Resumo
A cardiomiopatia de takotsubo é um diagnóstico diferencial importante de dor torácica aguda. Exames de imagem, seja por ventri-culografia, ecocardiograma, tomografia computadorizada do coração ou ressonância magnética cardíaca, são ferramentas valiosas para a confirmação diagnostica nesse contexto. O presente estudo revisa a literatura e exemplifica o espectro dos achados típicos e atípicos dessa doença observados na ressonância magnética cardíaca, com base na experiência do nosso serviço. O reconhecimento dessas características reforça o papel do médico radiologista/cardiologista na linha de cuidado de pacientes com dor torácica aguda, possibilitando o diagnóstico e tratamento adequado.
Unitermos:
Dor torácica; Cardiomiopatia de takotsubo; Ressonância magnética cardíaca
Abstract
Takotsubo cardiomyopathy is an important differential diagnosis for acute chest pain. Imaging tests, such as ventriculography, echocardiography, computed tomography of the heart, and cardiac magnetic resonance, are valuable tools for diagnostic confirmation in this context. This study reviews the literature and exemplifies the spectrum of typical and atypical cardiac magnetic resonance findings in this disease, on the basis of the experience of our facility. Recognition of these characteristics underscores the roles that radiologists and cardiologists play in the care of patients with acute chest pain, enabling an accurate diagnosis and appropriate treatment.
Keywords:
Chest pain; Takotsubo cardiomyopathy; Cardiac magnetic resonance
INTRODUÇÃO
A cardiomiopatia de takotsubo, também conhecida como síndrome do coração partido, cardiomiopatia induzida por estresse e síndrome do balonamento apical, foi descrita em 1990 por Sano et al.(1). Tem incidência incerta, sendo observada em 1% a 2% dos pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda, acometendo principalmente mulheres na pós-menopausa(1).
A apresentação clínica assemelha-se à síndrome co-ronariana aguda, incluindo precordialgia, dispneia, alterações eletrocardiográficas e elevação de troponina. Uma característica peculiar nesse contexto é que até dois terços dos pacientes identificam um evento estressor previamente ao início dos sintomas, que pode ser físico ou emocional (Tabela 1)(2, 3).
Exemplos de fatores estressores, físicos e emocionais, que podem estar relacionados à cardiomiopatia de takotsubo.
Embora a fisiopatologia dessa cardiomiopatia não seja completamente compreendida, acredita-se que exista relação com descarga excessiva de catecolaminas, secundária ao evento estressor, associada a diferenças na densidade e distribuição de receptores adrenérgicos no miocárdio. Além disso, níveis reduzidos de estrogênio parecem estar envolvidos(1, 3).
Vários critérios diagnósticos foram sugeridos, ao longo dos anos, para auxiliar na identificação dessa cardiomio-patia diante de um paciente com queixa de dor torácica aguda, destacando-se os propostos pela Mayo Clinic(4), que englobam:
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Hipocinesia, acinesia ou discinesia transitórias de segmentos médios do ventrículo esquerdo (VE), com ou sem envolvimento apical, com alterações segmentares de contratilidade se estendendo além de um território coro-nariano, podendo, mas não sempre, haver um estímulo estressor identificado;
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Ausência de doença arterial coronariana obstrutiva ou de evidência angiográfica de ruptura aguda de placa;
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Alterações eletrocardiográficas (elevação do segmento ST e/ou inversão da onda T) novas ou elevação discreta de troponina;
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Ausência de: feocromocitoma, miocardite.
A ressonância magnética cardíaca (RMC) tem um papel bem estabelecido desde a avaliação inicial desses pacientes, permitindo uma análise anatômica detalhada, identificação de alterações segmentares da contratilidade miocárdica, quantificação da função ventricular e detecção de edema e necrose/fibrose miocárdica. Também possibilita a detecção de complicações, como derrame pericárdico e pleural, obstrução dinâmica da via de saída do VE, edema agudo de pulmão, trombo intracavitário e tromboembolismo sistêmico. Por fim, é útil para excluir outras patologias com apresentação clínica semelhante à síndrome coronariana aguda, como a miocardite(1).
A avaliação por RMC também é importante para o seguimento dos pacientes, sendo recomendada sua realização de três a seis meses após o evento agudo. Na maioria dos casos, o prognóstico é bom, observando-se a normalização das alterações segmentares de contratilidade, a recuperação da fração de ejeção ventricular e a resolução do edema no exame de controle(1).
ACHADOS TÍPICOS
Classicamente, a cardiomiopatia de takotsubo caracteriza-se por alterações segmentares de contratilidade — discinesia, hipocinesia ou acinesia de segmentos medioapicais do VE associada a hipercinesia dos segmentos basais —, conjunto este resultando na morfologia típica, descrita como semelhante ao jarro usado como armadilha pelos japoneses para captura de polvos (takotsubo) (Figuras 1, 2, 3, 4)(1, 5, 6).
Imagens de ecocar-diograma em quatro câmaras, na diástole (A) e na sístole (B), mostrando hipocinesia na região apical do VE associada a hipercinesia nos segmentos basais, resultando na morfologia característica do takotsubo.
Imagens de angioto-mografia de coronárias de uma paciente de 78 anos, reconstruída no plano duas câmaras, na diástole (A) e na sístole (B), demonstrando alterações contráteis típicas da cardiomiopatia de takotsubo, levando ao balonamento apical. Neste caso, destaca-se a presença de trombo intracavitário na região apical do VE (setas), complicação descrita nessa patologia.
Imagens de RMC na sequência cine-SSFP em duas câmaras (A,B) e em quatro câmaras (C,D), na diástole (A,C) e na sístole (B,D), mostrando a morfologia típica da cardiomiopatia de takotsubo.
Imagens de RMC de uma paciente de 62 anos, na sequência cine-SSFP em duas câmaras na sístole, mostrando o balonamento apical do VE típico da cardiomiopatia de takotsubo (A) e a completa recuperação da contratilidade ventricular no exame de controle realizado cinco meses após (B).
Além das alterações contrateis, a RMC também permite a detecção de edema miocárdico, presente em pelo menos 80% dos pacientes, tradicionalmente nas sequências fast spin echo ponderadas em T2 e com tripla ‘inversão-recuperação’ (Figura 5) e, mais recentemente, nos mapas Tl e T2 (Figura 6). Na maioria dos casos, este edema não é acompanhado de alterações na imagem nas sequências de realce tardio (Figura 7), diferentemente do que acontece em outras afecções (como infarto agudo do miocárdio e miocardite)(1, 5, 6).
Imagens de RMC na sequência ponderada em T2 com saturação de gordura (triple-IR) em eixo curto (A), via de saída do VE (B), duas câmaras (C) e quatro câmaras (D), demonstrando acentuado edema nas regiões medioapicais do VE.
Imagens de RMC de uma paciente de 91 anos mostrando balonamento apical na sequência cine-SSFP quatro câmaras (A, diástole; B, sístole). Mapa T2 (C) demonstrando edema em segmentos medioapicais do VE.
Imagens de RMC na sequência ponderada em T2 em eixo curto apresentando edema no segmento anterior médio do VE (A), sem correspondência na sequência de realce tardio (B).
ACHADOS ATÍPICOS
Os termos “takotsubo atípico” e “variante de takotsubo” são empregados quando a discinesia, hipocinesia ou acinesia afeta segmentos não tradicionais, poupando o ápice cardíaco e envolvendo segmentos basais ou medioventri-culares, o que pode corresponder a até 40% dos casos (Figuras 8, 9, 10, 11)(4, 5).
Imagens de RMC na sequência cine-SSFP em duas câmaras, na diástole (A) e na sístole (B), demonstrando uma variante takotsubo, caracterizada por acentuada hipocinesia de segmentos medioventriculares (seta em B).
Imagens de RMC de uma mulher de 41 anos, em que se observa marcada hipocinesia dos segmentos anteriores medio-ventriculares, associada a relativa hipercinesia dos segmentos apicais e basais (A,B – sequência cine-SSFP em duas câmaras na diástole e na sístole, respectivamente). Os mapas multiparamétricos T1 (C) e T2 (D) mostram aumento dos valores intrínsecos nos segmentos hipocinéticos. sugerindo a presença de edema.
Ecocardiograma e RMC de paciente do sexo feminino, 43 anos, com queixa de dor torácica após crise convulsiva. As imagens do ecocardiograma (A,B) e as imagens da sequência cine-SSFP da RMC (C,D) – todas em quatro câmaras – demonstram hipocinesia segmentar medioventricular, particularmente em segmentos septais. Os mapas T1 (E) e T2 (F) mostram edema difuso, mais exuberante nos mesmos segmentos hipocinéticos.
Imagens de RMC da paciente da Figura 10 na sequência cine-SSFP em quatro câmaras (A,B) e na sequência ponderada em T2 com saturação de gordura (C,D). As imagens A e C mostram as alterações de contratilidade (A) e o edema miocárdico (C) na ocasião do diagnóstico. As imagens B e D, adquiridas um mês e meio após, demonstram a reversão dos achados.
Além de alterações segmentares da contratilidade não habituais, uma pequena parcela dos pacientes também pode apresentar realce tardio miocárdico (Figura 12). Este se apresenta como pequenos focos esparsos, com padrão claramente não isquêmico, muitas vezes identificados apenas pela análise quantitativa com o auxílio de softwares e que não persiste em exames de controle realizados poucas semanas após o evento agudo. A fisiopatologia desse achado ainda não é completamente compreendida, mas acredita-se que esteja relacionada a alterações nas proteínas (colágeno-1) no miocárdio durante a fase aguda da doença, e não a necrose ou fibrose miocárdica(1).
Exame de RMC de paciente do sexo masculino de 66 anos com alterações contrateis segmentares típicas na sequência cine-SSFP duas câmaras (A,B), edema miocárdico medioapical no VE nas imagens ponderadas em T2 em eixo curto (C) e em quatro câmaras (D) e pequenos focos de realce tardio de padrão não isquêmico, apontados pelas setas nas imagens em eixo curto (E) e em quatro câmaras (F).
O significado clínico dessas variantes ainda é um campo em aberto. Algumas diferenças clínicas, como acometimento de mulheres em faixa etária um pouco mais jovem (média de 62 anos) e a associação com doenças neurológicas, já foram descritas. A depressão do segmento ST, menores valores de peptídeo natriurético tipo B na admissão e alterações menos acentuadas na fração de ejeção do ventrículo esquerdo também são características que se destacam nesses casos(7, 8, 9).
CONCLUSÃO
A cardiomiopatia de takotsubo é um diagnóstico que deve ser lembrado em casos de dor torácica em pronto-atendimento. A RMC permite o diagnóstico não invasivo, com informações adicionais em relação ao ecocardiograma e possibilitando a detecção de eventuais complicações(10, 11).
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
11 Fev 2025 -
rev-received
24 Mar 2025 -
Aceito
28 Abr 2025
























