Pneumonite por hipersensibilidade engloba um conjunto de doenças de acometimento pulmonar com predomínio dos achados histopatológicos (infiltrado inflamatório linfocitário, granulomas não caseosos e focos de bronquiolite obliterante, além de fibrose nas fases mais crônicas)(11 Selman M, Pardo A, King TE Jr. Hypersensitivity pneumonitis: insights in diagnosis and pathobiology. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186:314-24.
2 Girard M, Lacasse Y, Cormier Y. Hypersensitivity pneumonitis. Allergy. 2009;64:322-34.-33 Rubin AS, Santana ANC, Costa AN, et al. Diretrizes de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2012;38(Supl 2):S1-S133.) predominantemente distribuídos em torno das pequenas vias aéreas, conforme demonstrado no excelente artigo de correlação publicado por Torres et al.(44 Torres PPTS, Moreira MAR, Silva DGST, et al. Aspectos tomográficos e histopatológicos da pneumonite por hipersensibilidade: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2016;49:112-6.) neste número da Radiologia Brasileira. Esta localização dos achados reflete resposta à inalação repetida de diversas substâncias antigênicas, usualmente orgânicas, como fungos, bactérias termofílicas e penas de pássaros(11 Selman M, Pardo A, King TE Jr. Hypersensitivity pneumonitis: insights in diagnosis and pathobiology. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186:314-24.,22 Girard M, Lacasse Y, Cormier Y. Hypersensitivity pneumonitis. Allergy. 2009;64:322-34.). Pulmão do fazendeiro e pulmão dos criadores de pássaros são formas consagradas de pneumonite por hipersensibilidade, no entanto, a cada dia novas e curiosas exposições são descritas, como o pulmão do saxofonista, que ocorre com a exposição a fungos residentes no bocal deste instrumento.
Clinicamente, a doença pode se apresentar nas formas aguda, subaguda ou crônica. Formas aguda e subaguda apresentam sintomas sistêmicos, simulando um quadro gripal ou asmático. A forma crônica ocorre nos indivíduos com maior reexposição antigênica e cursa com fibrose intersticial mais acentuada, dispneia, hipoxemia, baqueteamento digital e restrição funcional pulmonar. Esta forma geralmente está associada à falta de identificação do antígeno e inclui-se no diagnóstico diferencial com outras pneumopatias intersticiais idiopáticas(11 Selman M, Pardo A, King TE Jr. Hypersensitivity pneumonitis: insights in diagnosis and pathobiology. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186:314-24.,55 Lacasse Y, Selman M, Costabel U, et al. Classification of hypersensitivity pneumonitis: a hypothesis. Int Arch Allergy Immunol. 2009;149:161-6.), sendo muitas vezes impossível esta diferenciação, mesmo com estudo histopatológico.
Os estudos epidemiológicos internacionais de pneumonite por hipersensibilidade são muito variáveis. No Brasil, estima-se uma ocorrência de 3% a 13% entre as doenças intersticiais pulmonares(33 Rubin AS, Santana ANC, Costa AN, et al. Diretrizes de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2012;38(Supl 2):S1-S133.). Estudo realizado em São Paulo, SP, com 99 casos confirmados por biópsia pulmonar, aponta para a exposição a fungos domésticos e pássaros como agentes causadores mais frequentes(66 Bagatin E, Pereira CAC, Afiune JB. Doenças granulomatosas ocupacionais. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 1):S69-S84.). Também em nossa experiência em Santa Catarina encontramos a doença mais frequentemente ocorrendo com a exposição antigênica a fungos, com destaque para mofo domiciliar, e em criadores de pássaros.
Não existem critérios definidos para o diagnóstico da pneumonite por hipersensibilidade. Na prática, a correlação entre história clínica e funcional compatível, exposição identificada, linfocitose acentuada no lavado broncoalveolar, biópsia compatível e achados sugestivos na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax são fundamentais(11 Selman M, Pardo A, King TE Jr. Hypersensitivity pneumonitis: insights in diagnosis and pathobiology. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186:314-24.,33 Rubin AS, Santana ANC, Costa AN, et al. Diretrizes de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2012;38(Supl 2):S1-S133.,77 Lacasse Y, Selman M, Costabel U, et al. Clinical diagnosis of hypersensitivity pneumonitis. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168:952-8.).
O afastamento do antígeno é decisivo para o tratamento da pneumonite por hipersensibilidade. Alguns autores têm tentado chamar a atenção para a importância da exposição a mofo no ambiente doméstico, causa de PH certamente subestimada universalmente. Uma inspeção detalhada do ambiente é a etapa mais importante para a determinação da localização específica da exposição e para o desenvolvimento de estratégias de controle.
Desta forma, a abordagem multidisciplinar é definitiva para o diagnóstico desta doença, conforme muito bem frisado por Torres et al.(44 Torres PPTS, Moreira MAR, Silva DGST, et al. Aspectos tomográficos e histopatológicos da pneumonite por hipersensibilidade: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2016;49:112-6.), sendo fundamental a correlação entre as características clínicas, nexo causal de exposição, achados tomográficos e aspectos histopatológicos.
Neste contexto, a tomografia computadorizada exerce papel fundamental na demonstração de achados sugestivos da doença. Embora não patognomônicos, devem sugerir a possibilidade de pneumonite por hipersensibilidade no diagnóstico diferencial, e o radiologista, atento e conhecedor desses achados, deve sempre buscar história compatível de exposição respiratória. Sobretudo na fase aguda/subaguda da doença, a presença de nódulos centrolobulares em vidro fosco e o padrão de atenuação em mosaico sem redistribuição vascular devem levantar a suspeita de pneumonite por hipersensibilidade. No primeiro caso, o principal diagnóstico diferencial é com a bronquiolite respiratória dos fumantes, o que facilita o raciocínio, uma vez que a pneumonite por hipersensibilidade raramente ocorre em tabagistas. No segundo caso, o principal diagnóstico diferencial é com a pneumonia intersticial não específica, que também costuma ter associação com dados clínicos diversos da pneumonite por hipersensibilidade.
Conforme também discutido no artigo de Torres et al.(44 Torres PPTS, Moreira MAR, Silva DGST, et al. Aspectos tomográficos e histopatológicos da pneumonite por hipersensibilidade: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2016;49:112-6.), a presença de hiperinflação focal de lóbulos pulmonares secundários de permeio a alterações pulmonares difusas reforça a suspeição de pneumonite por hipersensibilidade, traduzindo bronquiolite celular ou constritiva, secundária às alterações bronquiolocêntricas. Esta é uma daquelas doenças em que o radiologista aumenta sua credibilidade junto aos colegas de outras especialidades, pois a suspeição diagnóstica pode ser feita no serviço de radiologia, a partir de um achado tomográfico sugestivo, buscando-se uma história de exposição compatível, que não raramente pode ter passado despercebida em anamnese não dirigida. Uma sugestão diagnóstica criteriosa, baseada num achado de imagem indicativo, pode fazer um radiologista famoso!
REFERENCES
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1Selman M, Pardo A, King TE Jr. Hypersensitivity pneumonitis: insights in diagnosis and pathobiology. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186:314-24.
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2Girard M, Lacasse Y, Cormier Y. Hypersensitivity pneumonitis. Allergy. 2009;64:322-34.
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3Rubin AS, Santana ANC, Costa AN, et al. Diretrizes de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2012;38(Supl 2):S1-S133.
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4Torres PPTS, Moreira MAR, Silva DGST, et al. Aspectos tomográficos e histopatológicos da pneumonite por hipersensibilidade: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2016;49:112-6.
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5Lacasse Y, Selman M, Costabel U, et al. Classification of hypersensitivity pneumonitis: a hypothesis. Int Arch Allergy Immunol. 2009;149:161-6.
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6Bagatin E, Pereira CAC, Afiune JB. Doenças granulomatosas ocupacionais. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 1):S69-S84.
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7Lacasse Y, Selman M, Costabel U, et al. Clinical diagnosis of hypersensitivity pneumonitis. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168:952-8.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2016