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Diagnóstico precoce do câncer de pulmão

Editorial

Diagnóstico precoce do câncer de pulmão

Klaus L. Irion

(E-mail: irion@irionradiologia.com.br)

É preciso mudar o destino do paciente com carcinoma brônquico. Existe alguma alternativa além do diagnóstico precoce e de não fumar?

Nos moldes atualmente recomendados, o diagnóstico de carcinoma brônquico é feito ao acaso ou pela identificação de algum de seus sintomas clínicos (sempre tardio). Em conseqüência disto, um portador da doença tem cerca de 15% de chance de estar vivo cinco anos após o diagnóstico. Os restantes 85% lutam pela sobrevivência, experimentam uma qualidade de vida infernal, mas não chegam a viver esses escassos cinco anos. Isto não mais ocorre no câncer de próstata, de mama ou colo-retal. Nos dias de hoje, estes três cânceres agrupados matam menos que o câncer de pulmão isoladamente. Também nos dias de hoje o diagnóstico destas três neoplasias é feito por técnicas que buscam identificá-las precocemente, ainda em fase subclínica. Ao contrário, a busca pelo diagnóstico precoce do câncer de pulmão não é recomendada, em função de três famosos estudos da década de 70, que concluíram que rastreamento com radiograma de tórax, associado ou não à citologia de escarro, não modificava a mortalidade dos pacientes com carcinoma brônquico.

Depois da introdução da tomografia computadorizada helicoidal (TCH), poucos anos atrás, vários importantes centros de diagnóstico por imagem, inclusive alguns daqueles envolvidos nos três estudos referidos anteriormente, passaram a avaliar o emprego da TCH como uma alternativa para modificar este quadro de absoluta desesperança no que se refere ao diagnóstico e tratamento do carcinoma brônquico. O Projeto Internacional de Ação no Câncer Precoce de Pulmão ("International Early Lung Cancer Action Project" – I-ELCAP) é um dos mais importantes e sérios projetos que vêm sendo desenvolvidos para tentar reverter esta atitude contemplativa de esperar que o acaso ou alguma das manifestações clínicas diagnostique carcinoma brônquico ainda em fase de tratamento com vistas à cura.

Já está estabelecido que a TCH de baixa dose é muito superior ao radiograma de tórax na detecção de nódulo pulmonar, em que mais de 50% dos nódulos menores que 2 cm deixam de ser identificados. Nestes novos projetos, realizados pela Cornell University, Mayo Clinic e outros importantes centros de referência, estão sendo utilizadas TCH e citologia de escarro. Associadas, permitem modificar completamente a proporção entre doença diagnosticada em fase de tratamento cirúrgico e doença diagnosticada em estágio avançado, em que o tratamento é, em geral, apenas paliativo. Nos pacientes desses estudos, 63% dos carcinomas brônquicos detectados encontram-se em estágio I e 83% encontram-se em estágio IIA ou menor. Isto significa que todos eles teriam chance de se submeter à cirurgia potencialmente curativa. Se considerados verdadeiros os conhecimentos atuais sobre carcinoma brônquico e estadiamento TNM, é óbvio que ocorrerá uma mudança na sobrevida em cinco anos, passando dos atuais 15% para mais de 50%, talvez até mesmo mais de 70%.

O que acontecerá com a mortalidade? Ainda não se sabe ao certo. Afirma-se que sobrevida não é importante para avaliar eficácia de técnica de rastreamento e que mortalidade é o parâmetro ideal para esta finalidade. Claudia Henschke e outros pesquisadores do I-ELCAP afirmam que, para utilizar o parâmetro mortalidade, o tempo de seguimento do grupo controle e do grupo submetido ao rastreamento teria que ser muito maior que o geralmente utilizado para medir a sobrevida. Ao reavaliar os três grandes estudos de rastreamento do carcinoma brônquico da década de 70, verificaram que a projeção das linhas de tendência da mortalidade do grupo controle e do grupo rastreado por um período de tempo maior mostra uma diferença significativa, sugerindo menor mortalidade nos pacientes submetidos ao rastreamento. Esta observação é importante sob dois aspectos principais: 1 – é possível que não esteja correta a idéia de que rastreamento de carcinoma brônquico por raios-X de tórax e citologia de escarro não modifique a mortalidade; 2 – seria correto esperar pelo menos mais dez ou quinze anos antes de se recomendar o rastreamento por TCH e citologia, até que os efeitos do rastreamento pudessem ser realmente medidos pela mortalidade, sabendo-se que os efeitos sobre a sobrevida indicam eficácia?

Mesmo que, se por milagre, todas as pessoas parassem hoje de fumar, durante os próximos vinte anos ainda teríamos uma multidão morrendo de câncer de pulmão. Além das campanhas contra o tabagismo, alguma coisa tem que ser feita. Prova disto é o recente estudo apresentado pela Mayo Clinic, em que num grupo de 520 pacientes tabagistas ou ex-tabagistas foram detectados 40 cânceres de pulmão. Destes, 40% eram ex-fumantes, ou seja, haviam parado de fumar há mais de dez anos.

De acordo com os dados apresentados pelo grupo do I-ELCAP, só nos Estados Unidos, aproximadamente 170 mil pessoas morrem a cada ano de câncer de pulmão. Em termos mundiais, estima-se que mais um milhão de novos casos de carcinoma brônquico tenham sido detectados só no ano de 1990. Assim sendo, aqueles que propõem que se espere pelos resultados conclusivos sobre redução da mortalidade, devem ter consciência e responsabilidade sobre o número de mortes precoces que poderiam vir a ser evitadas se houvesse uma recomendação imediata para a busca pelo diagnóstico precoce do carcinoma brônquico, com os únicos recursos atualmente disponíveis. A resposta para estas questões só virá daqui a muitos anos, provavelmente com os resultados de um estudo que estará sendo iniciado dentro de poucos meses nos Estados Unidos, multicêntrico, randomizado, abrangendo 50 mil norte-americanos, com repetição anual.

Há também que se considerar a possibilidade de que o rastreamento levaria a diagnóstico excessivo, com identificação de carcinomas que eventualmente nunca se manifestariam clinicamente, nem seriam responsáveis pela morte do paciente. Seriam detectados mais cânceres pequenos, porém sem alteração no número de cânceres em estágio mais avançado. Isto poderia levar a uma melhoria na sobrevida, mas não reduziria a mortalidade. Ao contrário, intercorrências do tratamento poderiam até mesmo aumentar a mortalidade. Esta preocupação pode até ser válida para outras neoplasias, mas no caso do carcinoma brônquico, responsável por mais de um milhão de mortes por ano em todo o mundo, o que temos que resolver primeiro, e que já está provado, é a falta de diagnóstico quando ainda se possa oferecer uma possibilidade terapêutica eficaz. Não parece lógico deixar que especulações a respeito desta eventual e remota possibilidade impeçam ou retardem, à custa de milhões de vidas, a indicação da única alternativa que aparentemente possa vir a resolver um problema real, presente, desta magnitude.

Em relação ao custo, alguns dados devem ser suficientes para justificar a viabilidade desta ação: a) o SUS paga R$ 136,40 por uma tomografia computadorizada de tórax, ou seja, aproximadamente o que um fumante gasta em cigarros (dos mais baratos) a cada três meses para fumar uma carteira por dia. Isto representa que, a cada ano, o fumante deveria gastar só 25% do que despende para destruir sua saúde, numa tentativa de minimizar uma de suas complicações tardias, ou seja, uma pequena parte do imposto já atualmente embutido no seu preço; b) conforme os dados apresentados por Henschke, o custo com rastreamento por TCH de tórax, para garantir a sobrevida em cinco anos de um paciente com carcinoma brônquico, é dez vezes menor que o gasto para cada vida salva com o rastreamento por mamografia.

Porém, alguns fatos contrários à imediata utilização do rastreamento do carcinoma brônquico têm que ser solucionados antes que a técnica seja oferecida aos fumantes pesados. Ainda não há uma preparação adequada da maioria dos radiologistas, nem dos clínicos e cirurgiões, que devem mudar sua mentalidade frente ao nódulo pulmonar solitário. Um treinamento específico intenso é necessário antes que o radiologista passe a efetuar TCH com esta finalidade. As equipes de rastreamento devem ser multidisciplinares. No nosso entender, compostas por radiologistas, pneumologistas, cirurgiões torácicos, citologistas, anatomopatologistas, psiquiatras, bioestatísticos, entre outros. Cada equipe deve estar afinada em termos de indicações de conduta. É preciso estar consciente de que a imensa maioria dos nódulos pulmonares detectados corresponde a lesão benigna, sem relevância clínica ou diagnóstica. Estamos falando que mais de 95% são nódulos benignos. É preciso segurar nosso ímpeto intervencionista que nos levaria a cometer inúmeras iatrogenias e certamente contribuindo para uma falência inadequada, indevida, desta promissora ferramenta no diagnóstico precoce do carcinoma brônquico. A conduta frente ao nódulo pulmonar identificado no rastreamento populacional deve ser padronizada, seguindo o que preconizam os grupos que compõem o I-ELCAP. Nossos primeiros passos neste sentido já foram dados. Juntamente com o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, criamos um braço brasileiro do I-ELCAP. Este está em fase de organização e estará, em breve, à disposição de todos os interessados em participar. O objetivo é iniciar no passo certo, visando a uma padronização e a um controle de qualidade desde a implantação do rastreamento.

É preciso lembrar, também, que provavelmente não estejamos propriamente falando de rastreamento populacional; afinal, o tabagismo já é um sintoma da doença. São raras as doenças que têm um sintoma tão objetivo em quase 100% dos casos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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