Open-access Ressonância magnética sem contraste na estratificação de risco de massas anexiais indeterminadas: solução viável diante de limitações clínicas?

A avaliação de massas anexiais permanece um desafio clínico relevante, especialmente diante da possibilidade de malignidade. O câncer de ovário, ainda hoje o tumor ginecológico mais letal, frequentemente apresenta sintomas inespecíficos ou ausentes em fases iniciais, resultando em diagnóstico tardio e pior prognóstico(1). Nesse contexto, a estratificação precisa do risco de malignidade é fundamental para orientar condutas, evitar cirurgias desnecessárias e priorizar pacientes de maior risco. A ultrassonografia transvaginal, como método de triagem de primeira linha, é altamente sensível para caracterização de muitas lesões ovarianas e, muitas vezes, o único método necessário. No entanto, até 25% das massas permanecem indeterminadas na ultrassonografia, e a ressonância magnética (RM) surge como ferramenta fundamental nesses casos, especialmente quando aplicada com protocolos estruturados e respaldados por sistemas de classificação como o O-RADS MRI(2,3), aumentando a especificidade. Além disso, a opção de biópsia percutânea para tais lesões é frequentemente descartada, em razão do risco associado de disseminação de células tumorais e da possibilidade de erro de amostragem. Contudo, o uso de contraste intravenoso é uma exigência técnica do O-RADS MRI(4), o que limita sua aplicabilidade em pacientes com contraindicações ao gadolínio ou em ambientes com restrições de recursos.

O estudo conduzido por Moradi et al.(5), recentemente publicado na Radiologia Brasileira, representa uma contribuição. Os autores exploram a viabilidade diagnóstica de um protocolo de RM sem contraste para a avaliação de massas anexiais indeterminadas na ultrassonografia. Em um estudo retrospectivo multicêntrico que avaliou 336 massas em 243 pacientes, os autores demonstraram sensibilidade de 97,7%, especificidade de 86,4% e acurácia de 93,8% para a detecção de malignidade, com uma curva ROC de 0,944. O sistema de escore proposto baseia-se em critérios morfológicos e funcionais obtidos de sequências ponderadas em T1, T2 e difusão, com avaliação subjetiva da restrição verdadeira no ADC, com alta concordância interobservador (kappa = 0,9). No entanto, é importante destacar as limitações do estudo, como o número relativamente pequeno de casos borderline, o potencial viés de interpretação por radiologistas experientes em imagem ginecológica (o que pode comprometer a reprodutibilidade em cenários de menor experiência), a avaliação subjetiva dos achados na difusão e a ausência de critérios quantitativos, que limitam a reprodutibilidade do escore.

Os achados de Moradi et al.(5), embora preliminares, levantam uma discussão interessante e trazem implicações clínicas importantes. A literatura aponta para a necessidade crescente de estudos multicêntricos prospectivos que validem protocolos de RM sem contraste em contextos em que o contraste não pode ser utilizado. Essa abordagem é especialmente relevante para pacientes com contraindicação ao gadolínio e representa uma estratégia para otimizar o tempo de exame e os recursos em serviços com alta demanda. De maneira semelhante, a ausência do útero por cirurgia pode impactar a aplicação do O-RADS MRI, porque o sistema utiliza a comparação do realce da lesão com o miométrio como referência para avaliação do padrão de realce, em exames com contraste. Sem essa referência anatômica, a curva de baixo risco pode ser reconhecida pela sua morfologia de realce progressivo sem platô, mas as curvas de riscos intermediário e alto não podem ser distinguidas. Esta é mais uma situação em que seria interessante uma alternativa à avaliação pós-contraste.

É preciso ter cautela ao interpretar tumores borderline e massas com características mistas, que podem ser subestimadas sem sequências dinâmicas com contraste O estudo de Moradi et al.(5) reforça a relevância da difusão na avaliação pélvica, mas também ressalta que o olhar interpretativo precisa ser contextualizado com os demais achados da imagem e a história clínica. A ultrassonografia é hoje uma ferramenta que não pode ser desprezada, e poderia ser complementar em um protocolo de RM sem contraste, para melhor caracterização das lesões anexiais. O futuro da avaliação de massas anexiais parece caminhar para protocolos personalizados, que considerem não apenas a técnica ideal, mas também o perfil do paciente, a experiência local e os recursos disponíveis.

Estudos multicêntricos prospectivos, com aplicação do escore por radiologistas com diferentes níveis de experiência, são necessários para validar amplamente a proposta. Além disso, a incorporação de ferramentas quantitativas e inteligência artificial pode ampliar a acurácia e a padronização da abordagem não contrastada.

Diante da constante evolução da imagem ginecológica, o trabalho de Moradi et al. se soma aos esforços internacionais por uma radiologia mais acessível, segura e centrada no paciente, sem abrir mão da acurácia diagnóstica, tentando buscar alternativas aos padrões tradicionais consolidados na literatura.

Referências bibliográficas

  • 1 Andreotti RF, Timmerman D, Strachowski LM, et al. O-RADS US risk stratification and management system: a consensus guideline from the ACR Ovarian-Adnexal Reporting and Data System Committee. Radiology. 2020;294:168-85.
  • 2 Reinhold C, Rockall A, Sadowski EA, et al. Ovarian-adnexal reporting lexicon for MRI: a white paper of the ACR Ovarian-Adnexal Reporting and Data Systems MRI Committee. J Am Coll Radiol. 2021;18:713-29.
  • 3 Sadowski EA, Paroder V, Patel-Lippmann K, et al. Indeterminate adnexal cysts at US: prevalence and characteristics of ovarian cancer. Radiology. 2018;287:1041-9.
  • 4 Thomassin-Naggara I, Dabi Y, Florin M, et al. O-RADS MRI SCORE: an essential first-step tool for the characterization of adnexal masses. J Magn Reson Imaging. 2023;59:720-36.
  • 5 Moradi B, Aghasi M, Rahmani M, et al. Unenhanced magnetic resonance imaging for the evaluation of sonographically indeterminate ovarian and adnexal masses. Radiol Bras. 2025;58:e20240032.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025
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