Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação por imagem na síndrome metabólica: além da esteatose

A síndrome metabólica é caracterizada pela associação de fatores que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular aterosclerótica e diabetes tipo 2, como obesidade visceral, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e resistência à insulina, com consequente aumento de mortalidade(11 Alberti KG, Zimmet P, Shaw J. The metabolic syndrome - a new worldwide definition. Lancet. 2005;366:1059-62.). Estima-se que esta condição afete 25% da população mundial, constituindo importante problema de saúde pública(22 Kaur J. A comprehensive review on metabolic syndrome. Cardiol Res Pract. 2014;2014:943162.). A manifestação hepática da síndrome metabólica é a esteatose(33 Ma X, Holalkere NS, Kambadakone RA, et al. Imaging-based quantification of hepatic fat: methods and clinical applications. Radiographics. 2009;29:1253-77.).

Quando relacionada à síndrome metabólica, a esteatose faz parte do espectro da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), a forma mais frequente de hepatopatia difusa. A maioria dos casos se manifesta como esteatose simples, mas até 30% evoluem para esteato-hepatite, que pode progredir para fibrose e, em 15% a 20% dos casos para cirrose, com aumento do risco de hepatocarcinoma(22 Kaur J. A comprehensive review on metabolic syndrome. Cardiol Res Pract. 2014;2014:943162.,44 Day CF? Non-alcoholic fatty liver disease: a massive problem. Clin Med (Lond.). 2011;11:176-8.,55 Idilman IS, Aniktar H, Idilman R, et al. Hepatic steatosis: quantification by proton density fat fraction with MR imaging versus liver biopsy. Radiology. 2013;267:767-75.). É provável que exista também relação causa-efeito direta da DHGNA na patogênese de doença ateromatosa(44 Day CF? Non-alcoholic fatty liver disease: a massive problem. Clin Med (Lond.). 2011;11:176-8.). O diagnóstico precoce e o monitoramento do tratamento da DHGNA são, portanto, de fundamental importância(33 Ma X, Holalkere NS, Kambadakone RA, et al. Imaging-based quantification of hepatic fat: methods and clinical applications. Radiographics. 2009;29:1253-77.).

A literatura radiológica brasileira vem, recentemente, destacando muito a importância dos exames de imagem no estudo das doenças hepáticas(66 Nascimento JHR, Soder RB, Epifanio M, et al. Accuracy of - computeraided ultrasound as compared with magnetic resonance imaging in the evaluation of non-alcoholic fatty liver disease in obese and eutrophic adolescents. Radiol Bras. 2015;48:225-32.,1111 Pedrassa BC, Rocha EL, Kierszenbaum ML, et al. Uncommon hepatic tumors: iconographic essay - Part 2. Radiol Bras. 2014;47:374-9.). Especificamente no contexto da esteatose, estudos por imagem têm importante papel, como demonstrado na pesquisa desenvolvida por Cruz et al.(1212 Cruz JF, Cruz MAF, Machado Neto J, et al. Prevalência e alterações ecográficas compatíveis com esteatose hepática em pacientes encaminhados para exame de ultrassonografia abdominal em Aracaju, SE. Radiol Bras. 2016:49:1-5), publicada neste número da Radiologia Brasileira . Neste trabalho os autores encontraram que a prevalência de esteatose hepática em pacientes referidos para realização de ultrassonografia (US) abdominal em Aracaju, Sergipe, foi 29,1% - semelhante à observada na literatura mundial -, trazendo interessante discussão sobre o assunto e demonstrando a utilidade da US na identificação inicial não invasiva de DHGNA e na graduação qualitativa da esteatose(33 Ma X, Holalkere NS, Kambadakone RA, et al. Imaging-based quantification of hepatic fat: methods and clinical applications. Radiographics. 2009;29:1253-77.,44 Day CF? Non-alcoholic fatty liver disease: a massive problem. Clin Med (Lond.). 2011;11:176-8.,66 Nascimento JHR, Soder RB, Epifanio M, et al. Accuracy of - computeraided ultrasound as compared with magnetic resonance imaging in the evaluation of non-alcoholic fatty liver disease in obese and eutrophic adolescents. Radiol Bras. 2015;48:225-32.,1212 Cruz JF, Cruz MAF, Machado Neto J, et al. Prevalência e alterações ecográficas compatíveis com esteatose hepática em pacientes encaminhados para exame de ultrassonografia abdominal em Aracaju, SE. Radiol Bras. 2016:49:1-5).

Mais importante do que a quantificação ou graduação de esteatose é a identificação de pacientes com DHGNA que evoluem ou que apresentam maior risco de desenvolver esteato-hepatite. A biópsia hepática é considerada o método de referência para este fim, porém, é uma técnica invasiva, com potencial para complicações, e que está sujeita a erros de amostragem(33 Ma X, Holalkere NS, Kambadakone RA, et al. Imaging-based quantification of hepatic fat: methods and clinical applications. Radiographics. 2009;29:1253-77.,44 Day CF? Non-alcoholic fatty liver disease: a massive problem. Clin Med (Lond.). 2011;11:176-8.,1313 Hines CD, Yu H, Shimakawa A, et al. Quantification of hepatic steatosis with 3-T MR imaging: validation in ob/ob mice. Radiology. 2010;254:119-28.,1414 Elias J Jr, Altun E, Zacks S, et al. MRI findings in nonalcoholic steatohepatitis: correlation with histopathology and clinical staging. Magn Reson Imaging. 2009;27:976-87.). Um dos maiores desafios, atualmente, é a identificação de uma forma não invasiva, precisa, prática e reprodutível que possa substituir a análise histológica. A ressonância magnética (RM) é um método bastante promissor neste contexto, em razão da sua capacidade única em extrair informações de diferentes componentes teciduais e identificar marcadores de atividade inflamatória, como depósito de ferro, edema e fibrose(1414 Elias J Jr, Altun E, Zacks S, et al. MRI findings in nonalcoholic steatohepatitis: correlation with histopathology and clinical staging. Magn Reson Imaging. 2009;27:976-87.,1515 Martí-Bonmat't L, Alberich-Bayarri A, Sánchez-González J. Overload hepatitides: quanti-qualitative analysis. Abdom Imaging. 2012;37:180-7.).

O aumento da concentração hepática de ferro, mesmo que pequeno, parece estar relacionado a resistência à insulina, aumento do risco de esteato-hepatite e desenvolvimento de hepatocarcinoma, estimulando a fibrogênese e carcinogênese(1616 Pietrangelo A. Iron in NASH, chronic liver diseases and HCC: how much iron is too much? J Hepatol. 2009;50:249-51.). A concentração de ferro hepático pode ser facilmente determinada por RM, e recentemente foram desenvolvidas sequências robustas, utilizando princípios de chemical-shift e relaxometria T2*, para calcular simultaneamente a densidade de prótons da fração de gordura (PDFF) e a concentração de ferro no parênquima hepático de forma mais precisa, com correção de fatores de viés(1313 Hines CD, Yu H, Shimakawa A, et al. Quantification of hepatic steatosis with 3-T MR imaging: validation in ob/ob mice. Radiology. 2010;254:119-28.,1515 Martí-Bonmat't L, Alberich-Bayarri A, Sánchez-González J. Overload hepatitides: quanti-qualitative analysis. Abdom Imaging. 2012;37:180-7.). Inflamação e necrose levam a edema, que pode ser identificado utilizando sequências de RM ponderadas em T2 com saturação de gordura, com potencial para graduação semiquantitativa de atividade necroinflamatória por intermédio da relação de sinal entre fígado e gordura(1515 Martí-Bonmat't L, Alberich-Bayarri A, Sánchez-González J. Overload hepatitides: quanti-qualitative analysis. Abdom Imaging. 2012;37:180-7.). A elastografia por RM é uma modalidade cada vez mais difundida que permite a avaliação de fibrose hepática com acurácia, englobando a totalidade do parênquima(1717 Cui J, Heba E, Hernandez C, et al. MRE is superior to ARFI for the diagnosis of fibrosis in patients with biopsy-proven NAFLD: a prospective study. Hepatology. 2015. [Epub ahead of print].).

A síndrome metabólica tem grande importância para radiologistas, pela capacidade que diferentes métodos de imagem têm em demonstrar alterações hepáticas em pacientes assintomáticos, e o trabalho de Cruz et al. demonstra a relevância da US no rastreamento da esteatose(1212 Cruz JF, Cruz MAF, Machado Neto J, et al. Prevalência e alterações ecográficas compatíveis com esteatose hepática em pacientes encaminhados para exame de ultrassonografia abdominal em Aracaju, SE. Radiol Bras. 2016:49:1-5). Avanços tecnológicos têm tornado a RM um método cada vez mais importante na avaliação complementar de pacientes diagnosticados com DHGNA, por sua habilidade em caracterizar biomarcadores que permitem selecionar pacientes com maior risco de desenvolvimento de esteato-hepatite e doenças cardiovasculares(1515 Martí-Bonmat't L, Alberich-Bayarri A, Sánchez-González J. Overload hepatitides: quanti-qualitative analysis. Abdom Imaging. 2012;37:180-7.). Com a validação de técnicas mais recentes e precisas para avaliação quantitativa simultânea da PDFF e da concentração de ferro, e sequências que permitem identificar atividade necroinflamatória e fibrose, o método promete ser one-stop-shop na avaliação de hepatopatias difusas e ter importante impacto no manejo desses pacientes.

REFERENCES

  • 1
    Alberti KG, Zimmet P, Shaw J. The metabolic syndrome - a new worldwide definition. Lancet. 2005;366:1059-62.
  • 2
    Kaur J. A comprehensive review on metabolic syndrome. Cardiol Res Pract. 2014;2014:943162.
  • 3
    Ma X, Holalkere NS, Kambadakone RA, et al. Imaging-based quantification of hepatic fat: methods and clinical applications. Radiographics. 2009;29:1253-77.
  • 4
    Day CF? Non-alcoholic fatty liver disease: a massive problem. Clin Med (Lond.). 2011;11:176-8.
  • 5
    Idilman IS, Aniktar H, Idilman R, et al. Hepatic steatosis: quantification by proton density fat fraction with MR imaging versus liver biopsy. Radiology. 2013;267:767-75.
  • 6
    Nascimento JHR, Soder RB, Epifanio M, et al. Accuracy of - computeraided ultrasound as compared with magnetic resonance imaging in the evaluation of non-alcoholic fatty liver disease in obese and eutrophic adolescents. Radiol Bras. 2015;48:225-32.
  • 7
    Bormann RL, Rocha EL, Kierszenbaum ML, et al. The role of gadoxetic acid as a paramagnetic contrast medium in the characterization and detection of focal liver lesions: a review. Radiol Bras. 2015;48:43-51.
  • 8
    Szejnfeld D, Nunes TF, Fornazari VAV, et al. Transcatheter arterial embolization for unresectable symptomatic giant hepatic hemangiomas: single-center experience using a lipiodol-ethanol mixture. Radiol Bras. 2015;48:154-7.
  • 9
    Francisco FAF, Araújo ALE, Oliveira Neto JA, et al. Hepatobiliary contrast agents: differential diagnosis of focal hepatic lesions, pitfalls and other indications. Radiol Bras. 2014;47:301-9.
  • 10
    Pedrassa BC, Rocha EL, Kierszenbaum ML, et al. Uncommon hepatic tumors: iconographic essay - Part 1. Radiol Bras. 2014;47:310-6.
  • 11
    Pedrassa BC, Rocha EL, Kierszenbaum ML, et al. Uncommon hepatic tumors: iconographic essay - Part 2. Radiol Bras. 2014;47:374-9.
  • 12
    Cruz JF, Cruz MAF, Machado Neto J, et al. Prevalência e alterações ecográficas compatíveis com esteatose hepática em pacientes encaminhados para exame de ultrassonografia abdominal em Aracaju, SE. Radiol Bras. 2016:49:1-5
  • 13
    Hines CD, Yu H, Shimakawa A, et al. Quantification of hepatic steatosis with 3-T MR imaging: validation in ob/ob mice. Radiology. 2010;254:119-28.
  • 14
    Elias J Jr, Altun E, Zacks S, et al. MRI findings in nonalcoholic steatohepatitis: correlation with histopathology and clinical staging. Magn Reson Imaging. 2009;27:976-87.
  • 15
    Martí-Bonmat't L, Alberich-Bayarri A, Sánchez-González J. Overload hepatitides: quanti-qualitative analysis. Abdom Imaging. 2012;37:180-7.
  • 16
    Pietrangelo A. Iron in NASH, chronic liver diseases and HCC: how much iron is too much? J Hepatol. 2009;50:249-51.
  • 17
    Cui J, Heba E, Hernandez C, et al. MRE is superior to ARFI for the diagnosis of fibrosis in patients with biopsy-proven NAFLD: a prospective study. Hepatology. 2015. [Epub ahead of print].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br