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Emergências em braquiterapia de alta taxa de dose: manual de conduta

Radiology emergencies in high-dose rate brachytherapy: code of practice

Resumos

É crescente o uso de alta taxa de dose em braquiterapia para tratamento do câncer. O número de pacientes tratados em relação ao número de equipamentos existentes no Brasil é muito grande, sendo constantes os fatores tempo e pressão na rotina de funcionamento. Por isso, é comum, até mesmo nos grandes serviços, a falta de uma reflexão mais cuidadosa voltada à resolução de situações de emergência. Este trabalho faz uma análise prática das situações de emergência mais freqüentes e propõe um manual de conduta básico quando erros impossibilitam o retorno da fonte radioativa ao cofre, causando possível irradiação adicional à paciente e ao "staff" em unidades remotas de braquiterapia. Sugerem-se treinamentos, cuidados adicionais e controle de qualidade como forma de minimizar doses indesejáveis, bem como atenuar transtornos causados nas situações de emergência.

HDR; Braquiterapia; Unidade remota; Emergência radiológica; Controle de qualidade; Manual de conduta


The use of high-dose rate brachytherapy for cancer treatment is increasing and the number of patients treated in Brazil is high, considering the number of existing equipments. However, the small number of equipments is a limiting factor that bring on a lot of pressure on the working routine. For this reason, a reevaluation of emergency procedures is not carried out in most centers. This paper describes the most frequent emergency situations and suggests a code of practice when errors do not allow the return of the radiation source to the shield and result in undesirable radiation exposure to the patient and staff in remote centers for brachytherapy. We suggest training, additional caution measures and quality control in order to minimize undesirable doses.

HDR; Brachytherapy; Remote afterloading; Radiology emergency; Quality control; Code of practice


Nota Técnica

EMERGÊNCIAS EM BRAQUITERAPIA DE ALTA TAXA DE DOSE ¾ MANUAL DE CONDUTA* * Trabalho realizado no Instituto do Câncer "Arnaldo Vieira de Carvalho" (ICAVC), São Paulo, SP. 1 . Físico Médico do ICAVC. Endereço para correspondência: Dr. Paulo José Cecilio. Rua Santo Irineu, 571, apto. 64, Vila Mariana. São Paulo, SP, 04127-120. E-mail: pcecilio@ig.com.br Aceito para publicação em 24/7/2000. * É como furar um pneu novo, de boa qualidade, de um carro. Se você estiver rodando e furar o pneu, você pode até rodar algum tempo e chegar em casa e só no outro dia verificar o ocorrido, ou continuar rodando e só perceber que furou quando o carro balançar muito para o lado. A diferença para uma situação de emergência à qual se compara aqui são as conseqüências. Tanto o pneu novo quanto o equipamento de alta taxa de dose podem ser considerados de boa procedência e dispõem de controle de qualidade, com poucas chances de falharem. Acontece que mesmo prevenindo acidentes, é possível ocorrer uma falha. A diferença é que, enquanto no pneu haverá gasto para consertá-lo ou, no máximo, comprar um outro pneu novo, no incidente com a fonte de alta taxa de dose as conseqüências serão exposições indevidas, tanto ao paciente (com, pelo menos, superdosagem) como ao "staff", cumulativas ao longo de toda a vida.

Paulo José Cecilio1 * Trabalho realizado no Instituto do Câncer "Arnaldo Vieira de Carvalho" (ICAVC), São Paulo, SP. 1 . Físico Médico do ICAVC. Endereço para correspondência: Dr. Paulo José Cecilio. Rua Santo Irineu, 571, apto. 64, Vila Mariana. São Paulo, SP, 04127-120. E-mail: pcecilio@ig.com.br Aceito para publicação em 24/7/2000. * É como furar um pneu novo, de boa qualidade, de um carro. Se você estiver rodando e furar o pneu, você pode até rodar algum tempo e chegar em casa e só no outro dia verificar o ocorrido, ou continuar rodando e só perceber que furou quando o carro balançar muito para o lado. A diferença para uma situação de emergência à qual se compara aqui são as conseqüências. Tanto o pneu novo quanto o equipamento de alta taxa de dose podem ser considerados de boa procedência e dispõem de controle de qualidade, com poucas chances de falharem. Acontece que mesmo prevenindo acidentes, é possível ocorrer uma falha. A diferença é que, enquanto no pneu haverá gasto para consertá-lo ou, no máximo, comprar um outro pneu novo, no incidente com a fonte de alta taxa de dose as conseqüências serão exposições indevidas, tanto ao paciente (com, pelo menos, superdosagem) como ao "staff", cumulativas ao longo de toda a vida.

Resumo

É crescente o uso de alta taxa de dose em braquiterapia para tratamento do câncer. O número de pacientes tratados em relação ao número de equipamentos existentes no Brasil é muito grande, sendo constantes os fatores tempo e pressão na rotina de funcionamento. Por isso, é comum, até mesmo nos grandes serviços, a falta de uma reflexão mais cuidadosa voltada à resolução de situações de emergência. Este trabalho faz uma análise prática das situações de emergência mais freqüentes e propõe um manual de conduta básico quando erros impossibilitam o retorno da fonte radioativa ao cofre, causando possível irradiação adicional à paciente e ao "staff" em unidades remotas de braquiterapia. Sugerem-se treinamentos, cuidados adicionais e controle de qualidade como forma de minimizar doses indesejáveis, bem como atenuar transtornos causados nas situações de emergência.

Unitermos: HDR. Braquiterapia. Unidade remota. Emergência radiológica. Controle de qualidade. Manual de conduta.

Radiology emergencies in high-dose rate brachytherapy ¾ code of practice.

Abstract

The use of high-dose rate brachytherapy for cancer treatment is increasing and the number of patients treated in Brazil is high, considering the number of existing equipments. However, the small number of equipments is a limiting factor that bring on a lot of pressure on the working routine. For this reason, a reevaluation of emergency procedures is not carried out in most centers. This paper describes the most frequent emergency situations and suggests a code of practice when errors do not allow the return of the radiation source to the shield and result in undesirable radiation exposure to the patient and staff in remote centers for brachytherapy. We suggest training, additional caution measures and quality control in order to minimize undesirable doses.

Key words: HDR. Brachytherapy. Remote afterloading. Radiology emergency. Quality control. Code of practice.

INTRODUÇÃO

A utilização da braquiterapia no tratamento de alguns tipos de cânceres vem estimulando o crescimento do número de equipamentos remotos em atividade no mundo todo. Nos EUA, o número de equipamentos supera a casa de 350 unidades remotas, dos quais cerca de 325 são de alta taxa de dose(1). No Brasil, este número é extremamente menor mas também vem crescendo, sobretudo na última década, e atinge hoje cerca de 35 unidades, das quais cerca de 30% somente no Estado de São Paulo.

Os tipos de unidades remotas em uso, atualmente, são em sua maioria de alta taxa de dose, as quais utilizam fontes de irídio-192 com atividade nominal de 10 Ci, média taxa de dose ou pulsada (PDR) com fonte também de irídio-192 e atividade nominal de 3 Ci, e baixa taxa de dose com o emprego de cobalto-60.

Nas unidades de alta taxa de dose, em apenas alguns minutos são liberadas grandes doses, que seriam liberadas em alguns dias com baixa taxa de dose(2). Isto propicia redução de exposição ao pessoal envolvido, bem como a possibilidade de atendimento em caráter ambulatorial ao público(3) .

Todo físico responsável por uma unidade de braquiterapia de alta taxa de dose deve ter conhecimento do que fazer em caso de emergência.

Uma situação de emergência é aquela que, de qualquer maneira, foge da rotina normal de funcionamento do equipamento, ou seja, alguma falha, acidental ou incidental, humana, mecânica ou eletroeletrônica ocorre e a fonte não retorna ao cofre de segurança.

Se o paciente é posicionado, mas não se consegue tratá-lo, temos uma situação de emergência sem exposição de radiação, pois a fonte não foi exposta.

Outra situação anterior ao tratamento é quando ocorre um erro no momento em que a fonte está iniciando o tratamento; neste caso, temos uma situação de emergência com exposição da fonte. Aqui, primeiramente deve-se solucionar a situação de emergência retirando o paciente da sala e, posteriormente, tratar o paciente adequadamente, como era o objetivo inicial.

Uma situação de emergência pode ocorrer antes, durante ou após um tratamento, e este trabalho tem por objetivo analisar os pontos mais importantes na prevenção de acidentes, bem como as ações a serem tomadas para tornar uma situação de emergência num incidente, sem graves problemas, e propor uma metodologia de conduta(4).

MATERIAL E MÉTODOS

Os três modelos mais tradicionais de equipamentos utilizados no Brasil são os da Nucletron-Odelft, GammaMed e Varisource da Varian Associates.

Cada equipamento tem sua forma de registro e informações dos dados de operação e códigos de erro. Assim, é altamente recomendável que se estabeleça um rígido controle de qualidade com os parâmetros individuais do equipamento utilizado, seguindo uma diretriz básica comum aos principais possíveis tipos de acidentes.

Os principais tratamentos realizados são o de câncer do colo uterino, que libera cerca de 6-7 Gy em 5-10 minutos para uma fonte padrão de 10 Ci de 192Ir, e implantes intersticiais com agulhas e cateteres, os quais liberam cerca de 3-6 Gy em 5-10 minutos(1,5).

Este manual baseia-se principalmente no uso do sistema da Nucletron, porém muitos tópicos servem para qualquer tipo de sistema.

Os equipamentos de alta taxa de dose são programados para detectar inúmeras falhas, as quais poderiam resultar em situação de emergência. Eles possuem "software" para detectar erros de calendário, atividade incorreta da fonte, falta de energia elétrica (alimentação), exposição da fonte com tempo muito longo no tratamento. Também possuem sistemas eletrônicos e mecânicos que detectam erros de indexação da fonte (comprimento do cabo), indexação do aplicador, conexão de cabos de transferência da fonte nos seus respectivos canais, ausência de cabo de transferência, não-travamento dos cabos na unidade de tratamento, não-conexão adequada do cabo de transferência no aplicador, ausência do aplicador, obstrução no cabo de transferência, obstrução no aplicador, completo curso de retorno da fonte ao cofre, escape de radiação.

A soma desses dispositivos possibilita satisfatória segurança, no sentido de ser um equipamento com boa qualidade. Isto, porém, não significa, em absoluto, que situações de emergência não possam ocorrer.

Os processos eletrônicos de segurança da máquina funcionam como prevenção de erros para o "software" ou nele introduzidos através de dados incorretos. Um exemplo disso é a perda da atividade da fonte. Isto pode ser resultado de erro na data ou horário do relógio interno da unidade, e pode ser causado por perda de algum arquivo ou falha na bateria do relógio. Outro exemplo de erro detectável pelo "software" é um tempo muito longo para uma mesma parada. O "software" possui um sistema de tempo máximo permitido para uma parada. Tempos que ultrapassem este valor, o sistema bloqueia e emite um aviso. Cabe ao operador conferir a informação e liberar ou não. Introduzindo-se um valor máximo de tempo de parada da fonte, exeqüível com os tempos de tratamentos do serviço como padrão ("default"), qualquer tempo acima desse valor será bloqueado pelo sistema, evitando, dessa forma, erros grosseiros com um tempo muito longo, irreal para situações de tratamento de rotina. Deixar este tempo livre (muito longo) significa correr o risco de cometer falha humana grave, principalmente num dia cheio, em que a correta conferência dos tempos não foi adequadamente feita pelo físico, médico e auxiliares.

Os sistemas mecânicos funcionam como prevenção e também detecção de emergência. Quando a fonte falsa checa se existem cabos de transferência, aplicadores, ausência de obstrução e correta indexação, ela está avaliando que a verdadeira fonte pode sair, pois não haverá problemas e certamente ela retornará sem problemas ao cofre após o tratamento. Porém, se a fonte sair e ocorrer qualquer dessas situações anormais, isto será uma situação de emergência(6).

Neste caso, o equipamento possui outros sistemas para a correção do problema. Estes sistemas são mecânicos e farão a fonte retornar ao cofre caso tenha havido algo de errado com o cabo de transferência, indexação ou obstrução. Se a fonte simplesmente tocar qualquer ponto à sua frente durante a sua trajetória, o sistema automaticamente a trará de volta. Se houver obstrução grave, o sistema acionará o sistema de emergência ("emergency stop"), o qual dispõe de outro motor, mais potente e com oito vezes mais torque, para tentar trazê-la de volta ao cofre.

Existe ainda a possibilidade de se recolher manualmente, auxiliando os motores com torque manual extra. Para tal, movimenta-se a alavanca dourada (a preta é da fonte falsa, no sistema da Nucletron), no sentido horário.

Aqui começa uma situação de emergência propriamente dita.

PROCEDIMENTOS EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA

Os procedimentos a serem adotados em situações de emergência normalmente vêm acompanhando o equipamento, e são fornecidos pelo fabricante. O fato é que o fabricante possui mais experiência e conhecimento do produto, e ele mesmo sugere que não se deve confiar plenamente no equipamento, não porque este não seja bom, mas porque qualquer equipamento está sujeito a falhas e, mais que isso, tratam-se de vidas humanas envolvidas em procedimentos com radiação ionizante.

Todo serviço deve ter seu próprio manual de procedimento para casos de emergência, com base na sua casuística de pacientes e tipos de tratamentos. Além disso, qualquer situação de emergência radiológica é passível de registro nos órgãos competentes (Comissão Nacional de Energia Nuclear)(6).

As normas gerais que normalmente vêm recomendadas pelo fabricante são: 1) caso a fonte não se recolha, acionar o botão de emergência localizado na parede acima do console; 2) entrar na sala e acionar o botão de emergência no interior da sala; 3) rodar a alavanca dourada no sentido horário, até que a fonte seja recolhida manualmente; 4) retirar o aplicador do paciente e isolar a fonte radioativa no "container"; 5) isolar a sala e chamar a empresa responsável pela sua manutenção.

Essas instruções são ideais, mas será que são plausíveis numa situação de emergência? Não é verdade que qualquer operador possa entrar na sala e retirar o aplicador ou aplicadores do paciente. Também não é real a situação de a fonte estar no aplicador.

Assim, deve-se ter em mente o que efetivamente pode ser feito em situações de emergência quando a fonte não é recolhida automaticamente ou mesmo com o sistema de emergência.

Deve-se ter a consciência de que um acidente não-necessariamente representa falta de capacidade, conhecimento ou cuidado* * Trabalho realizado no Instituto do Câncer "Arnaldo Vieira de Carvalho" (ICAVC), São Paulo, SP. 1 . Físico Médico do ICAVC. Endereço para correspondência: Dr. Paulo José Cecilio. Rua Santo Irineu, 571, apto. 64, Vila Mariana. São Paulo, SP, 04127-120. E-mail: pcecilio@ig.com.br Aceito para publicação em 24/7/2000. * É como furar um pneu novo, de boa qualidade, de um carro. Se você estiver rodando e furar o pneu, você pode até rodar algum tempo e chegar em casa e só no outro dia verificar o ocorrido, ou continuar rodando e só perceber que furou quando o carro balançar muito para o lado. A diferença para uma situação de emergência à qual se compara aqui são as conseqüências. Tanto o pneu novo quanto o equipamento de alta taxa de dose podem ser considerados de boa procedência e dispõem de controle de qualidade, com poucas chances de falharem. Acontece que mesmo prevenindo acidentes, é possível ocorrer uma falha. A diferença é que, enquanto no pneu haverá gasto para consertá-lo ou, no máximo, comprar um outro pneu novo, no incidente com a fonte de alta taxa de dose as conseqüências serão exposições indevidas, tanto ao paciente (com, pelo menos, superdosagem) como ao "staff", cumulativas ao longo de toda a vida. .

É bom definir-se também a rotina do que fazer, pois não basta o físico entrar na sala e tentar recolher a fonte pela alavanca e só então comunicar o incidente ao médico, que pensará no que fazer e como! Situações que o físico já possa resolver devem ser previstas, permitindo que a resolução do problema possa acontecer em alguns segundos. Também jamais deve ser função de qualquer auxiliar, principalmente sem o devido treino nas situações de emergência ("kit" obrigatório de segurança).

Uma solução pode ser desconectar o cabo de transferência, retirar somente a fonte, colocando-a na blindagem apropriada, isolando-a, e tendo mais tempo para a retirada do aplicador e do paciente da sala. Após isto, isolar a sala e comunicar o fato à empresa responsável pela manutenção do equipamento.

Mas, também, devemos prever situações em que o cabo da fonte não seja suficientemente longo para ser isolado no "container". A solução então seria cortar o cabo. Sempre devem estar disponíveis as ferramentas apropriadas para as situações de emergência.

Ainda deve-se prever situações em que a fonte esteja presa ao aplicador. Neste caso, é extremamente necessário ter um "container" no qual seja possível a colocação de qualquer conjunto de aplicador utilizável na unidade, que seja capaz de blindar a radiação e permitir o uso do restante da sala para a liberação do paciente.

É importante, portanto, minimizar o tempo e as doses. Para tal, prevendo a ocorrência de acidentes, deve-se ter já um plano de ação. Quem e como entrar na sala é imprescindível, maximizando a eficiência e distância à fonte e minimizando o tempo e a dose de exposição do paciente e do "staff".

A Tabela 1 mostra a taxa de dose (em cGy por minuto) como função da distância (em centímetros) para fontes de 10 Ci e 5 Ci.

INTRACAVITÁRIO

Ginecológico

O tratamento com braquiterapia de alta taxa de dose em pacientes com tumores ginecológicos é uma realidade, sendo o procedimento mais utilizado em unidades de braquiterapia de alta taxa de dose(5,7,8).

Existem muitos tipos de aplicadores e, dentre os mais comuns, incluem-se os cilindros vaginais (ou "tandem"), colpostatos (incluem-se Fletcher, "standard", "hanskie") e anel(9,10).

1 ¾ Cilindro vaginal ou colpostato sem sonda intra-uterina (pacientes operados)

Este tratamento intracavitário é bastante simples. O aplicador é introduzido na vagina, na maior parte das vezes, até mesmo sem anestesia. Sua retirada pode ser indolor e sem grandes problemas, a menos que no ato da colocação o médico verifique algum sangramento ou dificuldade devido a anatomia ou tumor.

Sendo assim, em caso de emergência o próprio físico pode retirar este aplicador, bastando, para isso, que ele seja treinado para não propiciar dor ou desconforto à paciente.

2 ¾ Colpostatos ou cilindros com sonda intra-uterina (pacientes com útero)

Quando é introduzida a sonda intra-uterina, esta região é traumatizada, em conseqüência a dilatação do orifício externo do útero com o histerômetro e sonda vesical. Este procedimento, quando realizado sem anestesia (muitos hospitais brasileiros procedem assim), causa dor no ato da introdução do aplicador; portanto, a sua retirada também causa dor e mesmo sangramento. Dessa forma, o médico, por ter colocado o aplicador, tem a exata noção de quanto será fácil ou não sua retirada.

A retirada desse tipo de aplicador, em caso de emergência, deve ser feita pelo médico, pois seu conhecimento acerca do aplicador utilizado, forma de manuseá-lo e condições anatômicas no qual se encontra é muito mais preciso e, provavelmente, mais rapidamente ele resolverá o problema, com maior eficiência.

Porém, nos serviços brasileiros, geralmente cheios de afazeres, é recomendável que o físico esteja preparado e bem treinado, e possa realizar esta tarefa em situações de extrema emergência.

É sempre bom ressaltar que uma situação de emergência provoca "stress", pânico, tentativa de ser rápido e medo de não ser eficiente. Isto pode ser transmitido ao paciente, e a retirada do aplicador se tornar uma tarefa mais complicada do que poderia ser realmente. Estes exemplos, portanto, mais do que servirem de manual de conduta, servem para que cada serviço reflita e tenha um manual de conduta próprio, a ponto de uma situação de emergência poder ser considerada com tranqüilidade e segurança, como um incidente casual e sem grande repercussão, tanto do ponto de vista da segurança e saúde dos envolvidos quanto do ponto de vista de exposição à radiação.

Moldes especiais

O uso de moldes com braquiterapia, apesar de restrito, é comum, principalmente em cabeça e pescoço(8,11). Normalmente, estes moldes são confeccionados especialmente para o paciente, por meio de moldagem em gesso, alginato ou resina acrílica. Um cuidado prévio deve ser o teste à sua capacidade de retenção, ou seja, antes de iniciado um tratamento deve ser testada a facilidade em tirar e recolocar o molde no sítio para o qual foi construído.

Especialmente quando são utilizados cateteres plásticos, é muito comum sua dobra ou curvatura muito fechada. Isto acionará uma situação de emergência. É possível que a situação de emergência ocorra após o início da irradiação, pois os movimentos de respiração e deglutição do paciente tendem a provocar danos ao cateter ou mesmo pressionar a fonte, especialmente em irradiação de cavidades orais ou nasais. Se o dano for pouco, provavelmente a fonte retornará com os procedimentos de emergência do aparelho, porém pode ser necessária a entrada na sala para resolver a situação.

No caso, o melhor e mais prático é a retirada do molde como um todo, sem desconectar do cabo de transferência ou do aparelho. Este procedimento deve ser realizado pelo médico que colocou e ajustou o molde na cavidade. O físico pode realizar este procedimento em caso de emergência, desde que tenha "familiaridade" com o procedimento. Para tal, é sempre recomendável que o físico acompanhe pelo menos a primeira colocação do molde, e ajuste-o junto ao paciente e com o médico.

IMPLANTES INTERSTICIAIS

Agulhas e cateteres

Os implantes intersticiais com agulhas são geralmente feitos em períneo ou mama(8). Nestes implantes as agulhas são inseridas diretamente no tecido e, por isso, sua remoção pode provocar dor e sangramento.

A princípio, numa situação de emergência, a primeira providência é observar onde a fonte parou, através da indexação e da mensagem de erro no painel de controle. Dessa forma, ao adentrar na sala de tratamento teremos duas possibilidades. A primeira seria remover a fonte desconectando o cabo de transferência, e a segunda seria remover a agulha com a fonte.

Porém, podem ocorrer os mesmos problemas vistos anteriormente; logo, não se deve, jamais, manusear diretamente o cabo de transferência.

Nos implantes com mais de uma agulha, temos mais um agravante. Qual das agulhas é a agulha com a fonte?

Neste ponto torna-se especialmente importante a identificação das agulhas, que deve ser feita detalhadamente no momento do planejamento. Isto feito, além de garantir menor margem de erros de conexão dos cabos às respectivas agulhas e a reprodutibilidade do tratamento, também possibilita maior segurança e agilidade no momento da situação de emergência.

O equipamento possui cabos numerados, de acordo com o canal a ser utilizado. Isto foi feito na fábrica, para garantir a reprodutibilidade e a identificação de um aplicador e o seu respectivo canal numa situação de emergência. Porém, na prática, todos os cabos são idênticos e podem ser utilizados sem sua seqüência numérica, prática muito comum nos serviços com grande número de atendimentos. Assim sendo, é necessário um sistema de fácil identificação do aplicador (agulha) e do canal, tanto para a reprodutibilidade como para as situações de emergência. O ideal seria que cada agulha tivesse uma identificação numérica idêntica à do respectivo canal a ser conectada.

A diferença de tempo, numa situação de emergência, para se retirar uma agulha do implante, que geralmente possui 10 ou até 18 agulhas(12,13), ou todas de uma só vez, pode resultar em grande diferença na dose de exposição, tanto do "staff" como do paciente (Tabela 1). Portanto, é muito interessante gastar-se dois ou três minutos a mais no ato do planejamento para numerar as agulhas e aí então poder-se utilizar os cabos aleatoriamente, pois assim, tanto o canal como o aplicador estarão em ordem numérica e com fácil acesso para a conexão ou desconexão em caso de situação de emergência.

Numa situação de emergência com implante com agulhas, o médico é a pessoa apropriada para retirar o aplicador. Deve-se porém treinar a melhor forma de se executar esta tarefa, definindo as fases iniciais em que o físico tentará retornar a fonte manualmente retirando o cabo de transferência, ou quando será necessária a retirada da agulha. Com isso definido, o tempo será minimizado e, conseqüentemente, as doses, tanto para o paciente como para o "staff".

Tudo isso não basta para se ter segurança e rapidez na solução da situação de emergência. Quando se trata de implante, deve-se ter todo o material necessário para a sua retirada a qualquer momento. As ferramentas habitualmente utilizadas devem estar à disposição: chave para desatarraxar os "stoppers", chave do "template", pinças, etc. Deve-se tomar muito cuidado ao iniciar o processo de retirada da agulha. Este deve ser rápido e retilíneo, pois qualquer desvio de angulação pode resultar em "dobra", o que dificultará mais ainda o processo de retirada da fonte do seu interior. É importante ressaltar, ainda, que dependendo do "estrago" nesse processo, pode ser necessária a troca da fonte para reinício das atividades do equipamento; afinal, se a agulha amassar muito, a tal ponto de ser impossível a remoção da fonte com a integridade do cabo e da solda da cápsula radioativa, será necessário o corte do cabo.

CONCLUSÕES

Para melhor funcionamento de um serviço de braquiterapia de alta taxa de dose, é importante, logo no seu início de atividade, definirem-se a organização e as responsabilidades dos membros do serviço. O conhecimento do equipamento, seu funcionamento, e dos aplicadores a serem utilizados, são essenciais numa primeira fase. A prática de como agir nos principais códigos de erros, e nos possíveis acidentes ou incidentes, são fundamentais para o físico responsável pelos procedimentos, bem como o conhecimento acerca disso pelos demais membros da equipe.

A precisão dos tratamentos relaciona-se com o trabalho em equipe de médicos, enfermeiros, auxiliares e físicos, na colocação dos aplicadores, informação dos dados no planejamento e conferência prévia dos dados de cálculo e tempos de tratamento. Isto deve ser feito também por escrito. Dessa forma, estimula-se todos os membros a raciocinar em termos do paciente individualmente, e a documentar o procedimento(1,4).

Controles de qualidade podem ser aplicados à checagem dos dados. É fundamental que, principalmente o físico, exercite o papel de "desconfiar sempre do lógico e simples". Isto ajuda a evitar erros de redundância, já que no nosso país não se dispõe de um segundo sistema de planejamento para checagem dos cálculos, prática utilizada nos EUA. Uma metodologia útil, neste caso, é conferir dados fora de seqüência, como, por exemplo, observar um determinado tempo de fonte e relacioná-lo à atividade total ou à dose prescrita.

Relatos de administração de dose incorretas, tratamentos diferentes do planejado, radiação de fuga pelo mal posicionamento da fonte quando do retorno ao cofre, falha do sistema quando do tratamento com pacientes implantados, ou doses diferindo em até 20% da planejada são facilmente encontrados na literatura mundial(14).

As situações de emergência, de alguma forma, sempre ocorrem e podem ter conseqüências sérias. Com um plano que previne ou impõe soluções rápidas, é possível torná-las "desimportantes", do ponto de vista de prejuízos à saúde.

A Tabela 1 mostra claramente como poucos segundos a mais resultam em doses de exposição sérias aos operadores e doses extras aos pacientes.

Este trabalho não tem como objetivo firmar uma conduta definitiva, mas sim abrir pontos à reflexão, para que os serviços com unidade de braquiterapia remota, especialmente alta taxa de dose, tenham um plano de ação básico para a solução de situações de emergência, mesmo com a influência dos fatores tempo e pressão, causados pelo grande movimento assistencial do país.

Na Tabela 2 recomendam-se alguns acessórios, descritos acima, mas que devem fazer parte do cotidiano como materiais obrigatórios e à disposição para situações de emergência.

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  • *
    Trabalho realizado no Instituto do Câncer "Arnaldo Vieira de Carvalho" (ICAVC), São Paulo, SP.
    1
    . Físico Médico do ICAVC.
    Endereço para correspondência: Dr. Paulo José Cecilio. Rua Santo Irineu, 571, apto. 64, Vila Mariana. São Paulo, SP, 04127-120. E-mail:
    Aceito para publicação em 24/7/2000.
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    É como furar um pneu novo, de boa qualidade, de um carro. Se você estiver rodando e furar o pneu, você pode até rodar algum tempo e chegar em casa e só no outro dia verificar o ocorrido, ou continuar rodando e só perceber que furou quando o carro balançar muito para o lado. A diferença para uma situação de emergência à qual se compara aqui são as conseqüências. Tanto o pneu novo quanto o equipamento de alta taxa de dose podem ser considerados de boa procedência e dispõem de controle de qualidade, com poucas chances de falharem. Acontece que mesmo prevenindo acidentes, é possível ocorrer uma falha. A diferença é que, enquanto no pneu haverá gasto para consertá-lo ou, no máximo, comprar um outro pneu novo, no incidente com a fonte de alta taxa de dose as conseqüências serão exposições indevidas, tanto ao paciente (com, pelo menos, superdosagem) como ao "staff", cumulativas ao longo de toda a vida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Recebido
      24 Jul 2000
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