésticos e proteção da indústria nascente — assistidos pelo Estado nacional — podem levar uma economia em direção ao paraíso; e a narrativa keynesiana, a qual confia no planejamento macroeconômico para coordenar padrões de investimento e crescimento dos mercados. Ainda que se acredite que cada uma dessas cinco crônicas se encontra em diferentes lados políticos, cada uma delas assume uma mesma interpretação cosmogônica (capitalista) da realidade, confiando em heróis, denunciado vilões, assim como sugerindo condutas morais que, se seguidas à risca, nos levariam ao céu do desenvolvimento.

Nós partimos dos insights providos pelos trabalhos de Furtado (1974FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro, 1974.), Rivero (2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010) e Escobar (1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.) para examinar as premissas fundadoras do desenvolvimento econômico como narrativas mitológicas. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura a partir de uma análise de discurso adaptada, por meio da qual foram revisitadas as teorias de desenvolvimento como se fossem discursos políticos, com o intuito de destacar suas divergências e convergências. Buscamos principalmente comparar suas premissas-chave com as categorias da jornada do herói de Joseph Campbell (2004CAMPBELL, Joseph. The hero with a thousand faces. Princeton, US: Princeton University Press, 2004.). Assim como, a partir de Roland Barthes (1972BARTHES, Roland. Mythologies. New York: Noonday Press, 1972.), entendemos o mito como uma estrutura semiótica que, ao mesmo tempo, esconde e demonstra — simbolicamente, mas também como discurso (compreendido aqui como uma totalidade que envolve a fala e a ação) — relações sociais, agendas e mesmo visões de mundo. Uma de nossas hipóteses é que, a despeito de sua argumentação científica bem construída — sempre fundamentada em dados, bom senso e experiência —, as teorias de desenvolvimento são estruturas disciplinares da sociedade capitalista: não mais que um padrão simbólico de comportamento econômico. Para ilustrar essa discussão, nós analisamos brevemente o neodesenvolvimentismo brasileiro, o qual recentemente recebeu bastante atenção por ter sido alegadamente responsável em manter a economia brasileira distante das ameaças da crise internacional de 2008 — até que não mais. O agressivo retorno da agenda neoliberal sob o governo Temer acompanha nosso argumento: desenvolvimentismo é só mais uma elaborada fantasia.

Nós buscamos atender a quatro objetivos específicos: primeiro, discutimos a noção de mito como uma estrutura semiótica (primeira seção). Segundo, analisamos as premissas comuns das narrativas de desenvolvimento, enfatizando as suposições compartilhadas que compõem a estrutura cosmogônica a partir da qual os mitos são construídos (segunda seção). Terceiro, buscamos interpretar as principais narrativas contemporâneas do desenvolvimento econômico como tramas mitológicas, enfatizando suas características simbólicas e convergências estruturais (terceira seção). Por fim, comparamos esse background teórico com os últimos desdobramentos do neodesenvolvimentismo brasileiro (quarta seção).

2. A estrutura do mito

Historicamente, o termo “mito” aparece com três significados (Abbagnano, 2012ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2012.). O primeiro, que surge no período clássico, sugere que mitos são sentenças meramente verossimilhantes, produções inferiores do intelecto, que pretendem explicar diferentes aspectos da realidade. Naquela época, mitos eram contrapostos em relação à “verdade”, a qual era considerada o produto da razão. O conceito de mito como um tipo de verdade menor normalmente o associa aos discursos moral ou religioso, como algo que codifica a relação entre os homens consigo mesmos, com a natureza e com os deuses. Assim, nesse caso, o mito aparece repleto de significado espiritual, especialmente por conta de suas funções como origem e reforço de certas crenças. A partir dessa definição, um mito, em linguagem contemporânea, pode ser entendido como algo inatingível, ou ainda algo que se opõe à razão.

A segunda perspectiva, ainda de acordo com Abbagnano (2012ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2012.), sugere que mitos são formas independentes de pensamento. Não estão sujeitos à racionalização, pois transitam num nível diferente, dotados de mesmo status da sabedoria científica. Sua verdade, portanto, não é diminuída nem tampouco deformada, mas sim autêntica, embora diferente, revestida com uma forma lírica ou poética. É nesse âmbito que os fundamentos emocionais do mito são reconhecidos de forma distintiva. Não é sem razão que, nesse contexto, Émile Durkheim afirma que a sociedade, não a natureza, é o verdadeiro modelo do mito. De acordo com essa interpretação, o discurso mitológico funciona muito mais como projeções sociais, que refletem as características fundamentais da vida coletiva (Durkheim, 1995DURKHEIM, Emile. The elementary forms of religious life. Tradução de Karen E. Fields. New York: The Free Press, 1995.).

A terceira interpretação, ainda segundo Abbagnano (2012ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2012.), sugere que o mito é um elemento fundamental de qualquer cultura. O mito justifica e reforça a tradição, muito embora tenha apenas uma conexão indireta com fatos históricos. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, quando analisou a estrutura mitológica de sociedades ancestrais, percebeu que esses arcabouços sociais não eram exatamente narrativas históricas, mas representações de eventos da vida ajustados e aperfeiçoados, sobre questões como o nascimento, a morte, a luta pela sobrevivência, as relações de gênero, entre outros (Lévi-Strauss, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.). Para Lévi-Strauss, mitos também expressam aspirações que podem ser desencadeadas por situações reais. Esse quadro referencial nos interessa mais.

É lícito dizer que mitos podem ser entendidos como contos pseudo-históricos e narrativas fantásticas. Mas o que é digno de atenção nessa terceira definição é sua ênfase na finalidade social dos mitos como arquétipos humanos, os quais estão enraizados em conceitos e projetos socialmente compartilhados, ambos derivados de um repositório simbólico coletivo. Em convergência, Roland Barthes afirma que mitos são discursos, sistemas de comunicação historicamente produzidos que conferem significado e uso coletivo para a linguagem. Em outras palavras, o mito é um sistema semiótico, que compreende “{...} o significado, o significante e o signo, o qual é uma totalidade associativa dos dois primeiros termos” (Barthes, 1972BARTHES, Roland. Mythologies. New York: Noonday Press, 1972.:111, tradução nossa).

O mito como um processo social, então, funciona distorcendo o significado dos signos. É definido por sua intenção, seu conceito, e não pela literalidade de suas palavras, pois que normalmente esconde ou desvia o ponto em questão. O mito, como “discurso tomado e restaurado” (Barthes, 1972BARTHES, Roland. Mythologies. New York: Noonday Press, 1972.:124), não é nunca restaurado da mesma forma com que foi tomado: nunca retorna no mesmo sentido, ou no mesmo cenário. E é precisamente essa lacuna, esse momento furtivo, que caracteriza a contravenção do discurso mitológico. Consequentemente, o mito nem revela, nem tampouco determina o conceito: ele o naturaliza, conferindo ao conceito um status de verdade a ser aceita sem questionamento. Sua essência reside no processo de naturalizar uma história, em transmutar opinião em fato, especialmente se estiver disfarçado de cientificidade.

As intenções por detrás do mito normalmente não podem permanecer escondidas, pois é preciso que ele seja efetivo como discurso disciplinar. Um mito precisa ser percebido como evidente e natural, como uma lei científica. Indivíduos tendem a enxergar os mitos como sistemas indutivos, não como sistemas semiológicos de valores. Onde existe apenas um conjunto de equivalências ou coincidências, as pessoas discernem perfeitas causalidades entre variáveis. O mito, portanto, é usualmente lido como um sistema de fatos, como uma verdade e um conjunto de evidências inquestionáveis.

O senso comum entende o mito como ficção, como algo simplesmente falso ou enganoso. Na sociedade contemporânea, no entanto, ao menos um mito é não apenas real, mas inclusive hiper-real (Baudrillard, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisbon: Relógio D’Água, 1991.): o desenvolvimento econômico. Sua habilidade de coordenar ações, de explicar (enquanto simplifica) mecanismos de mudança social e de prover respostas para questões irrespondíveis (por exemplo, acerca da existência de uma natureza humana) revela a realidade aumentada que visa evocar. Como mitos emergem do mundo concreto, enfatizando enquanto distorcem, expondo na medida em que escondem, eles se articulam à realidade. No entanto, eles conduzem pessoas, grupos sociais, companhias e governos a agir como se seu enredo fosse a verdade, a se comportar da maneira como a narrativa mitológica exige, assim ofuscando a própria realidade.

O(s) mito(s) do desenvolvimento econômico — com suas atraentes narrativas em disputa — simultaneamente revela(m) e esconde(m) suas raízes na divisão social do trabalho, assim como aqueles interesses particulares que em última instância representa(m) e busca(m) generalizar. Muito embora o moderno mito do desenvolvimento econômico apresente várias narrativas alternativas, é construído sobre um conjunto de premissas normalmente inquestionáveis, não necessariamente dogmáticas ou falsas, mas hiper-reais: trata-se de uma construção social elaborada como uma estrutura simbólica que mimetiza o mundo real; uma metanarrativa que esconde tendenciosas interpretações da história e do funcionamento dos sistemas econômicos. Ao contrário do que pode pensar um Baudrillard, nós não acreditamos que isso é uma questão meramente fortuita. O mito do desenvolvimento econômico — assim como suas teorias, premissas, políticas, think tanks, entre outros — é parte de uma (nem tanto) agenda escondida do capitalismo: não busca desenvolver países, mas sim oportunidades para valorizar e acumular capital.

3. Premissas compartilhadas do mito do desenvolvimento

A ideia de desenvolvimento é um produto do século XX.1 1 A noção de país em desenvolvimento substitui a narrativa de um mundo formado por nações bárbaras num processo civilizatório linear, o qual era predominante na Era Colonial. Nós não pretendemos dizer que a ideia de progresso não existia antes, mas sim enfatizar que o discurso de desenvolvimento se torna hegemônico, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial (Escobar, 1995). Na verdade, a crença acerca de como o crescimento econômico pode levar as nações ao progresso social apareceu como fundamento para o discurso de políticos apenas após a Segunda Grande Guerra. Foi em 1949, quando Harry Truman, em seu primeiro discurso como presidente dos Estados Unidos da América, clamou por um esforço coletivo por parte dos países desenvolvidos no sentido de auxiliar os subdesenvolvidos a alcançar modernização econômica e social. Era essencial para o núcleo capitalista, então, se comprometer com a assistência direcionada aos países periféricos, e assim garantir sua lealdade. A mera existência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) demonstrava que o chamado “mundo livre” precisava se apresentar ao menos tão convincente para os países pobres como era o comunismo. Além disso, esses países, durante e depois do processo de descolonização, requeriam um novo status no âmbito do sistema internacional de nações. Traziam uma agenda de autodeterminação política e econômica. O mundo bipolar que emergiu na segunda metade do século XX desafiava o sistema capitalista a ser melhor que o socialismo, tanto econômica como politicamente (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.; Santos Filho, 2005SANTOS FILHO, Onofre. O fogo de Prometeu nas mãos de Midas: desenvolvimento e mudança social. In: CAMPOS, Taiane las C. (Org.). Desenvolvimento, desigualdades e relações internacionais. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2005. p. 13-75.).

Além disso, a ideologia que sustentava o imperialismo antes de seus grandes conflitos se encontrava obsoleta: o “fardo do homem branco” que justificava a cruzada ocidental para civilizar o restante do mundo, por meio do controle político direto, não era mais efetivo, já que nada poderia ser mais bárbaro que o nazismo (liderado exatamente por brancos). O fundamento moral do imperialismo anterior à guerra estava perdido, outro mito era necessário para substituí-lo. Foi quando o mito do desenvolvimento econômico foi estabelecido. Muito embora compartilhe os mesmos fundamentos da tese “civilizatória”, o mito do desenvolvimento é alicerçado em premissas um tanto distintas: a partir de “civilizado” em oposição a “bárbaro”, emergiu “desenvolvido” em oposição a “subdesenvolvido” como critério internacional de classificação hierárquica (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.).

Seguindo essa narrativa, diferenças entre “estágios de desenvolvimento”, curiosamente, nunca são creditadas à rígida divisão internacional do trabalho. Por meio do mito do desenvolvimento econômico se buscou enfatizar como o subdesenvolvimento seria causado estritamente por condições internas daqueles países, especialmente por atraso técnico de produção e menor acumulação de capital. A narrativa mitológica influenciou não apenas o diagnóstico, mas também alimentou a fábula de que seria possível para todas as nações alcançar os padrões de vida e consumo dos países desenvolvidos. A receita segue dessa forma: seria suficiente seguir um conjunto de passos determinados por aquelas nações desenvolvidas, que o caminho para a riqueza se abriria (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.; Furtado, 1974FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro, 1974.).

Alguns dos pressupostos básicos dessas narrativas de desenvolvimento já denunciam sua condição mitológica: i. o homo economicus é o corolário do ator racional; ii. o desenvolvimento social como sinônimo de crescimento econômico; e iii. a possibilidade de que todos os países possam, simultaneamente, reproduzir os padrões de vida dos ricos — o que significa que a diferença entre desenvolvidos e subdesenvolvidos pode diminuir, na medida em que esses últimos consigam realizar seu processo de catching up (Chang, 2002CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002.:38). São essas premissas que oferecem sustentação para o núcleo teórico da maior parte das narrativas de desenvolvimento, mesmo que cada uma delas já tenha sido, de alguma forma, contestada pelas ciências sociais.

A ideia de que a natureza humana é motivada pelo ganho econômico está entranhada nas fundações da racionalidade desenvolvimentista. Um dos primeiros intelectuais a sugerir que o comportamento humano poderia ser reduzido a uma racionalidade egoísta e materialista foi John S. Mill (Persky, 1995PERSKY, Joseph. The ethology of homo economicus. Journal of Economic Perspectives, v. 9, n. 2, p. 221-231, 1995.). Mill argumentava que a ação humana se fundamenta num cálculo racional, que é resultado da tensão dual entre as possibilidades de prazer e dor. Indivíduos seriam guiados por princípios egoístas no sentido de maximizar a utilidade de suas escolhas — em outras palavras, para reduzir a dor e aumentar o prazer. A despeito de ser objeto de severas críticas, essa percepção ainda provê a base para a maior parte das teorias da escolha econômica, desde os neoclássicos (Boettke, 1996BOETTKE, Peter J. What is wrong with neoclassical economics (and what is still wrong with Austrian economics). In: FOLDVARY, Fred E. (Org.). Beyond neoclassical economics: heterodox approaches to economic theory. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 1996. p. 22-40.) até os keynesianos (Coddington, 1974CODDINGTON, Alan. Keynesian economics: the search for first principles. Journal of Economic Literature, v. 14, n. 4, p. 1258-1273, 1974.).

O princípio do hedonismo qualitativo, que subjaz ao utilitarismo clássico, bem como as posteriores tentativas de qualificar “dor” e “prazer”, tropeça em sua inabilidade de descrever precisamente o que é maximização. Como Alain Caillé (2001CAILLÉ, Alain. O princípio de razão, o utilitarismo e o antiutilitarismo. Sociedade e Estado, v. 16, n. 1, p. 26-56, 2001.) sugere, a existência subjetiva de indivíduos simplesmente resiste a essa explanação reducionista. Além disso, sua noção de racionalidade também é frágil. Uma parte da teoria acredita que é possível parametrizar preferências, caindo em tautologias ou buscando explicações totalizantes (e inúteis) acerca da vontade. E quando, por outro lado, argumentam acerca da noção de racionalidade limitada, ainda sustentam que a ação humana “deve ser” motivada pela razão (muito científico!), mormente demonstrando seus limites de processamento de informação (Caillé, 2001CAILLÉ, Alain. O princípio de razão, o utilitarismo e o antiutilitarismo. Sociedade e Estado, v. 16, n. 1, p. 26-56, 2001.).

Outra (falaciosa) premissa dessas teorias é a de que o crescimento econômico é capaz de engendrar, automaticamente, os desenvolvimentos político e social. Para eles é muito evidente que, quando a economia cresce, ela demanda progressos nas leis, instituições, infraestrutura e mesmo nas políticas de governo. Ademais, a alegada distribuição de renda que acompanharia o crescimento econômico iria aprimorar padrões educacionais, participação política, comportamento do consumidor e mesmo alcançar a diferenciação social. Em outras palavras, embora os teóricos façam a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento, muitos assumem que um leva univocamente ao outro (Sunkel e Paz, 1976SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1976.; Furtado, 1983FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983.). De acordo com Theotônio dos Santos (2000SANTOS, Theotônio dos. A teoria da dependência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.), a experiência de alguns dos países periféricos torna evidente o fato de que é possível que um país apresente crescimento do PIB sem, no entanto, alcançar avanços em suas estruturas políticas e sociais. O crescimento per se parece não ser condição suficiente para induzir o desenvolvimento.

A ideia de desenvolvimento também é reforçada pela premissa de que os padrões de vida dos países centrais podem ser largamente disseminados e copiados. Isso deriva de uma filosofia da história que pressupõe a existência de um continuum linear de progresso: países “avançados” assim seriam por conta de terem seguido certos passos em direção à civilização; basta então galgar esses mesmos passos para chegar ao topo da escada (contemporaneamente, uma ideia risível entre pesquisadores sociais sérios) (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.). Esse argumento sugere que os países que hoje em dia são pobres aparecem como um exemplo testamental de como as nações desenvolvidas eram no passado (o que não é verdade); seu subdesenvolvimento seria apenas um estágio que deve ser superado (o que, de fato, não é); e seu futuro pode ser previsto como algo semelhante ao que hoje em dia são os países desenvolvidos (o que simplesmente não é possível) (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.; Santos, 2000SANTOS, Theotônio dos. A teoria da dependência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.; Santos Filho, 2005SANTOS FILHO, Onofre. O fogo de Prometeu nas mãos de Midas: desenvolvimento e mudança social. In: CAMPOS, Taiane las C. (Org.). Desenvolvimento, desigualdades e relações internacionais. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2005. p. 13-75.).

Celso Furtado (1974) afirma que esse tipo de progresso não é apenas impraticável, mas pressupô-lo de forma subjacente funciona como um instrumento de controle. Primeiro, as reservas de recursos naturais são finitas e, portanto, incapazes de sustentar uma ampla generalização dos padrões de vida dos países centrais. Segundo, a presença de corporações transnacionais ameaça a autonomia dos países em desenvolvimento à medida que limitam suas opções de investimento e restringem sua capacidade de tomada de decisões, enquanto funcionam como válvulas de escape para os excedentes de poupança de seus países de origem. Outrossim, as estratégias de desenvolvimento sugeridas pelos países centrais não são capazes de assegurar o progresso das nações periféricas — pelo contrário, servem apenas para reafirmar a concentração de renda nas mãos das elites locais e estrangeiras. De acordo com Furtado (1974)FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro, 1974., a cooperação internacional para o desenvolvimento, que enfatiza a ajuda tecnológica e os investimentos externos diretos, serviu apenas para criar uma nova dependência, especialmente na América Latina e na África.2 2 Muito embora Furtado classifique a noção de desenvolvimento como um mito, ela não se preocupa em abordar a noção de “mito” de forma aprofundada. O que percebemos por meio da análise de seu livro (Furtado, 1974) é que a palavra “mito” é usada ali para se referir a um discurso enganoso e falacioso. O mesmo pode ser dito acerca do trabalho de Oswaldo Rivero (2010). Podemos dizer que tanto Furtado como Rivero usam “mito” em seu sentido de senso comum, como sinônimo de “falso”, assim jogando fora a oportunidade de aprofundar o entendimento do papel simbólico das narrativas de desenvolvimento. Nossa perspectiva é que, embora mitológicas, as narrativas do desenvolvimento aqui analisadas realizam um papel concreto no modo de produção capitalista contemporâneo. Esse é o porquê de abordarmos o mito a partir da perspectiva barthesiana discutida brevemente na seção 1.

Oswaldo Rivero, por sua vez, demonstra que após 60 anos de teorias de desenvolvimento, apenas quatro pequenos países alcançaram “{...} um constante incremento na taxa média de renda per capita {...}, além de modernização tecnológica, um contínuo processo de redistribuição de renda e uma significante transição populacional da pobreza para a classe média” (Rivero, 2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010:2, tradução nossa). Representando, assim, menos de 3% das nações do mundo: “duas cidades-Estado, Singapura e Hong Kong (China), e dois pequenos países, Coreia do Sul e Taiwan” (Rivero, 2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010:2, tradução nossa). O restante do mundo, segundo Rivero, são hoje em dia (alguns mais, alguns menos) “quase Estados-nação” onde democracia é apenas uma sombra, autodeterminação é em grande parte uma piada, cujas economias são dependentes e dominadas pela agenda das corporações internacionais, enquanto suas classes dominantes são, ao mesmo tempo, ineficientes e egoístas. Uma falha ressoante. A teoria econômica do desenvolvimento, segundo Rivero (2010)RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010, serviria apenas para mitigar a culpa dos países centrais, enquanto traz falsas esperanças para a periferia (em nossa opinião, essa hipótese poderia ser até aceitável, mas não se trata de uma questão de culpa, e sim de imperialismo). Suas políticas econômicas, no entanto, são ainda influenciadas por aquelas narrativas mitológicas que agora exploraremos.

4. As cinco fábulas do desenvolvimento

Foi a ciência econômica — alegada fonte de toda a sabedoria, oráculo que justifica todas as ações do núcleo de políticos capitalistas — que nos ofereceu as narrativas que sustentam a noção de desenvolvimento. Não importa se os pressupostos da maior parte do quadro referencial da ciência econômica mainstream sejam questionados por quase todas as outras ciências humanas. Tal como disse James Carville: “é a economia, estúpido!” (Kelly, 1992KELLY, Michael. The 1992 campaign: the democrats, Clinton and Bush compete to be champion of change; democrat fights perceptions of bush gain. The New York Times, 31 Oct.1992. p. 6. Available at:<Available at:http://www.nytimes.com/1992/10/31/us/1992-campaign-democrats-clinton-bush-compete-be-champion-change-democrat-fights.html >. Accessed on: 12 Jan. 2016.
http://www.nytimes.com/1992/10/31/us/199...
).

Foram os pensadores keynesianos que proporcionaram as bases para a primeira grande narrativa do desenvolvimento aqui analisada. Competindo diretamente, encontramos a narrativa neoliberal, a qual associa a abordagem da escolha racional da Escola de Chicago (neoliberalismo americano) e o liberalismo psicológico da Escola Austríaca, ainda inspirados pelo neoclacissismo inglês de Marshal (entre outros) e pelos modelos de crescimento econômico de Mead e de Solow (Sunkel e Paz, 1976SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1976.). Duas outras derivações da teoria neoclássica emergem para prover explicações alternativas para o desenvolvimento. Uma, inspirada no trabalho de Joseph Schumpeter, afirma que o desenvolvimento deriva do empreendedorismo e de sua capacidade inovadora. Outra, cujos principais autores são Douglass North e Oliver Williamson, sugere que o desenvolvimento depende da existência de instituições para assegurar o funcionamento correto do mercado. Uma última abordagem relevante para esse ensaio é aquela inspirada por Friedrich List (com grande influência na América Latina), a qual enfatiza a importância de proteger a indústria nascente para, assim, auxiliar os países em seu processo de desenvolvimento.

A teoria de Keynes é tão mecânica quanto qualquer ideia econômica (do mainstream) anterior a ela — e mesmo qualquer arrazoado subsequente, alguns dirão.3 3 “[…] Keynes nos oferece a mais rígida e dogmática separação da antecipação material e produtiva [...]. Ele descreve a reprodução do processo de produção a partir do ponto vista mecânico do ‘materialismo vulgar’ o qual ele mesmo chama ‘a máquina econômica’, argumento com desinibido otimismo que ciência, eficiência técnica e acumulação de capital [...] se encontram em seu caminho para resolver, ‘gradualmente’ é claro, ‘o problema econômico da humanidade’. Infelizmente, após meros 42 anos do limite que o próprio Keynes estabeleceu para se alcançar o prometido destino da ‘felicidade econômica’, estamos hoje muito mais distantes do fim do túnel do que 58 anos atrás, a despeito dos tremendos avanços em produtividade alcançados em todas essas décadas de intervenção” (Mézáros, 2005:7-9, tradução nossa). Sua otimista e, de certa forma, arrogante argumentação o levou a desenhar uma defesa do capitalismo, acreditando na capacidade do capital em promover o bem-estar. Em sua opinião, o principal problema eram as políticas de laisser faire, levando-o a clamar por uma “mão visível” do Estado sobre as economias. Esse autor inspirou um conjunto de políticas visando reformar o capitalismo, tentando salvá-lo de si mesmo por meio da intervenção direta do Estado (Mészáros, 2005MÉSZÁROS, István. The power of ideology. London: Zeb Books, 2005.).

De acordo com a perspectiva keynesiana, o maior inimigo do sistema capitalista é o ciclo econômico, uma criatura não inteiramente compreendida, mas largamente conhecida, que se alimenta da tendência capitalista de criar excessos de poupança (Keynes, 1936KEYNES, John M. The general theory of employment, interest and money. London: Macmillian; Cambridge University Press, 1936.). A crise de 1929 não havia sido ainda totalmente superada quando a Teoria geral... de Keynes foi publicada em 1936, nem tampouco o desemprego endêmico, o que tornava difícil a retomada das taxas de lucro. Nos anos 1930, em contraste com o fortalecimento das economias socialistas, o Ocidente estava se dissolvendo. Um deus precisaria ser invocado para salvar o mundo (livre?).4 4 Osvaldo Sunkel e Pedro Paz (1976) argumentam que é necessário distinguir o pensamento de Keynes das teorias inspiradas por ele. De acordo com esses autores, o alvo principal do trabalho de Keynes não era o desenvolvimento, mas uma teoria de ajustes de governo no curto prazo. No entanto, a partir do pensamento keynesiano emergiram muitos modelos de crescimento econômico visando prover políticas de longo prazo, como os de Domar e Harold.

O pensamento keynesiano defende que os governos precisam tomar o controle da condução das economias durante as fases de depressão do ciclo de negócios. Quando o (alegado) ajustamento automático da economia falha, o Estado deveria intervir para restaurar a confiança e as expectativas (uma questão de fé?). Keynes não afirma que a ortodoxia clássica se encontra inteiramente equivocada — sugere até que seria teoricamente possível, no longo prazo, um ajuste automático das economias. Porém, como o próprio Keynes indicou, no longo prazo todos estaremos mortos (Keynes, 1924CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996.).5 5 “No longo prazo todos estaremos mortos. Economistas se colocam facilmente, e de forma inútil, a tarefa de afirmar que em épocas tempestuosas tudo que podem dizer é que, tão logo a tormenta passe, o oceano se fará calmo novamente” (Keynes, 1924:80, tradução nossa).

Keynes sugere que a crise não é resultado de um descompasso entre oferta e demanda, mas entre oferta e “demanda efetiva”, enfatizando que essa última parte da equação é a mais importante. Ele argumenta que a demanda efetiva depende da realização de investimentos produtivos, as inversões fixas, as quais, por sua vez, são realizadas a partir das expectativas de lucros ex ante de capitalistas em relação à capacidade de lucro. Num contexto de crise, tais expectativas serão baixas, limitando investimentos e comprimindo emprego, alimentando assim a depressão do ciclo de negócios. Os governos deveriam então intervir investindo capital (Keynes, 1936CODDINGTON, Alan. Keynesian economics: the search for first principles. Journal of Economic Literature, v. 14, n. 4, p. 1258-1273, 1974.). Keynes entendia que o capitalismo não iria se curar por si só, por meio de ajustamentos “automáticos” (ou seja, simplesmente esperando a crise passar), se as expectativas fossem muito baixas na fase depressiva do ciclo. Os governos então deveriam acelerar a recuperação econômica por meio do ajuste da demanda efetiva. Uma economia “saudável” — uma na qual as expectativas são altas —, no entanto, não precisaria de tais intervenções, então a “mão” poderia retornar para sua condição de “invisibilidade” (Keynes, 1936CODDINGTON, Alan. Keynesian economics: the search for first principles. Journal of Economic Literature, v. 14, n. 4, p. 1258-1273, 1974.).6 6 “Mais uma vez, se tivermos lidado de outra forma com o problema da parcimônia, não há objeção a ser levantada contra a moderna teoria clássica no que tange à conciliação entre as vantagens públicas e privadas em condições de competição perfeita ou imperfeita, respectivamente. Assim, fora da necessidade de controles centrais para ajustar a propensão ao consumo e a indução do investimento, não há maiores razões para socializar a vida econômica do que havia anteriormente” (Keynes, 1936:202, tradução nossa).

A partir das ideias de Keynes surgiu todo um ramo de teorias de desenvolvimento. Tradições keynesianas, pós-keynesianas, novo-keynesianas a neokeynesianas (entre outras denominações e cultos específicos) sugerem a contínua intervenção do Estado para garantir o desenvolvimento a longo prazo (Fazzari, 1989FAZZARI, Steven. Keynesian theories of investment: neo-, post- and new. Revista de Economia Política, v. 9, n. 4, p. 101-111, 1989.; Tymoigne e Lee, 2003TYMOIGNE, Eric; LEE, Frederic S. Post Keynesian economics since 1936: a history of a promise that bounced? Journal of Post Keynesian Economics,v. 26, n. 2, p. 273-288, 2003.). Em termos simplificados, podemos dizer que o princípio convergente de tais abordagens é a noção de que é necessário socializar, por meio do Estado, as decisões de investimento de uma economia. Aquela instituição que em certa época foi desprezada, nas palavras de Keynes, ressurgia das cinzas do velho continente em crise, como uma Fênix. A crença na capacidade de conduzir o capitalismo em direção à terra prometida do desenvolvimento fora, ali, restaurada.

A narrativa keynesiana coloca a burocracia estatal como ator principal do desenvolvimento. Confiando em sua (alegada) aptidão em planejar e programar uma economia, cujas intervenções seriam capazes de gerar efeitos multiplicadores e induzir investimentos privados, a burocracia estatal seria o centro dinâmico da modelagem macroeconômica. Após 1945, o keynesianismo se tornou um consenso e entrou definitivamente para o panteão central do pensamento econômico no pós-guerra. Em poucas palavras, a partir de um raciocínio simples, argumentando pela constante intervenção para orientar investimentos a curto e longo prazos (e, consequentemente, o crescimento econômico), a tradição keynesiana se tornou defensora-chave da fábula do desenvolvimento (Singer, 1997SINGER, Hans W. Editorial: the Golden age of the Keynesian consensus - the pendulum swings back. World Development, v. 25, n. 3, p. 293-295, 1997.). A supremacia dessa narrativa, no entanto, não iria durar muito. No final dos anos 1970, os países desenvolvidos se apaixonaram por um novo (?) deus. O reavivamento da narrativa econômica liberal fundamentou uma inflexão em direção a um novo conservadorismo, fazendo surgir o que hoje conhecemos por neoliberalismo (Harvey, 2005HARVEY, David. A brief history of neoliberalism. Oxford, UK: Orford University Press, 2005.).

“Neoliberalismo” e “teoria econômica neoclássica” são distintas, mas interconectadas, abordagens teóricas — para alguns, “processos sociais”. Neoliberalismo é um conhecido fenômeno social, político, cultural e comportamental, o qual emergiu na segunda metade do século XX como uma massiva estratégia de classe. Começou a se tornar relevante na década de 1970, quando políticos conservadores, capitalistas e representantes do sistema financeiro retomaram o controle sobre a cidade de Nova York, então “dominada” por sindicatos de trabalhadores e comitês democráticos de gestão. A partir dos EUA, o neoliberalismo logo se estendeu para o Reino Unido e, então, outros países ocidentais. O background teórico de sua agenda estava (e ainda está) enraizado na economia neoclássica, compartilhando com aquela sua fábula de desenvolvimento (Harvey, 2005HARVEY, David. A brief history of neoliberalism. Oxford, UK: Orford University Press, 2005.).

Muito embora economistas inspirados pela teoria neoclássica frequentemente citem Adam Smith com reverência, a maior parte das suas ideias permanece desconhecida, quando não distorcida. Em verdade, existe apenas uma frágil continuidade entre o pensamento econômico clássico e o neoclássico, exceto no que diz respeito a uma vaga (embora onipresente) ideia de livre mercado e, é claro, a defesa intransigente do capitalismo. Economistas neoclássicos acreditam que o sistema econômico de um país alcança melhores resultados quando não existem restrições para as decisões dos agentes econômicos. Muito embora eles procurem validar essa premissa por meio de modelos teóricos cujo distanciamento da realidade se aproxima do ridículo, suas ideias se encontram no centro da ciência econômica contemporânea (Sunkel e Paz, 1976SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1976.).

De acordo com Sunkel e Paz (1976SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1976.), a teoria neoclássica apresenta um esquema mecânico e estático para o funcionamento das economias. Para dizer a verdade, essa vertente de pensamento não possui uma teoria do desenvolvimento como imaginamos. Para eles, economias estão em constante e linear evolução, liderada pelo incremento de capital, o qual é explicado pela industriosidade de capitalistas, pelas constantes inovações tecnológicas (consideradas uma variável exógena) e para a existência de instituições cada vez mais avançadas. Tudo isso confirmado por meio de modelagens econômicas, econometria e cálculo estocástico.

O Estado, ou melhor, os “impostos” são o arqui-inimigo da narrativa neoliberal/neoclássica. De acordo com seu arrazoado, quanto mais se financia o aparato estatal, mais diminuem os resultados do mercado. Robert Solow, um dos mais proeminentes pensadores neoliberais, concluiu que no longo prazo o crescimento econômico tende a um equilíbrio estático, havendo um único caminho para se atingir o desenvolvimento, a despeito de determinantes contextuais ou intervenções políticas. Além disso, para Solow, qualquer interferência do Estado dificulta o desenvolvimento, seja por sua inocuidade, por reduzir os resultados do mercado, ou por desencadear um processo inflacionário (Solow, 1956SOLOW, Robert M. A contribution to the theory of economic growth. The Quarterly Journal of Economics, v. 70, n. 1, p. 65-94, 1956.).

Os mercados são, portanto, os únicos deuses da narrativa neoliberal/neoclássica. Para eles, as decisões descentralizadas dos (idealizados) agentes econômicos — equipados com expectativas racionais, capazes de prospectar e interpretar um grande volume de informações, armados com o mecanismo de preços e ávidos por maximizar sua satisfação —, natural e automaticamente, conduzem ao desenvolvimento (Sunkel e Paz, 1976SUNKEL, Osvaldo; PAZ, Pedro. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1976.). Qualquer forma de controle ou intervenção sobre suas sagradas ações pode comprometer o progresso (Solow, 1956SOLOW, Robert M. A contribution to the theory of economic growth. The Quarterly Journal of Economics, v. 70, n. 1, p. 65-94, 1956.). O capitalismo e a acumulação desenfreada de riqueza são tão naturais quanto respirar ou comer: trata-se apenas de natureza humana. Adicionalmente, para esses pensadores, as economias têm evoluído (ou declinado) por meio dos mesmos princípios desde a pré-história. Novamente, natureza humana. E a sobrevivência dos mais aptos.

O caminho para o desenvolvimento pode então ser facilmente percebido: o livre mercado precisa ser garantido. A todo custo. Melhor: cortando todos os custos. Não seguir essa condição elementar conduz certamente para a danação eterna, para uma economia de pobreza e atraso tecnológico. O truque, de acordo com Ha-Joon Chang (2002)CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002., é que nenhuma nação hoje desenvolvida jamais se desenvolveu por meio do livre mercado: pelo contrário, protecionismo é a escada que o centro capitalista usou e agora quer chutar. A despeito de esmagadora evidência histórica, a lição enfatizada pela narrativa neoliberal/neoclássica é que economias se comportam melhor sem interferência. Mercados podem e devem se autorregular e os pecadores — os países pobres apenas, pois os ricos continuam sendo protecionistas onde efetivamente importa —,7 7 A Common Agricultural Policy da União Europeia e os subsídios agrícolas dos Estados Unidos da América são os exemplos mais evidentes. os quais ainda não endossam o livre mercado, precisam realizar reformas estruturais: desregulamentação e redução de impostos (Williamson, 1990WILLIAMSON, John. Latin American adjustment: how much has happened? Washington, DC: Institute for International Economics, 1990.), especialmente para os super-ricos. O paraíso do desenvolvimento se encontra apenas a uma privatização à frente.

Emergindo a partir do ninho neoclássico, mas em grande parte influenciado também pelo pensamento liberal austríaco, Joseph Alois Schumpeter (1997SCHUMPETER, Josef A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria S. Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).) concebeu uma abordagem que buscava explicar o desenvolvimento econômico por meio do uso de inovações técnicas e tecnológicas por empreendedores — a qual aqui nos referiremos como narrativa empreendedora. Schumpeter estava tentando explicar como a tecnologia estava relacionada com o crescimento e o decrescimento das economias capitalistas, flutuações as quais esse autor tentou conectar com o que ele chamou de “ciclos de inovação”. O economista austríaco argumenta que o processo de produção deveria ter um papel central, apontando que a absorção de novas tecnologias não deveria ser considerada um aspecto exógeno do crescimento. Pelo contrário, ele identificou que a maior parte dos grandes avanços econômicos poderia ser associada às descontinuidades lideradas pela difusão de uma, ou um conjunto de inovações tecnológicas e sua influência em vários setores de negócios.

De acordo com Schumpeter, o processo de mudança em sistemas econômicos deriva de uma nova combinação de poder, matérias-primas ou práticas de gestão, que permitem a um capitalista singular, ou a uma organização, obter vantagens competitivas. Tais vantagens podem lhes garantir melhores preços, produtos mais confiáveis ou eficientes, resultando assim em altos rendimentos. A competição então irá compelir outros capitalistas a se atualizar em relação àquelas inovações, seja por meio da imitação, ou de outras inovações, levando a economia a crescer. Quando disseminadas, as vantagens competitivas deixam de existir, trazendo a economia de volta a um estado de menores taxas de crescimento, até que um novo ciclo de inovações se inicie (Schumpeter, 1997SCHUMPETER, Josef A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria S. Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).).

Schumpeter (1997SCHUMPETER, Josef A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria S. Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).) defende que existem três variáveis essenciais que, se articuladas, podem iniciar um ciclo de inovação: a inovação em si, a ação empreendedora e a disponibilidade de crédito. O elemento central do processo de inovação, segundo o autor, é o empreendedor, um ator social que não é necessariamente um capitalista, nem um inventor, nem mesmo um cientista, mas sim alguém com habilidade o suficiente para combinar capital e tecnologia de modo a criar lucrativos novos negócios. Para alcançar sucesso, entretanto, é necessário que o empreendedor encontre à disposição recursos financeiros disponibilizados por investidores ávidos por assumir os riscos investidos em um projeto original. Essas três variáveis — inovação, empreendedores e crédito — formam o tripé que dá suporte ao crescimento econômico capitalista. Na sua ausência, de acordo com Richard Nelson (2006NELSON, Richard R. Sistemas nacionais de inovação: retrospecto de um estudo. In: NELSON, Richard R. As fontes do crescimento econômico. São Paulo: Editora Unicamp, 2006. p. 427-468.), o Estado precisará intervir por meio da criação de um sistema nacional de inovação.

Não obstante sua abordagem aparentemente inovadora, a narrativa empreendedora é uma continuação do mito neoclássico do desenvolvimento. Ao invés do mercado impessoal, o empreendedor se torna o personagem principal. Esse herói épico, agraciado com capacidade superior de articular capital e avanços científicos para construir firmas competitivas desde o zero, se destaca entre os meros mortais. De acordo com Schumpeter (1997SCHUMPETER, Josef A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria S. Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).), a economia capitalista como um todo — ou seja, o mundo — é movida pela apropriação capitalista de inovações. O inimigo aqui são os imperativos do ciclo de negócios, ou melhor, o declínio dos padrões tecnológicos do ciclo pregresso.

O trabalho de Schumpeter inspirou toda uma teoria econômica evolucionária, que muda o foco para uma metáfora orgânica, com a administração pública em seu centro (Nelson e Winter, 1982NELSON, Richard R.; WINTER, Sidney J. An evolutionary theory of economic change. Cambridge, US: Harvard University Press, 1982.). O desenvolvimento econômico surge, aqui, a partir de políticas de inovação interconectando empresas, universidades e centros de pesquisa, por meio do financiamento estatal. A ideia principal é controlar a ineficiência implícita do Estado por meio de pesquisa civil e apropriação capitalista (privada) da tecnologia. Sem dúvida, um caminho para o desenvolvimento que reforça a importância das inovações, mas fazendo um colóquio do monólogo empresarial.

Da mesma forma que o pensamento schumpeteriano, a nova economia institucional (NEI) compartilha de muitas das premissas da narrativa neoliberal/neoclássica, porém clamando ser uma evolução daquela (Hogdson, 1998HODGSON, George M. The approach of institutional economics. Journal of Economic Literature, v. 36, n. 1, p. 166-192, 1998.). Esse ramo acrescenta uma renovada importância para as instituições, argumentando que elas são vitais para a manutenção da regularidade das ações dos agentes econômicos. A existência de (boas) instituições reduziria os custos de transação no mercado, enquanto promove sua eficiência e elimina as potenciais falhas de mercado. Para alcançar seus propósitos, as instituições precisam se encontrar aptas em garantir os direitos de propriedade e as liberdades, as quais, de acordo com Douglass North (2003NORTH, Douglass C. The role of institutions in economic development. Discussion Paper Series of United Nations Economic Commission for Europe, n. 2, 2003.), são precondições para o crescimento econômico.

Nas palavras de North (2003NORTH, Douglass C. The role of institutions in economic development. Discussion Paper Series of United Nations Economic Commission for Europe, n. 2, 2003.), instituições são construtos sociais que restringem a ação humana. Elas se manifestam como regras formais, normas informais e mecanismos de coação (ou coerção). O crescimento econômico acontecerá se tais dispositivos se encontrarem habilitados para guiar as decisões econômicas no sentido de aumentar a eficiência das transações. North (junto com Oliver Williamson e outros autores) argumenta que as instituições serão efetivas em impulsionar o desenvolvimento apenas se forem capazes de induzir investimento privado — assim, compartilhando a ideia (neoclássica) de que as decisões dos atores econômicos privados são inigualavelmente eficazes. Quaisquer restrições contra as ações de corporações privadas, ou tomadores de decisão autônomos, precisam ser evitadas — o que eles chamam de “liberdades”. Para esses autores, é também essencial que o sistema econômico seja capaz de recompensar apropriadamente os (ou seja, permitir a maximização de lucros dos) investimentos privados — o que eles entendem por “direitos de propriedade” (North, 2003NORTH, Douglass C. The role of institutions in economic development. Discussion Paper Series of United Nations Economic Commission for Europe, n. 2, 2003.).8 8 Categorias como “liberdade” (num sentido de “não há limites, nem imputabilidade, ou responsabilidade pelos efeitos, das ações particulares”) e “direitos de propriedade” são utilizadas por teóricos da NEI como sinônimos para “liberdade” (em sentido amplo) e “propriedade”, sem uma clara definição, como se fossem equivalentes. Williamson (1979) em certo momento chegou a enfrentar essa crítica, mas sem apresentar uma solução convincente.

Num primeiro olhar, pode-se pensar que as instituições são os cavaleiros brilhantes da narrativa institucional, mas suas conclusões levam a uma realidade menos clara, pois instituições podem, da mesma forma, engendrar ou ameaçar o desenvolvimento econômico. Observando com mais atenção, seus heróis na verdade são dois: os direitos de propriedade adequados e as liberdades. Construir boas instituições é, certamente, o caminho para o desenvolvimento em sua opinião, mas, como Oliver Williamson (1991WILLIAMSON, Oliver E. Economic institutions: spontaneous and intentional governance. Journal of Law, Economics, & Organizations, v. 7, n. esp, p. 159-187, 1991.) afirma, tomadores de decisão governamentais são capazes de interferir apenas no nível mais inferior das instituições sociais (regras formais, leis e políticas governamentais), enquanto normas informais e mecanismos de coação são determinados pelo legado histórico de uma sociedade. Em outras palavras, muito embora existam possibilidades de mudanças induzidas, elas tendem a ser limitadas pelas escolhas passadas da sociedade, num processo de path dependence (North, 2003NORTH, Douglass C. The role of institutions in economic development. Discussion Paper Series of United Nations Economic Commission for Europe, n. 2, 2003.).

Uma característica que essas três últimas narrativas compartilham é o fato de que seus autores tendem a ignorar os diferentes estágios e contextos de desenvolvimento entre as nações. Apresentam-se como teorias que procuram explicar as dinâmicas do capitalismo a despeito de lugar, temporalidade ou história. Alguns economistas políticos, no entanto, há muito tempo têm levado em consideração as especificidades dos países ainda não desenvolvidos, quando enfrentam a competição capitalista. O primeiro caso histórico que interessou um desses pensadores foi o do império prussiano, quando de sua caminhada em direção a tornar plenamente industrializada a Alemanha, ao final do século XIX.

Friedrich List (1983)CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002. foi um dos primeiros economistas a sugerir que o desenvolvimento poderia ser alcançado por meio da proteção da indústria nascente. De acordo com esse autor, o Estado deveria se responsabilizar, primeiro, pelo bem-estar de sua população. Tendo testemunhado a revolução industrial inglesa, List chegou à conclusão de que seria por meio do desenvolvimento da indústria que a humanidade poderia alcançar plenamente suas aspirações materiais. O crescimento econômico, portanto, seria uma precondição para o alcance do bem-estar. No entanto, uma indústria doméstica não pode se desenvolver apropriadamente, se se encontrar exposta à competição exercida por empresas estrangeiras mais avançadas e poderosas. As nações, portanto, deveriam proteger a indústria doméstica nascente por meio da ação do Estado.

Desde então o argumento da indústria nascente — a partir daqui chamado de narrativa protecionista — tem sido refinado e expandido, até mesmo ilustrado por alguns exemplos empíricos de sucesso: Alemanha, Coreia do Sul e Japão são dignos de nota (Chang, 2002CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002.). Alguns dos pesquisadores partidários dessa narrativa sugerem que devem se manter políticas protecionistas apenas até que a indústria doméstica alcance a base do padrão competitivo internacional (Melitz, 2005MELITZ, Marc J. When and how should infant industries be protected?Journal of International Economics, v. 66, p. 177-196, 2005.). Outros sugerem que a indústria nascente deveria ser protegida até se encontrar capaz de emparelhar o estado da arte das dinâmicas tecnológica e industrial internacionais, ou seja, o topo da competição (Ederington e McCalman, 2011EDERINGTON, Josh; McCALMAN, Phillip. Infant industry protection and industrial dynamics. Journal of International Economics, v. 84, p. 37-47, 2011.). Ha-Joon Chang (2002)CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002., um dos grandes reverendos do protecionismo contemporâneo, afirma que o livre mercado é uma armadilha para os países subdesenvolvidos: quando os países centrais prescrevem políticas de livre mercado, eles estão buscando a manutenção do status quo.

O herói da narrativa protecionista é, claramente, a indústria nascente. Como qualquer infante, ela precisa ser resguardada até que se encontre preparada para encarar os perigos da competição industrial estrangeira. A indústria nascente precisa então se desenvolver debaixo da tutela do Estado. Tipos, categorias e focos de proteção variam de acordo com a interpretação teórica escolhida, ou de acordo com as características da nação em questão. Assim, o caminho para o desenvolvimento aparece bem delimitado: forjando inicialmente uma indústria doméstica, um Estado nacional precisa então fortalecê-la e torná-la competitiva o suficiente para atuar tanto no mercado doméstico como no internacional (Bresser-Pereira, 2009BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.).

Como pudemos ver, o Estado, na narrativa protecionista, deve agir não apenas por meio de políticas anticíclicas, como Keynes sugeria, mas também promovendo a competitividade da indústria interna. Ou seja, de forma muito mais ativa que reativa. Isso se traduz na forma de proposição de barreiras fiscais e cambiais para manter os predadores estrangeiros à distância, também no desenvolvimento de recursos humanos internos, construindo um parque científico e educacional capaz de proporcionar o incremento dos padrões tecnológicos, assim como escolher cuidadosamente quais indústrias serão assistidas, além de, frequentemente, atuar como mediador estratégico entre os muitos interesses e objetivos particulares da classe capitalista (Chang, 2002CHANG, Ha-Joon. Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective. London: Anthem Press, 2002.; List, 1983).

Quando colocadas em perspectiva, nos parece que todas essas narrativas se assemelham à estrutura da jornada do herói de Joseph Campbel, o monomito. Segundo o autor, fábulas mitológicas acerca de heróis solitários compartilham o mesmo enredo, desde a Ásia antiga, passando pela Europa pré-cristã, até a América nativa. Apresentam inclusive uma mesma estrutura: uma chamada para a aventura leva o herói a encontrar seu mentor, o qual o conduz ao enfrentamento de um opositor, apenas para culminar na ressureição de um herói transformado, melhorado, que caminhou pelo vale das trevas em busca da sabedoria (Campbell, 2004CAMPBELL, Joseph. The hero with a thousand faces. Princeton, US: Princeton University Press, 2004.). As jornadas de nossos heróis econômicos não são menos fantásticas. Primeiro, são apresentados a um desafio (o desenvolvimento econômico), o que os apresenta a um mentor, ou mentores (Smith, Keynes, North, List etc.) que, por sua vez, os conduzem a enfrentar seus arqui-inimigos (o governo, o ciclo de negócios, instituições ruins, a competição estrangeira). As teorias aparecem como a jornada em si, construídas na forma de um conjunto de passos que precisam ser seguidos à risca, a despeito dos diferentes caminhos históricos, estruturas políticas, características culturais ou acesso a recursos naturais, de cada país. Nossos heróis (o mercado, o Estado, as liberdades, a indústria nascente) não podem vacilar.

Em nossa opinião, o mito do desenvolvimento apresenta funções específicas na atual cultura capitalista ocidental, tanto sociais como materiais, incluindo papéis no âmbito da acumulação e reprodução do capital. Sobre esse último, por conta da pressão de suas contradições estruturais, como explica David Harvey (2014HARVEY, David. Seventeen contradictions and the end of capitalism. New York: Oxford University Press, 2014.), o modo de produção capitalista apresenta uma tendência em se expandir e crescer continuamente, pois tais contradições levam o capitalismo a descontinuidades cíclicas, as quais tomam a forma de crises — gargalos monetários, superprodução, desemprego, declínio da lucratividade, e assim por diante —, cuja resolução definitiva é impossível.

No entanto, a dinâmica do capital funciona para abrandar tais crises, na medida em que constantemente abre novas frentes de inversão de capital, formação de mais-valor e de acumulação de riquezas. Essas novas frentes tomam a forma tanto da abertura de novos mercados (regionais, estrangeiros, ultramarinos, entre outros), como a reorganização de cada vez mais processos sociais de maneira capitalista (transformando tudo em mercadoria, assim como cada profissão em assalariados para formação de mais-valor, entre outros processos). Essa contínua expansão precisa ser justificada tanto de forma política como teórica. Tal qual Arturo Escobar (1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.) explica, no século XIX, quando a expansão capitalista se materializou no imperialismo, essa dupla justificação apareceu por meio da noção de progresso, ou do “fardo do homem branco” em civilizar o mundo bárbaro imerso nas trevas da irracionalidade. Hoje em dia, toma a forma das ideias de “modernização”, “globalização” e, na nossa opinião, “desenvolvimento”. Não obstante, tudo isso em verdade são consequências do movimento do capital (ou, em outras palavras, de sua novela sem fim em fuga da crise final).

Além disso, a ideia geral de desenvolvimento, junto com suas narrativas, também tem um papel simbólico no capitalismo contemporâneo. Acreditamos que não serve apenas como alívio de consciência para os países ricos, como acredita Oswaldo Rivero (2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010), porém, mais profundamente, se encontra entranhada na própria fé no capitalismo em si. Uma das mais importantes consequências da crítica de Marx acerca da economia política em seu mais conhecido trabalho, O capital, é a compreensão de que o modo de produção capitalista enfrenta não uma, mas muitas altercações entranhadas em suas contradições estruturais. Como Marx (1982)MARX, Karl. O capital: para a crítica da economia política. Tradução de Paul Singer. São Paulo: Nova Cultural, 1982. v. 3. (Os Economistas). afirma no livro primeiro de O capital, se conduzido por um liberalismo descontrolado, ceteris paribus, o capitalismo pode enfrentar uma crescente crise de desigualdade.9 9 A respeito disso, acreditamos que pode ser interessante analisar o best-seller de Thomas Piketty, O capital no século XXI, o qual demonstra como o capitalismo nos últimos 40 anos, durante a era da virada neoliberal, produziu um volume de riqueza historicamente sem precedentes — em grande parte fictícia, de acordo com Chesnais (1996) —, porém controlada por poucos. Esse autor pode não trabalhar no espectro da teoria marxista, mas suas descobertas são particularmente significantes se observadas a partir dessa perspectiva. Ver: Piketty (2014).

Da mesma maneira, se o governo se articula para induzir a demanda efetiva de modo a prevenir recessões cíclicas, desemprego e pobreza — como no livro segundo de O capital —, o capitalismo pode desembocar numa crise de liquidez e lucratividade.10 10 O economista norte-americano James O’Connor realizou uma excelente análise do problema da crise fiscal do estado de bem-estar, demonstrando que um dos gatilhos daquela problemática foi uma crise tanto de liquidez quanto de lucratividade. Em outras palavras, manter altas taxas de demanda efetiva se tornou muito custoso para o capital. Ver: O’Connor (2001). Ver também: O’Connor (1984). Ainda, se o capitalismo consegue montar um sistema de crédito para contrabalançar as diferentes temporalidades dos vários tipos de capital e, assim, normalizar as distintas taxas de lucro — como no livro terceiro de O capital —, isso pode gerar todo tipo de bolhas especulativas, descolamento de capital fictício e incertezas nos processos de produção e realização de mais-valor.11 11 Existem muitos trabalhos que nos auxiliam a compreender as crises financeiras do capitalismo a partir de uma perspectiva crítica, como Chesnais (1996), Harvey (2014), Mészáros (2009), Zizek (2011), entre muitos outros. No entanto, é interessante como um declarado e verdadeiro seguidor capitalista como Charles Kindleberger demonstra, entre outras coisas, que os mercados financeiros, na maior parte do tempo, sucumbem graças a comportamentos irracionais e abertamente irresponsáveis, em termos dos quais mesmo Karl Marx poderia concordar de modo geral. Ver: Kindleberger (2000). Dito de outra forma, aparentemente, o funcionamento normal do capitalismo parece ser o de saltar de uma crise para outra, até o fim dos tempos, o que não é nem um pouco esperançoso.

Considerando que o modo de produção capitalista em grande parte opera com base em expectativas e confiança, a fluidez de seu funcionamento precisará consequentemente de grandes volumes de reafirmação. Acreditamos que a ideia de desenvolvimento — a crença geral de que o capitalismo pode crescer indefinidamente e, ao menos ao final, pode se tornar economicamente justo — funciona como um contrapeso para a opressora realidade da crise permanente que engendra (a qual é normalmente caracterizada como uma situação atípica). Nesse sentido, o mito do desenvolvimento e suas narrativas oferecem um significado simbólico para as formas típicas de pensar e agir no capitalismo, aparecendo como fonte de genuína esperança. Da mesma forma, contribui para determinar quais comportamentos que tanto indivíduos como organizações precisam perpetuar e quais comportamentos devem ser evitados.

Por exemplo, a narrativa institucional/neoclássica sugere que, para recuperar o atraso do subdesenvolvimento, são necessários direitos de propriedade e liberdades; mesmo que a forma de acumulação primitiva de capital, como demonstra David Harvey (2014HARVEY, David. Seventeen contradictions and the end of capitalism. New York: Oxford University Press, 2014.), se dê por meio de uma acumulação por desapossamento (privatização da propriedade coletiva); e, como afirma Slavoj Zizek (2003ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. Tradução de Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2003.), a verdadeira liberdade do mundo capitalista aparece na escolha entre se empenhar no circuito de reprodução do capital, ou morrer. Na verdade, o mito do desenvolvimento justifica ações e provê desculpas, enquanto contribui para a programação comportamental dos atores econômicos. Além disso, como não existe apenas um tipo de capitalismo, mas muitos, junto com muitas formas de integração capitalista, nós temos então diversas narrativas de desenvolvimento (quadro 1).

Quadro 1
As narrativas fundamentais do mito do desenvolvimento econômico

Como é possível observar no quadro 1, a maior parte das narrativas de desenvolvimento escolhe um, e apenas um, aspecto da realidade para considerar seu principal problema, seu inimigo. A demanda efetiva insuficiente num ciclo econômico para os keynesianos, o Estado e seus impostos para os neoliberais, o declínio do padrão tecnológico para os schumpeterianos, instituições ruins para aqueles que seguem Douglass North e Oliver Williamson, ou a malévola competição imposta para a indústria estrangeira, segundo os protecionistas, cumprem seu papel de desafio a ser superado. Apontar um único e singular problema simplifica a realidade, permitindo que a narrativa de desenvolvimento prescreva algumas etapas simples, com base em poucas causalidades diretas entre variáveis que, se observadas atentamente, são muito mais complexas.

Se acreditamos, por exemplo, que a demanda efetiva insuficiente causa a desaceleração do ciclo econômico, podemos razoavelmente confiar no Estado para induzir consumo e investimentos e, assim, reverter o problema. No entanto, ao fazê-lo, colocamos de lado os processos sociais que levaram a economia a uma situação de superprodução, os problemas de uma burocracia crescente, os efeitos ambientais do crescimento exponencial, entre outros. Além disso, não apenas cada receita de sucesso escolhe uma, ou umas poucas variáveis para prescrever etapas fixas a serem seguidas, como frequentemente desenvolve uma aversão, um verdadeiro antagonismo irracional, contra quaisquer discursos alternativos.

Além disso, se temos vilões, devem haver heróis. Tais processos sociais, os quais são apontados como chave para resolver os problemas do desenvolvimento, usualmente são apresentados como verdadeiros campeões. A maneira por meio da qual Schumpeter descreve o empreendedor, por exemplo, tanto no livro de 1991 (Schumpeter, 1997SCHUMPETER, Josef A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria S. Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).) como no livro de 1942 (Schumpeter, 1961SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.), sugere uma mistura de deslumbramento e admiração. O empreendedor é caracterizado como corajoso, intuitivo, proativo, disposto a aceitar riscos e resiliente: verdadeiramente um ser humano superior. Em verdade, Schumpeter vai até mais longe e sugere que os empreendedores deveriam ser os legítimos monarcas de nossas sociedades capitalistas, dada sua evidente superioridade.

Novamente, confiar em apenas uma variável simplifica grosseiramente a realidade. É claro, todas as narrativas apresentam argumentos para justificar suas escolhas por heróis: o mercado precisa ser reforçado pelo mecanismo de preços, pela concorrência e pelos direitos de propriedade, no pensamento neoliberal; para keynesianos, o Estado precisa de uma burocracia bem formada, junto com bons métodos estatísticos e políticas macroeconômicas confiáveis, tudo isso para impulsionar o instinto animal capitalista; o mesmo pode ser dito em relação à indústria nascente para os protecionistas, os quais confiam em grande parte nas barreiras de proteção (fiscal, cambial e institucional) proporcionada pelo Estado; assim como as boas instituições dos institucionalistas precisam de leis fortes e imperativas, o que significa que a burocracia estatal precisa lhe dar suporte. Da mesma forma para a escola schumpeteriana, pois o empreendedor em si precisa de inovações tecnológicas, as quais o permitem obter vantagens competitivas de modo que possa enfrentar os poderes econômicos já estabelecidos. Tais justificativas, no entanto, não compensam a crença desproporcional sobre aquele aspecto único da realidade.

Cada narrativa está construída na forma de uma jornada. As narrativas aqui apresentadas seguem apenas três dos 17 estágios da estrutura de Campbell: i. o chamado para a aventura, ou, o problema do desenvolvimento; ii. o mentor, em nosso caso, os acadêmicos que fornecem as teorias de desenvolvimento econômico; iii. o caminho das provas, com seu aparentemente fácil início, aqueles anos iniciais de crescimento pujante nos quais tudo parece possível. Contudo, acreditamos que elas têm sua própria estrutura para sua jornada do herói.

Para além dessas três fases mencionadas, as quais são diretamente relacionadas com o modelo de Campbell, cada narrativa do desenvolvimento econômico ainda apresenta: iv. um estágio de aquiescência, quando não o herói, mas a sociedade deve aceitar o esclarecimento provido pela teoria como a única verdade possível; v. a nova ordem, na qual o herói precisa ser elevado à posição de principal e inquestionável governante sobre a coletividade; vi. as desculpas, quando tudo dá errado e os novos monarcas (o herói) são questionados acerca de por que não foi possível alcançar os objetivos de desenvolvimento (em cada narrativa, o problema sempre é creditado ao fato de que as etapas não foram seguidas corretamente). A solução apresentada, portanto, será a de vii. aprofundar as reformas, quando a sociedade precisa fazer “sacrifícios” em nome do bem maior. Esses dois últimos estágios não são parte do cânone de nenhuma das narrativas, mas podemos dizer que aparecem como resultado da aplicação prática de quaisquer uma delas (Ibarra, 2011IBARRA, David. O neoliberalismo na América Latina. Revista de Economia Política, v. 31, n. 2, p. 238-248, abr./jun. 2011. Available at: <Available at: http://www.scielo.br/pdf/rep/ v31n2/04.pdf >. Accessed on:25 Jan. 2016.
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; Moreno-Brid e Bosch, 2010; Souza, 2005SOUZA, Nilson A. de. A longa agonia da dependência: economia brasileira contemporânea. São Paulo: Alfa-ômega, 2005.).

Independentemente de suas premissas irreais, a convergência estrutural dessas fábulas nos mostra muito mais acerca do modo de pensar capitalista do que sobre as causas (e os limites) do desenvolvimento. Tais narrativas são construídas como receitas, cujas diferenças são meramente o resultado da troca de alguns ingredientes para atender aos gostos e interesses do cozinheiro. Em nossa opinião, não interessa se essa estrutura de vilão/herói/caminho/lições é deliberada ou não. A possibilidade de reduzir as mais conhecidas teorias do desenvolvimento em padrões tão mecânicos é algo sintomático de sua verdadeira função no capitalismo contemporâneo.

Primeiro, as narrativas de desenvolvimento podem ser localizadas na base da retórica das autoridades, as quais são empregadas para justificar todo tipo de medidas governamentais impopulares e mesmo incertas, em tempos de guerra, crise, mas também de paz e prosperidade (Riaz et al., 2016RIAZ, Suhaib et al. Rhetoric of epistemic authority: defending field positions during the financial crisis. Human Relations, v. 20, n. 20, p. 1-29, 2016. Available at: <Available at: http://hum.sagepub.com/content/early/2016/05/13/0018726715614385 >. Accessed on: 9 June 2016.
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; Zizek, 2003ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. Tradução de Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2003.). Segundo, podemos dizer que as fábulas do desenvolvimento econômico funcionam como maneiras de reforçar a agenda política de classes e suas frações, em sua busca pela hegemonia, na forma de premissas de ação de governo (Cristaldo, 2014CRISTALDO, Rômulo C. Administração política e internacionalização do capital: o papel do Estado na formação das bases para a internacionalização da indústria brasileira da construção civil, 1964-1979. Revista Brasileira de Administração Política, v. 7, n. 1, p. 143-165, 2014. Available at:<Available at:http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rebap/article/view/15609/10723 >. Accessed on:8 Jan. 2016.
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; Santos e Gomes, 2014SANTOS, Reginaldo S.; GOMES, Fábio G. Apresentação: funções do gerencialismo na crise da administração política do capitalismo. Revista Brasileira de Administração Política, v. 7, n. 2, p. 5-10, 2014.). Além disso, um terceiro ponto, a ideia de desenvolvimento substitui as utopias do século XIX na mentalidade capitalista contemporânea, provendo tanto (falsas) esperanças para os pobres e periféricos como alívio de responsabilidades para os ricos e poderosos (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.; Furtado, 1974FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro, 1974.; Lempert, 2014LEMPERT, David. What is development? What is progress? The social science and humanities of utopia and futurology. Journal of Developing Societies, v. 30, n. 2, p. 223-241, 2014.; Rivero, 2010RIVERO, Oswaldo. The myth of development: non-viable economies and the crisis of civilization. New York: Zed Book, 2010). Mais importante de tudo, a teoria do desenvolvimento tenta vender medidas para incrementar os processos de acumulação de valorização de capital, alegando que, ao mesmo tempo, tais medidas irão proporcionar ganhos coletivos e prosperidade social, o que não é seu verdadeiro objetivo, pelo contrário (Saull, 2015SAULL, Richard. Capitalist development and the rise and ‘fall’ of the far-right. Critical Sociology, v. 41, n. 4-5, p. 619-639, 2015.; Riley, 2015RILEY, Dylan. Property leading the people? New Left Review, v. 95, p. 109-125, 2015.). Em verdade, a teoria do desenvolvimento econômico funciona como um estruturante simbólico da realidade na economia-mundo capitalista, simplificando-a para sugerir cursos de ação alegadamente racionais, mas também assegurar padrões mínimos de funcionamento.

5. Era uma vez no Brasil, o novo desenvolvimentismo…

Na primeira década do século XXI, uma autoproclamada nova crença da salvação emergiu no Brasil. O novo desenvolvimentismo nasceu já clamando a busca por um consenso, ecoando os clamores de uma América Latina saqueada, contra a experiência neoliberal nos anos 1990 (Boyer, 2009BOYER, Robert. Prefácio: do “Consenso de Washington” à “proposta de São Paulo”. In: BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. I-IX.). Assim, elaborou-se um conjunto completo de convenções e sugestões de políticas para prover uma teoria alegadamente capaz de liderar aqueles países em direção ao Olimpo do desenvolvimento. Podemos dizer que houve ao menos dois tipos de novo desenvolvimentismo no Brasil. O primeiro, em grande parte teórico, aparece como um discurso científico, tomando a aparência de uma narrativa mítica, da mesma forma que as outras fábulas aqui apresentadas. O economista e ex-ministro da fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, um dos primeiros proponentes e principal apoiador, é quem melhor representa essa perspectiva (Bresser-Pereira, 2009). O segundo, mais prático, deriva das políticas públicas implementadas pelos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff (Boito Jr. e Berringer, 2013BOITO JR, Armando; BERRINGER, Tatiana. Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, v. 47, n. 21, p. 31-38, 2013.). O primeiro tipo é a narrativa em si; o segundo, um simulacro de suas aspirações que tomou a forma de políticas de Estado.

De acordo com Morais e Saad-Filho (2011MORAIS, Lecio; SAAD-FILHO, Alfredo. Da economia política à política econômica. Revista de Economia Política, v. 31, n. 4, p. 507-527, 2011.), a expressão em português neodesenvolvimentismo foi forjada originalmente por Bresser-Pereira em 2003.12 12 Muito embora os pesquisadores envolvidos com o novo desenvolvimentismo seguidamente afirmem que Bresser-Pereira é o autor dessa terminologia, a palavra neodesenvolvimentismo (em português) já havia sido utilizada por Ruy Mauro Marini (1992:91) no início dos anos 1990. No entanto, Marini empregou o termo para descrever os esforços de desenvolvimento orquestrado pelos governos ditatoriais militares na América Latina dos anos 1970, mais especificamente no Brasil, os quais Bresser-Pereira e seus seguidores também consideram, de forma simplista, como desenvolvimentistas, junto com as ideias típicas dos anos 1950 e 1960. Teoricamente, o neodesenvolvimentismo se apresenta como uma terceira via, sugerindo que se opõe, ao mesmo tempo que incorpora, tanto à narrativa neoliberal/neoclássica — à qual Bresser-Pereira se refere como “ortodoxia convencional” (2009:75) — como ao velho desenvolvimentismo, que é a maneira por meio da qual se refere às estratégias passadas de desenvolvimento da América Latina. Bresser-Pereira afirma que o neodesenvolvimentismo não é uma teoria de desenvolvimento econômico: esse autor o apresenta como uma estratégia nacional de desenvolvimento.13 13 Como é possível inferir a partir de Filgueiras (2012), a palavra neodesenvolvimentismo aparece como o background teórico, enquanto novo-desenvolvimentismo seriam as políticas que foram efetivamente empregadas pelos governos do PT no Brasil, ou, em outras palavras, a estratégia de desenvolvimento em si. Em nossa interpretação, convergindo com a de Filgueiras, essa diferenciação é empregada para absolver tanto a teoria quanto sua aplicação empírica de sua inerente ineficiência. Os próprios autores do campo não parecem certos de que terminologia empregar, pois Boito Jr. e Berringer (2013:31) usam “neodesenvolvimentismo”, Bresser-Pereira (2009:6) usa “novo desenvolvimentismo” e Sicsú, Paula e Michel (2007:507) optam por “novo-desenvolvimentismo”, isso enquanto Nassif e Feijó (2013:555) traduzem o termo como “neo-developmental”. Neste trabalho, apenas para simplificar o debate, optamos pelo termo neodesenvolvimentismo.

Segundo os autores, o quadro referencial teórico do neodesenvolvimentismo foi inspirado por (muitas) diferentes fontes intelectuais. Da economia política clássica, alegadamente associam o pensamento de Adam Smith e de Karl Marx. Keynes é incorporado a partir de seus seguidores: os novo-keynesianos Davidson e Stiglitz, entre outros. Por fim, mas não menos importante, o (novo) estruturalismo latino-americano da Cepal também é listado como parte das referências (Morais e Saad-Filho, 2011MORAIS, Lecio; SAAD-FILHO, Alfredo. Da economia política à política econômica. Revista de Economia Política, v. 31, n. 4, p. 507-527, 2011.). Na nossa opinião, é como se a Branca de Neve fosse convidada para auxiliar Adão e Eva a limpar os estábulos de Augias — uma quimera esquizofrênica economicamente.

Por meio de uma revisão dos últimos trabalhos de Bresser-Pereira (2003BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. São Paulo: Editora 34, 2003., 2007BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Estado e mercado no novo desenvolvimentismo. Nueva Sociedad, v. 210, p. 156-173, 2007., 2008BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. The Dutch disease and its neutralization: a Ricardian approach. Brazilian Journal of Political Economy, v. 28, n. 1, p. 47-71, 2008., 2009BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009., 2010BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010., 2011BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. O Brasil e o novo-desenvolvimentismo. Interesse Nacional, v. 13, n. 4, p. 76-85, 2011., 2012aBRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009., 2012bBRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. A taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento. Estudos Avançados, São Paulo, v. 26, n. 75, p. 7-28, 2012b., 2013BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. São Paulo: Editora 34, 2003.) e alguns de seus associados (Bresser-Pereira e Gala, 2007BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Estado e mercado no novo desenvolvimentismo. Nueva Sociedad, v. 210, p. 156-173, 2007., 2010BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010.; Bresser-Pereira e Theuer, 2012BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos; THEUER, Daniela. Um estado novo-desenvolvimentista na América Latina? Economia e Sociedade, v. 21, special number, p. 811-829, 2012.), encontramos as mais interessantes particularidades acerca da abordagem teórica do novo desenvolvimentismo. Embora aparentemente apresente uma lista muito diversa de referências, três aspectos gerais prevalecem: parte do diagnóstico derivado do trabalho de Fernando Fajnzylber na década de 1980, acerca dos problemas da industrialização latino-americana;14 14 Fernando Fajnzylber (1983), no início dos anos 1980, realizou uma análise da industrialização da América Latina no século XX e descobriu que tal processo falhou em alguns aspectos estruturais. Se, de um lado, os países da região lograram alcançar o crescimento e a diferenciação de seu parque industrial, isso aconteceu na ausência de constituição de um setor interno de bens de capital. Na verdade, muito embora as estratégias de substituição de importações tenham sido bem-sucedidas, isso resultou numa dependência tecnológica com o Norte, o que o autor chamou de industrialização trunca. a ênfase na falha das políticas neoliberais dos anos 1990; e um tipo de solução neo-schumpeteriana para esses problemas. De acordo com Bresser-Pereira, a industrialização por substituição de importações, marca do antigo desenvolvimentismo pré-anos 1980 na América Latina, se exauriu em uma crise fiscal. A convergência de fatores que emergiu, especialmente a pressão política exercida por credores estrangeiros sob as bênçãos do Consenso de Washington, forçou a região na direção do neoliberalismo. Ainda de acordo com Bresser-Pereira, no entanto, o neoliberalismo foi não apenas inábil em impulsionar o desenvolvimento, como também foi ineficaz em promover a estabilidade macroeconômica requerida para encorajar investimentos privados. Na verdade, a valorização monetária causada pelas políticas anti-inflacionárias prescritas teria sufocado a competitividade da indústria nacional, causando desindustrialização em muitos casos — o que o autor chama de “doença holandesa” —, enquanto desencadeava uma piora do endividamento dos países latino-americanos (Bresser-Pereira, 2008BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. The Dutch disease and its neutralization: a Ricardian approach. Brazilian Journal of Political Economy, v. 28, n. 1, p. 47-71, 2008.).

Uma das maiores críticas que Bresser-Pereira direciona contra as políticas da ortodoxia convencional (o neoliberalismo) se refere ao que o autor denomina como seu “fundamentalismo de mercado’. No entanto, Bresser-Pereira sugere ele mesmo, muitas vezes, que os mercados são a melhor maneira de organizar as economias, desde que controlados por instituições. No entanto, o autor não é um neoinstitucionalista, pois rejeita as conclusões da NEI, argumentando que uma estratégia nacional liderada pelo Estado é a verdadeira chave para o desenvolvimento, em vez de direitos de propriedade e liberdades. A estratégia, então, é buscar a estabilidade macroeconômica, enquanto se criam ou mantêm instituições para promover a inovação tecnológica e incrementar a competitividade industrial de empresas nacionais nos mercados externos, assim como uma tímida sugestão por uma expansão da demanda agregada. Em outras palavras, o autor clama que é necessário um Estado forte para fortalecer o mercado (Bresser-Pereira, 2009BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.).

No que diz respeito à gestão macroeconômica, os teóricos brasileiros do neodesenvolvimentismo sugerem um conjunto de medidas que deveriam controlar e reduzir as incertezas do sistema econômico. Esses procedimentos teriam por objetivo prover um background estável, o qual deveria subsidiar o desenvolvimento privado. Para tanto, o Banco Central — ou a autoridade monetária correspondente — deveria controlar as pressões inflacionárias. Além disso, o governo precisaria manter um orçamento equilibrado, tanto emulando os princípios de gestão do setor privado para controlar o consumo corrente (Sicsú, Paula e Michel, 2007SICSÚ, João; PAULA, Luiz F. de; MICHEL, Renalt. Por que novo-desenvolvimentismo? Revista de Economia Política, v. 27, n. 4, p. 507-524, 2007.) quanto reduzindo o endividamento público por meio do estímulo da poupança interna de moderadas taxas de juros (Bresser-Pereira, 2009BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.). De acordo com Bresser-Pereira, para sustentar a estabilidade macroeconômica, também é aconselhado que o Estado nacional seja capaz de manter sua autonomia decisória. Governos com dificuldades em rolar suas dívidas, ou que dependam de empréstimos no curto prazo, encontram-se em uma situação de dependência, o que leva à ineficiência das políticas econômicas, por fim enfraquecendo até mesmo o mercado.

Ainda assim, estabilidade macroeconômica não é o suficiente para promover o desenvolvimento. Também é preciso considerar que os países subdesenvolvidos coexistem (e competem contra) nações desenvolvidas num quadro histórico de dependência (econômica, política e social). Bresser-Pereira argumenta que o Estado precisa talhar instituições para reverter as amarras estruturais que contribuem para a manutenção da condição de subdesenvolvimento (Bresser-Pereira, 2010BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010.). A estratégia nacional de desenvolvimento então precisa englobar: i. reformas para fortalecer tanto o Estado quanto o mercado; ii. uma política industrial para induzir o investimento privado e a inovação tecnológica; iii. a promoção de exportações de bens com alto valor agregado; iv. realizar investimentos a partir de poupança interna (ao invés de empréstimos externos); v. controlar o capital estrangeiro.15 15 A maior parte das sugestões realizadas por Bresser-Pereira em seus artigos e livros é construída em termos muito genéricos. A exceção é a questão referente à manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada, acerca do que o autor é sempre muito específico e repetitivo (Bresser-Pereira, 2007:172). Todos esses passos (ou instituições, como o autor prefere) teriam o poder de incrementar a competitividade da indústria doméstica nos mercados internacionais.

Os propositores do neodesenvolvimentismo são hesitantes, no entanto, quando abordam a categoria da indução da demanda agregada. De um lado, Sicsú, Paula e Michel (2007SICSÚ, João; PAULA, Luiz F. de; MICHEL, Renalt. Por que novo-desenvolvimentismo? Revista de Economia Política, v. 27, n. 4, p. 507-524, 2007.) mencionam a redução da desigualdade como um objetivo, muito embora isso não apareça com uma clara função econômica em seu quadro teórico. Por outro lado, Bresser-Pereira (2010)BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010. sugere que a insuficiência de demanda doméstica não precisa, necessariamente, ser compensada por aumentos dos gastos do Estado, emprego ou salários: é melhor, segundo o autor, focar a demanda externa. É possível concluir que, muito embora a redução da desigualdade seja às vezes mencionada no arcabouço conceitual do neodesenvolvimentismo, essa variável não é considerada tão importante para o desenvolvimento. A estratégia elaborada não depende dessa variável, ou pior, esses autores muitas vezes se posicionam contra o combate à desigualdade, como em Bresser-Pereira (2010)BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010.. Assim, Morais e Saad-Filho (2011MORAIS, Lecio; SAAD-FILHO, Alfredo. Da economia política à política econômica. Revista de Economia Política, v. 31, n. 4, p. 507-527, 2011.) argumentam que, já que o mercado doméstico não é o objetivo principal do neodesenvolvimentismo, isso o distancia do estruturalismo cepalino que alegam fazer parte de seu quadro referencial.

Com o objetivo de obter apoio político para tal estratégia nacional de desenvolvimento sugerida, Bresser-Pereira sugere que os países da América Latina precisam arquitetar um consenso ao redor desse objetivo, o qual envolva capitalistas, trabalhadores, sindicatos, instituições e as três esferas do Estado. Na visão do autor, esses atores sociais devem transitar para uma situação de confiança pacífica uns em relação aos outros, como numa amigável fraternidade comprometida com o objetivo comum do desenvolvimento da nação (Bresser-Pereira, 2009BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Globalização e competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009., 2010BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad, v. 230, p. 58-72, 2010., 2011BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. O Brasil e o novo-desenvolvimentismo. Interesse Nacional, v. 13, n. 4, p. 76-85, 2011.). Em verdade, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) elegeu um presidente em 2002, sua agenda econômica foi chamada de neodesenvolvimentista, muito embora tivesse diferenças marcantes em relação ao que Bresser-Pereira e seus seguidores propunham. Mas uma das mais importantes estratégias políticas do PT foi (tentar) governar a partir de um arranjo pluripartidário, em nome do interesse maior, na forma de uma coesão de compromissos. Então, vamos olhar mais de perto.

Após a falha da experiência neoliberal brasileira em promover o crescimento, o governo brasileiro se encontrava diante do desafio de entregar uma estratégia alternativa àquela “ortodoxia convencional” até então dominante. A mudança alegadamente começou a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, o qual, em seu discurso inaugural, criticou os resultados sociais das políticas econômicas pregressas, enquanto reforçava seu comprometimento com a estabilidade monetária conquistada. Mudanças concretas, no entanto, se iniciaram apenas a partir da segunda metade de seu primeiro mandato e, ainda assim, marcadas por contradições (Boito Jr. e Berringer, 2013BOITO JR, Armando; BERRINGER, Tatiana. Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, v. 47, n. 21, p. 31-38, 2013.).

Quatro grandes estratégias foram implementadas por meio de uma combinação de projetos intermediários. Primeiro, o governo lançou um programa com o intuito de superar a pobreza extrema, o Bolsa Família, o qual consistia em transferências monetárias mensais destinadas a famílias de baixa-renda (programa que apresentava como mais evidente externalidade o fortalecimento da demanda efetiva, graças à elevada propensão marginal a consumir dessa fração de classe) (Lindert et al., 2007LINDERT, Kathy et al. The nuts and bolts of Brazil’s Bolsa Família program: implementing conditional cash transfers in a decentralized context. World Bank Working Papers, v. 0709, p. 1-144, 2007. Available at:<Available at:http://www.worldbank.org/ >. Accessed on:10 Dec. 2015.
http://www.worldbank.org/...
). Segundo, se procurou implementar um pacote de investimentos públicos chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destinado a incrementar a distribuição de energia, melhorar a malha logística, além de outros aspectos de infraestrutura produtiva e urbana (Calixtre, Biancarelli e Cintra, 2014CALIXTRE, André B.; BIANCARELLI, André M.; CINTRA, Marcos A M. Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014.). O PAC foi dividido em três estágios, os dois primeiros nos mandatos de Lula, o último no mandato de Dilma. Em terceiro lugar, o governo também aumentou os investimentos públicos em educação de nível superior, com ênfase em áreas de tecnologia, tais quais engenharia e biotecnologia. Políticas e programas como o Reuni e o Prouni, junto com o Pronatec e o Ciência sem Fronteiras (ambos já no mandato de Dilma), embora muito criticados, contribuíram para a retomada do protagonismo do Estado no impulso da educação superior (Silva e Ourique, 2012SILVA, Jorge P. da; OURIQUE, Maiane L. H. A expansão da educação superior no brasil: um estudo de caso Cesnors. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 93, n. 233, p. 215-230, 2012.). Em quarto lugar, a política externa Sul-Sul sob Lula e Dilma Rousseff procurou estreitar relações com países periféricos ou em desenvolvimento, os quais, historicamente, têm sido mercados mais favoráveis para as corporações empresariais brasileiras (Boito Jr. e Berringer, 2013BOITO JR, Armando; BERRINGER, Tatiana. Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, v. 47, n. 21, p. 31-38, 2013.).

Desde 2002 (primeira eleição de Lula) até 2014 (reeleição de Dilma), outras medidas foram tomadas: i. uma política de recuperação do poder de compra do salário mínimo; ii. novas estratégias e orçamento maior para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); iii. políticas econômicas anticíclicas (especialmente por meio do reforço das indústrias de construção civil e exploração de petróleo). Simultaneamente, no entanto, a agenda macroeconômica neoliberal foi confirmada, tornando verdadeira a declaração de Boito Jr. e Berringer (2013BOITO JR, Armando; BERRINGER, Tatiana. Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, v. 47, n. 21, p. 31-38, 2013.:32): “{...} o neodesenvolvimentismo {é} a política de desenvolvimento possível dentro dos limites dados pelo modelo capitalista neoliberal”.

Assim, o neodesenvolvimentismo coexistiu com medidas macroeconômicas restritivas. De acordo com Teixeira e Pinto (2012TEIXEIRA, Rodrigo A.; PINTO, Eduardo C. A economia política dos governos FHC, Lula e Dilma: dominância financeira, bloco no poder e desenvolvimento econômico. Economia e Sociedade, v. 21, n. 4, n. esp., p. 909-941, Dec. 2012.), os três principais eixos de uma gestão macroeconômica neoliberal foram mantidos durante todo esse período: metas de inflação, superávits primários e taxas de câmbio flutuantes. Essas medidas, conduzidas por um Banco Central em grande parte independente, objetivavam manter a credibilidade econômica do país, tanto interna como externamente. As metas de inflação, no entanto, requeriam a manutenção de altas taxas de juros, as quais constrangiam o investimento privado e atraíam capital especulativo; isso enquanto a perseguição de superávits primários limitava a capacidade de investimento do Estado, além de forçar uma política fiscal passiva. Além disso, o câmbio flutuante mantinha a economia refém das altas taxas de juros, deixando a competitividade nacional exposta ao humor dos mercados internacionais.

Por conta disso, no Brasil vivenciamos uma política econômica contraditória por 12 anos. De um lado, o governo tentava induzir o investimento privado por meio do incremento da demanda efetiva e dos gastos governamentais. Por outro lado, o mesmo governo limitava a disponibilidade de capital por meio do aumento do custo de investimento, ao passo que sustentava alternativas com maior rentabilidade e segurança. Os resultados foram também (necessariamente) contraditórios. Durante o início da crise das finanças globais de 2007, o Brasil foi um dos poucos países no mundo que não sofreram com uma recessão. Além disso, muitos dos indicadores sociais como desigualdade, desemprego, salários, habitação e educação apresentaram melhoras significativas (Pochmann, 2013POCHMANN, Mário. Políticas públicas e situação social na primeira década do século XXI. In: SADER, Emil (Org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 145-155.). Por outro lado, a performance econômica do Brasil, em termos de variação do PIB, índice de performance macroeconômica, investimento privado, vulnerabilidade financeira externa, custo de reservas em moeda estrangeira, assim como o avanço dos setores industrial e de tecnologia, entre outros, foram discretos, alguns dúbios e mesmo notavelmente medíocres (Gonçalves, 2013GONÇALVES, Reinaldo. Balanço crítico da economia brasileira nos governos do partido dos trabalhadores. UFRJ Working Papers, 2013. Available at:< Available at:http://www.ie.ufrj.br/ >. Accessed on: 13 May 2014.
http://www.ie.ufrj.br/...
).

Os resultados da economia brasileira demonstram que o neodesenvolvimentismo sofre da mesma antiga maldição: a despeito de todas as suas promessas, é simplesmente ineficiente em encontrar o Santo Graal do desenvolvimento. E não poderia ser diferente, pois sua colagem de deuses, vilões e heróis não oferece nada novo. A blasfêmia não compensa o sacrifício. A despeito de apresentar certa coerência interna, seu quadro teórico é apenas mais uma fábula, tão superficial e distante da realidade como as outras aqui debatidas.

Resumindo o neodesenvolvimentismo a uma única característica, podemos dizer que, teoricamente, sua macroeconomia gira em torno do regime cambial. Naturalmente, isso não é o suficiente — nem mesmo se for guiado por instituições melhores e fortalecidas, como sugerem. Ademais, o problema mais importante e desafiador, o suporte político, é legado a uma imprecisa, ou mesmo ingênua crença de que os capitalistas brasileiros irão todos dar as mãos em busca do desenvolvimento. As frações de classe capitalistas no Brasil não são homogêneas, nem tampouco são movidas por um objetivo consensual. E isso não será diferente apenas porque um punhado de acadêmicos o deseja. A última eleição presidencial e os desenvolvimentos políticos posteriores formam um bom exemplo desse fracionamento. A presidente Dilma foi reeleita por uma margem muito tênue de votos em 2014, a que se seguiram dois anos de plena perseguição política pela imprensa e partidos de oposição, associados às elites tradicionais. Tudo isso culminou em um golpe de Estado constitucionalmente justificado, o qual trouxe ainda mais incertezas na política, na economia e na sociedade (Pinto, Filgueiras e Gonçalves, 2015PINTO, Eduardo C.; FILGUEIRAS, Luís; GONÇALVES, Reinaldo. Governo Dilma, PT, esquerda e impeachment: três interpretações da conjuntura econômica e política. Textos para discussão IE-UFRJ, v. 15, 2015. Available at:<Available at:http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2015/TD_IE_015_2015_PINTO_FILGUEIRAS_GONALVES.pdf >. Accessed on: 21 Jan. 2016.
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/pu...
; Fagnani, 2016FAGNANI, Eduardo. Por trás do golpe: impeachment do processo civilizatório. Le Monde Diplomatique Brasil, v. 105, 2016. Available at:<Available at:http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2066 >. Accessed on:10 June 2016.
http://www.diplomatique.org.br/artigo.ph...
). Isso significa que um consenso é algo fora de questão.

Como qualquer mito do desenvolvimento, seus seguidores irão sempre defendê-lo afirmando que, se falhou, foi porque não foi “corretamente implementado”. “O Governo não utilizou o regime cambial para reforçar o empreendedor nacional”, alguns podem dizer. “Eles não fizeram as reformas para aprimorar a gestão da burocracia e, assim, fortalecer o Estado”, podem clamar outros. “Os políticos foram inábeis em construir um consenso ao redor da ideia de desenvolvimento”, seguidores podem sugerir.

A teoria, no entanto, nunca pode receber a culpa. Nunca é dito, porém, por que eles fecharam os olhos para a discussão acerca do histórico desequilíbrio de poder entre as nações, ou da condição de dependência do Brasil no plano da divisão internacional do trabalho, ou acerca da total ausência de suporte popular e trabalhista para as reformas administrativas, ou ainda acerca das disparidades sociais e regionais de um país continental como o Brasil, para mencionar apenas alguns exemplos. Eles nunca tentam explicar como uma tão grosseira simplificação da realidade, para dizer o mínimo, poderia verdadeiramente conduzir ao desenvolvimento.

Em nossa opinião, o neodesenvolvimentismo é um mito como outro qualquer, uma vez que simplifica processos sociais complexos para sugerir políticas que são fundamentadas em nada mais do que ilusões. Sua reviravolta não teve nada de inesperada. Não é surpreendente que a mesma estrutura mitológica tenha sido aqui reproduzida. Seu herói, a estratégia nacional de desenvolvimento, tenta com bravura empurrar um país de renda média como o Brasil para o exclusivo clube dos desenvolvidos. O antagonista, claro, é o vilão da taxa de câmbio supervalorizada, que expõe o frágil país aos titãs da competição internacional. A arma mágica de nosso herói não é nenhuma medida prática, mas uma transformação moral: a sociedade brasileira precisa se unir ao redor de um consenso.

O bem maior está em jogo; o Eldorado, logo após a próxima curva.

6. Considerações finais

A racionalidade capitalista está repleta de narrativas acerca de um amplo espectro de fenômenos, desde o comportamento econômico (humano) até as políticas macroeconômicas. Como argumentamos anteriormente, um mito é uma estrutura simbólica cercada por diversas versões diferentes e variações, as quais, entranhadas numa estrutura linguística, procuram explicar a realidade enquanto a disfarçam.

Como foi discutido anteriormente, as narrativas acerca do desenvolvimento econômico podem ser compreendidas como mitos contemporâneos. As assim chamadas teorias do desenvolvimento são construídas sobre uma estrutura tetradimensional simples, onde vilões, heróis, sagas de redenção e lições morais assumem o protagonismo. Além disso, essas narrativas compartilham premissas centrais, cujo distanciamento com a realidade leva-nos a refletir sobre o porquê, até hoje, de elas serem o fundamento para a tomada de decisões por todo o mundo.

O novo desenvolvimentismo brasileiro — tanto teórico quanto pragmático — não nos parece diferente. Além de reproduzir a estrutura mitológica, sua contraparte empírica, as políticas de desenvolvimento adotadas pelo governo entre 2002 e 2016, não alcançou um sucesso prodigioso. Embora tenham havido ganhos sociais óbvios sob o governo do Partido dos Trabalhadores no Brasil — muito melhor do que qualquer anterior —, a performance macroeconômica do país não demonstra ter havido um salto significativo. Em outras palavras, o novo desenvolvimento é tanto mitológico quanto ineficiente.

Os mitos do desenvolvimento são ubíquos, pois têm um papel estrutural. Isso porque o mito é um sistema semiótico que oferece uma interpretação da realidade como se fosse a realidade em si. Mas, por que essas narrativas têm um papel tão importante, mesmo não tendo apresentado resultados concretos? Por que as teorias do desenvolvimento continuam sendo consideradas confiáveis (científicas), se continuam falhando? Por que tais narrativas sempre enfatizam políticas que são especificamente contrárias a quaisquer alternativas ao capitalismo? Essas e outras questões são, de fato, convites para pesquisa futura.

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  • 1
    A noção de país em desenvolvimento substitui a narrativa de um mundo formado por nações bárbaras num processo civilizatório linear, o qual era predominante na Era Colonial. Nós não pretendemos dizer que a ideia de progresso não existia antes, mas sim enfatizar que o discurso de desenvolvimento se torna hegemônico, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial (Escobar, 1995ESCOBAR, Arturo. Encontering development: the making and unmaking of the third world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.).
  • 2
    Muito embora Furtado classifique a noção de desenvolvimento como um mito, ela não se preocupa em abordar a noção de “mito” de forma aprofundada. O que percebemos por meio da análise de seu livro (Furtado, 1974) é que a palavra “mito” é usada ali para se referir a um discurso enganoso e falacioso. O mesmo pode ser dito acerca do trabalho de Oswaldo Rivero (2010). Podemos dizer que tanto Furtado como Rivero usam “mito” em seu sentido de senso comum, como sinônimo de “falso”, assim jogando fora a oportunidade de aprofundar o entendimento do papel simbólico das narrativas de desenvolvimento. Nossa perspectiva é que, embora mitológicas, as narrativas do desenvolvimento aqui analisadas realizam um papel concreto no modo de produção capitalista contemporâneo. Esse é o porquê de abordarmos o mito a partir da perspectiva barthesiana discutida brevemente na seção 1.
  • 3
    “[…] Keynes nos oferece a mais rígida e dogmática separação da antecipação material e produtiva [...]. Ele descreve a reprodução do processo de produção a partir do ponto vista mecânico do ‘materialismo vulgar’ o qual ele mesmo chama ‘a máquina econômica’, argumento com desinibido otimismo que ciência, eficiência técnica e acumulação de capital [...] se encontram em seu caminho para resolver, ‘gradualmente’ é claro, ‘o problema econômico da humanidade’. Infelizmente, após meros 42 anos do limite que o próprio Keynes estabeleceu para se alcançar o prometido destino da ‘felicidade econômica’, estamos hoje muito mais distantes do fim do túnel do que 58 anos atrás, a despeito dos tremendos avanços em produtividade alcançados em todas essas décadas de intervenção” (Mézáros, 2005:7-9, tradução nossa).
  • 4
    Osvaldo Sunkel e Pedro Paz (1976) argumentam que é necessário distinguir o pensamento de Keynes das teorias inspiradas por ele. De acordo com esses autores, o alvo principal do trabalho de Keynes não era o desenvolvimento, mas uma teoria de ajustes de governo no curto prazo. No entanto, a partir do pensamento keynesiano emergiram muitos modelos de crescimento econômico visando prover políticas de longo prazo, como os de Domar e Harold.
  • 5
    No longo prazo todos estaremos mortos. Economistas se colocam facilmente, e de forma inútil, a tarefa de afirmar que em épocas tempestuosas tudo que podem dizer é que, tão logo a tormenta passe, o oceano se fará calmo novamente” (Keynes, 1924:80, tradução nossa).
  • 6
    “Mais uma vez, se tivermos lidado de outra forma com o problema da parcimônia, não há objeção a ser levantada contra a moderna teoria clássica no que tange à conciliação entre as vantagens públicas e privadas em condições de competição perfeita ou imperfeita, respectivamente. Assim, fora da necessidade de controles centrais para ajustar a propensão ao consumo e a indução do investimento, não há maiores razões para socializar a vida econômica do que havia anteriormente” (Keynes, 1936:202, tradução nossa).
  • 7
    A Common Agricultural Policy da União Europeia e os subsídios agrícolas dos Estados Unidos da América são os exemplos mais evidentes.
  • 8
    Categorias como “liberdade” (num sentido de “não há limites, nem imputabilidade, ou responsabilidade pelos efeitos, das ações particulares”) e “direitos de propriedade” são utilizadas por teóricos da NEI como sinônimos para “liberdade” (em sentido amplo) e “propriedade”, sem uma clara definição, como se fossem equivalentes. Williamson (1979) em certo momento chegou a enfrentar essa crítica, mas sem apresentar uma solução convincente.
  • 9
    A respeito disso, acreditamos que pode ser interessante analisar o best-seller de Thomas Piketty, O capital no século XXI, o qual demonstra como o capitalismo nos últimos 40 anos, durante a era da virada neoliberal, produziu um volume de riqueza historicamente sem precedentes — em grande parte fictícia, de acordo com Chesnais (1996) —, porém controlada por poucos. Esse autor pode não trabalhar no espectro da teoria marxista, mas suas descobertas são particularmente significantes se observadas a partir dessa perspectiva. Ver: Piketty (2014).
  • 10
    O economista norte-americano James O’Connor realizou uma excelente análise do problema da crise fiscal do estado de bem-estar, demonstrando que um dos gatilhos daquela problemática foi uma crise tanto de liquidez quanto de lucratividade. Em outras palavras, manter altas taxas de demanda efetiva se tornou muito custoso para o capital. Ver: O’Connor (2001). Ver também: O’Connor (1984).
  • 11
    Existem muitos trabalhos que nos auxiliam a compreender as crises financeiras do capitalismo a partir de uma perspectiva crítica, como Chesnais (1996), Harvey (2014), Mészáros (2009), Zizek (2011), entre muitos outros. No entanto, é interessante como um declarado e verdadeiro seguidor capitalista como Charles Kindleberger demonstra, entre outras coisas, que os mercados financeiros, na maior parte do tempo, sucumbem graças a comportamentos irracionais e abertamente irresponsáveis, em termos dos quais mesmo Karl Marx poderia concordar de modo geral. Ver: Kindleberger (2000).
  • 12
    Muito embora os pesquisadores envolvidos com o novo desenvolvimentismo seguidamente afirmem que Bresser-Pereira é o autor dessa terminologia, a palavra neodesenvolvimentismo (em português) já havia sido utilizada por Ruy Mauro Marini (1992:91) no início dos anos 1990. No entanto, Marini empregou o termo para descrever os esforços de desenvolvimento orquestrado pelos governos ditatoriais militares na América Latina dos anos 1970, mais especificamente no Brasil, os quais Bresser-Pereira e seus seguidores também consideram, de forma simplista, como desenvolvimentistas, junto com as ideias típicas dos anos 1950 e 1960.
  • 13
    Como é possível inferir a partir de Filgueiras (2012), a palavra neodesenvolvimentismo aparece como o background teórico, enquanto novo-desenvolvimentismo seriam as políticas que foram efetivamente empregadas pelos governos do PT no Brasil, ou, em outras palavras, a estratégia de desenvolvimento em si. Em nossa interpretação, convergindo com a de Filgueiras, essa diferenciação é empregada para absolver tanto a teoria quanto sua aplicação empírica de sua inerente ineficiência. Os próprios autores do campo não parecem certos de que terminologia empregar, pois Boito Jr. e Berringer (2013:31) usam “neodesenvolvimentismo”, Bresser-Pereira (2009:6) usa “novo desenvolvimentismo” e Sicsú, Paula e Michel (2007:507) optam por “novo-desenvolvimentismo”, isso enquanto Nassif e Feijó (2013:555) traduzem o termo como “neo-developmental”. Neste trabalho, apenas para simplificar o debate, optamos pelo termo neodesenvolvimentismo.
  • 14
    Fernando Fajnzylber (1983), no início dos anos 1980, realizou uma análise da industrialização da América Latina no século XX e descobriu que tal processo falhou em alguns aspectos estruturais. Se, de um lado, os países da região lograram alcançar o crescimento e a diferenciação de seu parque industrial, isso aconteceu na ausência de constituição de um setor interno de bens de capital. Na verdade, muito embora as estratégias de substituição de importações tenham sido bem-sucedidas, isso resultou numa dependência tecnológica com o Norte, o que o autor chamou de industrialização trunca.
  • 15
    A maior parte das sugestões realizadas por Bresser-Pereira em seus artigos e livros é construída em termos muito genéricos. A exceção é a questão referente à manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada, acerca do que o autor é sempre muito específico e repetitivo (Bresser-Pereira, 2007:172).
  • 37
    {Versão traduzida}

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2016
  • Aceito
    29 Jun 2017
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