Resumos
Relatamos o caso de uma paciente idosa avaliada por apresentar dispneia e dor na borda costal direita, em que a radiografia de tórax demonstrou opacidade simulando lesão pulmonar e a tomografia computadorizada revelou ser de origem vascular. A síndrome aórtica aguda por ulceração de placa ateromatosa, penetrando através da lâmina elástica, associada a hematoma aórtico e aneurisma constitui importante diagnóstico diferencial nesses casos.
Aorta; Arco aórtico; Tomografia computadorizada
The authors report the case of an elderly woman assessed for dyspnea and right costal margin pain, whose chest radiography demonstrated opacity simulating pulmonary lesion, and computed tomography revealed the vascular origin of the condition. Acute aortic syndrome due to ruptured atheromatous plaque penetrating through the elastic lamina in association with aortic hematoma and aneurysm is a relevant differential diagnosis to be considered in these cases.
Aorta; Aortic arch; Computed tomography
INTRODUÇÃO
Descrita pela primeira vez em 1934(1), a úlcera penetrante de aorta (UPA) foi caracterizada como entidade clínica e patológica apenas em 1986(2), explicando, juntamente com sua relativa raridade, o motivo do grande desconhecimento acerca dessa doença. É causada por uma placa ateromatosa que ulcera e penetra através da lâmina elástica, adentrando a média, associada a hematoma na parede aórtica. Faz parte da síndrome aórtica aguda (SAA), juntamente com a dissecção aórtica, o hematoma intramural e a rotura traumática de aorta, que podem apresentar manifestações clínicas semelhantes, traduzindo ainda mais a importância do diagnóstico radiológico rápido e preciso(2,3).
RELATO DO CASO
Mulher de 76 anos, dirigiu-se à emergência de um hospital universitário com queixa de dispneia associada a dor na borda costal direita, com uma semana de duração e de início súbito. A sua história médica era significativa por insuficiência cardíaca secundária a hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) do tipo enfisema e tabagismo pesado. Ao exame físico apresentava discreta cianose perioral, sibilos expiratórios difusos e crepitantes no terço inferior do tórax, bilateralmente, sem outras alterações dignas de nota. A curva de enzimas cardíacas foi normal e o eletrocardiograma indicou hipertrofia de ventrículo esquerdo, sem outras anormalidades.
Radiografia frontal do tórax, realizada em decúbito dorsal, demonstrou opacidade na projeção do lobo superior esquerdo, adjacente à crossa da aorta, a qual se encontrava alongada e sinuosa, com aumento da área cardíaca, infiltração intersticial difusa e bilateral, e micronódulos calcificados residuais (Figura 1).
Radiografia frontal do tórax demonstrando opacidade no lobo superior esquerdo, adjacente à crossa da aorta (seta).
Foi realizada tomografia computadorizada com sequências sem e com meio de contraste intravenoso, que revelou placas de ateroma calcificadas e dilatação focal de 2,6 cm de diâmetro na face posterolateral do arco aórtico, preenchida por contraste e em comunicação com a luz da aorta, associada a hematoma subintimal, compatível com UPA (Figuras 2, 3 e 4).
Tomografia contrastada, fase pré-contraste, mostrando dilatação sacular de 2,6 cm de diâmetro na face posterolateral do arco aórtico associada a hematoma subintimal (seta). Corte axial.
Tomografia contrastada, fase arterial, mostrando dilatação sacular de 2,6 cm de diâmetro na face posterolateral do arco aórtico (seta), preenchida por contraste e em comunicação com a luz da aorta, associada a hematoma subintimal. Corte axial.
Tomografia contrastada, fase arterial, mostrando dilatação sacular de 2,6 cm de diâmetro na face posterolateral do arco aórtico (seta), preenchida por contraste e em comunicação com a luz da aorta, associada a hematoma subintimal. Corte coronal.
Em razão da condição clínica e do risco cirúrgico proibitivo, foi optado pelo manejo clínico em acordo com a família e a paciente. Foi estabelecida a meta de no máximo 120 mmHg de pressão sistólica e foram manejadas as comorbidades, com ênfase na estabilização da DPOC. Até o presente momento, a 70 dias do primeiro atendimento, a paciente encontra-se assintomática do ponto de vista cardiovascular, sem sinais de progressão da lesão.
DISCUSSÃO
Sendo bem menos frequente que a dissecção (70%) e o hematoma intramural (20%), a UPA corresponde a 5% das SAAs. Usualmente, compromete a aorta descendente e, raramente, o arco aórtico (0,1% das SAAs)(3-6).
A UPA acomete pacientes com aterosclerose avançada, principalmente idosos e hipertensos. No início, a lesão é assintomática, uma ulceração do ateroma restrita à íntima. Após, a úlcera se aprofunda, penetrando através da lâmina elástica e se imbricando na média, com diversos graus de hematoma estendendo-se por esta. O grau de distensão e o enfraquecimento da parede impostos pelo hematoma podem levar à formação de aneurisma sacular e ruptura(3,4).
A tomografia computadorizada com meio de contraste é o exame diagnóstico de escolha para a maioria dos casos. Os achados incluem lesão focal com hematoma subintimal, localizada abaixo de uma íntima muitas vezes calcificada e deslocada internamente. Associa-se, frequentemente, a espessamento ou captação de meio de contraste na parede aórtica, dando o aspecto de uma lesão agressiva(3). Apesar da menor sensibilidade para lesões pequenas, este exame não deixa a desejar, uma vez que pode diagnosticar eventuais doenças extraluminais, e a angiotomografia complementa a avaliação das anormalidades murais(7). Ecocardiografia transesofágica tem sido usada com sucesso, sendo altamente sensível e específica no diagnóstico diferencial da doença aórtica(7). Raramente, múltiplas úlceras podem ser encontradas(3).
Existem poucos dados sobre sua história natural. Entretanto, alguns autores sugerem um prognóstico pior que a dissecção aórtica(2,4), com séries relatando até 40% de ruptura(3). Seu manejo permanece controverso. Na presença de expansão do hematoma intramural, sinais de ruptura iminente e instabilidade hemodinâmica, a intervenção cirúrgica é recomendada(3). A dor parece ser a variável clínica mais importante nessa avaliação(2).
Atualmente, é preferido o tratamento endovascular com endoprótese, que é menos invasivo que o reparo aberto(8). Pode ser usado mesmo na ruptura aórtica e apresenta menor morbidade e mortalidade(4). Entretanto, o tratamento endovascular da aorta ascendente e crossa muitas vezes não é possível em razão de dificuldades técnicas. Nesses casos, o procedimento cirúrgico é a escolha(2). Dado que a doença muitas vezes segue curso benigno, a intervenção imediata nem sempre é necessária(9).
Descrevemos um caso de lesão que, à radiografia convencional, simulava afecção pulmonar. O prosseguimento da investigação, com tomografia, foi fundamental para o diagnóstico e para orientar a devida conduta clínica.
REFERÊNCIAS
- 1Shennan T. Dissecting aneurysms. Medical Research Council Special Report Series No. 193. London: His Majesty's Stationary Office; 1934.
- 2Stanson AW, Kazmier FJ, Hollier LH, et al. Penetrating atherosclerotic ulcers of the thoracic aorta: natural history and clinicopathologic correlations. Ann Vasc Surg. 1986;1:15-23.
- 3Hayashi H, Matsuoka Y, Sakamoto I, et al. Penetrating atherosclerotic ulcer of the aorta: imaging features and disease concept. Radiographics. 2000;20:995-1005.
- 4Piffaretti G, Tozzi M, Lomazzi C, et al. Endovascular repair of abdominal infrarenal penetrating aortic ulcers: a prospective observational study. Int J Surg. 2007;5:172-5.
- 5Girela A, Barbosa F, Quiroga J. Treatment of penetrating aortic ulcer involving the aortic arch associated with lesion of the left main coronary artery. Rev Arg Cardiol. 2012;80:405-13.
- 6Wells CM, Subramaniam K. Acute aortic syndrome. In: Subramaniam K, Park KW, Subramaniam B, editors. Anesthesia and perioperative care for aortic surgery. New York: Springer; 2011. p. 17-36.
- 7Sommer T, Fehske W, Holzknecht N, et al. Aortic dissection: a comparative study of diagnosis with spiral CT, multiplanar transesophageal echocardiography, and MR imaging. Radiology. 1996;199:347-52.
- 8Novero ER, Metzger PB, Obregon J, et al. Tratamento endovascular das doenças da aorta torácica: análise dos resultados de um centro. Radiol Bras. 2012;45:251-8.
- 9Harris JA, Bis KG, Glover JL, et al. Penetrating atherosclerotic ulcers of the aorta. J Vasc Surg. 1994;19:90-9.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2014
Histórico
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Recebido
14 Jun 2013 -
Aceito
25 Out 2013