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Recursos florestais no assentamento 12 de outubro (Horto Vergel), Mogi-Mirim, SP

Forestry resources at the settlement "12 de outubro" (Horto Vergel), Mogi Mirim, SP

Resumos

Este trabalho objetivou contribuir para a caracterização dos usos de recursos florestais tomando como estudo de caso o assentamento Horto Vergel em Mogi-Mirim, Estado de São Paulo. A metodologia utilizou como ferramenta de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com os agricultores assentados, além da observação direta no campo. Os agricultores entrevistados foram aleatoriamente amostrados, representando 42,63% da população total do assentamento. Os resultados indicaram que a grande maioria dos agricultores do assentamento 12 de outubro (81,4%) utilizava recursos florestais em alguma escala, porém eles não o faziam de forma adequada, o que poderá levar à exaustão desses recursos em médio prazo. Tais recursos são mobilizados para a produção de carvão, madeira, venda de tocos de eucalipto, produção de óleo essencial e muito pouco de atividades apicultoras e coleta de sementes para produção de mudas. Os recursos florestais, de modo geral, entre as possibilidades estratégicas, ainda são vistos como secundários e coadjuvantes, ou até antagônicos, para se atingirem os objetivos de permanência no lote.

Recursos florestais; assentamentos rurais; agricultura familiar


The present work aims to contribute to the characterization of forest resource use in rural settlements, taking as the case of study the settlement Horto Vergel in Mogi-Mirim, São Paulo State. For data collection, partially structured interviews were used, along with direct observation in the field. The farmers interviewed were randomly sampled and represented 42,63% from the total population of the settlement. The results obtained indicated that most farmers interviewed in the Settlement "12 de Outubro" (81,4%) use forestry resources on some scale, but not in a proper way, which can lead to the depletion of these resources in a medium term. Such resources are used for coal and wood production, as well the selling of eucalyptus stumps, essential oil production from leaves, incipient beekeeping activities and seed collection for tree seedling production. In general, forest resources are seen as secondary and supporting, or even antagonist elements for abidance in the land.

Forest resources; rural settlements; family farming


Recursos florestais no assentamento 12 de outubro (Horto Vergel), Mogi-Mirim, SP1 1 Recebido em 07.09.2008 e aceito para publicação em 23.06.2009.

Forestry resources at the settlement "12 de outubro" (Horto Vergel), Mogi Mirim, SP

Livia Atauri MirandaI; Maristela Simões do CarmoII

IPrograma de Pós-graduanda em Ecologia e Fisiologia de Plantas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Neuchâtel (UNINE), Suíça, E-mail:livia.atauri@unine.ch

IIDepartamento de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (FEAGRI/UNICAMP), E-mail: stella@agr.unicamp.br

RESUMO

Este trabalho objetivou contribuir para a caracterização dos usos de recursos florestais tomando como estudo de caso o assentamento Horto Vergel em Mogi-Mirim, Estado de São Paulo. A metodologia utilizou como ferramenta de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com os agricultores assentados, além da observação direta no campo. Os agricultores entrevistados foram aleatoriamente amostrados, representando 42,63% da população total do assentamento. Os resultados indicaram que a grande maioria dos agricultores do assentamento 12 de outubro (81,4%) utilizava recursos florestais em alguma escala, porém eles não o faziam de forma adequada, o que poderá levar à exaustão desses recursos em médio prazo. Tais recursos são mobilizados para a produção de carvão, madeira, venda de tocos de eucalipto, produção de óleo essencial e muito pouco de atividades apicultoras e coleta de sementes para produção de mudas. Os recursos florestais, de modo geral, entre as possibilidades estratégicas, ainda são vistos como secundários e coadjuvantes, ou até antagônicos, para se atingirem os objetivos de permanência no lote.

Palavras-chave: Recursos florestais, assentamentos rurais e agricultura familiar.

ABSTRACT

The present work aims to contribute to the characterization of forest resource use in rural settlements, taking as the case of study the settlement Horto Vergel in Mogi-Mirim, São Paulo State. For data collection, partially structured interviews were used, along with direct observation in the field. The farmers interviewed were randomly sampled and represented 42,63% from the total population of the settlement. The results obtained indicated that most farmers interviewed in the Settlement "12 de Outubro" (81,4%) use forestry resources on some scale, but not in a proper way, which can lead to the depletion of these resources in a medium term. Such resources are used for coal and wood production, as well the selling of eucalyptus stumps, essential oil production from leaves, incipient beekeeping activities and seed collection for tree seedling production. In general, forest resources are seen as secondary and supporting, or even antagonist elements for abidance in the land.

Keywords: Forest resources, rural settlements and family farming.

1. INTRODUÇÃO

Desde o tempo do Brasil-colônia, o modo de legitimar e garantir a posse da terra no Brasil foi a completa derrubada da floresta e sua transformação em pastagens e lavoura (BEDUSCHI FILHO, 2003), o que conforma a estreita relação da ocupação do solo e do meio ambiente (questão agrária versus questão ambiental).

Entre as várias áreas destinadas aos assentamentos, encontram-se importantes fragmentos florestais que, por sua vez, abrigam fauna e flora relevantes para a conservação ambiental. Com a criação e consolidação desses assentamentos, as áreas florestais passam a ser circundadas por famílias de agricultores que estão buscando formas locais de reprodução socioeconômica, em uma situação de precariedade, que caracteriza o segmento da agricultura familiar no país (WANDERLEY, 1999).

As transformações na paisagem rural decorrentes desse processo de ocupação retratam as escolhas das culturas/atividades que manterão essas famílias. Essas áreas de plantio, geralmente dispostas em forma de monocultivos, podem estar limitadas ou não pelas áreas de cobertura florestal, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL), previstas no Código Florestal Brasileiro, que possui importante papel na preservação de áreas verdes de matas nativas. Contudo, as ferramentas legais não são suficientes e eficientes quando se transpõe o que está definido nas leis para a realidade e cotidiano da zona rural, especialmente no que se diz respeito à correta forma de utilização, conservação e recuperação das áreas de APPs e RL (RODRIGUES, 2007).

Essas áreas delimitam as divisas daquelas disponibilizadas para a produção, embora, em tese, devam ser consideradas intocáveis e não suscetíveis ao uso produtivo dentro do lote. Porém, na realidade, transformam-se em áreas exploradas e, ou, manejadas de modo inadequado, atendendo às necessidades reprodutivas dos assentados rurais, que, mesmo sem o aval legal, acabam avançando sobre a gleba de terra com florestas, o que pode fazer a diferença de produção para sua sobrevivência e de sua família.

A presença dos recursos naturais provenientes de florestas dentro de assentamentos rurais de reforma agrária é tida como impasse (WHITAKER, 2002), que pode ser explicado por diversos fatores, como as incertezas quanto ao manejo dentro das possibilidades e impossibilidades definidas pela legislação; a falta de conhecimentos técnicos; ausência e, ou, ineficiência de assistências técnicas em suprir as demandas; a falta de sensibilização e conscientização ambiental; e, mesmo ainda, o desconhecimento sobre formas de manejo adequado de novos produtos de procedência florestal, madeireiros ou não, produtos esses fora da agenda daqueles considerados tradicionais.

A importância da manutenção dessas áreas florestais, assim como o desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis, já foi afirmada como urgente no combate e reversão aos processos de degradação ambiental. A população rural, também no que se refere às mudanças climáticas, torna-se diretamente afetada por ser a utilização dos recursos naturais solo, água e clima a sua matéria-prima de trabalho e sustento.

Medidas de intervenção e de sensibilização para o planejamento e desenvolvimento de novas formas de ocupação e utilização do solo, incluindo os recursos ambientais, mostram-se passos importantes na interrupção do processo de degradação. Colocadas em prática, pode-se, com essas medidas, recuperar e manter a qualidade dos recursos naturais para o próprio benefício da comunidade (ARATO, 2003). A reprodução socioeconômica, mas também ambiental, das comunidades rurais é que assegurará o futuro e permanência de novas gerações, beneficiando outros aspectos da vida familiar e social dentro do assentamento.

O objetivo deste artigo foi contribuir para a caracterização dos usos de recursos florestais, tomando-se como referência o assentamento 12 de Outubro, também conhecido como Horto Vergel, em Mogi-Mirim, Estado de São Paulo.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O Horto Vergel possui área total de 1.216 ha, dos quais 360 se destinam à reserva legal, o que representa 29,62% de toda a área. Para o loteamento foram alocados 811 ha (66,7%), divididos em 90 lotes de aproximadamente 8,5 ha cada. Os espaços comunitários do assentamento ocupam 20 ha, 1,6% da área total, e o restante encontra-se como estradas (12,85 ha) e cascalheira (11,86 ha).

A população estudada, composta de 90 famílias, abrange todos os lotes do assentamento, sendo, portanto, enquadrada como finita para o cálculo da amostra. O plano de amostragem escolhido foi probabilístico, em que as chances de seleção de cada indivíduo são conhecidas e diferentes de zero, de forma aleatória simples. O cálculo obtido definiu uma amostra representativa da população de 42,63, ou seja, 43 unidades amostrais e grau de confiança de 90% (RICHARDSON, 1999). A unidade amostral constitui-se dos lotes dos assentados, compreendendo todas as atividades desenvolvidas na área apropriada para cultivos agrícolas e atividades pecuárias e florestais.

A coleta de dados abrangeu aspectos quantitativos quando se procurou identificar o volume de produtos florestais utilizados e dados sobre uso e ocupação do solo, bem como aspectos qualitativos, identificando produtos, culturas e outras atividades desenvolvidas no lote.

Todas as informações resultantes das entrevistas foram usadas na caracterização do local e dos perfis dos agricultores e também para entender a forma de utilização ou a não utilização dos recursos florestais. Ainda, permitiram a sistematização, qualificação e quantificação dos demais recursos dos lotes, servindo como fundamento futuro para possíveis definições de um planejamento de reutilização desses recursos para o desenvolvimento ambiental e social da população vivente naquela localidade.

O questionário explorou, além das questões relativas ao uso e manejo dos recursos florestais desenvolvidos e praticados na área, recursos determinantes nas escolhas de produção e rentabilidade dentro do lote pelos agricultores. A parte descritiva das estatísticas compreendeu uma análise exploratória dos dados, utilizando-se tabelas e proporções das variáveis em relação ao total.

Com essa metodologia, objetivaram-se levantar informações para a caracterização dos usos dos recursos florestais empregados pelos assentados.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliaram-se os itens que auxiliassem a caracterização do lote e do produtor, relativos ao destino das áreas de produção e influências no desenvolvimento das atividades de base florestal. A presença de área florestal dentro do lote possibilita pensar projetos e manejos florestais pela proximidade desses recursos, bem como o possível reconhecimento pelos agricultores quanto à sua importância e utilização.

Os cultivos considerados mais importantes pelo agricultor, foco (s) da produção e da manutenção do lote, foram provenientes das escolhas que lhes representam a melhor alternativa econômica e financeira. Nessa escolha, foram considerados os fatores de produção (terra, mão de obra, capital e tecnologia), assim como as restrições encontradas e os riscos envolvidos no processo de produção. Outros elementos importantes, segundo Dossa (2000), são os conhecimentos, capacitação e familiaridade com o sistema ou tecnologia a serem desenvolvidos.

Nas 43 famílias entrevistadas foram detectados 73 produtos considerados os mais importantes na manutenção econômica do lote. Entre os cultivos mais citados, a mandioca possui a maior representação, com 25,7% das citações, seguida pela produção de hortaliças e banana, com 8,1% cada. O não desenvolvimento de atividades e o trabalho fora do lote ou "bico" representaram, separadamente, 5,4% das citações (Tabela 1).

O setor mais representativo em relação à produção dentro do assentamento é o das culturas anuais e permanentes com 33,8% das citações, depois a horticultura com 16,2% e a fruticultura com 12,2% das citações. Entre as atividades florestais, o carvão foi a mais importante, com 4,1% das declarações dos assentados.

Apenas 16,3%, englobando oito entrevistados, desenvolveram outra atividade não ligada à agropecuária. São atividades de artesanato como costura, produção de vassoura, tapetes, trabalhos com retalhos (patchwork), bolsas e bonecas, que são confeccionadas com palha de milho. Ocorreram dois casos (4,65%), nos quais essas atividades foram consideradas as principais mantenedoras do lote (Tabela 1).

Percebeu-se, com essas informações, que a base da permanência dos agricultores no assentamento se apoiava na diversificação de suas atividades, o que lhes proporcionava mais estabilidade econômica e de reprodução social no longo prazo, fato reconhecido por Wanderley (1999).

Foram avaliadas as percepções dos agricultores sobre os recursos naturais e áreas de eucalipto presentes no assentamento e nos lotes. Constatou-se a necessidade de fontes madeireiras como algo importante e fundamental na reprodução social e econômica dos agricultores familiares, como mostra a porcentagem de 81,4% dos entrevistados na utilização de recursos florestais (Tabela 2).

Os benefícios diretos e indiretos que as áreas florestais naturais podem trazer, em vários níveis, foram apresentados para avaliação dos assentados. Observou-se que esses benefícios também são percebidos pelos entrevistados ao responderem sobre as áreas de floresta nativa. A grande maioria (83,7%) das respostas foi na direção que essas áreas não atrapalhavam o desenvolvimento e a produção de culturas, e 72,1% afirmaram que não prejudicava o lote (MIRANDA, 2008).

Os que percebiam tais benefícios ressaltaram a importância da floresta na manutenção da qualidade dos solos, o que pode ser apreendido pela afirmativa de alguns agricultores de que a floresta "mantém a umidade do solo". A visão da floresta como ecossistema benéfico para o desenvolvimento de atividades de cultivo é reforçada com a afirmativa de que "é melhor plantar no meio da mata", ou "a floresta é a saúde do lote".

Os agricultores tinham dificuldade em perceber os benefícios não ligados às atividades que não lhes traziam rentabilidade direta, mas que atuavam na produção de outros serviços ambientais fundamentais, porém não percebidos como ganhos imediatos. A associação do valor dos recursos madeireiros, geralmente, estava relacionada pelo agricultor como benefícios financeiros que a área de preservação não poderia trazer pela impossibilidade de manejo dos recursos madeireiros ali existentes.

3.1. Usos dos Recursos Naturais e Florestais

As atividades florestais representam papel importante no uso dos seus recursos pelos homens do campo, sejam os pequenos produtores, sejam as populações tradicionais.

Para entender como eram mobilizados os recursos florestais, diferentes aspectos foram recortados, de forma a quantificar e qualificar tais recursos. Utilizaram-se diferentes critérios, como a diversificação e qualificação das atividades desenvolvidas e os graus de utilização dos recursos florestais.

Entre os entrevistados, 39,6% admitiram utilizar pelo menos um produto florestal, 34,9% manejavam dois produtos florestais, 18,6% disseram não desenvolver nenhuma atividade relacionada ao universo florestal e, por último, apenas 7,0% dos entrevistados afirmaram manejar três produtos florestais (Tabela 3). Entre as muitas possibilidades de uso, o desenvolvimento máximo de três atividades pelos agricultores representa aqueles que fazem "maior" utilização desses recursos.

Outro importante aspecto é que, das seis principais atividades desenvolvidas de caráter florestal, 56,6% dos assentados utilizavam somente os produtos madeiráveis da floresta. Foram detectadas as proporções de carvão (41,8%), madeira (56,6%), venda dos tocos (9,3%) e outras atividades de porte não madeireiro, como a produção de óleo essencial (32,6%), seguidos de alguns indivíduos isolados que desenvolvem atividades apicultoras (6,9%) e da coleta de sementes nas áreas nativas para produção de mudas (2,3%) (Tabela 4).

No que se refere ao grau de utilização dos recursos florestais do Vergel, os indivíduos da amostra foram divididos em categorias segundo o tipo de uso que faziam desses recursos: 0 - não utilizava recurso florestal; 1 - importava, comprava ou ganhava; 2 - usava apenas para consumo; 3 - utilizava para obtenção de renda esporádica; e 4 - utilizava para obtenção de renda constante.

Foram feitos cruzamentos dos graus de utilização com os números de atividades com que empregavam os recursos florestais para obter a indicação do interesse dos assentados e da intensidade com que usavam esses fatores na sua produção e reprodução socioeconômica.

No primeiro grupo (Tabela 5), foram analisados os agricultores que desenvolviam um tipo de produto florestal (69,8%), no segundo grupo (Tabela 6) os que realizavam duas atividades florestais, representados por 23,5% da população entrevistada; e, por último (Tabela 7), os que desenvolviam três atividades florestais com apenas 2,3% da população.

3.2. Caracterização da utilização dos produtos florestais no assentamento

As atividades florestais presentes no assentamento do Vergel foram caracterizadas descrevendo-se suas formas de utilização, porém deparou-se com dificuldades na obtenção dessas informações, devido à situação não regularizada da exploração de atividades florestais provenientes de recursos da madeira residual pertencente ao antigo Horto Florestal.

É sabido que esse assentamento foi proveniente de áreas plantadas com reflorestamento de eucalipto pertencentes às Ferrovias Paulistas S. A. (FEPASA). As terras foram desapropriadas para fins de reforma agrária e passaram para a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" (ITESP), órgão responsável pelo gerenciamento do assentamento Vergel, ligado à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo. Até o momento da pesquisa, a madeira que se encontrava nos lotes não podia ser utilizada pelos agricultores, pois pertenciam ao Itesp (ITESP, 2006).

No entanto, o uso de produtos como o carvão e a madeira e a própria venda dos tocos permeavam essa ilegalidade, e isso era prática corrente e importante na reprodução social e econômica dessa comunidade.

3.2.1. Carvão

O carvão vegetal é produzido a partir da carbonização da lenha e, no Brasil, é ainda amplamente utilizado como fonte energética. Na transformação da lenha em carvão, no caso do Vergel têm sido utilizados tocos provenientes da destoca das áreas, sendo praticada de forma tradicional em fornos de alvenaria com ciclos de aquecimento e resfriamento que duravam vários dias. O rendimento em relação à lenha seca era de 25% nesses fornos.

Entre os 20 entrevistados que afirmaram desenvolver, ou terem desenvolvido, alguma atividade relativa ao carvão, 10% disseram não trabalhar mais com isso há três anos, ocasião em que foi feita a proibição pelo Itesp e houve a derrubada dos fornos. Outros 10% usavam o carvão apenas como meio de subsistência.

Grande problema associado à produção do carvão vegetal encontrava-se nas condições de trabalho, geralmente insalubres e muito pouco remuneradas. Essas situações são expressas na fala de um dos agricultores entrevistados: "Tenho dificuldade de trabalhar com carvão, por isso não faço mais do que oito fornadas ao ano" (MIRANDA, 2008).

Ademais, essa prática reforça o uso de exploração predatória e de desqualificação dos recursos naturais. A busca de alternativas energéticas e de renda que substitua esse manejo são demandas urgentes não só no Vergel como também em todo o Brasil, mesmo sendo realidade em outros países (CAMARGO, 2006).

Através das entrevistas, foi ainda possível inferir os valores médios das receitas com o carvão, considerando-se como referência a relação de um forno, ou fornada, produzindo 900 kg. O preço médio do quilo de carvão foi informado como R$0,50; logo, a renda média por fornada foi estimada em torno de R$450,00.

A exploração do carvão possui papel importante na obtenção de renda no Vergel, pois se pôde observar que 27,8% obtinham receitas esporádicas e 72,3%, renda constante e significativa, com valores variando de R$200,01 a R$1.600,00 mensais, dados representativos para 13 agricultores, ou seja, cerca de 30% da população amostrada.

A partir de dados coletados durante as entrevistas e considerando que a renda média anual dos lotes era de R$5.155,00, chega-se a uma estimativa de obtenção de renda mensal, a partir do carvão, de aproximadamente R$428,58 (Tabela 8).

3.2.2. Madeira

A madeira é um produto de extrema importância para o agricultor, pois através dela é possível a construção de benfeitorias e o consumo para fins energéticos. Foram identificados no assentamento a origem e os tipos de uso que os agricultores estabeleciam com o recurso madeireiro, segundo sua finalidade, como comercial (com a venda para obtenção de renda); apenas de consumo (para utilização em benfeitorias e lenha dentro do próprio lote); ou, então, enquanto um recurso de origem externa (comprando ou ganhando para utilização no lote).

Vinte e três entrevistados (53,5% da amostra) afirmaram utilizar o bem madeireiro, e a grande maioria (43,5%) usava a madeira apenas para consumo na localidade. Tiveram que importar esse recurso 34,8% da população, e apenas 21,7% comercializaram o recurso madeireiro (Tabela 9). O consumo variou de 20 a 200 toras ao ano para diversos fins, como benfeitorias, lenha e mourões.

3.2.3. Óleo essencial

O óleo essencial caracteriza-se como um dos produtos florestais não madeireiros e é obtido pela destilação simples em arraste com vapor d'água. O aproveitamento das folhas não interfere em nenhum outro componente da árvore, viabilizando o uso múltiplo da espécie, que se associa às outras produções viáveis a partir da madeira. A biomassa gerada pode ser reaproveitada como adubo ou como fontes de energia para geração de vapor. Essa alternativa permite rentabilidade ao agricultor desde o primeiro ano de desenvolvimento da atividade florestal (BRITO, 2002).

Como no Horto Vergel foi instalado, no início do assentamento, um extrator/processador de óleo das folhas de eucalipto, como alternativa de receita, alguns agricultores, hoje em dia, ainda se utilizam dessa atividade para incrementar a renda familiar. A existência da destilaria no Horto Vergel, como transformador da matéria-prima, é um fator estimulante ao desenvolvimento desse setor entre os produtos do assentamento.

Foram 14 entrevistados, representando 32,6% da amostra que declararam desenvolver atividades relacionadas à produção de óleo essencial. Desse porcentual, 35,7% apontou a venda de folhas para a produção no último ano, 50% desenvolveu atividades no passado e um teve interesse em desenvolvê-la no futuro. Apenas um entrevistado declarou trabalhar com o corte de folhas (Tabela 10).

3.2.4. Uso e venda dos tocos

Entre os entrevistados, somente quatro (9,3%) realizaram a venda dos tocos. Esse produto não demonstrou ser atividade de interesse econômico para os assentados, que preferiam utilizar essa matéria-prima na produção de carvão por ser mais rentável quando comparado com a venda do toco simples. As rendas dos agricultores que venderam esse recurso variaram de R$100,00 a R$400,00 e, em caso isolado, apresentaram cerca de R$800,00.

3.2.5. Mel

A apicultura é uma atividade complementar economicamente interessante e perfeitamente acoplada às florestas e agroflorestas. Possibilita a geração de renda pela produção de mel, cera e própolis e não concorre com outros produtos, nem compromete o desenvolvimento das árvores; ao contrário, insere-se como mais um benefício ambiental no quesito diversidade (SBS, 2006).

Apenas três entrevistados desenvolveram atividades apícolas. Um deles produziu pequena quantidade para o consumo, cerca de 5 kg, em duas caixas coletoras de mel. Os outros dois produtores possuíam 16 e 20 caixas, respectivamente, e apenas o último informou a respeito da produção, que foi de 250 kg no ano anterior. O preço alcançado pelo quilo de mel foi de R$10,00.

Por essas declarações, pode-se perceber que houve geração de renda importante e que o mel é um produto a ser fortemente considerado na produção em consórcio agroflorestal ou florestal, necessitando, porém, de investimento em capacitação técnica e aptidão pessoal para o desenvolvimento a contento dessa atividade.

3.2.6. Sementes para mudas

Apenas um agricultor (2,3%) afirmou interesse nas coletas de sementes e produção de mudas e foi o único entrevistado que desenvolveu esse tipo de prática, utilizando sua pequena produção para reflorestar o lote. Essa atividade é considerada de extrema importância, pois requer o conhecimento das espécies e respectivos períodos de frutificação, o que aproxima o agricultor das questões ambientais, e desenvolvimento da espécie. Com essa ação direta, esse indivíduo demonstrou, na prática, maior preocupação em relação aos demais, para ativar os processos de recuperação do local.

4. CONCLUSÃO

Observou-se, pelos resultados, que a grande maioria dos agricultores do assentamento 12 de Outubro (81,4%) utilizava recursos florestais em alguma escala, embora esse uso não seja feito da forma mais apropriada. Essa forma de manejo não sustentada certamente levará a exaustão desses recursos.

Esses recursos foram mobilizados para a produção de carvão, madeira, venda de tocos de eucalipto, produção de óleo essencial e muito pouco de atividades apicultoras e coleta de sementes para produção de mudas, o que indica uma utilização aquém do potencial desses recursos. Além disso, detectou-se ser essa exploração de caráter imediatista, o que não permite manejo sustentável de longo prazo.

Os recursos florestais, de modo geral, são vistos como coadjuvantes entre as possibilidades de utilização potencial para a permanência no lote, isso quando não são considerados antagônicos à continuação na terra. No Assentamento 12 de Outubro, o uso desses recursos ainda é feito de forma indevida e com baixo aproveitamento.

A diversificação das atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares confere a eles maior estabilidade econômica e melhores condições de reprodução social, sendo considerada a base da sua permanência na terra. Dentro dessas atividades, o recurso florestal parece como importante elemento de geração de renda, apesar da sua utilização sem manejos sustentáveis e de caráter extrativista.

Em um momento em que as preocupações com recomposição e restauração das áreas de preservação e reservas legais são urgentes, surgem possibilidades de desenvolvimento de nichos de produtos florestais e de futuros pagamentos pelos serviços ambientais com a oferta de produtos possibilitados pela preservação, conforme declaração de 83,7% dos agricultores sobre as florestas naturais consideradas áreas que não atrapalhavam a produção agrícola.

A disseminação das políticas públicas já instituídas abre possibilidades e cria alternativas para o agricultor, por isso deve ser tomada como meta pelos órgãos governamentais responsáveis pela produção florestal e pelo meio ambiente. Identificou-se ainda, no assentamento Horto Vergel, a necessidade do restabelecimento da relação homem do campo e meio ambiente na direção de consolidar as atividades florestais como alternativas sólidas e urgentes para a reprodução social, econômica e ambiental dessa comunidade.

5. REFERÊNCIAS

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  • BRITO, J. O. Goma-Resina de Pinus e óleos essenciais de eucalipto: destaques na Área de Produtos Florestais Não-Madeireiros. IPEF. Publicação 03 de set. 2002. Disponível em: <http://www.ipef.br/tecprodutos/gomaeoleos.asp> Acesso em dez. 2007.
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  • ITESP. Plano de desenvolvimento sustentável do Assentamento PDA Horto Florestal de Vergel, Mogi-Mirim, SP Versão preliminar. Março, 2006 (Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp. Diretoria Adjunta de Políticas de Desenvolvimento).
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  • RICHARDSON, R. J.. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3.ed. São Paulo: Atlas. 1999. 334p.
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  • 1
    Recebido em 07.09.2008 e aceito para publicação em 23.06.2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Jun 2009
    • Recebido
      07 Set 2008
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